maio 31, 2024

AGUIARÍSSIMO 2009

domingo, 20 de dezembro de 2009 COIMBRA, HÁ TANTO TEMPO!... Meio século. Foi há meio século que atravessei, pela primeira vez, a Porta Férrea. Já como estudante da Faculdade de Direito. Ou melhor, futura estudante. Estava dispensada do exame de aptidão à Faculdade, fui com uma amiga que se apresentava a essas provas - a Maria Emília. Ela e umas dezenas de candidatos, quase todos homens. Entre eles encontrou a sua "paixão de praia", um rapaz moreno, bonito, mas mais baixo do que ela (que era alta - alta e magra). Apresentou-mo. Foi, assim, o primeiro colega que conheci em Coimbra. Cinco anos depois, acabei por ser eu, não ela, a casar com ele. Preferia que as coisas tivessem corrido bem entre eles, mas não estava escrito nas estrelas. Nesse ano de 1960, íamos para todo o lado juntos, estudávamos à mesa dos cafés. E eis que ele começou a fazer-lhe confidências - gostava de mim! Confidências que ela me "inconfidênciava", já pragmaticamente, curada do antigo "crush". A solidariedade feminina funcionava... ele não sabia que eu sabia. Um dia, já a meio do ano, terminei com o "jogo de enganos", pus tudo a claro. Ele não imaginava que eu estava a par da sua paixoneta por mim e, muito menos, da da Mª Emília por ele. Havia subentendidos das nossas conversas que lhe escapavam, pequenos remoques emilianos ou manuelinos, que o deixavam desconfortável (era um rapaz esperto e intuitivo...). Tempos muito divertidos! Por essa altura, ainda eu escrevia um "diário" - não diariamente, diga-se. É dele que vou falar. O Diário de Anne Frank impressionava, enormemente, as meninas da minha geração. Não tínhamos uma réstea de talento, mas tínhamos as ilusões próprias da idade, igual à dela, que, por desgraça, nunca teve outra... Eu, sim. Envelheci. E não olho, hoje, com excessiva benevolência essa tentativa falhada de dar forma literária aos meus estados de alma. Melhor teria sido, à maneira do Blogue Círculo Aguiar, ater-me a factos do quotidiano, a comentários curtos sobre pessoas e acontecimentos. Os meus diários intermitentes, muito mal escritos ao correr da pena, só ganham algum interesse quando lembram episódios que jaziam no esquecimento. Esta semana trouxe comigo de Lisboa o diário que vai de Maio 1962 a Janeiro de 1963. Li-o de ponta a ponta e a única expressão que sublinhei respeita à guerra colonial, que então ensombrava a nossa alegria de viver - aos rapazes, porque tinham na linha do horizonte o dantesco espectáculo de uma guerra muito real, agendado para o "dia seguinte". Às raparigas, porque estavam preparadas para os acompanhar, de longe ou de perto, e partilhar a sua sorte, afectivamente. Era o meu caso... Escrevi, pois, a 21 de Janeiro de 63, uma 2ª feira: "Bafiento e miserável país este! Não só porque é pobre, mesquinho de mentalidade, como tem um governo de megalómanos com a obsessão das caravelas a navegar dentro das cabeças". Enfim, a ideia é boa, o fraseado mauzinho... A figura central desse dia era o Álvaro, colega goês: "... Estudei umas 2.30 horas de tarde e às 5.30h fui ao cinema ver mais um filme do ciclo (Umberto D), por sinal, muito bom, mas muito triste. Em seguida, estive à conversa com o Álvaro, que embora tenha passado o verão em Coimbra, tem a época de Janeiro (para exames) por ser goês." "...O Álvaro bem quer ir para a França ou a Inglaterra, mas não lhe dão passaporte, porque os goeses querem continuar portugueses até ao fim dos séculos, e estes que estão cá dentro são reclames vivos na vitrine nacional . Mandam-no dirigir a solicitação ao Governador de Goa (em Lisboa)... Muito sério, como crianças, ou doidos num manicómio"

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