agosto 03, 2023
SOBRE ESPINHO, no cinquentenário da cidade
O que distingue Espinho das outras terras?
Espinho nasceu, enraizou-se, evoluiu, fazendo história com uma mescla de extraordinárias particularidades, num todo singular. Uma pequena comunidade piscatória conviveu, desde o início, com a indústria conserveira e o turismo balnear vanguardista, no mágico enclave entre Gaia e a Feira, onde crescia em finais de oitocentos, a moderníssima urbe de traçado geométrico. Uma originalidade face aos cânones tradicionais de um país antiquíssimo! A sua vertiginosa ascensão à fama nacional e internacional muito deve, por um lado, ao comboio, que a tornou acessível a visitantes do interior de Portugal e Espanha, e, por outro, à visão de ilustres fundadores, que souberam pragmaticamente realizar a "utopia" de rivalizar com as maiores estâncias de veraneio da Europa.
Espinho tornara-se uma verdadeira cidade cosmopolita, muito antes de ser reconhecida como tal, pelo que oferecia a residentes e a forasteiros: mar de grandes vagas e praias de barracas coloridas, cafés, esplanadas e avenidas, comércio florescente, hotelaria, recintos desportivos, a maior piscina da península, casinos, casas de
espetáculos, concertos, cinema, teatro... o ambiente cosmopolita do seu dia e da sua noite, a sua vivência internacional!
A minha memória de Espinho (nestes 50 anos)?
Nas minhas memórias deste último meio século, já não havia o Café Chinês, nem a presença alegre e trepidante de “nuestros hermanos”. E, depois, deixou de haver o vaivém da Avenida, entre palmeiras gigantes e as esplanadas de vários cafés, o magnífico Cine Teatro São Pedro, o bonito cinema do Casino, (de cujas varandas, nos intervalos do filme, olhávamos o oceano) e o comboio a cruzar a cidade e a mostrá-la, ao vivo,
aos viajantes, um incomparável cartaz turístico.
A proximidade de toda a cidade com o mar perdeu-se, exceto nas centenas de metros de enterramento da linha férrea, e também um Hospital próprio, de reconhecida qualidade, em múltiplas valências. Com tudo isso, que se chamou Progresso - com consequências boas e algumas menos boas - a terra mantém intacta a identidade e o encanto!
Somos, o que é cada vez mais raro, em simultâneo, cidade e comunidade:
- Somos cidade de dimensão perfeita, onde podemos passear a pé, pelo centro, encontrando amigos, e tudo o que precisamos, num comércio local, que é costume comparar a um “centro comercial ao ar livre”, e onde, à distância de poucos minutos, temos a Biblioteca, o jardim, o Centro Multimeios, a Câmara, os CTT,
farmácias, consultórios médicos, bancos, restaurantes e cafés, o mar, a estação de comboio. Um pouco mais a sul, o grandioso Fórum de Arte e Cultura de Espinho, com as elegantes galerias de Arte e o Museu, situado a uns escassos 15 minutos, a pé, da Rua 19, neste contexto já é por muitos considerado relativamente distante…
- Somos comunidade autêntica, feita tanto de reencontros quotidianos de amigos, de tertúlias de café, como das realizações coletivas de um poderoso associativismo, que anima a vida cultural de Espinho e lhe dá
projeção (nas Artes, música, dança, cinema, com acento nos aspetos da formação, e visibilidade em concertos e festivais), o mesmo acontecendo no campo social e desportivo, com muitas agremiações, clubes e jovens campeões. Os “media”, a imprensa, o ensino, a Escola Profissional, os Liceus (como ainda gosto de os designar…), a Universidade Sénior, as instituições de solidariedade e de beneficência são outras tantas manifestações de cidadania, com que a sua gente individualiza e engrandece a terra.
As cidades deviam ser todas assim. Viver aqui é um privilégio!
Como vê Espinho nos próximos 50 anos?
Espinho, pela dimensão humana e pela coesão comunitária, é, a meu ver, um paradigma da cidade de amanhã
a preservar face à vertigem de progresso que aí vem.
Autoridades e sociedade civil souberam, em tempo matricial, pensar um projeto de futuro, ajustado às características do lugar, e dar-lhe corpo e alma. Em tempo de prodigiosos avanços tecnológicos, é preciso reconfigurar o legado, com um novo "élan" de criatividade.
Sem fazer futurologia, direi que gostaria que Espinho se tornasse uma sociedade mais igualitária, mais aberta à participação das mulheres, mais intergeracional. Há que fixar os jovens com melhores oportunidades profissionais e atividades lúdicas. E, num país demograficamente tão envelhecido, há que apostar no turismo, hotelaria e residências seniores, (para portugueses, para estrangeiros) - aposta estratégica numa cidade/praia, geométrica, quase plana, tão agradável e naturalmente convivial.
Esta comemoração simbólica do cinquentenário de Espinho/ cidade acontece num momento em que à frente dos destinos da Câmara Municipal está, pela primeira vez, um Executivo de maioria feminina e presidido por uma Mulher. É mais um motivo para acreditar que os próximos 50 anos começam bem!
Qual a sua memória do Dia da Elevação a Cidade?
Por coincidência, passeava com a minha mãe, na altura em que o cortejo oficial, encabeçado pelo Presidente do Conselho Marcelo Caetano, atravessava a Rua 19, com a sua comitiva de notáveis, e acompanhado por multidão festiva. Guardo imagens de uma espécie de “procissão laica”, sem andores, e com ostensiva predominância de homens de chapéu e fato escuro. Fiquei encostada a uma montra, a vê-los passar, e perdi de vista a mãe, que se foi juntar ao desfile.
Mais tarde, presenciei novo ocasional encontro, quando o ditador seguia no seu carro preto, pela marginal, em marcha lenta, acenando ao povo. Minha mãe, com uma das sobrinhas ao colo, rompeu a barreira de populares, aproximou a menina da janela do automóvel e um sorridente Prof. Marcelo deu-lhe o beijinho da praxe,
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