abril 25, 2009

Revolução! - disse a Tia Lola

Ninguém, na família, se levanta mais cedo do que a Tia Lola.
Antes das 8.00, já ela costumava estar, de jornal na mão, a tomar o pequeno almoço, no Café. Pelo puro prazer de madrugar, porque não tinha trabalho fora de casa, e em casa, praticamente, também não.
Imagino a satisfação que lhe deu, nesse dia 25 de Abril de 1974, o facto de ter um bom pretexto para acordar toda a gente.
Não sei se fui das primeiras a ouvir o toque do telefone. Sei que era cedíssimo, e lembro-me da conversa, como se fosse hoje. A Tia estava excitadíssima. Via-se bem que a perspectiva a entusiamava, mesmo antes de saber exactamente onde as coisas iriam parar: "Manela, há uma revolução das Forças Armadas, aqui no Rossio. O melhor é ires já ao supermercado comprar o essencial para os próximos dias, porque deve fechar o comércio todo. E não saias daí - é o que os militares estão a pedir, na rádio".
E eu assim fiz. Muito me arrependo! A Tia estava na "baixa", no centro dos acontecimentos, a dar bons conselhos aos outros. Eu devia era ter ido ter com ela, deixando, tranquilamente, na quietude do meu apartamento, e na companhia das simpáticas vizinhas, a Maria Póvoas, já idosa demais para aventuras de rua, e a Endora, uma jovem e fogosa "Serra de Aire" .
Perdi essa oportunidade histórica, e desperdicei tempo a fazer compras inúteis de conservas, de bolachas, de fruta e de comida de cão - as lojas não fecharam, nunca - e, seguidamente, a ouvir e a gravar as emissões de rádio o dia inteiro. Música que, ainda hoje, me empolga. E, ao fim da noite, o anúncio de que o General Spínola, o do lido e relido "Portugal e o Futuro", estava à frente da Junta de Salvação Nacional. Uma revolução à medida dos meus sonhos. Pelo menos durante uns meses - até fins de Setembro. E, depois de algumas peripécias, com um fim feliz.
Em qualquer caso, achava e acho que teria valido a pena pagar um preço alto - mesmo que tivesse sido muito mais alto do que acabou sendo - para pôr termo à ditatura acabrunhante em que vivíamos.
Tal Tia Lola, tal sobrinha, para mim, qualquer movimento era preferível a águas paradas, que não levavam a lado nenhum...
Nesse 25 de Abril, saí para compras, apenas na Av. Uruguai: de manhã, provisões do ramo alimentar, no supermercado do meu prédio, e, de tarde, um disco grande, uma espécie de "souvenir", na Livraria Ulmeiro - "As cantigas de Maio" de Zeca Afonso. Como não tinha dinheiro vivo, a dona da livraria não só mo vendeu "fiado", como me emprestou uns contos de reis, para sobreviver até à abertura dos bancos - que, por acaso, foi logo no dia seguinte. Lá voltei a pagar a dívida, e a conversar sobre a revolução, que era tema único de conversas.

Sem comentários: