setembro 27, 2023

QUESTÕES DE GÉNERO NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO Manuela Aguiar1 INTRODUÇÃO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo no domínio da emigração vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 as mulheres viram reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se neste quadro jurídico e fático, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade”, em 2007 às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução n.º 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I- AFLORAMENTOS DA "QUESTÃO DE GÉNERO" NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO. Medidas discriminatórias, proibitivas ou limitativas. Tradicionalmente, emigrar era uma "aventura masculina". As Portuguesas viram-se, desde os séculos XVI e XVII, especialmente limitadas no que hoje diríamos o seu direito à emigração ou à reunificação familiar. E se até ao regime nascido no 25 de Abril de 1974 nunca foi verdadeiramente livre para todos a saída do país, o certo é que os obstáculos foram sempre maiores para as mulheres. No período da "expansão", nem para acompanhar os maridos isso lhes era, em princípio, permitido, só a título excecional e por favor régio. Política diametralmente oposta foi, por exemplo, Jurista, foi docente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e da Faculdade de Direito da 1 Universidade de Coimbra. Árdua defensora dos direitos das Mulheres e das Políticas da Emigração, atividades que desempenhou nos anos em que esteve à frente da Secretaria de Estado para a Emigração e Comunidades Portuguesas, na qualidade de deputada na Assembléia da República, e na presidência da Comissão Parlamentar das Mulheres. _____________________________ Page 1 of 15 seguida em Castela, que sempre privilegiou a emigração de casais para as colónias da América do Sul. (Boxer, 1977, p. 34). No nosso caso, houve sim algumas exceções determinadas pela vontade de promover o enraizamento de populações europeias em determinadas regiões do Império. Com essa finalidade, saíram para a África e o Oriente as chamadas "Órfãs d’El-Rei”, jovens recolhidas em orfanatos que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante um determinado dote, nomeadamente terras de cultivo ou empregos públicos. Também o povoamento por casais foi promovido em casos contados, ao longo de diferentes épocas, mas nunca de forma generalizada e sistemática. (Boxer, 1977, pp. 78-84) Mais tarde, no século XIX, em contexto puramente migratório, poderemos apontar um caso particularmente bem documentado de emigração familiar para as antigas Ilhas Sandwich, enquadrada num acordo bilateral entre os reinos de Portugal e do Havai. A partir da Madeira e dos Açores aportaram nessas ilhas do Pacífico, muitas mulheres e homens, que quase sempre levavam consigo uma prole numerosa e deixavam a terra sem esperança de voltar. (Felix, 1978, pp. 28-30) Porém, à margem de qualquer incitamento ou facilitação do processo, grande número de mulheres iam juntar-se a maridos e familiares por sua vontade, contrariando estratégias, leis e determinações das autoridades. Em oitocentos e no início do século seguinte, acentuou-se a tendência para o aumento das que assim reagiam à solidão em que se viam, partindo ao encontro dos homens, em regra, depois de eles estarem integrados na nova sociedade, o que era causa de desmedida preocupação dos especialistas neste domínio, tanto de académicos como de decisores e responsáveis pela execução das políticas de emigração . 2 São representativas do pensamento da época as opiniões de investigadores como Afonso Costa e Emygdio da Silva. Para o primeiro, a emigração feminina é mesmo considerada uma "depreciação do fenómeno migratório", o que tem de se compreender na lógica de considerar o emigrante essencialmente como fonte de divisas. Nas suas próprias palavras: "[...] é quando a família fica na Pátria que ele envia mais regularmente as suas economias". (Costa, 1913, p. 182). Para o segundo, o êxodo das portuguesas era "uma constatação tremenda". Reportando-se a este fenómeno no início do século XX, entre 1906 e 1913, um período em que se regista um crescimento de 127% das saídas de mulheres, os perigos para que aponta são, antes de mais, a "desnacionalização" e a "cessação de remessas". (Silva, 1917, p.132). Não surpreende, assim, que a discriminação entre os sexos fosse evidenciada na própria definição de emigrante: o passageiro homem que viajava na 3ª classe dos navios e a mulher que seguisse desacompanhada, qualquer que fosse a classe escolhida para o transporte, ficando sujeita a O Estado, de um modo geral, privilegiou, de jure e de facto, a emigração de homens sós, assim como a miscigenação 2 consentida ou encorajada nas colónias a fim de reter no Reino as mulheres. E terá sido à atitude de desafio destas “viúvas” de maridos vivos, que decidiram partir ao encontro dos ausentes, que se ficou, fundamentalmente a dever a matriz cultural portuguesa dessas colónias de povoamento. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa terá sido, geralmente, mais permissiva no que respeita à saída de mulheres para o Brasil do que para África ou o Oriente. _____________________________ Page 2 of 15 todas as restrições que a qualificação implicava. Essa diferença de tratamento denunciava a clara consciência da "questão de género", a constatação da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma opção pela integração e pelo não retorno a suscitar a intervenção autoritária, vertida em medidas jurídicas e práticas administrativas. De facto, a emigração familiar reforçava, como ainda hoje indubitavelmente reforça, a tendência para a fixação definitiva no país de acolhimento. E não se perspetivava outro tipo de ganho que pode ser maior e mais duradouro do que a entrada de divisas para equilibrar as contas com o exterior. Por exemplo, a criação de comunidades portuguesas pela cultura e pelo afeto, (indissociáveis de uma forte componente feminina), que eram, então, pouco mais do que ignoradas ou depreciadas como meros “guetos” transitórios onde se enclausurava, por escolha própria, a primeira geração de emigrantes. Haveria também, já, o assomo de alguma preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, pelo receio de que sós, em terra estranha, pudessem ser vítimas de exploração no trabalho. O que obviamente não havia ainda, era a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos, e muito menos a aceitação de que pudessem ter, neste como noutros domínios, direitos absolutamente iguais. II- DA IGUALDADE NA LEI ÀS DESIGUALDADES DE FACTO Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, a liberdade de circulação dentro e para fora do território nacional é restabelecida (ou melhor, estabelecida) e vem a ser consagrada na Constituição de 1976. Esse foi um tempo de tão assertiva afirmação de princípios, que levou a uma natural sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se as leis vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em factos do quotidiano. Assistimos, por isso, a uma diluição da problemática feminina perante leis que as não discriminavam, com o que isso representava de positivo face ao passado, mas também com a faceta negativa de ser "padronizado” no masculino todo e qualquer trajeto migratório, assim se tornando opaco e permanecendo desconhecido o que especificamente dizia respeito às mulheres migrantes. No "país do território" sentiu-se a necessidade de ir abrindo caminho à igualdade efetiva entre os sexos para além da mera proclamação de princípios, dando às políticas uma base operacional própria em serviços ou departamentos com competências genéricas ou sectoriais (a "Comissão para a Igualdade", cuja designação foi variando sem verdadeiras ruturas na sua atuação, exemplifica aquela primeira categoria; a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego - CITE - a segunda). Pelo contrário, no "Portugal da Diáspora" a atitude foi de descaso das autoridades nacionais no respeitante à situação das portuguesas no estrangeiro e às eventuais singularidades da sua integração no mercado de trabalho e na comunidade de destino, não obstante a Constituição, no art.º 9.º/h, a partir da revisão de 1997, e também no art.º 109.º, impor ao Estado a tarefa de _____________________________ Page 3 of 15 promover a igualdade entre os sexos no que respeita à participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras, ainda por cima, numa conjuntura em que se acentuava a “feminização” da emigração devido à crise económica que viera interromper a chamada de trabalhadores ativos e apenas tolerava movimentos migratórios para efeito de reagrupamento familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, apesar das restrições que inicialmente, um pouco por todo o lado, se colocavam à sua atividade profissional, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, ainda que não normalmente no mesmo tipo de emprego. Em qualquer caso, a possibilidade de profissionalização, logo aproveitada maciçamente, converteu-se numa autêntica via de emancipação dessas mulheres dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e, do mesmo passo, independência e igualdade, quando não supremacia dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995, p. 51). E mesmo em relação aos homens emigrados nem sempre perdiam no confronto .3 A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência. Se existe, sob diversas formas, acaba sendo frequentemente superada. Conclusão a que se chega quando se perspetiva a vida das emigrantes ao longo de décadas, como realidade complexa e dinâmica, e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008, p.1257). Em boa verdade, o sucesso no longo prazo da geração de 60 e 70, a do "salto" para a Europa, não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998, p. 22). E às próprias mulheres se fica a dever, não ao sustentáculo moral e material ou a quaisquer formas de ajuda do seu país . 4 No aspeto legislativo, é de salientar que na década de 80, subsistia ainda contra a letra e o espírito da Constituição de 1976, uma capitis diminutio das mulheres portuguesas, na maioria mulheres emigrantes, embora não pelo facto de o serem, mas sim pelo de residirem num lugar geográfico mais propício ao convívio com não nacionais: refiro-me à lei que retirava a nacionalidade portuguesa automaticamente às cidadãs que casassem com estrangeiros. A Lei n.º 37/81 veio permitir-lhes não só conservarem a nacionalidade, independentemente da do cônjuge, como transmiti-la em igualdade de condições à sua descendência, e recuperar o estatuto de cidadania portuguesa perdido "ex lege". No entanto, note-se que a reaquisição desse estatuto Maria Engrácia Leandro foi uma das primeiras investigadoras a evidenciar formas desta insuspeitada realidade, tendo 3 centrando os seus estudos nas comunidades portuguesas da região parisiense É certo que algumas medidas pontuais se podem destacar. Um exemplo: aquando da adesão de Portugal à CEE, no 4 âmbito das comparticipações comunitárias, a SECP organizou diversas ações no domínio da formação profissional destinadas a mulheres, o que constituiu uma diligência pioneira, ainda que desenvolvida num universo limitado, e, por isso, sem decisivo impacte na vida da generalidade das portuguesas. _____________________________ Page 4 of 15 facilitada e com eficácia retroativa só viria a ser assegurada pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro, ou seja, cerca de trinta anos depois da revolução do 25 de Abril . 5 Olhámos a emigração do passado, mas tratando-se de um movimento que nunca cessou, e reassumiu, sobretudo na última década, uma desmesurada dimensão, convém igualmente consideralo no presente. Embora isso não tenha ainda reconhecimento bastante, há de facto um recrudescimento das vagas migratórias, no conjunto menos dramáticas, menos visíveis do que as das décadas de 60 e 70, e, também, mais difíceis de quantificar na sua exata extensão, porque se dirigem em larga medida a um espaço europeu de liberdade de circulação. As mulheres estão envolvidas no processo por vontade e direito próprio, autonomamente, e tal como os homens, são cada vez mais qualificadas. Segundo o sociólogo Eduardo Victor Rodrigues "[...] já não correspondem ao paradigma da mulher da aldeia que sai para acompanhar o marido; são bastante escolarizadas e procuram melhores condições de vida" . É um êxodo, também no feminino, que 6 escapa ao paradigma tradicional e que é necessário conhecer melhor e apoiar, como reivindica a Assembleia da República numa Resolução aprovada no primeiro trimestre deste ano que irei expor adiante. Alguns estudos têm sido desenvolvidos nesta área por cientistas, a título individual, em projetos de centros de investigação, e também em comunicações e debates de congressos, encontros, seminários, como é o caso do que aqui nos reúne. Fala-se em “congressismo”, para englobar este último tipo de iniciativas. É uma palavra que não encontraremos em muitos dicionários, mas que permite classificar expressivamente um instrumento que tem tido influência basilar na elucidação e na procura de respostas para a "questão de género” em Portugal, no nosso século, tal como noutros países e noutros tempos, pelo menos desde que Elizabeth Cady Stanton fez história do feminismo nos lendários encontros de Seneca Falls. Nos anais da luta feminista, como nos da luta pela valorização do papel da Mulher no universo da emigração, o “congressismo", assim entendido, tem podido concertar a vertente académica com a da partilha de experiências vivenciais visando a ação concreta e a mudança. Em Portugal, no presente, através dele se tem vindo a executar uma parte do programa de governo para as comunidades portuguesas do estrangeiro, em matéria de género. (Aguiar, 2009, p. 41). Os A Lei n.º37/81 de 3 de Outubro foi, a meu ver, descaracterizada pela via da regulamentação que admitia inclusive a 5 oposição do Estado em processo de reaquisição da nacionalidade pela mulher casada com estrangeiro. A Lei Orgânica n.º1/2004 de 15 de janeiro, no art. 30.º veio permitir a recuperação da nacionalidade, por mera declaração. Na parte final do n.º 2.º do mesmo artigo estipula-se que a reaquisição "[…] produz efeitos desde a data do casamento". Afirmações do sociólogo Eduardo Victor Rodrigues, proferidas no encerramento do Encontro “Cidadãs da Diáspora”, 6 em Espinho, tiveram eco nos media das comunidades, nomeadamente no Canadá. Citamos um artigo de 9 de março de 2009 do jornal "Voice", intitulado justamente "Mudanças nos Hábitos dos Emigrantes Portugueses". _____________________________ Page 5 of 15 “Encontros para a Cidadania foram anunciados e efetuados nesse preciso enquadramento, a partir de 2005 .7 Um parêntesis, para salientar a absoluta necessidade de recorrer ao conhecimento científico a fim de fundamentar novas políticas de emigração. É uma evidência nem sempre vista como tal. Em largos períodos do passado recente, governo e universidades viveram dissociados, com os efeitos que se conhecem, em particular a tardia reação das autoridades perante inesperados reinícios de surtos migratórios e, muitas vezes, também perante casos graves de exploração dos expatriados, dos quais a opinião pública e o governo tomam conhecimento, em simultâneo, pela imprensa. Por isso se regista como positiva a retoma de colaboração que, previsivelmente, permitirá inspirar e delinear decisões e medidas de pronto e atento acompanhamento de movimentos emergentes. Exemplo de uma relação mais estreita entre estes dois mundos, o académico e o político, é o estabelecimento da parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e um centro de investigação universitário (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE), para levar a cabo um projeto de análise e caracterização do fenómeno migratório, através do "Observatório da Emigração” . 8 Resta saber em que medida se preocupará o “Observatório” com a problemática de género, e tornará mais ou menos dispensável a recomendação, repetidamente feita ao governo, de criar um observatório das migrações femininas . 9 III- AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE AUDIÇÃO DE MULHERES EMIGRADAS Como vemos, foi regra geral até data recente a indiferença dos Governos por tudo o que respeita às particularidades da integração das emigrantes no sector profissional e no universo associativo, este, dirigido e representado, nunca é demais salientá-lo, quase em exclusivo por homens, no período que se seguiu à proclamação jurídica da igualdade plena entre os sexos, nomeadamente no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), desde 1981. Dos grupos que tradicionalmente viam, pela especificidade das suas situações, supostamente no seu próprio interesse, dificultada a saída do país, de mulheres e jovens, só estes últimos têm estado no centro da atenção dos políticos, antes de mais, através da organização de programas de No primeiro comunicado de imprensa sobre os "Encontros para a Cidadania" dizia-se, expressamente, que um dos 7 seus objetivos era "o cumprimento do programa do XVII Governo (capítulo V, ponto 7) " Não é nova a preocupação de estimar e analisar, de forma sistemática, os movimentos migratórios nacionais. Portugal 8 participou, ativamente, desde os tempos do "Secretariado Nacional da Emigração", no Serviço de Observação Permanente das Migrações - SOPEMI - da OCDE – colaboração a que, na década de 80, era ainda dada uma grande importância. Nos "Encontros Para A Cidadania", sobretudo nos de Buenos Aires e de Estocolmo, foi insistentemente avançada essa 9 recomendação. Tendo sido em data posterior criado o Observatório da Emigração para evitar dispersão de esforços, o mais razoável parece ser agora uma insistência para que nele se venha a incluir o estudo das particularidades das migrações femininas. Objetivo necessário para desocultar de disparidades e injustiças, se poderá desencadear a alteração de mentalidades e atitudes. _____________________________ Page 6 of 15 ensino da língua e cultura portuguesas, mas também de ações de intercâmbio, estágios de formação profissional, encontros, debates, do que designamos por "congressismo". Na última reestruturação do CCP – Lei n.º 66-A/2007 de 11 de dezembro – o legislador foi mais longe com a instituição de um “Conselho Consultivo da Juventude”, com competência “nas questões relativas à política da juventude para as comunidades portuguesas”, e nas “questões relacionadas com a participação cívica e integração social e económica dos jovens emigrantes e luso-descendentes nos países de acolhimento”. Nada de comparável está previsto para o associativismo feminino. Alguns responsáveis políticos justificarão esta diferença com a opção pela "paridade" de género no CCP, nos termos que adiante explicitaremos, em alternativa a esta outra forma de dar representação específica a determinados segmentos ou grupos das comunidades. Julgo porém válido contra-argumentar que a verdadeira paridade é um objetivo a prazo incerto, provavelmente a longo prazo, pelo que, no imediato, a metade feminina da emigração ficará longe de ter a metade dos assentos do Conselho. Por outro lado, a vertente de "género" não tem sequer sido valorada, e deveria sê-lo, nos critérios de concessão de apoios do Estado às iniciativas de instituições da "Diáspora", parecendo contar pouco o facto de o crescimento da rede de clubes e centros culturais em que se estruturam as comunidades se dever, em muito, à participação de famílias inteiras, com as mulheres a assumirem funções simétricas no círculo estreito do lar e no círculo alargado na coletividade, neste permanecendo quase sempre uma discreta "dona da casa" que se encarrega da arte da culinária, da decoração, da organização dos bastidores da festa e do convívio quotidiano, fatores insubstituíveis de agregação e de desenvolvimento. Um papel vital, mas redutor, de que se vai libertando, para exercer, alternativa ou cumulativamente, quaisquer outros, para já, mais em determinados países do que na generalidade do universo da Diáspora portuguesa. Estamos num domínio da vida em sociedade em que, segundo a opinião dos que defendem em absoluto o princípio da não interferência, o Estado não deve intrometer-se. Todavia, não é disso que se trata, trata-se não de condicionar ilegitimamente a independência das instituições, mas de velar pela aplicação de direitos fundamentais que nenhuma tradição ou costume que invoque pode subverter. Há que incentivar boas práticas dentro de cada associação portuguesa do estrangeiro, apelando à vivência igualitária da cidadania, como de resto quer o próprio legislador constitucional. A verdade é que, com recurso aos mais variados pretextos, sucessivos governos no pós 25 de Abril de 1974 descuraram a prossecução do objetivo da igualdade de acesso a atividades cívicas e políticas no espaço da emigração. A vontade de romper este quadro de inércia foi divulgada, logo no início de funções, pelo Secretário de Estado António Braga no 1º Encontro da Cidadania, em novembro de 2005, ao falar do “desígnio”, que presidia a essa reunião de " [...] retomar da questão de género, que tem andado _____________________________ Page 7 of 15 esquecida ao longo dos anos […]", e ao admitir que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política" . 10 Era, de facto, um "retomar" a questão de género que havia tido apenas um momento breve de afirmação na meia década de 80. No arranque desta primeira fase está uma recomendação do CCP, que se fica a dever à visão e sensibilidade de uma das raras mulheres que nele tinha voz. O Conselho, criado pelo Decreto-lei n.º 373/80 de 12 de setembro, órgão consultivo do governo, era eleito de entre os líderes das associações e formado, como disse, na sua quase totalidade, por homens, à imagem do próprio dirigismo associativo de então. Maria Alice Ribeiro, "mulherexceção", na qualidade de representante dos media do Canadá no CCP, obteve, em fins de 1984, na reunião regional desse órgão, realizada em Danbury, Connecticut, consenso para a sua proposta de convocação de um congresso mundial de portuguesas emigradas . 11 A Secretaria de Estado da Emigração aceitou o desafio e o “1.º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" aconteceu no ano seguinte. Trinta e seis portuguesas dos cinco continentes foram convidadas, através das embaixadas e consulados de Portugal, a apresentar comunicações: jornalistas, professoras, investigadoras, sindicalistas, empresárias, estudantes, dirigentes de coletividade. Mulheres de formação muito diversa, todas elas ativas das suas comunidades, no ensino, na ação social, no teatro, na dança, na música, no desporto . A seleção 12 desse grupo de personalidades convidadas não teve tanto a preocupação de assegurar um equilíbrio regional entre as grandes concentrações de emigrantes, como de refletir a participação das mulheres, tal como à época se verificava, em comunidades com origem, idade e tradições de organização e ação femininas muito diversas. Assim, com uma representação mais em qualidade do que em quantidade, tendo como interlocutores vários membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira e também, da sociedade civil, se realizou, em junho de 1985, em Viana do Castelo, a reunião matricial. 1985 era o ano de encerramento da "Década" das Nações Unidas dedicada à Mulher, facto que não havia sido determinante na recomendação do CCP, embora a coincidência tenha contribuído, a par do carácter inédito da iniciativa portuguesa, para que o "Encontro" tivesse o alto patrocínio da UNESCO. Não havia, realmente, memória de organização, por parte do governo de um país de Declarações de António Braga em entrevista transcrita na publicação sobre o "Congresso online", promovido em 10 2009 pela “Mulher Migrante”. Um quarto de século antes, eu própria, encerrei o Encontro de Viana com um discurso semelhante, notando, no que às mulheres respeita, "[...] ausência de participação, de voz, de reconhecimento, de poder, ao menos de poder formal, nas instituições [...]" Posições concordantes, separadas por um longo hiato de duas décadas de inação política, neste campo. A génese dos Encontros para a Igualdade vem sumariada num artigo com esse título, na edição sobre "O Congresso 11 on line". "Jornalismo" considerado no seu sentido mais amplo, incluindo profissionais, correspondentes de meios de 12 comunicação de âmbito europeu, (“BBC”, “Radio France Internacional”, quotidianos parisienses), ou americano (“CBS”), a par de produtoras ou diretoras e colaboradoras de programas "étnicos". As trinta e seis participantes - das quais 14 jornalistas - procediam de dez países, dos cinco continentes, com predominância das do norte da América, Canadá e EUA, sobretudo, da Califórnia, onde o associativismo feminino tem uma existência quase centenária. _____________________________ Page 8 of 15 diáspora, de um fórum semelhante, apesar de, na altura, alguns, poucos, já disporem de mecanismos para audição geral dos seus expatriados. A menção do Conselho das Comunidades torna-se incontornável no historial deste congresso, não só por lhe pertencer a autoria da proposta da convocatória, mas também porque o desenrolar dos trabalhos se inspirou nos seus moldes de debate e decisão, contou com parceiros oficiais do mesmo nível e fez apelo ao envolvimento do associativismo e dos media (precisamente como sucedia no próprio "Conselho"). Assim, as "conselheiras", a título informal, puderam dialogar com os mais altos responsáveis pelas políticas para a emigração, transmitir-lhes os seus pontos de vista e, seguidamente, deliberar, entre si, conclusões e recomendações. Nas conclusões gerais, realçaram, como António Braga haveria de fazer duas décadas depois, sinal da longa paragem do processo então encetado, " […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". E, naturalmente, no final dos trabalhos quiseram enfatizar " […] o entusiasmo e a expectativa gerada pelo Encontro" . Para audição futura, e para a chamada das mulheres à intervenção cívica, 13 propunham a criação de uma associação internacional própria. Na escolha de temas para debate, no modo de historiar o passado e olhar o presente, e nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objetivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida coletiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projetos de mudança. Nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam não viria a formar-se por falta de assunção da liderança, decerto por causa da dispersão, da distância, das dificuldades de contacto. Mais pragmática e fácil de implementar teria sido a proposta de inclusão da problemática feminina na agenda do CCP para convocatória de novas reuniões. Em 1987, perante o impasse em que se caíra, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas enveredou por essa via, no contexto de uma reestruturação do CCP. Previa-se a organização, não na orgânica, mas na órbita do “Conselho”, por simples despacho do presidente do CCP que era, então, um membro do Governo, de várias "conferências" temáticas em áreas prioritárias, entre elas, uma "Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro” . 14 Nas conclusões, in fine as participantes quiseram marcar esse carácter pioneiro, ao destacarem o seguinte: " […] Não 13 se tem conhecimento que algum país de emigração tenha alguma vez organizado um Encontro deste tipo. As mulheres portuguesas no estrangeiro tiveram voz, usaram-na e partiram animadas por uma nova vontade de fazer. Em Portugal ficou o eco do que disseram". Na verdade, nem governo nem as convidadas para o "Encontro" tinham modelo estrangeiro em que pudessem inspirar-se - salvo em iniciativas padronizadas no homem migrante. Uma breve referência às conferências é feita na publicação "Mulher Migrante - O Congresso on line" (p.8). 14 _____________________________ Page 9 of 15 A queda e substituição desse Executivo, no verão de 87, implicaram a marginalização imediata do CCP, enquanto organismo de consulta, e as "conferências" não foram nunca convocadas, tal como os plenários do “Conselho". Cerca de uma década depois, a memória das expectativas geradas em 1985 e a convicção de que seria ainda necessário e possível satisfaze-las, levou um pequeno número de participantes do "Encontro" de Viana, a constituir uma associação que reclamou a herança desse projeto em demorada hibernação: a "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Solidariedade e Cooperação". (Gomes, 2007, p. 99). A "Mulher Migrante" manifestou, desde logo, uma vontade de cooperação com governo e com ONG’s interessadas na promoção de estudos e de reuniões ou Congressos periódicos, a fim de fazer o ponto da situação das mulheres migrantes e de abrir caminhos para a igualdade. De algum modo, ainda que sem uma base institucional no seu modo de funcionamento, inspira-se no modelo do CCP originário, que tinha raízes na comunidade (em sentido orgânico) e se inseria numa estratégia de cooperação "Estado-Sociedade Civil". Não será de todo excessivo ver, não na "Mulher Migrante" em si, mas na "plataforma de diálogo" que com o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro foi sendo mantida, essa vocação de se converter numa espécie de "Conselho" no feminino, pelo menos no período em que decorreram os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens" . 15 IV- OS "ENCONTROS PARA A CIDADANIA", PARADIGMA DE MOBILIZAÇÃO PARA A IGUALDADE ENTRE MULHERES E HOMENS" (2005-2009) Em 2005, por altura do 20º aniversário do "Encontro" de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas uma proposta de comemoração da efeméride, através da retoma de audições sistemáticas das emigrantes, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. Proposta que ele aceitou, patrocinando de uma forma sistemática campanhas com esse escopo nas maiores comunidades da Diáspora, numa acção conjunta com ONG´s de Portugal e das comunidades que foram levadas a cabo nos referidos "Encontros" realizados, sucessivamente, na América do Sul, em Buenos Aires (2005), na Europa, em Estocolmo (2006), no Canadá, em Toronto (2006), na África do Sul, em Joanesburgo (2008) e nos EUA, Berkeley (2008). A "Associação Mulher Migrante", converteu-se, desde a meia década de 90, num parceiro preferencial de vários 15 departamentos governamentais, nomeadamente da "comissão para igualdade", a da SECP. _____________________________ Page 10 of 15 O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, a alto nível político - pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão . 16 A Jorge Lacão coube, na "Conferência para a Igualdade" em Toronto, fazer uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração. Na abertura dessa Conferência, assegurou, com meridiana clareza, que “[…] as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas ao não excepcionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo certamente buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro" com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas de igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia. Lacão foi ao cerne da questão ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida associativa e na das comunidades, ideia chave para a “paridade", como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é Na organização dos “Encontros”, a par da "Mulher Migrante" estiveram a Fundação Pro Dignitate, através da 16 Doutora Maria Barroso, Presidente de Honra dos "Encontros", a Universidade Aberta, o "CEMRI", a "Rede Jovem para a Igualdade" e, em cada comunidade, uma ou várias ONG's responsáveis pela implementação do projecto: na América do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina; na Europa, a federação "PIKO", com sede na Suécia: no Canadá, a "Working Women" e outras, com particular envolvimento da Cônsul Geral de Portugal; na África, a "Liga da Mulher Portuguesa"; nos EUA, o departamento de português da Universidade de Berkeley. _____________________________ Page 11 of 15 condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009, p.11) A palavra ganhou, ali, de facto, força num ato de diálogo no interior de uma das maiores comunidades do estrangeiro, com mulheres e homens representativos do movimento associativo, onde estas teses praticamente nunca haviam sido afloradas, nem de uma forma espontânea, nem por parte do governo. Foi bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. Neste e nos demais "Encontros " se pretendeu levar a efeito um levantamento o mais abrangente possível do posicionamento e da atuação cívica das portuguesas no mundo, com um propósito de estimular a mudança. Isto é, não apenas de constatar, mas de agir, ou interagir. O Secretário de Estado das Comunidades acentuaria, em Joanesburgo, ao anunciar a preparação de um novo congresso mundial de mulheres emigradas, que "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...] pela importância que atribui à necessidade de reforçar os laços com Portugal". (Braga, 2009, p.132) A partir desse Congresso terão, ou não, continuidade estas formas de audição, regionais ou mundiais, ensaiadas entre 2005 a 2009? E passarão pelo movimento associativo, pela colaboração com as ONG's, como se viu neste quadriénio? Não é de modo algum seguro antecipar que sim. O programa do atual Governo, no ponto referente a Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao contrário do que acontecia com o anterior, é omisso no que respeita à problemática da igualdade de género e às iniciativas, havidas ou a haver, na área das "Comunidades" e na relevância genérica de parcerias com as ONG's, neste domínio . Ou será antes 17 pelo CCP, que passará o eixo central das políticas com a componente de género? Só a resposta a estas perguntas, a obter dentro dos próximos anos, permitirá concluir se estamos, ou não, no limiar de uma estratégia para as comunidades portuguesas do estrangeiro, assente na chamada das mulheres à participação cívica igualitária. V - MEDIDAS JURÍDICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE NO SÈCULO XXI A norma que determina a aplicação do princípio da paridade, imposto nas eleições legislativa e autárquicas, à eleição do CCP (o n.º 4 do art.º 11.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 37.º da Lei n.º 66-A/ 207) é, no plano jurídico-político, uma medida excecional de promoção da igualdade de género na história da emigração portuguesa, dando cumprimento da letra e do espírito da Constituição da República. O anúncio da sua (então) próxima entrada em vigor foi feito na Conferência de Toronto A omissão contrasta com a relevância que é dada a parcerias com as ONG's em sede de Cooperação, (Programa 17 do XXVIII Governo, p. 127). _____________________________ Page 12 of 15 por Jorge Lacão, como prova da vontade do governo de garantir a audição efetiva das mulheres num órgão onde sempre haviam sido uma pequeníssima minoria, e, na prática, sem acesso à sua instância de cúpula, o "Conselho Permanente". As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os atos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas bem-sucedido, pois redundou no aumento, que era previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão ao Conselho Permanente. A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, diretamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indiretamente, do papel que venha a ser o desta instituição que tem tido, como afirmei, um percurso acidentado e irregular, enquanto fórum de consulta do Governo e de representação dos emigrantes. Posterior à legislação que impõe a recomposição mais igualitária do CCP, bem como ao termo dos "Encontros para a cidadania", é uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a "problemática da mulher emigrante", em forma de resolução - a Resolução n.º 32/2010, de 19 de Março - que visa os mesmos resultados das referidas estratégias e ações governamentais. Muito embora não lhes faça qualquer alusão, parece querer dar-lhes seguimento, no futuro imediato, ao definir um conjunto de medidas “destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas do estrangeiro" e ao prever a utilização de instrumentos e metodologias idênticas, apontando para a efetivação de "seminários, campanhas de sensibilização, ações formativas e informativas junto das comunidades, incentivos a estudos e investigações. Na Resolução n.º 31/2010, aprovada na mesma data, os parlamentares recomendam ao Governo que " […] proceda ao estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa do mundo.” E fazem sua uma ideia chave do Programa do XVII Governo: preparar as medidas da sua política externa, em concertação com outros ministérios, “[…] no sentido de revelar uma mudança de paradigma face a esta nova diáspora portuguesa, colocando-a no centro das suas ações, fazendo dela uma verdadeira linha avançada da nossa diplomacia um pouco por todo o mundo”. Por seu lado, a Resolução destina-se a contribuir para “o desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro”, visando “Promover a igualdade efetiva entre homens e mulheres no universo das comunidades portuguesas no Mundo; Combater situações de violência de género; Desenvolver modalidades de inserção profissional das mulheres portuguesas no estrangeiro”. (Ponto 2, alíneas a), b) e c). Objetivos, todos eles, traçados no programa do atual governo, no capítulo respeitante às políticas sociais de igualdade de género, porém, sem qualquer _____________________________ Page 13 of 15 referência expressa ao caso das mulheres expatriadas, pelo que não será desapropriado concluir que a "Resolução" procura transpor o conteúdo das medidas ali delineadas, em termos gerais, para a situação particular das emigrantes. A Resolução não é, evidentemente, muito inovadora pelo que recomenda. É-o pelo facto de ser a primeira vez que os Deputados chamam a atenção para os deveres do Estado na consecução da igualdade de mulheres e homens, para além das fronteiras territoriais, como manda o art.º 109.º da Constituição. Se a resposta do Executivo for o relançamento, de uma forma constante e consistente, do trajeto de diálogo e cooperação já empreendido sem que tenha ainda atingido a generalização e a eficácia plenas, a exigir esforço incessante, sem fim à vista, estaremos no limiar de efetivação de políticas de emigração com a componente de género. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aguiar, M. M. (2008). Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica. [Migrant Women and Civic Intervention]. In M. R. Simas (org). A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades. (pp. 1247-1258). [Women and Work in the Azores and in Communities]. MAR Açores. Aguiar, M. M. (2009). Os Encontros para a Cidadania. [The Meetings for Citizenship]. In M. M. Aguiar & M. T. Aguiar (coord.). Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 33-43). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Boxer, C.R. (1977). A mulher na Expansão Ultramarina Ibérica. [Women in Iberian Overseas Expansion]. Livros Horizonte. Braga, A. (2009). Encontros para a cidadania. O Encontro de Joanesburgo. [Meetings for citizenship. The Johannesburg Meeting]. In M. M. Aguiar & Aguiar, M. T. (orgs). Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 5). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Centro de Estudos. (1986). 1.º Encontro (de) Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo”. Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas. Costa, A. (1913). A Emigração. Imprensa Nacional. Felix, J. H. , Senecal, P. (1978). The Portuguese in Hawaii. Centinneal Edition. Gomes, R. (2007). O papel da Associação Mulher Migrante. [The role of the Association of Migrant Women]. In M. M. Aguiar (org). Migrações. Iniciativas para a Igualdade de Género. (pp. 99-118). Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. _____________________________ Page 14 of 15 Lacão, J. (2009). Conferência de Toronto. In M. M. Aguiar, M. T. Aguiar (coord.). Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 6). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade.]. Edição Mulher Migrante. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Leandro, M. (1995). Familles Portugaises Projects et Destins. Editions L' Harmattan, . Leandro, M. (1998). As mulheres Portuguesas perante os projectos de Emigração e Projectos de (Re)inserção Social. [Portuguese women facing emigration and social (re)integration projects]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Silva, E. (1917). Emigração Portuguesa. [Portuguese Emigration]. França e Arménio.

agosto 03, 2023

SOBRE ESPINHO, no cinquentenário da cidade

O que distingue Espinho das outras terras? Espinho nasceu, enraizou-se, evoluiu, fazendo história com uma mescla de extraordinárias particularidades, num todo singular. Uma pequena comunidade piscatória conviveu, desde o início, com a indústria conserveira e o turismo balnear vanguardista, no mágico enclave entre Gaia e a Feira, onde crescia em finais de oitocentos, a moderníssima urbe de traçado geométrico. Uma originalidade face aos cânones tradicionais de um país antiquíssimo! A sua vertiginosa ascensão à fama nacional e internacional muito deve, por um lado, ao comboio, que a tornou acessível a visitantes do interior de Portugal e Espanha, e, por outro, à visão de ilustres fundadores, que souberam pragmaticamente realizar a "utopia" de rivalizar com as maiores estâncias de veraneio da Europa. Espinho tornara-se uma verdadeira cidade cosmopolita, muito antes de ser reconhecida como tal, pelo que oferecia a residentes e a forasteiros: mar de grandes vagas e praias de barracas coloridas, cafés, esplanadas e avenidas, comércio florescente, hotelaria, recintos desportivos, a maior piscina da península, casinos, casas de espetáculos, concertos, cinema, teatro... o ambiente cosmopolita do seu dia e da sua noite, a sua vivência internacional! A minha memória de Espinho (nestes 50 anos)? Nas minhas memórias deste último meio século, já não havia o Café Chinês, nem a presença alegre e trepidante de “nuestros hermanos”. E, depois, deixou de haver o vaivém da Avenida, entre palmeiras gigantes e as esplanadas de vários cafés, o magnífico Cine Teatro São Pedro, o bonito cinema do Casino, (de cujas varandas, nos intervalos do filme, olhávamos o oceano) e o comboio a cruzar a cidade e a mostrá-la, ao vivo, aos viajantes, um incomparável cartaz turístico. A proximidade de toda a cidade com o mar perdeu-se, exceto nas centenas de metros de enterramento da linha férrea, e também um Hospital próprio, de reconhecida qualidade, em múltiplas valências. Com tudo isso, que se chamou Progresso - com consequências boas e algumas menos boas - a terra mantém intacta a identidade e o encanto! Somos, o que é cada vez mais raro, em simultâneo, cidade e comunidade: - Somos cidade de dimensão perfeita, onde podemos passear a pé, pelo centro, encontrando amigos, e tudo o que precisamos, num comércio local, que é costume comparar a um “centro comercial ao ar livre”, e onde, à distância de poucos minutos, temos a Biblioteca, o jardim, o Centro Multimeios, a Câmara, os CTT, farmácias, consultórios médicos, bancos, restaurantes e cafés, o mar, a estação de comboio. Um pouco mais a sul, o grandioso Fórum de Arte e Cultura de Espinho, com as elegantes galerias de Arte e o Museu, situado a uns escassos 15 minutos, a pé, da Rua 19, neste contexto já é por muitos considerado relativamente distante… - Somos comunidade autêntica, feita tanto de reencontros quotidianos de amigos, de tertúlias de café, como das realizações coletivas de um poderoso associativismo, que anima a vida cultural de Espinho e lhe dá projeção (nas Artes, música, dança, cinema, com acento nos aspetos da formação, e visibilidade em concertos e festivais), o mesmo acontecendo no campo social e desportivo, com muitas agremiações, clubes e jovens campeões. Os “media”, a imprensa, o ensino, a Escola Profissional, os Liceus (como ainda gosto de os designar…), a Universidade Sénior, as instituições de solidariedade e de beneficência são outras tantas manifestações de cidadania, com que a sua gente individualiza e engrandece a terra. As cidades deviam ser todas assim. Viver aqui é um privilégio! Como vê Espinho nos próximos 50 anos? Espinho, pela dimensão humana e pela coesão comunitária, é, a meu ver, um paradigma da cidade de amanhã a preservar face à vertigem de progresso que aí vem. Autoridades e sociedade civil souberam, em tempo matricial, pensar um projeto de futuro, ajustado às características do lugar, e dar-lhe corpo e alma. Em tempo de prodigiosos avanços tecnológicos, é preciso reconfigurar o legado, com um novo "élan" de criatividade. Sem fazer futurologia, direi que gostaria que Espinho se tornasse uma sociedade mais igualitária, mais aberta à participação das mulheres, mais intergeracional. Há que fixar os jovens com melhores oportunidades profissionais e atividades lúdicas. E, num país demograficamente tão envelhecido, há que apostar no turismo, hotelaria e residências seniores, (para portugueses, para estrangeiros) - aposta estratégica numa cidade/praia, geométrica, quase plana, tão agradável e naturalmente convivial. Esta comemoração simbólica do cinquentenário de Espinho/ cidade acontece num momento em que à frente dos destinos da Câmara Municipal está, pela primeira vez, um Executivo de maioria feminina e presidido por uma Mulher. É mais um motivo para acreditar que os próximos 50 anos começam bem! Qual a sua memória do Dia da Elevação a Cidade? Por coincidência, passeava com a minha mãe, na altura em que o cortejo oficial, encabeçado pelo Presidente do Conselho Marcelo Caetano, atravessava a Rua 19, com a sua comitiva de notáveis, e acompanhado por multidão festiva. Guardo imagens de uma espécie de “procissão laica”, sem andores, e com ostensiva predominância de homens de chapéu e fato escuro. Fiquei encostada a uma montra, a vê-los passar, e perdi de vista a mãe, que se foi juntar ao desfile. Mais tarde, presenciei novo ocasional encontro, quando o ditador seguia no seu carro preto, pela marginal, em marcha lenta, acenando ao povo. Minha mãe, com uma das sobrinhas ao colo, rompeu a barreira de populares, aproximou a menina da janela do automóvel e um sorridente Prof. Marcelo deu-lhe o beijinho da praxe,

maio 03, 2023

CCP 10 PERGUNTAS

) Comecemos por uma pergunta mais íntima, mais pessoal: qual é o seu sentimento de estar aqui hoje para falar do CCP, do “seu” CCP, que festeja hoje 40 anos de existência, um órgão que foi criado no sexto ano da era democrática portuguesa? 2) Sabemos que a criação do CCP era uma promessa que constava no programa eleitoral da Aliança Democrática, aquando das eleições intercalares de 1979. Mas quem foram os impulsionadores deste órgão? De quem veio a ideia e porquê? Ou terá sido o CCP um órgão criado em resposta à iniciativa do então Presidente da República Ramalho Eanes de formar o Congresso das Comunidades Portuguesas? 3) Eleições intercalares em dezembro de 1979... Tomada de posse do Governo em janeiro de 1980… E a MMA ficou com a missão urgente de criar o CCP. Um mês depois, a elaboração da legislação do CCP já era enviada para o Conselho de Ministros, e essa mesma legislação foi aprovada a 1 de abril de 1980, apenas três meses após a tomada de posse. E em setembro do mesmo ano, o diploma já estava publicado, com um veto Presidencial pelo meio! Foi há exatamente 40 anos. A MMA considera que o mês de janeiro de 1980 foi o mais intenso da sua vida? Pode explicar-nos um pouco mais essa maratona?  4) Quais são as grandes diferenças entre o CCP de 1980 e o CCP de hoje em termos de funcionamento? A frequência de plenários mundiais? A assessoria técnica? A publicação dos trabalhos pelo gabinete da SECP? A forma como os membros são eleitos? 5) O primeiro CCP parece ter funcionado melhor com a MMA. A única vez que o plenário do CCP não foi convocado, entre 1981 e 1987, foi em 1982 quando a MMA foi substituída pelo Sr. José Vitorino. Cito a MMA: “Ficou, assim, por demais, evidenciada a dependência do funcionamento do CCP mundial da vontade dos titulares da pasta da emigração, ou seja, a sua fragilidade institucional - consequência da falta de tradição do órgão e, porventura, também da falta de tradição democrática de um país saído de cinco décadas de ditadura".O que podia então ser feito para evitar essa dependência? Quais seriam as pistas para um melhor funcionamento do CCP sem ter que se depender da boa vontade do titular da pasta das comunidades portuguesas? 6) Como explicar que o CCP tenha passado por tantas reformas profundas nas últimas 4 décadas e que ainda estejamos tão longe de um contentamento geral? 7) Reparei numa proposta feita pelo CCP em 1981 que continua a ser um tema atual: o alargamento do número de deputados da emigração. Qual é a sua opinião sobre isso? 8) Os resultados da primeira reunião do CCP de 1981 foram publicados num boletim promovido pela SECP. Faria sentido, no seu entender, voltar a ter esse tipo de práticas? 9) Em 1990, houve uma reforma do CCP, promovida pelo então SECP Correia de Jesus. Pode explicar-nos o que aconteceu com esse CCP? O CCP “versão II” (Decreto-Lei 101/90)? 10) E para finalizarmos esta entrevista, se tivesse que escolher um acontecimento caricato que viveu com o CCP, qual seria? Aquela reunião entre alguns Conselheiros da Europa e o então Primeiro-Ministro Mário Soares?

abril 26, 2023

MARIA ARCHER NO SEU TEMPO FUTURO Por ocasião dos 40 anos da sua morte 1 - No dia 23 de janeiro, completam-se 40 anos sobre a morte de Maria Archer, grande escritora e jornalista, para quem a escrita começou por ser narrativa acutilante de experiências de vida em muitas partes do mundo da lusofonia e tornou-se, crescentemente, ato de cidadania, denúncia de um modelo opressivo e misógino de família e sociedade. O regime ditatorial não só a perseguiu e forçou ao exílio no Brasil, como, deliberadamente procurou apaga-la da história, no dizer de Maria Teresa Horta, prefaciadora da reedição de um dos seus mais lidos romances (“Ela era apenas mulher”). No ocaso de uma trajetória literário, que a doença encurtou, Maria Archer estava consciente disso e não encontrava em si o ânimo para contrariar o esquecimento a que fora sentenciada, mas sempre acreditou que o futuro lhe faria justiça. Numa quase total invisibilidade voltou a Lisboa, em 1979, e veio a morrer três anos depois. Parecia ter deixado, de uma obra vastísssima obra, apenas um ou outro livro sobrante nas prateleiras de alfarrabistas, e de um imenso talento a recordação prestes a extinguir-se juntamente com os derradeiros leitores da sua geração. 2 – A segunda vida da Maria Archer começou no Brasil (mais do que em Portugal), com o renovado interesse de um pequeno grupo de académicos na sua obra tão polifacetada, que vem sendo objeto de estudo e de divulgação em artigos, publicações, conferências, teses de mestrado e doutoramento. A esperança de Maria Archer num reencontro com o futuro estará em vias de se cumprir! E só pela via do reconhecimento de um indiscutível valor literário, mas também pela via do seu pioneirismo de surpreendentes textos de natureza etnográfica sobre os povos e culturas de África colonial lusófona ou sobre a condição das mulheres portuguesas durante o Estado Novo e pela sua corajosa luta pela liberdade As comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, vão, com certeza, lançar em simultâneo, um olhar sobre a evolução de cinco décadas de democracia e de cinco décadas de resistência à ditadura e aqui Maria Archer não pode ser esquecida! Não o é num projeto que está em investigação na Universidade Nova, como não foi numa iniciativa com que, nesta linha, o jornal Público se antecipou, homenageando, há alguns meses, mulheres cujos livros foram proibidos pela Censura. Nessa seleção, entre dez publicações, duas são de Maria Archer. Está em formação uma vaga de fundo que trará a público a memória da sua vida, como a comemoração do centenário da República trouxe a de Carolina Ângela ou Ana de Castro Osório. E nem terá de esperar até então. A efeméride que neste mês de janeiro celebramos vai coloca-la em foco nos meios académicos. O Porto receberá o ato inaugural, como ela, por certo, gostaria. Tinha orgulho na sua ascendência irlandesa, e, afinal, esta foi a cidade para onde imigrou, no ano de 1720, o seu primeiro ascendente, um aristocrata oriundo de Kilkeny, Lancaster. Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, o Circulo de Culturas Lusófonas Maria Archer , esperamos levar a bom termo uma agenda em que abordaremos, sucessivamente, as temáticas da criação literária e artística das mulheres portuguesas, das migrações, da cidadania e da Diáspora, do diálogo no universo da lusofonia. A 22 de janeiro no Porto, pelas 16.00, abrimos a programação, inaugurando na Galeria da Biodiversidade, a exposição “Vivências”, comissariada por Ester de Sousa e Sá, antecedida por uma mesa redonda com os pintores que, na tela, procuraram deixar a sua interpretação da personalidade, do espírito, do mundo de Maria Archer. Seguir-se-á, em fevereiro e março, um colóquio sobre “Maria Archer e outras Mulheres de referência e de (Ir) reverência”, e um ciclo de conferências com periodicidade quinzenal. 40 anos depois da sua partida, Maria Archer, regressa, intemporal para ficar na História das Letras e do Jornalismo, da Literatura Colonial, do Feminismo e da Democracia

março 05, 2023

Grande entrevista - Maria Manuela Aguiar OBSERVA Magazine 2 > > Quem é Manuela Aguiar? Uma Senhora ainda recordada como exemplo de vida na notoriedade que conferiu à Diáspora portuguesa. Assumiu a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, no VII Governo Constitucional liderado por Pinto Balsemão, em 1981. Encontrava-se a assumir a pasta do Ministério dos negócios estrangeiros, André Gonçalves Pereira. > > OM: Muito agradecidos por nos conceder a honra desta entrevista > > M A: Eu é que tenho de agradecer a possibilidade de partilhar com todos os leitores de Observa Magazine recordações de tempos e acontecimentos que que vivi, há tantos anos. > > Assumi a SEECP, a convite do Dr Francisco Sá Carneiro, nos primeiros dias de janeiro de 1980. Era Ministro dos Negócios Estrangeiros o Prof Freitas do Amaral. Não os conhecia pessoalmente até esse dia em que que com eles reuni, na Rua Gomes Teixeira, na altura em que preparavam a formação do VI Governo Constitucional. Conversámos como amigos de longa data, de um modo informal e descontraído. Foi o início de uma caminhada vertiginosa, em que Sá Carneiro impunha o ritmo e todos dávamos o máximo, num ambiente de coesão de equipa e de solidariedade, que nunca mais reencontrei no cumprimento de um projeto de intervenção na vida pública. Até 4 de dezembro, 1980 seria o meu melhor ano de sempre, até então - e até hoje! > > Intervir na política, não estava no meu horizonte. Sentia-me bem em trabalho de gabinete, como assessora do Provedor de Justiça. Antes tinha sido assistente de um Centro de Estudo e de várias Universidades. E fizera, em 1978/79 uma passagem por um governo de independentes presidido pelo Prof Mota Pinto - na pasta do Trabalho. Tinha quadrante ideológico - era "social-democrata à sueca" - mas não filiação partidária. Não fui pressionada a inscrever-me no partido, mas fi-lo, impulsivamente, e devido à minha entusiástica sintonia com as posições de Sá Carneiro . E com isso, me tornei a primeira mulher do PSD a ocupar um cargo governamental. Depois, acabei por perfazer o total de 5 governos, e por ficar na Assembleia da República quase duas décadas e na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa cerca de 14 anos. > > OM: Estando interessados em tentar escrever a história e as histórias desta importante e nobre função de quem assume uma secretaria que permite e fomenta o contacto com as comunidades portuguesas espalhadas pela Diáspora portuguesa, conte-nos qual o primeiro impacto com essa realidade. > > M A - Foi, antes de mais, a verdadeira descoberta de um "outro Portugal", que os portugueses recriam no estrangeiro e que é largamente ignorado, dentro do País. Tive, a preocupação de fazer viagens em que circulava, de cidade em cidade, entre comunidades, com o objetivo de conseguir, mais depressa e melhor, uma perspetiva ampla do universo da emigração, estabelecendo comparações, e podendo transmitir experiências de umas para as outras. Queria encontrar as constantes, no que respeitava a realizações e a carências, e à definição de prioridades, e de de apoios e parcerias viáveis . > > Na primeira visita, em 20 dias, corri os EUA e o Canadá, de costa a costa. Na segunda, o Brasil - da Amazónia, do Pará e de Pernambuco ao Rio Grande do Sul. E, depois, os muitos países onde está a nossa emigração. Como os programa de visitas se centravam nas associações, igrejas, escolas portuguesas - no movimento associativo que atravessava um período aureo , quase não via o mundo circundante, e voltava com a espantosa sensação de não ter saído da minha terra, apesar de ter feito tantos milhares de quilómetros. Era como se Portugal fosse imenso! E, de facto, é - se olharmos não o seu território, mas a sua gente. > > O M : o que mais a comoveu nesse contacto direto? > > M A: O genuíno portuguesismo das pessoas! A paixão por manter tudo o que consideram identitário, que lhes permite unirem-se e criarem espaços culturais de presença portuguesa, com os seus modos de estar, as suas tradições de convivialidade. > > Encantou-me, desde esses primeiros contactos, a hospitalidade com que era recebida, quer em salas modestas, quer em grandes salões, que pareciam. todas, todos, transplantados das várias regiões de Portugal - com o seu ambiente de tertúlia, a sua gastronomia, dança, música, celebrações religiosas... Ver isto com os meus próprios olhos foi uma revelação poderosa, inspiradora. O que eles fazem pelo país é infinitamente mais do que o que País jamais fez por eles, como JF Kennedy quereria. Assim pensei e, décadas depois, assim continuo a pensar. > > OM: Como definiria um traço ou uma característica inerente (de todas as comunidades espalhadas por todos os continentes) à vontade/ necessidade de emigrar no período em que exerceu funções? > > MA: Julgo que mais a necessidade do que a vontade. O êxodo migratório do século XX deveu-se, sobretudo, à pobreza, ao desemprego, aos baixos salários. Foi, em percentagens muito elevadas, clandestino - sobretudo na segunda metade do século, quando de dirigiu para a Europa mais do que para destinos longínquos. (a emigração "ilegal" passou a média de um terço, que vinha já de épocas recuadas e chegou a ultrapassar os 50%) A melhoria das condições de vida dos que haviam partido contribuía poderosamente para familiares e vizinhos verem na fuga para o estrangeiro a única solução de futuro. Como hoje, os que atravessam o mediterrâneo, arriscando a vida! A situação não é tão diferente como poderá parecer. É apenas ainda mais difícil, porque, no pós guerra mundial, o ciclo de desenvolvimento económico permitia melhor integração. Os Portugueses, depois de um início difícil, ganharam, quase todos, a aposta na aventura da emigração. Eduardo Lourenço disse dos protagonistas do "salto", nas décadas de 50 e 60, que foram "uma geração de triunfadores". É uma citação que uso, muitas vezes, porque, globalmente, é verdadeira e, além disso, tem uma faceta de homenagem, que o país se esquece frequentemente de lhes prestar . > > OM: Qual a faixa etária que emigrava? Quais as suas qualificações académicas e profissionais? > > M A: Jovens do sexo masculino, pouco qualificados. É esse o perfil da nossa emigração tradicional. Mas não a dos governos a que pertenci. Quando, a partir de 1974, as leis e a Constituição Portuguesas vieram, enfim, consagrar plenamente o direito à emigrar, os outros países fecharam as fronteiras, após a crise petrolífera.... Na década de oitenta, registámos os mais baixos números de saídas de todo o século XX. Os países desenvolvidos praticamente só permitiam a entrada para reunificação familiar às mulheres e filhos dos trabalhadores. Falava-se, e bem, de "feminização da emigração". Foi, por sinal, um movimento da maior importante, porque quase todas as portuguesas conseguiram aceder ao mercado de trabalho, ganharam uma autonomia profissional, que não tinham nos meios rurais de onde provinham, e deram um impulso fundamental aos projetos migratórios, do ponto de vista económico (pois contribuíam com um segundo salário) e social, (porque se converteram, de facto, com inesperado êxito, em mediadoras da inserção do núcleo familiar. Estavam, maioritariamente, integradas, no setor dos serviços, com contactos mais próximos na sociedade local e isso deu-lhes a compreensão da necessidade de darem aos filhos as vantagens da educação e formação, que os pais não tinham. A emigração feminina influenciou, assim, decisivamente,a reconversão cultural e o sucesso económico dos projetos migratórios. Na altura, ninguém o podia prever. Hoje essa avaliação está cientificamente demonstrado (veja-se os trabalhos pioneiros da ProFª Engrácia Leandro, na década de noventa, na região de Paris. > > OM : quais eram os países eleitos pelos portugueses para se emigrar? > > MA: A Suiça foi, a partir de 80/81, uma exceção no panorama europeu. Nesses e nos anos seguintes, recrutou dezenas de milhares de trabalhadores portugueses ,maioritariamente, homens, para a agricultura, construção civil, a hotelaria... Novos destinos, que criaram expetativas, (depois não confirmadas), foram alguns países do sul do Mediterrâneo e do Médio Oriente. Os números nunca seriam muito elevados e corresponderam a contratos bem remunerados, mas temporários. > > Outra situação inesperada, com que me vi confrontada, e a que foi preciso responder com novas políticas, foi o enorme afluxo de regressos, em média 30.000 a 40.000 por ano. O retorno dramático dos portugueses de Angola e de outras colónias estava ainda bem presente na memória coletiva e este segundo retorno provocava nos "media",na opinião pública, e até na classe política um temor indisfarçável. Vi-me muitas vezes isolada, e mal compreendida, ao explicar que se tratava de um processo radicalmente diferente, um movimento voluntário, planeado pelos próprios emigrantes, dirigido, sobretudo, para as regiões de origem e, por isso, desejável, essencial mesmo, para o repovoamento e progresso do interior (desertificado pelo êxodo migratório das décadas anteriores). Os apoios à reinserção foram bem aproveitados, (medidas fiscais, isenções, empréstimos a juro bonificado), e o País ganhou muito com os que vieram (mais de meio milhão só nessa década de que tratámos) e, também ganhou com os que fixaram lá fora, formando as comunidades extra-territoriais, que constituem a nossa "Diáspora". > > um O M: No seu entender quais foram os países que mais se esforçaram por justamente atribuírem a lusodescendentes cargos decisores, nomeadamente de responsabilidade política? > > MA: O Brasil, sem dúvida. É um país tão próximo, que os portugueses, integrados na sociedade brasileira são tratados como nacionais. Desde 1971, o Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portuguese e Brasileiros dá direitos políticos aos imigrantes do outro País. a nível nacional, enquanto, por exemplo, o estatuto de cidadania europeia, ainda hoje, se limita ao nível local. Em 1989, os Constituintes brasileiros foram ainda mais longe, concedendo aos portugueses, sob condição dereciprocidade, todos os direitos da nacionalidade brasileira, equiparando-os a brasileiros por naturalização. A luta pela dação da reciprocidade por parte de Portugal foi a minha " causa maior", enquanto deputada e prolongou-se por cerca de 13 anos. Foi conseguida numa revisão extraordinária da Constituição em 2001 - e graças ao apoio de Políticos sensíveis às singularidades do universo da lusofonia, como Durão Barroso e, sobretudo, Mário Soares. Desde essa data, o estatuto de cidadania luso-brasileira consolidou-se como o mais avançado, atualmente, nível universal! E, se, entre nós, ainda não vemos os imigrantes brasileiros em lugares políticos de destaque, no Brasil são muitos os Portugueses que ocupam altos cargos na Magistratura judicial e na política, a todos os níveis, local, estadual e nacional. Uma ascensão que vem de trás e em que as mulheres fizeram história. No século XX, a médica Manuela Santos foi a primeira Secretária de Estado no Rio de Janeiro e a atriz Ruth Escobar a primeira mulher eleita à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e a primeira representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento de Convenção contra todas as formas de discriminação das Mulheres. Uma e outra, ao abrigo do "Tratado". Isto é, apenas com a nacionalidade portuguesa. > > OM: Que actividades económicas e que tipos de trabalho procuravam os portugueses que emigravam? > > Com o mesmo (baixo) nível de formação, os portugueses que emigravam para países economicamente desenvolvidos encontravam trabalho não qualificado em setores como a construção civil, a agricultura , os serviços (nomeadamente, no caso das mulheres), enquanto nos países "em desenvolvimento" muitos se transformavam, rapidamente, em pequenos empresários, quando não, no fim do percurso, em investidores de topo. No século XX, são inúmeros os que atingiram esse estatuto- no Brasil, obviamente, mas também na Venezuela ou em diversos países de África. Nos EUA, no começo do século passado, foi muito mais rápido o enriquecimento dos nossos imigrantes no Hawai ou na Califórnia do que na costa leste, então com índices de industrialização bem mais elevados. Neste contexto, a ascensão é sempre mais lenta, mas não impossível. Veja-se o que aconteceu na França, onde a partir da adesão de Portugal à CCE, com o direito de estabelecimento, se multiplicou, de forma impressionante, o acesso dos nossos compatriotas a segmento do pequeno comércio e da restauração. E, em casos mais invulgares, a grandes negócios e grandes fortunas. > > MA: eram defraudadas relativamente ao que esperavam do país de acolhimento? > > M A: De início, em muitos casos, sim. Eram enganados por redes de engajadores, explorados como trabalhadores indocumentados. moravam nos tristemente célebres bairros dos arredores de Paris. Um quadro assustador. Mas, progressivamente, a sua situação foi mudando. A legalização era facilitada (penso em primeira linha na França, que representava mais de 80% do total), e empregos não faltavam. Eduardo Lourenço, testemunha presencial desse período negro fez, como disse, lapidarmente, balanço final. Nenhuma outra imigração foi tão bem sucedida, em França, como a nossa. > > Desde a crise de 2008 e, mais ainda, nos anos de intervenção externa (da "troyka") , a emigração em massa não só recomeçou, como bateu todos os recordes. Cerca de meio milhão abandonou o País só nesses quatro anos. Fala-se de uma "nova emigração", de jovens altamente qualificados, quadros, cientistas, mulheres e homens. Nunca tal acontecera na nossa história, em números tão significativos, mas, na verdade, no total, são ainda uma minoria (nem por isso a situação de "braindrain" imparável, deixa de ser uma constatação termenda!) Contudo, maioria da nossa emigração continua a ser predominantemente masculina, pouco qualificada e envolvida em contratos temporários. > > Uma questão que agora se coloca é a de saber se haverá mais riscos de insucesso relativo para a "nova emigração"? Creio que em algumas profissões - engenheiros, médicos, enfermeiros - o êxito estará, quase sempre, garantido, em termos de promoção na carreira, de vencimentos. O risco maior, a meu ver, é o de não regressarem. Mas, em outros setores, podem não ver reconhecidos e aproveitados os seus títulos académicos, e acabarem acantonados a empregos precários e mal pagos. Face a expetativas mais ambiciosas, podem ver-se num percurso descendente - o contrário da geração de 60. Espero que não . que sejam poucos os perdedores. E espero, também que sejam muitos os que decidam voltar. Isso, de facto, depende muito do País, das condições que saiba criar para o regresso e para pôr fim às partidas em massa. Até hoje, como tenho dito muitas vezes, Portugal já conseguiu garantir aos cidadãos o direito de emigrar, mas não ainda o "direito de não emigrar"... > > OM: Qual a sua experiência no contacto com associações ou outro tipo de organizações em que os portugueses se uniam e reuniam? > > MA: Há pouco, ao referir primeiro contacto com emigrantes, logo o centrei nas associações, porque foi aí que encontrei os portugueses. Quer se chamem assim, ou não, são verdadeiras "Casas de Portugal". Foram criadas, algumas há mais de 150 anos, para preservação da língua e da cultura e para defesa e proteção dos compatriotas, que se viam completamente abandonados pelo Estado, mal transpunham as fronteiras do país. A única política de emigração portuguesa, ao longo de séculos, foi a regulação dos fluxos de saída, quase sempre no sentido de os limitar! Os próprios emigrantes colmataram as omissões do Estado, por todo o lado, unindo-se em coletividades para a entreajuda (sociedades fraternais, caixas de socorros mútuos, hospitais), para a valorização cultural (Gabinetes de Leitura, grémios literários, centros culturais) e para o convívio (clubes recreativos e desportivos). Até aos fins do século passado, em todos os ciclos migratórios, em todas as latitudes, deparámos com formas de organização semelhantes para atingir os mesmos objetivos (beneficência, cultura, recreio), com notável eficácia, em diferentes contextos e com meios maiores ou menores. O governo de 1980 não foi, certamente, o primeiro a ter em atenção os méritos do associativismo, mas foi pioneiro no enfoque que deu ao desenvolvimento sistemático de novas formas de parceria, de co-participação na definição e execução de medidas e programas para a emigração e as comunidades. O principal instrumento dessa política foi uma assembleia consultiva, formada por representantes eleitos no universo associativo, o Conselho das Comunidades Portuguesas. Entre 1981 e 1987 (data em que deixei definitivamente o governo), o Conselho funcionava a nível de cada país e em reuniões mundiais regiões e regionais. O Conselho procurava ser também um grande "forum" do movimento associativo português, que era muito forte dentro de cada sociedade de acolhimento, mas não tinha uma estrutura internacional, ao contrário de todos os outros países europeus. E ainda hoje não tem! O CCP é atualmente eleito por sufrágio direto, tendo perdido, assim, a sua faceta interassociativa. > > A minha ligação afetiva ao associativismo que dá corpo e alma às comunidades, enquanto comunidades orgânicas, vem dum tempo em que era extraordinariamente pujante. Sempre vi nele a generosa marca do "percurso coletivo" dos portugueses, tão importante para o País como o sucesso individual, a que costuma dar muito mais atenção. E por isso me preocupa o seu futuro num mundo em mudança vertiginosa. > > OM: Existe um número, ainda que aproximado, que nos possa adiantar de portugueses emigrados em 1981? > > M A: As médias de saídas eram baixíssimas, em comparação com as do passado recente e com as do presente. Talvez, uns 8000, (não sei exatamente os números, mas são dessa ordem de grandeza). Atualmente estão acima dos 100.000. Uma diferença abissal, um autêntico recomeço de ciclo, de èxodo. > > OM: A Língua portuguesa significava um entrave à integração dos portugueses nas diferentes comunidades? > > MA: O conhecimento de um idioma, nunca é entrave à aprendizagem de outro. Pelo contrário! Esse é um erro em que caíram alguns pais portugueses, que consideravam necessário que os filhos falassem apenas a língua local, que eles tinham dificuldade em aprender. Não compreendiam que o bilinguismo, para além de manter os laços à cultura pátria é sempre um enriquecimento, e mais ainda numa das línguas mais espalhadas no mundo. Mas esta visão nunca foi predominante. Mesmo os nacionais com baixa escolarização, sabem, em regra, valorizar a preservação da sua fala, ensiná-la aos filhos, em casa, na escola pública, ou a partir do movimento associativo.. > > OM: Quais as medidas que foram implementadas para que os emigrantes e os lusodescendentes, nomeadamente de segunda geração tivessem acesso em contexto escolar ao idioma de Camões? > > MA: Perante a multi-secular indiferença do Estado Português foram as associções e as paróquias católicas que criarem escolas ou cursos de português, com os seus´próprios meios, como acabo de dizer. De facto, a preocupação dos governos com a aprendizagem do português só se manifestou, quando a emigração se passou a dirigir para o nosso continente. Por largas décadas, se manteve a dualidade - uma rede oficial de professores na Europa, com ou sem acordos, com mais ou menos parcerias de governos dos países europeus, em contraste com não concessão de quaisquer apoios às escolas comunitárias da emigração transoceânica. Nunca aceitei esta discriminação, mas tive dificuldade em a combater, porque, nessa época a política do ensino para as comunidades estava sediada no Ministério da Educação e não no MNE, Ministério dos Negócios Estrangeiros. Durante os governo a que pertenci. só na África do Sul foi possível estender, de algum modo, a rede oficial, com aulas extra - curriculares, gratuitas e dadas por professores do ensino oficial > > A transição do Instituto Camões para o MNE é coisa relativamente recente. Hoje há mais equilíbrio, mais rateio de meios entre as comunidades, de "àquém e além mar", mas a situação está longe do ideal e as escolas associativas continuam a desempenhar, em muitos lugares, um papel de primeiro plano. Criar e manter os cursos de língua e cultura, continua a ser o obetivo de um sem número de organizações (e o que mais atrai as mulheres à intervenção na vida coletiva!). É de realçar que em muitos casos tem resultado o esforço do nosso governo junto de outros, para conseguir a integração curricular do português. A meu ver, a multiplicação e a conjugação de várias ofertas de ensino é excelente - e nunca será demais... > > OM: Quais as dificuldades da Lei eleitoral à data se refletiam no voto por parte das comunidades, nas diversas eleições portuguesas? > > M A: Tudo hoje é mais fácil e mais consensual entre partidos da direita à esquerda. Em 80, não. Até a dilatação do período de recenseamento de um para dois meses foi polémica e inviabilizada no parlamento! A votação era limitada à eleição de 4 deputados para a Assembleia da República e o voto por correspondência perdia-se, frequentemente, sobretudo em países onde os correios eram lentos e pouco fiáveis, ao contrário dos nossos. Infelizmente o número de deputados não se alterou, mas o voto alargou-se às eleições presidencial e europeias e a alguns "referenda". E o universo eleitoral, independentemente de recenseamento, passou a abranger todos os emigrantes que possuem cartão de eleitor. > > OM: Tem algum episódio que nos queira contar do contacto com alguma «Mãe ou Pai da Saudade»? > > M A: São tantos os que já partiram! Mulheres e homens com quem aprendi tudo o que sei sobre a emigração, com quem fiz tudo o que me foi possível fazer no terreno da ação política. Verdadeiros amigos! O mundo das comunidades era, então, a nível de dirigentes, de interlocutores, quase 100% masculino, e, por isso , o meu círculo dos amigos e aliados homens é imenso. Mas já havia, entre eles, as "mulheres-exceção" ´É mais fácil falar delas, porque eram raríssimas as que lideravam comunidades ou movimentos cívicos. Matriarcas como a mítica Dona Benvinda Maria, diretora do jornal "Portugal em Foco" do Rio de Janeiro, a Maria Alice Ribeiro, fundadora e diretora do "Correio Português" de Toronto (aí, o mais antigo jornal na nossa língua), a Mary Giglitto, presidente do Festival Cabrilho em São Diego (sem ela, o descobridor da Califórnia, seria hoje considerado castelhano, exemplo de mais uma deturpação histórica), a Fernanda Ramos , de Minas Gerais, a primeira presidente do Elos Clube Internacional, a Manuela da Luz Chaplin, advogada dos indefesos, em Newark... Todas tinham em comum serem vozes fortes, dominantes, arrebatadoras, que mobilizaram os compatriotas e tornaram as comunidades maiores e melhores. Contar episódios passados com elas ou com eles, dava outra grande entrevista... > > OM: Deseja fazer alguma saudação especial dirigida aos milhões que a vão ler? > > MA: Sim, com muito prazer, aproveito para mandar um abraço a todos os emigrantes que deixaram o seu país , mas o levaram consigo, em espírito e , assim, apesar da ausência física, são uma presença cultural. > > OM: A OBSERVA Magazine agradece-lhe novamente a honra desta entrevista

fevereiro 21, 2023

«Excecional Embaixador da Cultura Portuguesa» Ângelo Viegas é um dos nomes mais ilustres da nossa Diáspora, no século XX. Ao dedicar uma publicação à sua memória, ao seu percurso de vida, estaremos, em simultâneo, a fazer a história da construção e afirmação da presença lusa no sul do Brasil, no progressivo Estado do Paraná, na jovem e moderna cidade de Maringá. Já o conhecia pela fama, pela qualidade da sua intervenção comunitária, antes de o encontrar pessoalmente. E foi por seu intermédio que aceitei o convite para incluir o Estado Paranaense no roteiro de uma deslocação ao Brasil. com a primeira visita a uma cidade, que tinha de idade, menos anos do que eu, e a um novo Centro Cultural, cujo dinamismo revelava a existência de forte liderança. Muitos terão dado importante contributo para a concretização desse ousado projeto, mas não me ficaram dúvidas quanto ao papel fundamental de Ângelo Viegas, apesar da sua postura sempre tão discreta e diplomática. Na verdade, não procurou nunca o reconhecimento individual, mas o coletivo, fazendo sua a missão tão tradicionalmente portuguesa de convivialidade, de partilha de experiências e de afetos 46 com outros povos, de vontade de integração, norteada pelos valores da cultura de origem. Foi essa sua vontade de pertença a duas nações, a realidades culturais que quis e conseguiu tornar mais próximas, mais interativas, através de uma ação notável e constante, que o tornou, ou torna, um exemplo para as gerações futuras, um exemplo intemporal. A Ângelo Viegas não faltava ideias e sonhos fantásticos, e não faltava, sobretudo a capacidade de os levar a bom termo, com entusiasmo e alegria, com esforçado trabalho e brilho inexcedível. Maringá deve-lhe a "época de ouro", em que esteve na vanguarda de todas as comunidades portuguesas de então! Entre as inúmeras iniciativas, que pude acompanhar de perto, estão o esplêndido paradigma que constituiu a geminação de Maringá com Leiria, e a reunião do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), que organizou em 1986. As cimeiras do CCP, em diferentes regiões do mundo, eram bienais e convocadas para cidades com núcleos dinâmicos de portugueses, que se viam convertidas, durante o período da reunião, em autênticas "capitais" da emigração portuguesa. Foi o caso de Toronto, Fortaleza, Capetown, Danbury / Connecticut, Estugarda e Maringá. 47 De todas, a maior foi a de Maringá! Primou pela cooperação das autoridades brasileiras, pela excelente cobertura dos "media", pelo envolvimento comunitário, e culminou num espetacular jantar de despedida, com a participação de mais de um milhar de portugueses e brasileiros. Só alguém como Ele conseguiria tanto. Pelo empenho e competência, naturalmente, mas também pela a facilidade com que fazia aliados, com que abria todas as portas, graças à simpatia, à sua invariável disponibilidade para colaborar, para ajudar quem quer que precisasse do seu apoio. Por isso, aqui deixo o testemunho da minha imensa admiração pelo cidadão, pelo incansável defensor dos direitos dos compatriotas, pelo excecional Embaixador da Cultura Portuguesa, e, igualmente, do sentimento de perda, de saudade por um Amigo verdadeiro, leal e generoso. MARIA MANUELA AGUIAR Ex-Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesa

fevereiro 15, 2023

1ª Reunião Mundial do CCP Representantes África Afonso Henriques Ferreira (S Tomé e Príncipe), Álvaro do Nascimento Chaves (Zaire), Comendador Álvaro, de Campo Amorim, C D Barbosa, Comendador José Bernardo, Gaspar da Silva Cardoso, Comendador Santos Gomes, Dr. Luís Leal, Jaime Margarido, Filipe Marques, Jorge de Sousa (República da África do Sul) América do Norte - Dr. Fernando da Silva, Padre José Alves Cachadinha, Eng.º Lourenço Aguiar, Sebastião Tavares da Silva, Eng.º Victor Cardoso (Estados Unidos da América), Alexandre da Silva, Padre António Pires, Arlindo Frazão Vieira, Fernando Cruz Gomes (Canadá) América do Sul Armando Antunes, Paulino Lopes (Argentina), Dr. Amadeu Pinto da Rocha, Ângelo Viegas, António de Andrade e Moura, Dr. António Gomes da Costa, Carlos Carvalho, Germano Augusto Tomé, Comendador Henrique Dias Ferreira, Dr. Joaquim de Matos Pinheiro. Joaquim Marques dos Reis, João Pereira da Silva, Júlio Portugal Nave Bizarro, Dr. Manuel António Mónica, Manuel Romão dos Santos, Paulino Romeira de Sá Ferreira, Rui Lopes dos Santos (Brasil) J Carlos de Sousa Correia, Dr. Mário Gonçalves Bento, José Costa Castanho (Venezuela) Luís Viriato Caetano Panasco, observador (Uruguai) Europa Luís Peres Ferreira (Bélgica), Fernando Veloso Rodrigues (Espanha), António Manuel Garcia, António Mota Ribeiro, Belmiro Ramos, Carlos Duarte de Morais, Dr. Francisco Ribeirinho, João Paulo da Fonseca, José Bernardino, José Coutinho da Silva, Padre Luís Filipe Rios, Manuel da Silva Fernandes, Manuel Vaz Dias (França), Padre José Salgueiro da Costa (Inglaterra), Carlos Moura Bernardino (Luxemburgo), António Cláudio, José Mendes (República Federal da Alemanha) Oceânia Padre Artur Sardo (Austrália)