março 01, 2015

. EM MOVIMENTO

O gosto da vida e o gosto do movimento, para mim, foram sempre a mesma coisa.
Não importa tanto a distância, como a atitude.
Um astrólogo diria –“está nos astros – o seu signo é gémeos”. Um conhecedor da história da família diria antes: "está nos genes – sai à Avó Maria”.
Mas mesmo essa mítica Avó Aguiar, poderosa matriarca, mãe de 8 filhos -  4 nascidos em Gondomar, quatro nascidos no Rio de Janeiro - , de muitos mais netos e bisnetos, que cuidou ao longo dos 91 anos sobre o planeta terra, se inquietava com a pequena descendente que, aos 3 ou 4 anos, já corria por escadas e corredores longos ou pelo jardim, e, caso único entre tantas crianças da família, não parava nunca...
A Avó comprava-lhe cadeiras interessantes e diferentes, alentejanos, de cores garridas, de madeira, de verga... Agradecia, expansiva, fazia à volta delas uma festa, experimentava-as de imediato, naturalmente, mas não ficava muito tempo sentada. Só com um livro na mão, alguns anos depois... 
Nesses meus primeiros anos, os exercícios de corrida em espaço fechado tinham por chão dois lugares próximos, apenas separados pelo Douro, Gondomar e Avintes, que era onde moravam os Avós pelo lado da Mãe e pelo lado do Pai, em casas grandes, embora diferentes, que os meus pais partilharam durante anos – ora uma, ao a outra.. Em São Cosme, no centro da vila, que agora é cidade, num enorme casarão de “brasileiro”, com o seu torreão, varandas, venezianas verde-escuro, pedra de cantaria continuada por paredes rosa pálido, cercado de canteiros de rosas, japoneiras e árvores de fruto, casario baixo para diversos usos (os mirantes, a casa do forno, a casa da eira, a pequena cavalariça em forma de chalet, os aidos, os galinheiros – porque o jardim se continuava, na parte de traz por um espaço rural). Ou seja: um mundo de cantos e recantos para a brincadeira, com a minha irmã, primos e amigos, que por ali apareciam sempre -  a "Vila Maria" tinha vida própria! Ainda hoje, os que a sentimos como nossa, falámos dela  com uma saudade imensa, como se fala de alguém querido que partiu para sempre... Quantas memórias, qiuantas histórias!

Em Avintes, a casa ficava à face da rua 5 de Outubro, na descida íngreme, antes do rio Febros. A cor da casa variava – era pintada regularmente e a minha irmã e eu escolhíamos a tinta – foi discretamente branca, cinzenta…felizmente nunca ousamos cores mais dissonantes com a sua tradição.  Mais isolada, e com menos companheiros da mesma idade, mas compensados por uma quantidade variável de gatos lindíssimos, dedistante ascendência persa, ainda com pelo comprido e grandes olhos verdes. Os filhos da Tita, as Titas e os Titos. Sucediam-se as ninhadas, mas muitos eram dados pela Avó Olívia (nunca faltavam pedidos, numa verdadeira lista de espera).E havia os primos da geração dos pais, a Maria Angélica, o António, a Amélia, o Chico, a Nini que, eram encantadores e nos aturavam. As visitas eram quotidiana - subíamos e descíamos constantemente aquela 5 de Outubro, onde todos os outros também moravam, bem mais acima, depois do cruzeiro e do Clube Avintense. Julgo que eram todos sócios do clube, onde só fui raras vezes, de tarde, com o Avó Manuel e nunca às famosas festas, que não eram para crianças (guardo imagens de salas sumptuosas, que ainda hoje guardam vestígios desse passado elitista), Sempre que podia, o Avó Manuel levava-me com ele, ao café, a encontros com amigos, a compras no Porto e, sobretudo, a sessões de cinama.nas salas do Batalha, do Trindade, do São João, do Rivoli... Devo-lhe, com certeza, uma cinefilia, que ficou para toda a vida e que começou muito cedo, aos 5 ou 6 anos.
Com a Avó Maria ia, também, muitas vezes ao Porto, de carro ou de elétrico, que tinha paragem em frante à Villa Maria (o 10, com dois traços, terminava a viagem no Bolhão, pertinho da confeitaria Villares, onde lanchávamos, antes de voltar...). A dois passos,atravesando a Sá da Bandeira, na Rua Formosa havia uma loja que vendia flores e, frequentente, ninhadas de cachorrinhos, que eu insistia sempre em ir admirar, cá de fora, na montra... Assim como o grande bazar de Sá da Bandeira, onde, não poucas vezes, conseguia que a Avó me comprasse brinquedos -  na memória ficou um lindo boneco preto, que tomou lugar entre uma legião de bonecas palidas..
Os Pais eram também muitos frequentadores de cinemas e de cafés do Porto (lugares de homens, mas onde, não sei porquê, numa família tão conservadora, a minha mãe e até nós, meninas, os acompanhávamos - cafés esplêndidos, muito portuenses, como o Guarani, o Imperial, os os 3 cafés quase contíguos da Batalha.
E com o Pai is ao futebol, às Antas, desde o tempo da inauguração do estádio. Devo-lhe uma paixão pelo desporto e pelo FCP, que me tem dado alguns dos melhores momentos da vida!
A família era toda azul e branca, a da Mãe e a do Pai, com a exceção do Tio Manuel Aguiar, que se apaixonou pela Académica de Coimbra, quando nessa cidade estudou medicina (eu também lá haveria de estudar Direito, mas sem mudar de clube de coração). Posso bem dizer que descendo, em linha reta de portistas, desde que o FCP nasceu!