junho 20, 2016

PRIORIDADES DO MUNDO LUSÓFONO

1 - O relacionamento entre o Brasil e Portugal, enquanto Estados do mundo da lusofonia, tem conhecido momentos altos, separados por algumas crises passageiras - crises que, aliás, raramente conseguem afetar o bom entendimento entre as pessoas. O que nos une ao Brasil são, de facto, laços tecidos por séculos de migrações portuguesas, quase sempre consideradas excessivas e objeto de políticas nacionais proibitivas ou limitadoras da liberdade de movimentos através do atlântico. Êxodo multissecular, que contribuiu poderosamente para construir uma nação quase continental, cerca de cem vezes maior do que Portugal, e para lhe dar uma língua unificadora (e a língua, note-se, não se impõe por decreto - vive-se no diálogo quotidiano de gente concreta). Foi por isso acertado o gesto do legislador brasileiro, em 1967, ao institui ro Dia da Comunidade Luso-Brasileira a 22 de abril, data em que, em 1500, Cabral e os homens da sua expedição avistaram a terra a que puseram o nome de "Vera cruz". É o momento simbólico de um primeiro encontro entre povos, que haveriam de construir o Brasil futuro. Portugal aceitou a ideia, naturalmente. Todavia, a lei é letra morta nos dois países... mas a comunidade não! E a comemoração faz-se, sobretudo, por iniciativa.das associações de imigrantes portugueses, em colóquios e debates, chamando personalidades do poder político dos dois países às grandiosas instalações dos seus Gabinetes de Leitura, Grémios Líteros, Casas de Portugal... Entre nós, as comemorações andam esquecidas, tanto a nível oficial, como na sociedade civil... Espinho constituiu-se, este ano, em exceção à regra geral do olvido, graças à proposta de uma associação de mulheres migrantes, de imediato acolhida pela Câmara Municipal no auditório da Biblioteca José Marmelo e Silva. Uma exposição de pintura inspirada em festas populares, semelhantemente organizadas no espaço luso-brasileiro, e três admiráveis conferências sobre literatura e história do Brasil (proferidas pelos Professores Arnaldo Saraiva e Eugénio dos Santos, e pelo escritor e jornalista Danyel Guerra), transformaram a sessão numa "viagem de achamento" de factos, de personagens e de emoções. O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, trouxe de uma recente visita ao Brasil o testemunho das significativas celebrações em que participou ( e que haviam sido antecipadas, para contar com a sua presença).. Um dia inesquecível, que, de algum modo, "remou contra a maré", num país onde a história do Brasil não é aprendida nas escolas e desapareceu, insolitamente, dos "curricula" das Faculdades de Letras (veja-se o caso da Universidade do Porto, onde Eugénio dos Santos, hoje jubilado, a ensinava, de forma superlativa). Os responsáveis pela "res publica", em particular no domínio da Educação e da Cultura, deviam reler Joaquim Nabuco, o grande intelectual, político,diplomata, que afirmava : "Os Lusíadas" e o Brasil são as duas maiores obras de Portugal. 2 - A comunidade, a fraternidade luso brasileira não é, como pretendem alguns, pura expressão retórica. Leis e práticas do Brasil contemporâneo provam o contrário e pena é que sejam, quase completamente, ignoradas por cá... Dois exemplos admiráveis, da segunda metade do século XX: a solidariedade para com os retornados de África e o reconhecimento da "cidadania luso-brasileira. Em 1974/75, o Brasil foi o único Estado a abrir incondicionalmente as fronteiras aos portugueses, que abandonavam Angola e Moçambique, aquando de uma descolonização súbita, que os deixou em situação de refugiados de facto. Para lá foram todos os que quiseram ir, novos ou velhos, saudáveis ou doentes, mais ou menos qualificados, mais ou menos pobres.... Nos aeroportos instalaram-se serviços especiais de receção, que, sem burocracias, sem delongas, carimbavam nos passaportes destes portugueses uma autorização de residência definitiva! Os que atravessavam o oceano em pequenas embarcações de pesca, eram igualmente recebidos, de braços abertos.. Vinham sem haveres, alguns até sem papéis, e logo viam a documentação reconstituida, com base na prova testemunhal dos próprios companheiros de aventura. Que diferença com o que se vê, hoje, no mediterrâneo, ou nas fronteiras terrestres de uma Europa, que, tão desumanamente, ergue muros de arame farpado contra quem foge da guerra, do terror. Ou paga a sua "deportação" para um destino inseguro e, talvez,fatal. Já alguns anos antes, em 1969, com a mesma compreensão da ideia de pertença a uma comunidade singular, estabelecera o estatuto de direitos civis e políticos para os imigrantes portugueses (a que Portugal corresponderia em 1971). Enquanto, ainda hoje, a chamada "cidadania europeia" , decorrente do Tratado de Maastricht, em matéria de direitos políticos, não vai além do nível local, a cidadania luso-brasileira, fundada no Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, alarga-se à eleição para órgãos de soberania e ao acesso à magistratura judicial. Em 1988, a Constituição Braslleira foi ainda mais longe e atribuiu aos imigrantes portugueses, em votação unânime, unilateralmente, mas sob condição de reciprocidade, todos os direitos dos nacionais - capacidade eleitoral passiva e ativa nas eleições, autárquicas estaduais e nacionais, acesso a altos cargos públicos, ao governo local, estadual e federal, à magistratura e ao exército (praticamente excecionando apenas a presidência da república e sua linha de sucessão, como previsto para brasileiros naturalizados). Portugal só veio a dar plena reciprocidade na revisão constitucional de 2001. Desde então, está em vigor este Estatuto de Cidadania nos dois Estados - o mais avançado que se conhece no século XXI.. Sobra entre nós, brasileiros e portugueses, a fraternidade que falta entre europeus... 3 - Em 1974, com a revolução do 25 de abril, desfez-se o Império, que era o obra do Estado, mas resiste a obra das pessoas, dos emigrantes, as relações privilegiadas entre povos da mesma fala, a diáspora. Ganhamos a liberdade de sermos portugueses, lusófonos, europeus, com uma identidade que temos de saber afirmar em cada um dos círculos em que partilhamos um longo percurso, continuando-o em cada novo tempo, com cada nova geração. Comunidade Luso-Brasileira, CPLP, Europa... por esta ordem de prioridades? Eu diria que sim, embora saiba que não tem sido essa, desde há muito, a opção estratégica dos nossos políticos ... Maria Manuela Aguia

junho 19, 2016

O OUTRO PORTUGAL

para Paulo
O outro Portugal


1 - Falar de comunidades portuguesas tornou-se uma outra maneira de dizer emigração. Dá-se -lhes, correntemente, um significado estatístico - a comunidade portuguesa de França conta um milhão de portugueses, a da Africa do Sul  meio milhão... E assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos são (e, quase sempre, ficam aquém da realidade, num universo em expansão, sempre que novos portugueses começam a ver-se como tal, reclamando a sua ascendência…)
Aprendi, logo na minha primeira visita "à comunidade da América", em 1980, que o que interessava, em termos de presença e influência portuguesa, era essencialmente de ordem qualitativa e não quantitativa - era a organização do grupo, não "a comunidade" abstrata, mas no plural, "as comunidades", num sentido orgânico e dinâmico.
Depois, em muitas outras visitas circulares, a correr de cidade em cidade, recebida nas associações, nas escolas, nas paróquias portuguesas (normalmente sem tempo para ver o resto da cidade) repetiu-se a extraordinária sensação de que regressava ao país, sem nunca dele ter saído... Tudo o que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara, nunca, para o que vamos viver, na convivência com esses outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, nas palavras do Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos" - um espaço extra territorial de saudade e presença lusófona, (em alguns casos já somente lusófila...), onde tem a sua sede um conjunto de instituições, que os cidadãos construíram para suprir a grande ausência do Estado Português, no plano social ou no da cultura.
Esses mundos, nossos, são criados não diretamente pelo movimento migratório -  que seria, como aliás à partida se esperava, fator de dispersão e perda certa -  mas, sim, por um poderoso movimento associativo,  pura "sociedade civil". De país para país, sem qualquer ligação entre si, em cada novo ciclo migratório, a reação dos Portugueses foi espantosamente idêntica. Com dimensão variável, porque são diferentes os meios postos ao serviço do projeto comunitário, por todo o lado encontramos associações de solidariedade, de defesa da língua e da cultura, centros recreativos e  clubes desportivos. A semelhança só pode vir de paradigmas de organização trazidos da terra de origem ("réplicas" de aldeias portuguesas, na expressão de alguns especialistas neste domínio). O orfeão, o rancho folclórico, o teatro de amadores, o clube de futebol... As beneficências (seguindo o modelo das " misericórdias"), as sociedades fraternais, as escolas, os lares de idosos... as Igrejas, as Sociedades do Divino Espírito Santo, que se espalham, às centenas, no mapa da Califórnia e noutros lugares de imigração açoriana...
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas (algumas monumentais, como as do Brasil) teria conseguido erguer-se. Bem poderíamos parafrasear o Presidente Kennedy, mas usando o tempo pretérito: “não lhes perguntem o que o Pais fez por eles, perguntem-lhes o que eles fizeram pelo País”.
 
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. É uma obra que se deve à reconversão de uma tradicional emigração de homens sós (consentida e privilegiada pelo Estado, sempre sedento das remessas que nessa situação necessariamente mandavam para a terra...) em emigração familiar, com a sua metade feminina - quase invisível na direção das instituições mais antigas, mas determinante em termos de integração na sociedade estrangeira e na vida das organizações de cultura portuguesa,  que, aliás, se vão abrindo à sua participação igualitária,  pouco a pouco...
As organizações mais do que centenárias encontraram sempre continuadores, mas, tal como muitas outras da emigração mais recente, um pouco por todo o lado, começaram, há alguns anos, a questionar seriamente o seu futuro, visto como dependente da renovação dos fluxos migratórios .
O discurso oficial, no período posterior à adesão à CEE (esse “clube de ricos”), chegou a anunciar o fim dos tempos da nossa emigração! E os Portugueses acreditaram, durante cerca de 20 anos, porque o fenómeno migratório se devera, fundamentalmente, à pobreza, que parecia coisa do passado...
Ora a pobreza está, agora, de volta ao País, pela mão de um Governo, que, em tempo de crise, não hesita em levar a cabo um programa de empobrecimento geral, de completa destruição das classes médias. E, assim, um novo e decepcionante ciclo de emigração se desenha, - emigração desmesurada como aquela que há precisamente um século, o Prof Fernando Emygdio da Silva denunciava chamando-lhe “emigração delirante”, Saem todos  os que podem sair -- os mais e os menos qualificados, os mais jovens e os mais velhos, os homens e as mulheres ( ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente)
Estará à vista a solução para uma segunda vida do associativismo, e, com ele, das comunidades da Diáspora, num novo equilíbrio de género e geração.? Ninguém pode ter certezas... Tudo vai depender da atitude dos que partem: como desistentes, deixando o País para trás, ou como resistentes, levando  Portugal consigo.

Uma década de mov migratórios (colóquio LX)


Uma década singular de movimentos migratórios - breve caracterização

1 - Os movimentos migratórios neste período não foram directamente influenciados pelo processo revolucionário, com excepção do retorno das colónias de África 

*O grande êxodo dos anos 50 e 60, o maior registado na nossa história, chegava ao fim, com a crise petrolífera europeia e mundial de 73/74

 *a descolonização trouxe, em 74/75, de volta ao País, numa conjuntura económica de grande turbulência, mais de 800.000 pessoas, em situação dramática, com perda dos seus bens nas colónias, e muitas delas, sem raízes em Portugal. No mesmo período, supõe-se que mais de 200.000 terão reemigrado,  sobretudo para a RAS  e para o Brasil - único país incondicionalmente solidário connosco, que abriu as fronteiras a todos os portugueses retornados de África

* Com as novas  saídas praticamente limitada ao reagrupamento familiar, assiste-se à "feminização" da emigração, e os fluxos registam nos anos 80 os números mais baixos do século XX. As mulheres passam a constituir cerca de metade  das comunidades da emigração

*Na mesma década, crescem os regressos, sobretudo da europa, com números próximos dos 30.000/ano. A opinião pública e os "media" temiam novo retorno em massa, caótico ou turbulento, mas o que aconteceu foi o contrário, com uma reinserção voluntária, tão natural que quase se tornou invisível, por ter como destino as  terras de origem mais ou menos desertificadas pelo processo que assim findava onde começara

2 -Revolução e mudança de paradigma : do paradigma "territorialista" ao "personalista"

A revolução do 25 de Abril veio consagrar um direito que os portugueses  nunca tinha conhecido: o direito de emigrar livremente. E se não influiu nos factores que condicionavam os movimentos de saída, em concreto, já o mesmo se não dirá das políticas de emigração, pois trouxe consigo a emergência uma nova maneira de olhar o fenómeno migratório e os seus protagonistas, ou seja de reconhecer a cidadania dos expatriados.
Ao longo de séculos vivemos, como afirma o constitucionalista Bacelar de Gouveia sob o "paradima territorialista" - os direitos de cidadania exerciam-se apenas num quadro territorial, fora dos quais os portugueses sofriam uma verdadeira "capitis diminutio", perdendo todos os direitos políticos, e a própria  nacionalidade (se adoptassem a de outro pais e, no caso das mulheres, se se casassem com estrangeiro), assim como direitos sociais (por exemplo, a pensões não contributivas atribuídas aos portugueses  dentro do país) e direitos culturais (nomeadamente, ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava).
A afirmação de um "Estatuto dos Expatriados", não ainda plenamente igualitário, mas norteado pelo princípio  da igualdade, é um "acquis" da Democracia. Viria a ser consagrada na Constituição de 1976 e aprofundada, progressivamente, em leis ordinárias e nas revisões constitucionais seguintes. Num processo ainda longe de atingir a utopia da igualdade, destacamos:
1 - A elegibilidade em todas as eleições e o direito de voto para a AR, em dois círculos de emigração, com um total de 4 deputados, constituindo, assim, a única excepção ao princípio da representação proporcional. Em 1989 o direito de voto seria alargado à votação no PR e a matérias referendárias -  de uma forma restrita, exigindo prova de laços de ligação efectiva ao país. Em 2004, foi aprovada na AR a extensão do sufrágio para o PE a todos os portugueses, incluindo os que residem fora das fronteiras da UE.

2 - A Lei nº  /81que permite a dupla ou múltipla nacionalidade.  A lei não teve, de imediato, efeitos retroactivos e embora, prevendo a recuperação da nacionalidade por mera declaração do cidadão, acabou por ser desvirtuada numa regulamentação, que implicava demoras, custos e obstáculos. Só em 2001 a lei foi alterada para garantir a reaquisição sem burocracias obstaculizante e a retroacção. 

3 -Criação governamental de um órgão de representação especifica dos expatriados, junto do MNE - o Conselho das Comunidades Portuguesas.  O CCP era essencialmente  composto por representantes eleitos das associações de cultura portuguesa (portugueses ou não) e por membros da imprensa, com estatuto de observadores, sendo uma instância da sociedade civil, plataforma de encontro com o governo e das comunidades entre si e um órgão para a co-participação das politicas para os emigrantes e as comunidades.  O 1º CCP era um instrumento de uma política para a diáspora, não limitado à emigração recente (antes abrangendo, como no projecto de Adriano Moreira e dos primeiros congressos das comunidades de cultura portuguesa, tanto nacionais, como outros lusófonos e lusófilos). A partir de 1996/ 97, o CCP passa a ser eleito por sufrágio universal, e a representar estritamente os emigrantes de nacionalidade portuguesa-

*Na 1ª Reunião Regional do CCP da América do Norte, em  1994,  foi aprovada a recomendação da convocatória de um Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo (as duas principais componentes do próprio CCP), que viria a ser realizado no ano seguinte e a tornar-se o ponto de partida das políticas com a vertente de género na emigração.

Só uma última palavra para lembrar a comemoração da 1ª década do 25 de abril na emigração, que reuniu em Paris, num debate com portugueses, personalidades convidadas pela SEE, entre elas, o Embaixador  José Augusto Seabra ( UNESCO), José Carlos Vasconcelos, Pedro Cid (que nos dá o gosto de estar presente) e José Miguel Júdice. As boas tradições são para continuar, e, por isso, aqui estamos, 40 anos depois daquele Abril 
PORTUGAL NO MUNDO
 

1 - Portugal nasceu num território. A sua defesa, tanto quanto a organização da vida pública, dentro de fronteiras que se alargaram para sul até ao mar - e se mantêm a té hoje - foram determinantes na transformação de um senhorio feudal num Reino independente. e, gradualmente, num Estado moderno. Mas quando esse Reino. com mais de 3 séculos de vida, e umas décadas decorridas sobre a revolução de 1383-85, garantiu as condições de estabilidade e paz no quadro peninsular, logo se lançou no que chamamos "a aventura da expansão", primeiro com as expedições ao norte de África, depois com as navegações, as descobertas de rotas marítimas, dos contornos desconhecidos da terra inteira, com a criação de um império ... estranho destino para um pequeno reino periférico na Europa, com cerca de um milhão de habitantes, que escolheu um papel central no mundo e encontrou sempre portugueses em número suficiente para o cumprir... Desde então o seu Povo vive dentro e fora do território, que não deixou de ser a sede tangível do Poder, nem objecto de um sentimento de pertença e de apego. Não houve uma "desterritorialização" desse sentimento, mas houve uma uma definitiva, uma universal desterritorialização" da presença, no que de mais notável se alcançou historicamente. Acho que foi reconhecendo isto que Agostinho da Silva disse, lapidarmente: O verdadeiro Portugal emigrou e não deixou mais de emigrar

 .

 

 

 2 - Para um pequeno e sólido reino europeu, fazendo um percurso semelhante ao de reinos peninsulares seus vizinhos não pareceria provável o passo seguinte, a súbita viragem do seu destino, e do seu papel na história universal

Projecto de Estado... aparentemente desmesurado... Uma vertigem de movimento.  Uma aventura de conhecimento, das ciências, do comércio, da conquista de posições estratégicas e de possessões ~imensas, um império que em configurações diversas, duraria cerca de 5 séculos

  Um povo de 1 milhão de pessoas apenas, um empreendimento estatal, para o qual não havia paradigma, não havia lições a aprender... tudo a inventar, ou a usar em moldes inteiramente novos... O risco enorme de perder o certo pelo incerto...

O mais inimaginável de todos os aspectos extraordinários da opção de viver um projecto gigantesco, fora da plataforma territorial - indo cada vez mais longe, dominando um universo cada vez mais vasto.... - é, com certeza, o de não ter faltado para o serviço desta ambição dos príncipes o povo, em massa. Pelo contrário, parece que foram sempre mais do que os necessários, aqueles que queriam partir - uma constatação que se prolonga através de séculos, até hoje...

 A expatriação atingiu, logo no século XVI, cerca de um terço da população total. Segundo Vitorino Magalhães Godinho, mais de 280.000 homens - uma média de 3,5 milhares por ano, que sobe no século seguinte

para cerca de 8.000/ano, no século XVIII para  40.000... Estamos . tudo somado, a falar já de números, na ordem de milhões. Para o esforço de comércio, de guerra, de estabelecimento, de povoamento...mas o fenómeno cada vez mais assume o caracter de aventura individual. As leis que se conhecem para regular as saídas vão todas no sentido de restringir, de condicionar. As Ordenações Filipinas contêm medidas de proibição da partida. 

O êxodo atinge em oitocentos e novecentos, quando só podemos já falar de emigração em sentido estrito, sobretudo para o Brasil Império, depois para o Brasil República, a sua expressão máxima. Emygdio da Silva, nas vésperas da 1ª Grande guerra, em 2012-2013 fala de "emigração delirante"- -nesses  2 anos, o total de 166.000, incluindo uma participação crescente de mulheres foi sempre proibida ou fortemente limitada, desde a época quinhentista...

A partir de meados do século XX, as estatísticas não diminuem - atingem novos máximos, apenas mudam os destinos - ao Brasil sucedendo a Europa, e novos pólos de atracção intercontinental, da Venezuela e Canadá. a África austral, a Oceânia...

Um movimento incessante feito de uma cultura de expatriação, um traço identitário...

Talvez por isso os estudiosos da emigração portuguesa, em muitos casos, não resistam a historiar de 500 anos e não de 150 ou 200 anos de migrações em sentido estrito e não consigam traçar, com rigorosa precisão, (porque não é possível) os limites do período de transição entre uma e outra das realidades.

JÉ o caso de Joel Serrão, que refere, no sec XVII  4 sucessivas medidas legislativas "destinadas a restringir uma tendência emigratória que, de colonizadora, gradualmente assumiado carácter de fenómeno puramente emigratório".

 

 

4 - O longo ciclo colonial só terminará com a revolução de 25 de Abril de 1974 - tornando esta revolução um dos grandes marcos da história de Portugal . Pelo contrário o ciclo infindo da expatriação dos portugueses, começado em quinhentos, está longe do seu termo, com bem sabemos , num tempo de novo êxodo tremendo, que parece votado a bater todos os máximos históricos.

São incontáveis os estudos sobre a emigração portuguesa, quase sempre muito centrados na sua vertente económica suas causas, vantagens e inconvenientes para o país. As estatísticas das partidas dos homens, juntam-se as do retorno das remessas. e, por trás dessa densa cortina de números, mal se adivinham outras consequências, outras formas de apoio, de presença dos ausentes na vida do país, que não se direccionam directamente à terra de origem, às famílias, que nela permanecem, às comunidades locais, à economia nacional. A Diáspora, as formas de presença que representou. ao longo da História  são praticamente  ignoradas pelos tratadistas e investigadores das migrações.

Na verdade, os estudos sobre a Diáspora - ou até mesmo uns breves parágrafos sobre a presença de comunidades portuguesas, de comunidades organizadas -  são praticamente uma raridade até meados do século XX.

Vamos encontra-las, em curtas mas interessantes passagens, em obras de Afonso Costa ou Emygdio a Silva, no início de novecentos - mas vêm nelas o simples convívio e solidariedade entre portugueses desenraizados, que permitem atenuar os efeitos do abandono da terra. A emigração é aceite ou valorizada como fenómeno temporário, atingindo a plenitude dos seus efeitos positivos no regresso a prazo, em melhor situação material e enquanto dura, no envio de poupanças para a família - daí os obstáculos postos à saída das mulheres (que A Costa não hesita em taxar como "uma depreciação o fenómeno migratório"). As organizações dos emigrantes são naturalmente vistas como construção efémera, tão transitórias quanto as estadas dos seus fundadores.

O que os Homens de Estado e a "inteligentzia" nacional visaram, em primeira linha, com os projectos de expatriação - a animação das « redes de comércio, o povoamento de possessões da Coroa, os ingressos financeiros - teve o seu tempo e findou. O que resiste é a aus componente mais imaterial

 

 

5 - Uma das razões de um tão absoluto descaso com as comunidades oriundas da emigração, com a Diáspora e com o incomensurável espaço da luso filia, no que está intimamente ligado àquelas realidades, pode bem ter sido a própria sobrevivência anacrónica de um império colonial até ao último quartel do século XX

 

A LÍNGUA

A língua falada em todos os continentes, é muito mais uma consequência da expatriação em massa do que dos poderes soberanos que se exerceram historicamente sobre territórios muito diversos. Inicialmente pode a colonização ter, em alguns deles, aliás, mais do que em outros, sido bem planeada pelo Estado, mas para o seu verdadeiro enraizamento e continuidade, findo o período colonial, contribuiu decisivamente o êxodo ininterrupto, que era visto como "excesso" e, como tal, proibido ou limitado, incluindo para o Brasil, cuja componente cultural portuguesa, incorporada a par de outras, se lhes fica a dever...

Penso, em primeira linha, no Brasil, que, depois da independência, continuou a atrair a imigração portuguesa, em percentagens da total, que alguns estimam em cerca de 90%. Em vão, se procurou canalizar essas correntes migratórias para as colónias de África. As medidas não surtiram efeitos - porque o povo não as acatou, mas deram azo a muito polémicas, entre os que achavam que a prioridade era o povoamento de domínios portugueses e os que não viam para isso criadas as condições e apostavam no futuro da língua e da presença no Brasil, então aberto as migrações de toda a Europa, em especial a partir de 1888.

Muito expressiva desta visão das coisas o alerta de Afonso Costa, nos começos do século XX:

"Não cometamos o crime de lesa pátria de embaraçar a emigração para o Brasil ou de ali nos deixarmos vencer por qualquer outro povo migrante".

Certo! Inteiramente certo.

As riquezas materiais foram do domínio do efémero, como a própria ideia do império do domínio e do lucro, destinada a um fim, ainda que se pudesse mal ou bem retardar esse desenlace.

O que ficou para sempre é do domínio cultural

Uma ideia que subjaz a intervenções de dois ilustre vultos de oitocentos, um brasileiro, outro português, em absoluta consonância com a essência da relação luso brasileira, Para além dos ditâmes de qualquer Estado, ou de um relacionamento que se centre ao seu nível.

Joaquim Nabuco discursava no Gabinete de Leitura do RJ no 4º centenário camoneano (em 1880), profetizando sobre a língua de Camões:

“A tua glória não precisa mais dos homens.

Portugal pode desaparecer, dentro de séculos, submergido pela vaga europeia, ela terá em 100 milhões de brasileiros a mesma vibração luminosa e sonora…”

António Cândido, no 4º centenário da Descoberta do Brasil, celebrado a 19 de Maio no Teatro de São João, do Porto dizia:

“Temos uma longa vida nacional. Não nos escasseiam meios de a nutrir, não no falece a coragem para a defender. Mas, se, por fatalidade acabássemos, se (…) uma terrível catástrofe geológica submergisse esta parte do continente europeu (…) lá ficariam no Brasil para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua… E não em mudos monumentos ou em silenciosos arquivos mas na perene e irradiante expansão de uma vida fundamentalmente idêntica à que foi a nossa, variada e progressiva no indefinido tempo e no ilimitado espaço”.

E, noutro passo: “Poderá a história ser esquecida, poderá o interesse volver-se contrário: resistirá a tudo a afinidade espiritual, a aliança pela língua será eterna.”

Língua europeia, americana, africana, universal. Herança de milhões de expatriados do passado. Língua policêntrica, de muitas culturas, d muitos povos. Língua integrada em outros idiomas, ou dialectos do Oriente, da África, das Antilhas. Herança de migrantes, de convívios antigos. Viva neles, como também na diáspora

 

AS COMUNIDADES PORTUGUESAS DA EMIGRAÇÃO

Como disse, para tantos os estudos sobre a emigração, tão poucos há sobre as comunidades orgânicas, que sobrevivem por gerações, criando em outros países verdadeiros espaço de presença portuguesa – mantendo a língua e as tradições, as instituições de ensino de solidariedade, criando e recriando as artes, as letras, a dança, a música…

Comunidades inteiramente construídas pelos cidadãos, sem apoio e sem reconhecimento do Estado…

Porquê um tão longo silêncio, um tão absoluto e generalizado descaso? Na verdade à indiferença dos políticos, soma-se a da comunidade científica.

A visão economicista da emigração, quando muito temperada por preocupações sociais e jurídicas (defesa da legalidade e da justiça dos contratos de trabalho) impôs-se em todas as épocas, foi partilhada por todos os autores…

Uma visão territorialista do Estado e das suas possessões…

O fim do império coincide com uma atenção nova e generalizada dada a estas comunidades (antes apenas poderemos excepcionar os dois admiráveis Congressos das comunidades de Cultura portuguesa, da iniciativa da Sociedade de geografia, presidida pelo Prof Adriano Moreira).

A descoberta destas comunidades é feita em diversos quadrantes políticos, em simultâneo… Descoberta tardia. Também aqui se pode dizer que a realidade precede o conceito (como se diz do Estado moderno, o da Nação…)

Vitorino M Godinho afirma um 10 de Junho Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses – onde quer que vivam

Sá carneiro faz igualmente a ligação entre o ocaso colonial e redimensionamento de um Portugal que não cabe mais no território

“Foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação populacional, uma Nação de povo.. Ou, como tamb+e a define “uma Nação de Comunidades.

“É uma cultura, mais do que uma organização rígida”

5 – Os estudos sobre a emigração portuguesa são muito focados nos fluxos migratórios, nos fluxos de ingressos financeiros, na situação laboral, no emigrante como indivíduo. A marginalização da presença dos portugueses como colectivo fundado em organizações é, como disse uma constante. Um movimento fortíssimo dentro das fronteiras de cada país, passou ao longo das várias épocas despercebido. Um movimento tão forte, que encontrou, no seu interior, sem qualquer incentivo ou apoio significativo do Estado, os meios de manter as prestações culturais e sociais a toda a comunidade, que assim colmatavam a completa ausência de políticas que o próprio Estado devia prosseguir.

Esta a principal razão porque a realidade da nossa Diáspora precede, em séculos, o seu conceito, o seu reconhecimento.

O movimento associativo é a mais visível forma de presença portuguesa, e alcançar essa visibilidade para Portugal, para a sua cultura, é um objectivo  primordial das instituições a que dá corpo.

O caso do Brasil é o paradigma máximo dessa ambição: com os Gabinetes de Leitura, que são instituições do maior prestígio (o do RJ é anterior à criação da Academia Brasileira de Letras e foi a sua primeira sede), com as Beneficências e os seus hospitais, que estão entre os maiores e melhores do país , do RJ e SP à Amazónia, com os lares de idosos, os grandes  clubes recreativos, uns mais elitistas, outros mais populares – e até, também, grandes clubes desportivos. 

Mas, por todo o lado onde de fixaram, mal se fixaram em definitivo, deram longa vida a organizações semelhantes, naquelas 3 áreas (cultura, apoio social, tradições de convívio) – entidades de “bandeira”, espantosamente idênticos nos seus propósitos e modos de funcionamento, apesar das comunidades se desconhecerem entre si (semelhança que se deverá ao facto de terem como inspiração modelos nacionais – caso evidente das Beneficências da Brasil, que são novas Santas Casas de Misericórdia). Na América do Norte, na Argentina, no Hawai, como, mais tarde, na Europa, na Venezuela, no sul de África, na Austrália…

Desconhecidas entre si, desconhecidas em Portugal… Entre as singularidades da Diáspora portuguesa conta - se, não só  a proliferação e o dinamismo das associações, que excedem, em regra, a de todos os outros ovos com quem convivem, mas também este enquadramento de fronteira, sem nunca terem, espontaneamente, procurado estabelecer contactos entre si, ao contrário do que aconteceu com quase toas as emigrações europeias – da Bélgica, da Suiça, da França, da Itália, da Alemanha…

Porquê? Parece que os Portugueses vivem intensamente uma relação entre dois países – o de origem e o de residência, que também consideram seu. E nele se concentram… Uma relação marcada pelo território – por dois territórios.

O conceito de nação de comunidades, de uma diáspora convivente a nível universal, não substituiu os velhos paradigmas territorialistas. O impulso à criação de uma plataforma de cooperação entre as partes fragmentadas da Nação dispersa, não surgiu em nenhuma delas. Veio de Portugal, da Sociedade civil, não do Estado.

Foi a Sociedade de Geografia, presidida pelo Prof Adriano Moreira, que convocou, pela primeira vez, os representantes das comunidades de cultura portuguesa em todo o mundo para um grande congresso, que as trouxe a Portugal, em 1964. Do reconhecimento mútuo, logo nasceu a vontade de institucionalizar formas de cooperação constante, dando à Diáspora a consciência da sua dimensão e da capacidade de acção conjunta:

A União das Comunidades de Cultura Portuguesa, com o seu caracter interassociativo e a Academia Internacional de Cultura Portuguesa, forum de estudo, reflexão e partilha entre académicos da lusofonia.

Esta iniciativa pioneira, do mais alto interesse nacional, foi seguida de um segundo congresso mundial em Moçambique, em 1967, mas não teve, por razões alheias ao seu sucesso e às esperanças que trazia (por razões de política partidária), a continuidade, que teria certamente permitido um nivel de coesão das partes da Diáspora, que ainda hoje não está alcançada.

Deixou um legado, de alguma forma, inspirador do CCP de 1980 e, mais tarde da própria  CPLP.
Mas a fórmula de Adriano Moreira era a única que procurava,  como ele explicaria numa audição parlamentar, em 2004, sobre o futuro do CCP, "uma espécie de sistematização do que era a presença portuguesa no mundo, do ponto de vista das comunidades", destacando as diferenças, a reclamarem tratamento diferenciado.  Para tal, o Professor Adriano define 3 conceitos operacionais: as comunidades de 1ª geração: as comunidades de descendentes de portugueses enraizadas em novas sociedades, mas mantendo a ligação às raízes: as comunidades filiadas na cultura portuguesa, por variadas razões, muitas das quais oriundas de história antiga., e persistentes em países hoje esquecidos por Portugal
O importante era procurar para todas elas um denominador comum, que foi naturalmente encontrado na cultura. É o domínio em que todos os lusófonos ou simplesmente lusófilos se pode entender. A fronteira geográfica é muito mais estreita do que a fronteira cultural
Para Adriano a cultura é a trave mestra que liga toda a espécie de comunidades - enquanto a comunidade política nacional trata restritamente de cidadãos portugueses (caso da actual CCP, onde só podem participar portugueses de passaporte

 
Os congressos da Sociedade de Geografia são, ainda hoje,  uma herança á espera de herdeiros... A realidade a que se dirigia e que pretendia congregar, essa existe, tão forte como era, mas sem elos de ligação que operacionalizem formas de projecção colectiva no País e no Mundo. Como direi brevemente todas as tentativas de criação de novos mecanismos de interacção ficam aquém da arquitectura que então se esboçava, quer o CCP associativo dos anos 80 (de criação governamental  com as limitações que esse gesto tutelar implica...), quer iniciativas da sociedade civil, muito meritórias, mas de âmbito bem mais restrito, como a Confederação Mundial dos Empresários, da década de 90, ou grupos activos nas redes sociais ou o chamado "Conselho da Diáspora", recém criado, sob a égide do PR, que reúne individualidades do mundo económico, em larga maioria, creio, e também alguns nomes do mundo das letras, das artes e das universidades. Conselho sobre cujo funcionamento concreto não tenho dados que me permitam prognósticos de futuro.
Nos Congressos de 60 houve visão estratégica, houve, é preciso dize-lo, claramente, liderança e preparação de verdadeiras estruturas operacionais . Em 2004,o Prof Adriano Moreira foi convidado a falar sobre eles numa audição parlamentar sobre o futuro do CCP
Umas palavras para a Fundação Luso Africana Esta Fundação mais do que um projeto pioneiro de um passado ainda próximo do processo de descolonização, no fim dos tempos do império português, pode ser, hoje, um precioso instrumento de diálogo e cooperação entre povos que tem um infinito futuro para viver em comum. Acredito que a sociedade civil pode aprofundar um paradigma de convivialidade, e. com ele, influenciar o melhor relacionamento das instituiçõess públicas e dos governos, entre si.. Facto novo é, agora, o recrudescer de movimentos migratórias nos dois sentidos, de Portugal para a Africa lusófona e de lá para cá - para além das antigas e recentes comunidades de imigrantes caboverdianos entre nós, os portugueses procuram Cabo Verde, Moçambique, e, em grande número, Angola para viver, trabalhar, investir. De um modo geral, a circulação de pessoas e bens, os empreendimentos intensificam-se, um pouco por todo o lado, em cinco continentes, no imenso espaço geográfico, cultural, económico da lusofonia. Este é mais o nosso mundo do que qualquer outro, daqueles a que pertencemos, em razão de diferentes afinidades, interesses e contingências. É o mundo da nossa família mais próxima e natural, a da língua, a da história multisecular - família dispersa na distância, que as migrações têm o poder de reunir em laços fraternais, libertos de ditâmes políticos ou de vínculos de dominação. A CPLP só ganha em ser, primeiramente, uma comunidade de Povos, para ser depois, uma comunidade de Países. A Fundação enquadra-se certamente na primeira, visando a construção da segunda, como força de paz, de tolerância e de democracia num novo século tão carente destes valores civilizacionais.

JOSÉ TAVARES - o livro

. José Tavares é parte da vida de todos os que tiveram a sorte de o conhecer pessoalmente e de o admirar como um grande Homem e um grande Pintor . Mas é, também, parte da história cultural de Espinho, a terra que escolheu como sua, onde criou família, criando raízes, fazendo amigos. deixando um rasto de humanidade e simpatia e uma obra vasta e valiosa, mas praticamente desconhecida de maioria dos seus conterrâneos e mais ainda da generalidade dos Portugueses. E, por isso, é tão importante esta publicação de uma boa parte das suas telas, que se constitui na forma única, no meio ideal de partilhar obras que estão, na quase totalidade, inacessíveis em colecções particulares. As imagens aqui recolhidas vão permitir que o Artista surja, assim, aos olhos do País que se valoriza ao valorizá-lo. É assim devido, antes de mais um agradecimento à família do Pintor, por esta iniciativa, que assume o significado de um verdadeiro "serviço público" - pelo que mostra, divulga e revela de uma mais valia artística, que permanecia escondida. com risco de se perder para sempre num imerecido esquecimento. Manuela Aguiar

O tango de Obama

A propósito de um passo de dança do Presidente Obama Correram mundo as imagens do Presidente dos EUA a dançar o tango em Buenos Aires, acompanhado por uma competente bailarina local. Se não era uma primeira tentativa, parecia!. Descobri, assim uma nova afinidade com um dos políticos que mais admiro: dançamos o tango igualmente mal. Falando por experiência própria. atrevo-me a profetizar que. tal como eu, ele não vai conseguir melhorar muito. Ao lado, tendo também por par um virtuoso da modalidade, a Primeira-dama mostrava outra desenvoltura... Mas o que importava. ali, não era a qualidade da exibição, era, sim. a vontade de partilhar saberes, aprendizagens, tradições, em contínuos gestos de empatia e simpatia, que, todos somados, tornaram memoráveis as suas históricas visitas a Cuba e à Argentina (coisa que se pode generalizar a toda a sua presidência). Ao ver Obama, caminhar em frente, na pista de dança ,sem ritmo mas sempre sorridente. lembrei-me não de magnas questões da política internacional, mas de mim mesma, em idêntica atividade lúdica. quarenta anos antes, no solo argentino de uma residência de estudantes da Cidade Universitária de Paris. 2 - Nos dois anos de estudos de pós-graduação em França (68/70), vivi o primeiro na Casa de Portugal, em meio tão português, que mal podia acreditar que tinha deixado a pátria - um meio. politicamente fraturado. agitado portoda a ordem de quesílias , (embora não, felizmente, dentro do círculo de amigos com quem convivia) e passei o último "emigrada"e muito bem integrada na Fundação Argentina (que pertencia ao Estado e era dirigida por um professor de Direito de Buenos Aires, com estatuto de embaixador e um perfil de independência face ao próprio regime do país, onde já havia sinais da ditadura feroz que ía acontecer alguns anos depois). Quando deixava o "campus" universitário, psicologicamente sentia-me como que a atravessar a fronteira para a França. Lá dentro, vivia-se o modo de estar, a cultura do país de cada residência, apesar dos regulamentes da "Cité" exigirem, para evitar essa "guetização", uma determinada quota de estrangeiros. Na Casa de Portugal (então pertença da Fundação Gulbenkian), quase não se sentia a presença dos outros, porque não havia eventos "comunitários" a que fossem chamados, Não se cantava o fado,não se jogava a sueca nem se bailava o vira - via-se televisão francesa e discutia-se, em português. A Fundação Argentina, pelo contrário, era uma festa! Muitos dos estrangeiros eram sul-americanos tão alegres como os próprios argentinos. Havia uma enorme quantidade de músicos que tocavam viola e cantavam bem - todos os dias, ao serão. E ao fim de semana,invariavelmente, com o gira-discos no volume máximo, dançava-se o tango. Todos eram convidados e ninguém assistia sentado. Até eu... Nunca me faltava par, apesar de ir aos solavancos pela sala adiante, sem nunca acertar o passo..

junho 14, 2016

MIGRAÇÕES E CIDADANIA - Universidade Aberta, 2 de junho

I A divisa da AEMM - :"Nenhuma pessoa é estrangeiro numa sociedade que vive os direitos humanos". - .é uma utopia, mas também uma ideia-força, que vai fazendo caminho, na progressiva consolidação de um "Estatuto de Direitos dos Expatriados", como emigrantes/ imigrantes, face a duas sociedades, a dois ordenamentos jurídicos - o do país de origem e o país de destino – assim como em convenções e tratados internacionais. Um Direito novo, que se vem criando, desde o último quartel do século XX e que coloca no centro os interesses das pessoas, dos cidadãos, e não o dos Estados, A dupla nacionalidade, a dupla participação política são conceitos que começam a generalizar-se, bem como o sufrágio dos imigrantes em eleições locais - em alguns países, como o nosso, ainda sob condição de reciprocidade, limitação infundada dos direitos dos imigrantes, que, na cidade onde moram, na sua cidade, devem ser tratados como iguais, face a face aos poderes públicos. Contudo, ter direitos e poder exercê-los não é a mesma coisa, como nos ensina a saga das mulheres na reivindicação da igualdade de facto. A proclamação formal e a prática dos direitos raras vezes aconteceram simultaneamente. As mulheres foram, (ou são ainda) em muitas partes do mundo, "estrangeiras no seu próprio país”, para além de serem, quando o deixam, estrangeiras no estrangeiro… Vamos falar hoje, aqui, de cidadania e migrações, com acento na sua componente de género. Vamos lembrar o mais perfeito exemplo de "Mulher - cidadã" que nos deu a sociedade portuguesa do nosso tempo: Maria Barroso! Recordaremos, o seu pensamento e a sua ação num dos domínios em que é, porventura, menos conhecida a importância do seu papel: o da luta pela afirmação cívica e política das mulheres nas comunidades portuguesas da emigração, A Dr.ª Maria Barroso foi a principal dinamizadora do projeto que representou uma viragem nas políticas públicas para a igualdade – os ”Encontros para a cidadania”, que decorreram nos quatro cantos do mundo, entre 2005 e 2009. Foi uma grande aventura contra o descaso, a marginalização das migrações femininas - tão esquecidas, até data recente, nas investigações académicas, na literatura, no jornalismo, na opinião pública, como o haviam sido nas políticas do Estado e até no movimento feminista de novecentos.. No que respeita a definição de políticas, podemos, em Portugal, distinguir três períodos: - o das políticas proibitivas, que começa na Expansão e vai até 1974, com o objetivo dominante de confinar as mulheres dentro de fronteiras soberanas, em consonância com costumes ancestrais que, praticamente, as emparedavam dentro de suas casas, por vontade de pais ou maridos - o das políticas de indiferença, que se estende por três décadas, a partir da revolução de 1974, depois de reconhecida a liberdade de emigrar e a igualdade de direitos entre os sexos, sem todavia a promover fora dos limites do território, pouco atentando nas especificidades das migrações femininas, padronizando-as, globalmente, em estereótipos masculinos – e isto, apesar da "feminização da emigração", que, nessa época, era já um fenómeno omnipresente (visto que, após a crise petrolífera de 1973/74, os países de imigração apenas permitiam o ingresso de estrangeiros a título de reagrupamento familiar). - o das políticas de emigração com a componente de género, que, têm pouco mais de uma década de existência e se vêm desenvolvendo em parcerias entre os poderes públicos e a "sociedade civil", através de instituições com sede no pais, como a AEMM e a Fundação Pro Dignitate, e do associativismo da Diáspora, sobretudo do associativismo feminino. Uma primeira tentativa de implementar um programa para uma maior participação cívica feminina acontecera em 1985, com a convocação pela Secretaria de Estado da Emigração, de um encontro mundial de mulheres do associativismo e do jornalismo. gesto absolutamente pioneiro, a nível europeu e universal - surpreendente num país com uma antiga tradição de discriminar, em função do sexo, especialmente neste domínio Todavia, a sua prossecução, através de audições periódicas em Conferências, organizadas na órbita do Conselho das Comunidades Portuguesas (órgão, quase exclusivamente constituído por homens...) foi interrompida pelos governos seguintes. Historicamente do domínio do efémero, deixou, porém, um rasto de memórias que levou a AEMM, precisamente vinte anos depois, a propor à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas um novo Encontro Mundial,, não tanto para celebrar o passado, como para antecipar o progresso que tardava O SECP António Braga foi além da proposta, avançou, em moldes completamente inovadores, para os "Encontros para a cidadania - a igualdade entre homens e mulheres", convocados, sucessivamente, na América do Sul, Europa, América do Norte e África e finalizadas por um encontro internacional no nosso país. A Drª Maria Barroso foi o rosto simbólico desse ambicioso programa de mudança. Tinha mais de 80 anos, mas não hesitou em o fazer seu, contribuindo poderosamente, com a força da sua convicção, do seu entusiasmo. do seu carisma, para a exata compreensão da importância da chamada das mulheres a uma intervenção maior - importância para elas próprias, como cidadãs, mas também para um movimento associativo em fatal declínio, se não souber promover a inclusão de género e de geração. No Encontro internacional de 2009, em que se procedia à avaliação de todo o projeto , a Drª Maria Barroso afirmou: "A meu ver, são duas as condições "sine qua non" para o "empowerment" das mulheres, em geral, e das mulheres migrantes, em particular, A primeira é a sua integração no mercado de trabalho, que as conduz a uma progressiva independência económica e lhes permite o acesso, seu e dos filhos, aos bens fundamentais, como a educação e a saúde.. A segunda é a sua participação nos vários órgãos do poder, central e local, nomeadamente as legislativas, onde se tomam a decisões, que também a elas dizem respeito, e nas associações, onde têm dado provas de enorme sucesso na dinamização das comunidades e na reclamação dos direitos coletivos das mulheres". A tónica nestes dois pontos ajuda a sublinhar, justamente, a diversa trajetória das mulheres nas sociedades de acolhimento e no mundo aparte, que são a nossas as comunidades, enquanto espaço de extraterritorialidade de língua, de cultura, de costumes portugueses. O acesso a um trabalho remunerado, essencial à melhoria do nível de vida da família e à educação dos filhos, tornou a emigração uma via para a emancipação das portuguesas, que elas, efetivamente, trilharam em massa. Em França, onde o fenómeno está melhor estudado, a investigação científica veio evidenciar que o emprego, regra geral. no setor dos serviços, lhes facilitou a aprendizagem da língua, os contactos sociais, a vivência de um novo relacionamento mais igualitário dentro da família, o sucesso social e profissional. A mulher tornou-se, contra as expetativas e o mito da vulnerabilidade e de uma acrescida dificuldade de integração, o principal agente de mudança e de acesso à modernidade. É, a partir de uma infinidade de casos concretos, o sucesso de toda uma geração de mulheres migrantes, que não se deve a políticas de Estado - talvez sim, em parte, à cumplicidade das mulheres francesas, ao apoio e recetividade da própria família, numa abertura comum à aceitação de paradigmas de modernidade. Oposta é. porém, a sua situação nas comunidades portuguesas, onde, quase sempre, são (ou eram até data muito recente) forçadas a regredir para papéis tradicionais, porque o coletivo reproduz ainda largamente uma divisão de trabalho entre os sexos inspirada no viver de pequenas aldeias rurais. Os desfasamentos na evolução do estatuto das emigrantes portuguesas nestes espaços divergentes foram claramente denunciados no 1º Encontro Mundial em 1985, e, porque o "status quo" em quase todo o lado se mantivera, com poucos ou nenhuns progressos, insistentemente, referidos nos Encontros para a Cidadania, e nos Congressos mundiais, que os prosseguiram, em 2011 e 2013, com o SECP José Cesário. Tal constatação torna mais evidente a premência de o Governo Português tomar medidas, dando cumprimento à tarefa fundamental, de que o incumbe a Constituição, no artº 109, tanto fora como dentro do país. Por duas razões principais: - primeiramente, porque, como vimos, é naquela esfera comunitária que mais se sente a discriminação das mulheres, com ostensivos obstáculos à sua natural ocupação de lugares diretivos, ao acesso ao poder formal, que, aliás, se repercutem, por exemplo, na baixa proporção feminina no órgão representativo e consultivo do governo, que é o CCP - mesmo depois de lhe serem aplicadas as disposições da Lei da Paridade. - em segundo lugar, porque é nesse âmbito que o Governo nacional mais e melhor pode usar a sua capacidade de influência para a tomada de consciência das desigualdades - e não tanto, como é óbvio, no mercado de trabalho ou nas formas de relacionamento social ou profissional num outro país. Em apenas uma década de ativa defesa da igualdade, por governos de diferentes quadrantes, muita coisa mudou, sem ter ainda mudado radicalmente um "estado de coisas" . Os "encontros para a cidadania" estimularam a expansão de um associativismo feminino, que, não rompendo com as tradicionais vertentes da beneficência e cultura, assumiu, crescentemente, o carater de reivindicação de direitos e de intervenção na "res publica" . Não deixa de ser significativo que as presidentes de ONG's nascidas por inspiração da "Mulher Migrante" se tenham candidatado e vencido às eleições para o CCP. na Argentina e na Venezuela e que mais de metade das Conselheiras pertençam a este novo tipo de associativismo. De destacar, também, o facto de o atual SECP, Dr José Luís Carneiro , numa decisão inédita, ter levado a debate, no bastião masculino que continua a ser o "Conselho" as questões de género, pela voz da Secretária de Estado da Igualdade e Cidadania, cuja presença aí, como hoje, entre nós assume um significado especial. A meu ver, num país de emigração e Diáspora como Portugal, o Governo deve agir, num esforço global, através de uma estreita cooperação entre departamentos, sobretudo entre a SEI e a SECP, que tutela a rede consular e junto da qual funciona aquele importante representativo e consultivo, que é o CCP,. Devo salientá-lo, porque é coisa inteiramnete nova e muito promissora. Uma palavra final para dizer que a história que, com Maria Barroso, se fez nos "Encontros para a cidadania" na emigração é um "acquis", qualquer que seja a sua sequência .O seu exemplo, a sua voz na defesa da liberdade e da justiça, tornaram as emigrantes "mais portuguesas, mais cidadãs". Esses Encontros tiveram uma data, são passado, mas como paradigma, são, sobretudo, futuro,. Como a memória da vida da Drª Maria Barroso.

"EM TRÊS PALAVRAS" in "A DEFESA DE ESPINHO"

12 de novembro de 2015 REINVENTAR A DEMOCRACIA 1 - A democracia foi considerada um sistema perfeito, quando excluía a metade feminina da humanidade, e não só na antiga Atenas, mas, universalmente, até às primeiras décadas. do século passado. A luta pelo sufrágio foi longa e em alguns países heróica (a propósito, vale a pena ver, como documentário de época, o filme " As sufragistas"). Uma vez alcançado o voto das mulheres, os progressos foram acontecendo, gradualmente, com ritmos diversos, na caminhada para a meta da igualdade de participação política, facilitada pela (recente) imposição de quotas. A meu ver, as chamadas leis da paridade só se justificam para eliminar os muros que protegem" cidadelas" de poder masculino. A quota é a fenda na muralha... A estas medidas subjaz, sempre, a ideia de uma igual capacidade dos dois sexos, amplamente demonstrada nas sociedades contemporâneas. São, pois, uma via de procura de um novo equilíbrio de género, potencialmente portador de mais qualidade e competência nas listas compostas pelos partidos, à porta fechada e não um meio de promoção imerecida – que, a existir, deriva de má aplicação de uma boa lei.. 2 - O governo paritário de Justin Trudeau - 15 mulheres e 15 homens - acaba de tomar posse no Canadá Após uma década de domínio conservador, marcado pelas políticas de austeridade e pela obsessão securitária de Stephen Harper, o partido liberal, de esquerda moderada, chegou ao poder, com maioria absoluta, e fez a diferença logo no primeiro dia.. Os imigrantes portugueses do Canadá são maioritariamente liberais - muitos deles não por perfilharem ideologias de esquerda, mas porque sabem, por experiência vivida, que este partido é o grande defensor dos seus direitos, como trabalhadores, como estrangeiros, como cidadãos. .Justin usa um apelido célebre. É filho de Pierre Trudeau, homem público de primeiro plano no século XX. Fascinante, é o adjetivo com que o definiria, numa só palavra. Bastará acrescentar que no seu funeral, em 1984, estiveram milhões de admiradores anónimos, e, entre os Chefes de Estado, Jimmy Carter e Fidel de Castro. Justin começou "à Trudeau", levando o mundo a olhar o futuro da própria ideia de democracia, e não, nostalgicamente, o passado do seu nome. Quando lhe perguntaram o porquê de um governo paritário respondeu, simplesmente: "Porque estamos em 2015". Veio, assim, dizer ao mundo que o equilíbrio de uma representação multifacetada é da essência da democracia. A igualdade de género é, aliás, um de múltiplos equilíbrios conseguidos no seu governo que reflete, como afirmou, orgulhosamente, "a "imagem do Canadá": dois inuites (uma mulher, Jody Wilson-Raybould na pasta da Justiça e Hunter Tootoo nas Pescas ), dois sikhs, uma refugiada muçulmana, um astronauta, um milionário de Toronto (nas Finanças), um antigo atleta em cadeira de rodas, vários ministros de cabelos brancos ao lado de rostos jovens… A cerimónia de posse foi simbolicamente informal, portas abertas ao povo, e ao som de música aborígene. O "jamais vu". 3 - Em Portugal, teremos, neste ano, previsivelmente, uma sucessão de três governos, dois de Passos, um de Costa. Este último, se vier a existir, consubstancia uma viragem à esquerda, tal como no Canadá. Mas trará também consigo a mais valia democrática de novos equilíbrios, entre eles, o de geração e o de género,"porque estamos em 2015"? 3 de dezembro de 2015 ENSINO - UMA SOLUÇÃO SUECA 1 - A minha primeira visita à Suécia aconteceu há mais de 40 anos. Ia frequentar um curso de verão, não sobre a língua, que é difícil e não se aprende em duas semanas, mas sobre a realidade do país. Destinava-se a um público francófono, com um título bem adequado ao que todos procurávamos e recebemos em abundância: Connaissance de Suède. Foi organizado pela Universidade de Upsala e pelo Instituto de Informação (não de propaganda, mas de informação mesmo). E abrangeu os aspetos mais diversos, desde a história à economia, à religião, à vida política e sindical, à emigração, ao planeamento urbano, à fiscalidade, ao cinema e televisão, ao sistema de ensino… Quando parti já era social-democrata "à sueca", e, só por isso não posso dizer que fiz nessa agradável quinzena de um verão ameno, ali e então, politica e culturalmente falando, a minha “estrada de Damasco…Mas voltei à pátria, (ainda imersa em cinzenta ditadura), com mais certezas e sonhos de futuro, porque o paradigma de cidadania e justiça social funcionava em pleno, tornando aquela sociedade e aquele país próspero, ordeiro e praticante dos seus bons princípios, a vanguarda da Europa e do mundo… 2 – Um das grandes surpresas foi, depois de visitas a um estúdio de televisão, a uma paróquia (encabeçada por uma pastora luterana), a um sindicato, e muitas mais, a ida a uma escola: ambiente colorido, alegre, meninas e meninos tranquilos e uma professora que dialogou connosco, enquanto tivemos perguntas para lhe fazer - muitas! Começou por nos declarar que o sistema estava em constante avaliação, por pedagogos, psicólogos, pais, ministério, sempre com a finalidade de melhorar a qualidade do ensino e a adesão dos alunos - particularmente no caso de crianças imigrantes ou refugiadas. Ali, ninguém “chumbava! Repetir o ano não era um castigo, mas um verdadeiro privilégio. Foi preciso ela explicar melhor tão inovador conceito, porque naquele grupo, todo ele, como disse, francófono, mas de múltiplas nacionalidades, da Roménia a Portugal, passando pela Bélgica e Alemanha, reinava a dúvida ou o ceticismo… A argumentação foi sueca, simples, racional, e, para mim, decididamente convincente; se a professora é idónea e se os alunos têm normais capacidades de compreensão e expressão, o natural é aprenderem o que se lhes transmite. Se isso não acontece, há que averiguar o porquê – ambiente em casa, ou na escola, ou doença ou anomalia de outra ordem. Reúnem-se especialistas, procuram-se as causas, dá-se a máxima atenção ao aluno E, se for necessário, a título de exceção, pode repetir o ano… 3 – Em Portugal, tudo o que parece preocupar os que se intitulam os grande paladinos da “qualidade” são os exames! Visto o problema na perpetiva em que, já em meados do século passado, a Suécia o equacionava, eu direi que o exame pode constatar um défice de qualidade, mas não o resolve. Não acrescenta nada que a avaliação contínua não resolva melhor. Só pode pensar o contrário, quem desconfie, em primeira linha, não dos alunos, mas dos professores, da escola enquanto comunidade. Falo não como especialista destas matérias - que não sou, muito menos a nível do ensino das primeiras letras, dos primeiros anos, pois me limitei, há muito tempo, à atividade docente em duas universidades públicas e numa privada - mas como cidadã, uma antiga aluna feliz e realizada, tanto num colégio privado, como, depois, num liceu público. Gostava genuinamente de estudar e abominava exames., que via como uma espécie de jogos de sorte e azar (onde, por sinal tive esplêndidos resultados!) Fui uma boa aluna, e tive muito bons professores Razões de sobra para confiar na solução sueca… quarta-feira, 2I DE JANEIRO DE 2016 2015, O ANO DA MORTE DE MARIA BARROSO 1 - Num tempo propício a festas de família, balanços e prognósticos políticos, estava eu posta perante a dificuldade da escolha de tema para esta coluna, enquanto ouvia, na Antena 1, um programa sobre os factos marcantes de 2015. Primeiro pronunciaram-se comentadores e celebridades, depois a voz do povo, glosando motes: a aliança de esquerda pós eleitoral, o Banif e outros buracos negros, o desaparecimento de três vultos da vida portuguesa, dois cineastas e um poeta… Reagi, de imediato ao esquecimento em que via deixada uma grande personalidade que, em julho, partira do nosso convívio, a Dr.ª Maria Barroso. Tinha de escrever sobre ela… 2 - Maria Barroso foi um símbolo de excelência em tudo quanto fez durante uma vida longa, em tantas e diversas vestes – jovem e talentosa atriz do Teatro Nacional D Maria II, pedagoga e diretora de um colégio que colocou no topo dos “rankings”, militante da causa da liberdade, que usou o palco do teatro, a expressão artística, a força da poesia na sua voz, como instrumento de luta, mulher que ousou subir ao mundo masculino dos comícios políticos e falar sem medo. Esteve no centro da sua própria família como esteve no centro da vida pública nacional, com a mesma dedicação e competência. Foi o rosto da cultura, da inteligência e da elegância das mulheres do seu país, na Europa e no mundo. A conversão, sincera e emotiva ao catolicismo, aprofundou o seu sentido de missão, a vontade de viver para os outros, num mundo melhor, que foi o fio condutor do seu percurso, nas Artes, na Política (com letra grande), no Voluntariado. O trabalho que, nas últimas décadas levou a cabo, no campo dos direitos humanos, na Fundação Por Dignitate, foi notabilíssimo, ultrapassou fronteiras, em especial no espaço da Diáspora e da lusofonia (no processo de paz de Moçambique, em Angola, na Guiné), no combate ao tráfico de armas, à intolerância e à violência nos “media” (e sobre todas as formas!), no apelo à participação das mulheres nas suas comunidades - como eu pude testemunhar, durante os chamados “Encontros para a Cidadania”, nos quatro cantos do mundo, admirando, de perto, a sua energia contagiante, uma enorme proximidade das pessoas, feita de compreensão dos problemas e de simpatia, uma rara capacidade de mobilização, pelo discurso e pelo exemplo - ia já nos 80, quase nos 90 anos. Uma caminhada intensamente vivida em todas as idades, com a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente, com uma espantosa modernidade de pensamento e vontade de ação – até ao seu último dia entre nós! Maria Barroso foi a maior figura feminina do século XX português, um incomparável exemplo de cidadania, que seu (e nosso) tempo lega ao futuro, um legado verdadeiramente intemporal, como o cinema de Oliveira ou os versos de Helberto Hélder. 3 – Há alguns anos, numa brilhante intervenção na cidade de Joanesburgo, a Dr.ª Maria Barroso lembrava que “apesar da História ter sido tecida por Mulheres e Homens, só a estes é dada relevância”. Não deixemos que isso aconteça no seu caso! 21 de janeiro de 2016 LOPETEGUI, UM CASO DE ESTUDO 1 - Os erros, que fazem de Lopetegui um "caso de estudo" não cabem num texto curto. Em síntese, apenas uma referência a dois que lhe foram fatais. Primeiro erro: a forma como viveu o seu estatuto de emigrante. A cabeça e o coração ficaram no país basco, ou em Madrid, ou noutra terra longe de nós. É comum esta espécie de inadaptação, que os portugueses, em regra, superam melhor do que quaisquer outros, simplesmente porque, onde quer sejam bem recebidos (como Lopetegui foi), retribuem, gostando do novo país, fazendo-o seu. E, por isso combinam formas próprias de estar no trabalho e na sociedade, com as dos outros, intuitivamente. A partir de certa altura, já pertencem lá, sem deixarem de pertencer aqui. Há para isto uma palavra: integração.. .Lopetegui nunca se integrou: o Porto era "Oporto", esperança era "ilusión". Mais do que mera questão linguística, dificuldade de aprendizagem desculpável, era a ponta de um "iceberg"... Ficamos com a impressão de que se sentiu sempre, subjetivamente, um Gulliver em Lilliput, não viu que todos os homólogos que encontrava nos estádios de Portugal eram da sua dimensão, exceto os que lhe eram superiores... Não percebeu que estava num país de treinadores de excelência, muitos dos quais vão pelo mundo fora, como triunfadores: Mourinho, Villas- Boas, Manuel José, Marco Silva, Fernando Santos, Jardim, Jesualdo, Victor Pereira, etc, etc. Pior ainda: não soube avaliar a grandeza do FCP, não conhecia bem o seu passado, não interiorizou a sua "mística". 2 - Segundo erro e o maior de todos: o excesso de vedetas que exigiu para a equipa com que queria fazer história no futebol português - hispanizando-a, naturalmente. Olhávamos com espanto a revoada de espanhóis, que se instalava no Porto, ao lado de alguns sul-americanos, africanos, e até um português, o Rúben, vindo da "cantera" do clube - única decisão altamente meritória a que deixa o seu nome ligado. Foi o oposto de Mourinho, que chegou ao FCP e prometeu ganhar o campeonato apenas com dois ou três reforços, recrutados em modestos clubes portugueses (Derlei, Nuno Valente...). E assim construiu um conjunto fantástico e cumpriu a promessa. Depois, para vencer a "champions", pediu um nome sonante só um! Benny McCarthy, que já conhecia o clube. As infindáveis contratações de luxo deste "anti- Mourinho" eram de mau augúrio. Estavam reunidas as condições para a "grande nau" sofrer a "grande tormenta"... Não tardaram as tormentas. A primeira atingiu Quaresma, o génio do futebol, o herói portista! Como era possível prescindir de Quaresma? Resposta fácil: tinha bons jogadores a mais! 3 - Nova época, mais exigências milionárias. Nunca o FCP condescendera tanto com um técnico, ainda por cima perdedor em toda a linha. Mas nem por isso ele se mostrava reconhecido. Queixava-se da falta dos jogadores que partiram - alguns, Quaresma, Quintero, em boa verdade, por sua vontade, outros, Óliver, Casemiro, em função de contratos precários que promovera. E, pelo visto, subestimava as numerosas aquisições de 2015, como Maxi Pereira, André André, Layún, Danilo (um Danilo português), Corona, para além de Casillas, Imbula (por 20 milhões), sem falar de Cissoko, Bueno, Varela. Osvaldo, Sérgio Oliveira... . Ora lidar com o excesso num plantel, não parecendo, é mais difícil do que o seu contrário. Foi a super abundância de estrelas que levou um inexperiente Lopetegui à perdição. Não havia um onze base, não havia lugar certo para ninguém (salvo, evidentemente, para o guarda-redes) e era enorme a probabilidade de qualquer um se tornar redundante, caíndo em desgraça. Em suma: muitos jogadores e pouca equipa. Com a qual perdeu tudo qunto havia para ganhar... Partiu, assim, em boa hora, este imigrante do futebol, sem levar saudades e sem deixar saudade. E chega um emigrante português, José Peseiro, homem sensato e telentoso, que nos dá a garantia pôr o FCP a jogar bem (e, sobretudo, para frente! )... e talvez de ganhar tudo o que há ainda para ganhar 18 de fevereiro de 2016 POR UMA SELEÇÃO DOS MELHORES 1 - Fernando Santos é, desde há muitos, muitos anos, o primeiro selecionador nacional que se preocupa em escolher os melhores para a equipa que representa o país, sem olhar a regiões de origem, clubes, nomes, idades, isto é, sem qualquer preconceito. Estranho é que tenhamos de considerar excecional o que deveria ser, imperativamente, a regra. A história anterior é uma história triste, que foi de mal a pior, com cada mudança de titular. Refiro-me a Scolari, Queiroz e Bento. Os três fizeram da seleção o seu clube privado, onde os favoritos tinham lugar cativo. Alguns deles até eram indiscutíveis, o problema é que faltavam outros… Scolari era um homem da Lisboa imperial, que, desde a primeira hora, tratou o Porto como uma pequena colónia, situada nos confins do planeta, Quem não se lembra de ele declarar que não podia vir ao Norte, fazer observação direta, porque era muito longe? A perceção da distância é coisa relativa, admitamos, e 300 km pode ser longe para um monegasco, ou um luxemburguês, mas para um brasileiro não é, de certeza. Tratava-se de uma desculpa estúpida. Mas estúpido o homem não era, e acabou por vir ao FCP buscar meia equipa pronta e feita por José Mourinho. Contudo, "esqueceu " Vitor Baía e isso custou-lhe o título europeu - título que Baía garantiu ao seu clube, precisamente nesse ano, recebendo o galardão de melhor guarda redes europeu. O plano inclinado acentuou-se com Carlos Queiroz, a sua arrogância e incompreensíveis opções, expressivamente criticadas no momento da derrota final, por gestos e palavras do intocável Ronaldo. E veio a bater no fundo com o mais limitado e prepotente destes fracos "reis" do futebol, que "fizeram fraca a forte gente" nos tórridos campos de combate do mundial do Brasil. Na verdade, levou em excursão os mais fracos, mais cansados, quando não lesionados com gravidade - houve até os que, mal deram uma corrida no relvado, saíram de maca... .. 2 - O Eng.º Fernando Santos fez "obra de engenharia", de prospeção, de entrosamento, com seriedade, sem dar seguimento às querelas que lhe deixaram por herança, recuperando do ostracismo a que estavam condenados jogadores de classe universal como Ricardo Carvalho, Tiago ou Ricardo Quaresma. Preferência à qualidade, pura e simples, às mais valias do presente! Em jogos decisivos, lugar à experiência (assim fizera já na ´Grécia, recorrendo a Katsouranis e Karagounis e outros da mesma idade"), em partidas amigáveis, oportunidade às jovens promessas, que têm o tempo futuro para se revelarem plenamente. .Transformou, num ápice, um "onze" desclassificado, desmoralizado e perdedor num coletivo eficaz, que ganha, pragmaticamente, mesmo quando não deslumbra, com nota artística. Como nortenha, direi que é uma lição que o Porto precisa de aprender depressa - e o Engenheiro até já abriu caminho, testando, com sucesso, num "particular" um excelente trio de meio campo - Rúben, Danilo e André André - que, por insondáveis razões, o FCP raramente põe em campo. 3 - É, pois, tão necessário, ir detetando talentos, « quanto é incongruente prescindir dos mais velhos, ainda no seu apogeu, em favor de quem só beneficia em esperar, para aprender com a maturidade dos outros, em vez de aprender à custa dos seus próprios erros. A idade é coisa relativa, como se vê pelos exemplos de Ricardo Carvalho ou de um Helton renascido, depois de lesão que parecia fatal - um Helton muito mais ágil e seguro, agora, aos 37, do que há dez anos, quando, prematuramente, substituiu na baliza o grande Vitor Baía. Há que aceitar a força das evidências. O rejuvenescimento “à outrance” é coisa tão má como o respeito reverencial por mitos em decadência ou má forma conjuntural - o caso de Ronaldo na humilhante campanha do Brasil. . No futebol, como globalmente na vida do país, o essencial é aproveitar recursos humanos disponíveis em cada momento, num sábio cruzamento de gerações, pelo que Fernando Santos, com visão e coragem, criou, para além de uma equipa verdadeiramente nacional, um paradigma válido em todos os domínios da sociedade e da "res publica" portuguesa. 25 de fevereiro de 2016 ROTAS E DERROTAS DA TAP 1 - A TAP nasceu no tempo do império e nunca perdeu a marca originária, que, através do um percurso já longo, a levou a sucumbir, quase sempre, à tentação de identificar os interesses de serviço do país inteiro com os da sua capital. No que tem estado, aliás, em consonância com o paradigma de desenvolvimento que, antes e depois de 1974, alimenta a macrocefalia de uma região, em prejuízo do todo nacional... A privatização podia, pois, neste contexto, vir melhorar um estado de coisas, interagindo com o setor privado que, fora de Lisboa, faz os possíveis para corrigir assimetrias, dando-nos uma transportadora mais "amiga" do progresso global do país, do norte e do sul, das ilhas e das comunidades da emigração, aproveitando inteligentemente as suas virtualidades. Todavia, a privatização, engendrada pelo governo anterior e, neste aspeto, intocada pelo atual, vai precisamente em sentido contrário, que é aquele que convém aos seus concretos compradores. Com eles, está visto, a TAP promete ser cada vez mais centralista. O encerramento de voos para destinos europeus a partir do Porto (a que se seguirão, se não me engano, os intercontinentais que ainda restam) prejudicará não só a cidade, mas toda a metade norte do país, o seu turismo, as suas exportações e até a sua emigração, de que tanto se fala, como se ela fosse de Lisboa, quando não é - é maioritariamente do norte e do centro, litoral ou interior, e, quando vem a Portugal, é para aí que quer ir. Aliás, não menos chocante é o que se passa com o Algarve, de onde a companhia nacional se limita a disponibilizar voos para Lisboa…E na emigração são muitas as grandes comunidades cortadas do seu mapa - por exemplo, as do Canadá. 2 - Esta é, não o esqueçamos, a segunda tentativa governamental de se desfazer da TAP e deixa-nos uma sensação de "dejà vu"... A primeira (estava o PS no poder) traduziu-se na sua entrega às mãos da Swissair. Um negócio inenarrável, uma falsa parceria, que deu a essa empresa, em vésperas de falir, a possibilidade de manipular as reservas da outra, esvaziando os seus voos diretos para várias cidades da Europa - e não só - desviando os passageiros para os seus próprios aviões, para um "hub" helvético, e, daí, para o destino final. Péssimo serviço para nós, acordo leonino para os suiços, que nem assim evitaram a bancarrota. Esta última negociação da TAP, com assinatura de um governo PSD, será assim tão diferente da primeira? Uma das interessantes denúncias de Rui Moreira - pouco glosada, por sinal - é a de que o novo dono da TAP, e também da "Azul" tem uns aviões parados, a que precisa de dar ocupação rentável na ponte aérea entre Lisboa e Porto. Esta "ponte" tem, assim, por finalidade não a ligação das duas cidades, favorecendo-as por igual, mas o desvio do trânsito internacional de uma para a outra... A "ponte aérea" a partir de Vigo completará a manobra, com que visa esvaziar o aeroporto Sá Carneiro (um magnífico aeroporto, subaproveitado, muito mais funcional e confortável do que o da Portela...). 3 – Contudo, o abandono do aeroporto Sá Carneiro pela companhia de transportes dita “portuguesa” não é o único problema que deve fazer-nos pensar... O Porto há-de saber reagir, boicotando a ponte aerea e privilegiando os voos diretos de outras companhias, que ocuparão o vazio da TAP - até porque fazer escala, mudar de avião, por muito frequentes que sejam as ligações oferecidas, é sempre um grande incómodo e perda de tempo, sobretudo em aeroportos com vários terminais. Isso seria o fatal para o turismo nortenho.. Mas, para além disso, esperemos que esta privatização (que avança com o atual governo num estranho e opaco modelo de "hibridismo" e, segundo os "media", já a evidenciar a necessidade de uma injeção de capital chinês ) não venha a revelar-se fatal para a própria empresa. A TAP foi sempre, para nós, no domínio crucial da segurança, uma das melhores companhias do mundo – aquela em mais confiança depositávamos. Um símbolo nacional de excelência, como José Mourinho! Os seus pilotos eram os melhores, os seus serviços de manutenção também (ainda que não fosse do mesmo nível a sua gestão, pois Fernando Pinto está bem mais mais próximo da classe de um Scolari do que de um Mourinho). Eram razões de sobra para termos um imenso orgulho na nossa companhia de bandeira. Perder, eventualmente, estes padrões de qualidade é perder a TAP, mesmo que mantenha o nome e o "hub" em Lisboa. 17 de março de 2016 OS PRESIDENTES da REPÚBLICA E A " QUESTÃO DE GÉNERO 1 – A questão de género, entre nós, nunca está na ordem do dia. Por isso, sobre o Presidente Marcelo e sobre os seus antecessores muito pouco se disse e escreveu, nesta matéria. A presidência da República tem sido sempre e vai, por certo, continuar a ser, durante muitos anos, reserva masculina (a última Chefe de Estado em Portugal foi a Rainha Dona Maria II…), embora simbolicamente se represente a República na estatuária de pedra ou de bronze, com uma bela imagem de mulher… Esta é a situação de "disparidade" em que vivemos, mas podemos, pelo menos, esperar que o Presidente faça sua a causa da paridade... 2 – Vou aventurar-me, como o Professor Marcelo costumava fazer nos seus memoráveis programas da TSF, a dar notas aos Presidentes eleitos depois do 25 de Abril, com enfoque neste domínio. Todos me merecem, felizmente, classificação positiva: 18 valores para o General Ramalho Eanes, pela coragem de ter nomeado, num governo de iniciativa presidencial, uma mulher Primeira ministra, Maria de Lourdes Pintasilgo (audácia admirável numa altura em que, na Europa, só Thatcher chegara, e apenas algumas semanas antes, a esse lugar cimeiro); 14 valores para o Dr Mário Soares (a quem, nos demais capítulos, daria nota 20!), pela atividade normativa dos seus governos, expressa em leis igualitárias, saídas de pena ágil do Dr. Almeida Santos. 19 valores para o Dr Jorge Sampaio, coerente mensageiro da igualdade (na expressão de Ana de Castro Osório um “feminista prático”, que é aquele que se afirma pela ação concreta). Foi o primeiro Presidente a criar um gabinete e uma assessoria para o cônjuge, o primeiro a comemorar o Dia da Mulher, com um forte apelo à participação cívica e à valorização do seu papel na sociedade e na política - o único que não esquecia as mulheres na lista de condecorações, tão disputadas no mundo dos homens… e até o único que escolheu um génio feminino, Paula Rego, para pintar o seu retrato destinado à galeria do Palácio de Belém; 12 valores para Cavaco Silva, apesar de ter sido, enquanto PR, um implacável adversário da lei da paridade (vetando uma versão inicial, que tornava a paridade vinculativa, forçando a sua substituição por uma modalidade "soft", em que a infração ao normativo legal dá apenas origem a uma multa…). Contudo, enquanto governante e líder partidário, teve a preocupação de promover mulheres. A ele se devem as nomeações das primeiras governadoras civis, as eleições das primeiras Vice-presidentes da Assembleia da República (segundas na linha de sucessão do Presidente…), a indicação das primeiras juízas do Tribunal Constitucional, o maior número, até então, de mulheres num governo da República (algumas com grande influência e poder, como Leonor Beleza e Manuela Ferreira Leite). 3 – É muito cedo ainda para classificar o atual PR, mas não para ter fundadas esperanças na sua atuação futura. É um defensor declarado do sistema de quotas, contra as elites e as bases do seu partido (neste aspeto, terá sido o dirigente do PSD mais próximo do pensamento da social democracia nórdica). E tem um longo passado de luta contra os preconceitos de género, pelo menos desde os míticos anos 70 do século XX. Posso exemplificar com breves citações do seu editorial do Expresso de 30 de Novembro de 1978, que conservo numa seletiva pasta de recortes de imprensa: "Num País onde a mulher está ainda muito longe de dispor de possibilidades de afirmação idênticas às do homem, a nomeação da primeira mulher para exercer o cargo de secretário de Estado do Trabalho merece especial referência". Depois de uma breve referência ao curriculum académico e profissional dessa jovem desconhecida (que, por acaso, era eu…), recorda os nomes das raras mulheres que a haviam precedido nos governos da República: Teresa Lobo, ainda antes da revolução de 74, Lurdes Pintasilgo, Manuela Morgado e Teresa Santa Clara Gomes. E prossegue: "Mas o que poucos arriscariam é que uma pasta tão melindrosa como o Trabalho incluísse uma mulher governante. Tratava-se de um pelouro considerado extremamente sensível nas suas repercussões políticas, a desaconselhar, para muitos, a presença de uma mulher. É positivo que este sacrifício do "machismo" latente tenha sido vencido. É positivo que Mota Pinto tenha ousado dar o passo que deu". Não me lembro de outro político que tenha feito uma denúncia tão frontal do “machismo latente” na vida pública portuguesa! E como, quase 40 anos depois, o “machismo latente” persiste, não faltarão ao Presidente ocasiões para o combater. 7 de abril de 2016 UM CONGRESSO EM ESPINHO - memórias de outros congressos do PSD 1- Há, pelo menos, doze anos que não ia a um congresso do PSD, mas, desta vez, com a sua realização à porta de casa e sucessivamente desafiada pela Leonor Fonseca e pela Virgínia Estorninho, não hesitei em as acompanhar. Foram três dias esplêndidos, cheios de reencontros com amigos da emigração e do país, que não via há muito tempo, e de ocasiões de rememorar com eles outros congressos, alguns bastante mais aguerridos. O primeiro a que assisti, como convidada, foi o do cinema Roma, em Lisboa. Estávamos em 1979 e ainda não era filiada no PPD/PSD, embora fosse "Sá Carneirista" declarada há muito ( desde que ele se afirmara contra a ditadura, no hemiciclo de São Bento, e como "social-democrata à sueca" numa entrevista dada a Jaime Gama). Depois, perdi a conta àqueles em que participei. Por exemplo, em 1981, o do Porto, com Balsemão (no meu caso, com os chamados críticos" contra Balsemão), uma reunião agitada por insuperáveis divisões e inflamados discursos, no interior do Rivoli, mais uma falsa ameaça de bomba, que nos obrigou a um pacífico interregno no exterior. Recordo, em especial, os históricos congressos de mudança de lideranças: em 1983, o de Albufeira, que vivi euforicamente, com a vitória de Mota Pinto; em 1985, o da Figueira da Foz, que parecia destinado à volta do "Balsemismo sem Balsemão" (com João Salgueiro) e acabou na consagração de Cavaco Silva (reviravolta ocorrida a altas horas da noite, enquanto eu dormia, pelo que fiquei fora de todas as listas, então elaboradas); o de 1995, no termo da "pax" Cavaquista, com a sucessão a ser disputada por Nogueira, Durão Barroso e Santana Lopes - um elenco de luxo, no mais mediático de todos os eventos do género e, se me não engano, pioneiro na total abertura aos "media". Coisa nova, também no que me respeita, porque tinha não só um, mas dois candidatos para escolher, Fernando e José Manuel. A amizade e solidariedade coimbrã falaram mais alto, decidi apoiar Nogueira, mas, antes de o fazer, escrevi a Durão Barroso, dizendo-lhe que, mais tarde, ainda haveria de votar nele, o que, realmente, veio a acontecer. 2 - Espinho 2016 foi, assim, tempo de olhar, nostalgicamente, o passado, num ambiente que tem ainda muito de semelhante, na mescla alegre e convivial em que os debates, lá dentro, alternam com os abraços e animadas conversas, cá fora. Menos despreocupadas, menos afetivas, são, provavelmente, as negociações de bastidores para a composição de listas de dirigentes, a marcação e ordenamento das intervenções em palco, que costumavam ser mais complicadas para os delegados comuns do que para os" notáveis" do partido. Sei-o por experiência própria, e um dos velhos amigos que revi nos corredores, recordou-me o caso passado no Pavilhão Rosa Mota... Eram 4.00 da manhã e ele saíamos de uma sala vazia, onde quase só Cavaco e Silva se mantinha, atento, como era seu dever. E eis que ouvimos chamar, pelos microfone, o meu nome... no fim da tal grande lista de intervenientes. Voltei à pressa ao recinto, para tomar a palavra sobre questões internacionais - sobre a Europa das Nações, a Europa da "iguais", que já não existe hoje. Fui muito aplaudida pelo Prof. Cavaco, pelo meu amigo e por meia dúzia de resistentes ao cansaço da madrugada. Em 2016, isso não aconteceu a Virgínia Estorninho, a primeira na lista dos oradores! Por sinal, abordou muito bem um tema da maior importância - o do relacionamento inter-geracional. A Virgínia, que diz sempre, sem rodeios, o que tem para dizer, apelou a uma política de valorização, de aproveitamento, de inclusão dos recursos humanos deste grupo etário que tanto cresce, proporcionalmente, na sociedade portuguesa. Cito: "Os da minha geração - a peste grisalha, como alguns lhe chamam - deram-lhes(aos jovens) aquilo que nunca tiveram [...] Cometemos, admito, o grande crime, que foi o de trabalharmos muito, nalguns casos até demais, para que nada lhes faltasse". E, a terminar, aconselhou os nossos políticos a atentarem nas diretrizes europeias neste domínio, nas recomendações do CESE, que, entre várias prioridades. exorta os governos a colocarem " a tónica na capacidade e nos contributos dos idosos e não na sua idade cronológica", realçando-os "através de declarações positivas", promovendo a sua participação ativa no processo de decisão na comunidade, na política, nos conselhos de administração de empresas, em organismos públicos, no voluntariado"... Bem vistas as coisas, a proposta da Virgínia vale tanto, ou mais, do que a muito badalada "mobilidade social" de Paulo Rangel, que, obviamente, também é precisa... 3 - Pode a voz das mulheres, por muito forte que se erga, ser ainda pouco ouvida nestes areópagos partidários, mas é justo reconhecer que, de um ponto de vista feminista, o Congresso de Espinho deu um passo em frente: a Comissão Política é quase paritária e na Comissão Permanente (o poderoso "inner circle" dos Vice-presidentes) as mulheres estão em maioria! O Conselho Nacional, esse, continua longe da paridade, prejudicada pela grande multiplicidade de listas concorrente, encabeçadas, regra geral, por homens. Por outras razões, o panorama é ainda pior no Conselho de Jurisdição (uma mulher) e no das auditorias (100% masculino...). Outra nota a merecer realce é a aprovação de moções (a "K" de Maria Trindade do Vale e a "N" de Lina Lopes) voltadas para as questões da igualdade de género, da paridade. À beira mar, em Espinho, soprou, enfim, neste campo especial , uma brisa social-democrata "à sueca". 28 de abril de 2016 A COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA 1 - O relacionamento entre o Brasil e Portugal, enquanto Estados do mundo da lusofonia, tem conhecido momentos altos, separados por algumas crises passageiras - crises que, aliás, raramente conseguem afetar o bom entendimento entre as pessoas. O que nos une ao Brasil são, de facto, laços tecidos por séculos de migrações, quase sempre consideradas excessivas e objeto de políticas nacionais proibitivas ou limitadoras da liberdade de movimentos através do atlântico. Êxodo multissecular, que contribuiu poderosamente para construir uma nação quase continental, cerca de cem vezes maior do que Portugal, e para lhe dar uma língua unificadora (e a língua, note-se, não se impõe por decreto - vive-se no diálogo quotidiano de gente concreta). Foi por isso inteligente e justo o gesto do legislador brasileiro, em 1967, ao instituir o Dia da Comunidade Luso-Brasileira, a 22 de abril, data em que, em 1500, Cabral e os homens da sua expedição avistaram a terra a que puseram o nome de "Vera cruz". É o momento simbólico de um primeiro encontro entre povos, que haveriam de construir o Brasil futuro. Portugal aceitou a ideia, naturalmente. Todavia, a lei é letra morta nos dois países... a comunidade não! E a comemoração faz-se, sobretudo, por iniciativa das associações de imigrantes portugueses, em colóquios e debates, chamando personalidades do poder político dos dois países às grandiosas instalações dos seus Gabinetes de Leitura, Grémios Literários, Casas de Portugal... Entre nós, as comemorações andam esquecidas, tanto a nível oficial, como na sociedade civil... Espinho constituiu-se, este ano, em exceção à regra geral do olvido, graças à proposta de uma associação de mulheres migrantes, acolhida pela Câmara Municipal no auditório da Biblioteca José Marmelo e Silva. Uma exposição de pintura inspirada em festas populares, semelhantemente organizadas no espaço luso-brasileiro, e três admiráveis conferências sobre literatura e história do Brasil (proferidas pelos Professores Arnaldo Saraiva e Eugénio dos Santos, e pelo escritor e jornalista Danyel Guerra), transformaram a sessão numa "viagem de achamento" de factos, de personagens e de emoções! O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, trouxe de uma recente visita ao Brasil o testemunho das significativas celebrações em que participou (e que haviam sido antecipadas, para contar com a sua presença). Um dia inesquecível, em que, de algum modo, se "remou contra a maré", num país onde a história do Brasil não é aprendida nas escolas e desapareceu, insolitamente, dos "curricula" das Faculdades de Letras (veja-se o caso da Universidade do Porto, onde Eugénio dos Santos a ensinava, de forma superlativa). Os responsáveis pela "res publica", em particular no domínio da Educação e da Cultura, deviam reler Joaquim Nabuco, o grande intelectual, político, diplomata, que afirmava : "Os Lusíadas" e o Brasil são as duas maiores obras de Portugal. 2 - A comunidade, a fraternidade luso brasileira não é, como pretendem alguns, pura expressão retórica. Leis e práticas do Brasil contemporâneo provam o contrário e pena é que sejam, quase completamente, ignoradas por cá... Dois exemplos admiráveis, da segunda metade do século XX: a solidariedade para com os retornados de África e o reconhecimento da "cidadania luso-brasileira. Em 1974/75, o Brasil foi o único Estado a abrir incondicionalmente as fronteiras aos portugueses, que abandonavam Angola e Moçambique, aquando de uma descolonização súbita, que os deixou em situação de refugiados de facto. Para lá foram todos os que quiseram ir, novos ou velhos, saudáveis ou doentes, mais ou menos qualificados, mais ou menos pobres... Nos aeroportos instalaram-se serviços especiais de receção, que, sem burocracias nem delongas, carimbavam nos passaportes destes portugueses uma autorização de residência definitiva! Os que atravessavam o oceano em pequenas embarcações de pesca, eram igualmente recebidos, de braços abertos. Vinham sem haveres, alguns até sem papéis, e logo viam a documentação reconstituída, com base na prova testemunhal dos próprios companheiros de aventura. (Que diferença com o que se vê, hoje, no mediterrâneo, ou nas fronteiras terrestres de uma Europa, que, tão desumanamente, ergue muros de arame farpado contra quem foge da guerra, do terror. Ou paga a sua "deportação" para um destino inseguro, quando não fatal!) Já alguns anos antes, em 1969, com a mesma compreensão da ideia de pertença a uma comunidade singular, o Brasil estabelecera o estatuto de direitos civis e políticos para imigrantes portugueses (a que Portugal corresponderia em 1971). Enquanto, ainda hoje, a chamada "cidadania europeia" , decorrente do Tratado de Maastricht, em matéria de direitos políticos, não vai além do nível local, a cidadania luso-brasileira, fundada no Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, alarga-se à eleição para órgãos de soberania e ao acesso à magistratura judicial. Em 1988, a Constituição Brasileira foi ainda mais longe e atribuiu aos residentes portugueses, em votação unânime, unilateralmente, mas sob condição de reciprocidade, todos os direitos dos nacionais - capacidade eleitoral passiva e ativa nas eleições, autárquicas estaduais e nacionais, acesso a altos cargos públicos, ao governo local, estadual e federal, à magistratura e ao exército (praticamente excecionando apenas a Presidência da República e sua linha de sucessão, como previsto para brasileiros naturalizados). Portugal só veio a dar plena reciprocidade na revisão constitucional de 2001. Desde então, está em vigor este Estatuto de Cidadania nos dois Estados - o mais avançado que se conhece no século XXI. Sobra entre nós, brasileiros e portugueses, a fraternidade que falta entre europeus... 3 - Em 1974, com a revolução do 25 de abril, desfez-se o Império, que era obra do Estado, mas resiste a obra das pessoas, dos emigrantes, as relações privilegiadas entre povos da mesma fala, a diáspora. Ganhamos a liberdade de sermos portugueses, lusófonos, europeus, com uma identidade que temos de saber afirmar em cada um dos círculos em que partilhamos um longo percurso, continuando-o em cada novo tempo, com cada nova geração. Comunidade Luso-Brasileira, CPLP, Europa… Por esta ordem de prioridades? Eu diria que sim, embora saiba que não tem sido essa, desde há muito, a opção estratégica dos nossos políticos. 19 de maio de 2016 Futebol: fazer história, fazer a festa 1 - No domingo passado a festa do futebol foi vermelha. Todavia, num gesto de sublinhar pela raridade, também saíram à rua as bandeiras verdes dos "leões", que perderam o campeonato - perderam, porque "o segundo é sempre o primeiro dos últimos" e porque lideraram a classificação durante muitas semanas e se deixaram, por fim, definitivamente ultrapassar. Tudo isso aconteceu a sul, com ramificações um pouco por todo o país e emigração. A norte, os adeptos do clube maior, mantiveram-se numa neutralidade melancólica, recordando uma história recente de vitórias, que revestiam de azul e branco a cidade inteira, e se estendiam, também, pelo mundo português.. Imperava, agora, a indiferença quanto ao vencedor, porventura com gradações.... Em circunstâncias normais, quase todos os portistas. a terem de escolher, optam pelos "verdes", por razões várias - uma das quais é o facto de se sentirem mais iguais a eles, perante o favorecimento com que muitos "media" e as altas instâncias do futebol privilegiam o rival encarnado, ou perante o que consideram a megalomania e o complexo de superioridade de que este dá mostras, reivindicando, por exemplo, a pertença de 6 milhões de portugueses e outras desmesuradas qualificações. Desta vez, na minha relativa indiferença, incrivelmente, preferi a vitória do SLB, para o que foi determinante a faceta megalómana e o insuportável complexo de superioridade da dupla Jorge Jesus/Bruno de Carvalho, que, por contraste, deu do Benfica de Rui Vitória uma imagem da contenção e urbanidade (esqueçamos, como coisa menor, o seu discurso de vencedor eufórico, com aquela piada despropositada da colocação de Jorge Jesus atrás de um vendedor de pipocas, numa longa lista de afetos ...) . Em suma, gosto de bons treinadores, que sejam também "gente boa", gente civilizada. Por isso, sou sempre por perfis como os de André Villas Boas, Marco Silva, ou Leonardo Jardim, contra figuras como Jorge Jesus, Co Adriaanse ou Julen Lopetegui - estes dois últimos com a agravante de nem sequer serem treinadores de topo. A arrogância, só a admito a José Mourinho, Fraqueza minha, confesso, mas não só admiro a sua genialidade, como me divirto com os seus "mind games". 2- Jorge Jesus declarou, antes mesmo da perda do título nacional, em jeito de auto-defesa, que já " pagou" o seu contrato (milionário) de três anos com o Sporting. Ao longo da época, não ganhou nada, nem sequer uma Taça de Portugal, na esteira de Marco Silva, pelo que estaria a referir-se ao apuramento direto para a Champions. O que poderia, nesse capítulo, dizer Rui Vitória, que deu ao clube muitíssimo mais, por muitíssimo menos dinheiro? Com um modesto contrato e sem exigências de grandes investimentos no plantel, fez uma bela campanha na "champions", venceu o campeonato nacional, vai provavelmente ganhar, amanhã, a "Taça da Liga", que conta para a estatística dos títulos oficiais, e, ainda por cima, foi o criador de uma improvável vedeta, vinda da équipa B, Renato Sanches, que já a protagonizou o negócio do ano, quer se venha a transformar, ou não, no "novo Ronaldo", como se anuncia. Nesta comparação de custos/benefícios dos treinadores, também o FCP perde em toda a linha. E, a meu ver, não somente pelas as derrotas, que o presidente Pinto da Costa foi o primeiro a adjetivar de "vergonhosas", mas pela incapacidade de valorizar magníficos jogadores da formação , como são, por exemplo, Rúben Neves e André Silva. Onde estariam eles se tivessem sido titulares indiscutíveis, no onze base, como foi, a partir de certa altura, Renato Sanches no Benfica? Rúben e Renato chegaram, ambos, à Seleção A. Rúben jogou da mesma maneira, com a mesma classe, a mesma autoridade e precisão de passe, no onze do Porto e no de Portugal. Impressionante! É mais do que pode dizer-se de Renato, que não provou nada nas suas primeiras chamadas à seleção, mas, apesar disso, vai ao Euro. . 3 - No próximo domingo há mais festa do futebol - azul, desta vez, se o sonho portista se concretizar em espetáculo e golos. E aonde será a festa?..Há mais de uma década que a Câmara Municipal do Porto não saúda os sucessos do clube, que levou o nome da cidade ao mundo inteiro. Triunfos para celebrar. houve-os de toda a espécie: taças e campeonatos nacionais, Taça UEFA," Champions", Taça Intercontinental. Ou seja: sobraram os títulos, as oportunidades, mas faltou visão do seu significado ao então edil portuense. Rui Rio fechou portas aos representantes do clube e às grandes manifestações populares, levando a multidão de bandeiras azuis e brancas a peregrinar entre a avenida, que tradicionalmente acolhia os festejos, e o estádio. Por fim, cada vez mais demandava apenas o estádio, propriedade privada... Em Lisboa, ou em Coimbra, ou em Guimarães, comemorações semelhantes têm sempre na sede do município, na "casa comum", o seu momento mais simbólico. Do Presidente da Câmara Rui Moreira se espera, agora, caso a Taça viaje para o Porto, esse gesto institucional - e não como adepto, (a cor clubista é sempre institucionalmente irrelevante), mas em representação do governo da cidade. Não se trata de misturar política e desporto, mas, bem pelo contrário, de destacar a parte de cada um. Os feitos desportivos pertencem não só à história do clube como à da terra. Reconhece-los com uma grande receção na Câmara é, no plano das relações pessoais, uma cortesia. No plano político, é um ato de cultura. 15 de junho de 2016 MEMÓRIAS da AVENIDA Em Espinho, o que chamávamos "a Avenida" era uma parte da Avenida 8, delimitada pelo casino. a norte, e pela Rua 23, a sul - um espaço mítico de convívio, estrategicamente situado entre a estação de caminho de ferro e o mar, os hotéis, os casinos, os "dancings", os cafés, as esplanadas... O largo retangular, convenientemente fechado ao trânsito, era percorrido por multidões coloridas, em movimento ordenado, em filas compactas, formadas por gente de todas as idades, como que em diálogo feito daqueles passos ritmados, para cá e para lá… Um desfile de vestidos e fatos bonitos, de cabelos bem penteados, de esmerada demanda de elegância e sofisticação. Uma forma de estar com os outros, na comunidade, na sociedade. Uma espécie de imensa "tertúlia andante", subdividida em pequenos grupos, conversando, tranquila, ao som da música, por entre as altas palmeiras, sob os olhares dos que descansavam sentados nas esplanadas Os comboios paravam, passavam, com ampla visão sobre tão exuberante espetáculo, e, por isso, os passageiros levavam consigo imagens que terão sido, ao longo de mais de um século, o melhor cartaz turístico de Espinho, do seu alegre viver... E muitos foram os que o caminho-de-ferro trouxe para cá, do interior do país e de Espanha, fazendo de um pequeno povoado de pescadores uma praia vanguardista e internacional, onde o génio dos homens soube criar uma admirável nova realidade, não só no seu desenvolvimento urbanístico, como na sua capacidade de relacionamento humano, de atracão, de abertura a uma pluralidade de círculos sociais e culturais, harmoniosamente coexistentes. Portugueses e estrangeiros, homens e mulheres, lado a lado, nas ruas e nos cafés, (que eram, à época, num país de tradição misógina, por todo o lado, coutada masculina). 2 - Sabemos "onde", mas não sabemos exatamente "quando" começou a fantástica "movida". É plausível a teoria da sua origem espanhola. Certo é que já em fins do século XIX, Ramalho Ortigão, um dos habituais membros das tertúlias do "celeste império", se lhe referia, jocosamente, (nas "Farpas"...): " [...] piscina consagrada dos magistrados, os quais, ao encontrarem-se uns com os outros - grupo que vai, grupo que vem - se saúdam reciprocamente, de parte a parte, em variadas vozes e em diversos tons de afabilidade: colega! colega! colega! colega! " Mais tarde, em 1930, Guedes de Amorim na "Ilustração", denomina Espinho "a praia ibérica", traçando um quadro deliciosamente sugestivo não só do ambiente geral, mas também, em especial, do que designa por "a grande avenida": “Os dias decorrem em Espinho como domingos, como dias de festa. O verão é o grande domingo do calendário. E Espinho, romaria à beira-mar, tem seduções para todas as horas, para todos os paladares, [...] só se ouvem frases na linguagem de Cervantes, só se ouvem gargalhadas espanholas [...] ao fim da tarde, na grande avenida ressuscita a vida, a folia, o sem número de diversões, onde Espinho vai passar a noite [...] retalhada a tangos, a golpes estridentes de jazz band, a noite de Espinho termina. Amanhã começa novo dia. Espinho acaba sempre a sua alegria na noite. O verão, porém, é extenso, o sol é quasi eterno, só desfalece no outono". Duas ou três décadas depois, a "Avenida" da minha infância e juventude mantinha, intacta, a sua excelência. Talvez já com menos magistrados, menos políticos e escritores famosos e até menos espanhóis, mas ainda uma festa que durava o verão inteiro, "com sedução”para todas as horas e todas as idades. De manhã, na volta do mar ou da piscina, podíamos aí deambular em traje desportivo, à tarde um fato ou airoso vestido já era de bom-tom, e à noite, para ir ao cinema (com uma vasta oferta de 60 filmes por mês), ao casino, aos bailes, aos cafés, ou para o simples calcorrear da "Avenida", o "dress code" era ainda mais exigente... A "movida" continuava em pleno - e nenhuma foto a captou tão bem como um trecho do precioso documentário "A praia da saudade", dos anos 50. É exatamente assim que recordo o meu peregrinar pelo seu chão mágico, no meio de uma imensa e animada mole humana. Fenómeno sociológico digno de estudo, um retrato de época! O mesmo se diga do ambiente dos cafés que bordejavam a Avenida...Todos diferentes, com o seu núcleo duro de frequentadores. O meu era o Palácio, o antigo Palácio, na esquina do hotel, com esse nome - de tarde, domínio das tertúlias femininas, grupos de amigas que ocupavam, invariavelmente, os assentos junto às janelas. Raridade, não é demais repeti-lo, esta presença descontraída e natural de senhoras no “café – clube”! Ali encontrava sempre as sobrinhas de Amadeo, Isabel Souza Cardoso e a filha, Maria da Graça, ambas muito simpáticas e ótimas conversadoras. Os homens ficavam-se mais pelo interior da sala, ou no sofá junto ao balcão. À noite, mais caminhadas na "Avenida", uma ida ao cinema, de longe a longe, uns passos de dança no salão do casino. Nos anos 50 e 60 e ainda por alguns anos, tal como em 1930 ou em fins de novecentos, não havia tempos mortos em Espinho. 3 - Depois de enterrada a linha-férrea, esperamos, impacientemente, há muito, que as obras de superfície nos restituam, não já a "grande avenida" das palmeiras. mas o seu equivalente, como "ex-libris" de Espinho no século XXI. Acredito que o renascimento de uma cidade originalmente convivial pode acontecer naquele lugar telúrico, com o mesmo espírito, em configurações muito diversas – um encontro com o futuro a construir no rasto saudoso das memórias.