agosto 10, 2022

CCP PREFÁCIO POSFÁCIO

CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPAÇO DE UTOPIA E EXPERIMENTAÇÃO ÍNDICE Prefácio - Daniel Bastos Mensagem –José Cesário Nota Introdutória Origens e Evolução do 1º Conselho das Comunidades Portuguesas O Conselho e o Congresso das Comunidades Portuguesas por caminhos paralelos As minhas memórias do Conselho das Comunidades Posfácio - Carlos Gonçalves PREFÁCIO Em Portugal, desde o início da década de 1980, as políticas da emigração estão acometidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que, hoje, através da Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP) assegura a coordenação e execução da política de apoio a portugueses no estrangeiro e às comunidades portuguesas. Ainda nessa época, durante o VI Governo Constitucional, surgiu a Secretaria de Estado das Comunidades, que atuando em princípio por delegação de competências do Ministro dos Negócios Estrangeiros tem procurado ao longo dos anos um reforço dos laços entre as comunidades portuguesas e a pátria de origem. Este esforço e tomada de consciência sobre o papel dos emigrantes portugueses no desenvolvimento do país, impulsionou ainda no alvorecer dos anos 80, a formação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Um órgão consultivo do Governo para as políticas relativas às comunidades portuguesas no estrangeiro, a quem está acometido, em geral, a emissão de pareceres, a produção de informações, a formulação de propostas e recomendações sobre as matérias que respeitem aos portugueses residentes no estrangeiro e ao desenvolvimento da presença portuguesa no mundo. Nesse sentido, e enquanto estrutura que ao longo das quatro décadas de democracia, tem funcionado como um elo relevante de ligação entre o Governo e a Diáspora, em boa hora, que uma das grandes obreiras dos direitos dos emigrantes portugueses, Maria Manuela Aguiar, papel que desempenhou de modo dedicado tanto como Secretária do Estado das Comunidades Portuguesas, como deputada pela Emigração, decidiu dar à estampa esta obra sobre a fase primordial do Conselho das Comunidades Portuguesas. Até porque, como já ressaltava a autora num artigo da primeira década do séc. XXI, intitulado “O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes”, publicado na Revista Migrações, o CCP «tem um historial interessante, sobretudo no período em que vamos considerá-lo: o momento do seu nascimento, visto como acto de criação colectiva de uma instituição inteiramente nova, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo. Um percurso, aliás, acidentado por bloqueios e hiatos de funcionamento, afrontamentos com o Governo, ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais...Em boa verdade, não deverá falar-se de um único “Conselho”, mas de vários, ou de várias “vidas” de uma mesma instituição». É este percurso originário, com as suas vicissitudes e protagonistas, dos quais Maria Manuela Aguiar ocupa um lugar de destaque, que é revisitado nas páginas desta obra que constitui um exemplo de cidadania e de serviço público. Um livro reflexivo assente na noção do dever de memória, porquanto contribui amplamente para um conhecimento mais aprofundado sobre a génese, as etapas, os momentos e os contributos de um órgão que nas palavras abalizadas da autora tem como «vocação originária: ser uma "assembleia" verdadeiramente representativa e influente, o grande fórum da Diáspora e da emigração portuguesas». Um livro que é igualmente um testemunho de compromisso incondicional com os emigrantes portugueses, os mais genuínos embaixadores da pátria de Camões, e concomitantemente de respeito pelo passado, de crença no presente e de esperança no futuro das Comunidades Portuguesas, a mais autêntica e consistente manifestação lusa além-fonteiras. Neste ensejo, uma nota também de reconhecimento à Alma Letra, editora que empresta a sua chancela ao livro, e que ao longo dos anos mais recentes tem sido um espaço privilegiado para a publicação de obras de autores da Diáspora ou sobre temáticas ligadas às Comunidades Portuguesas. E que no caso concreto deste novo livro, tem no mesmo, seguramente, um dos mais importantes contributos literários no campo da linha editorial que tem dinamizado com audácia. Comungando do pensamento do escritor argentino Jorge Luís Borges, “o livro é a grande memória dos séculos... se os livros desaparecessem, desapareceria a história e, seguramente, o homem”, podemos assegurar que a memória e a história do Conselho das Comunidades Portuguesas ficam assim prodigamente enriquecidas e salvaguardas. Fafe, 10 de agosto de 2022 Daniel Bastos MENSAGEM CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, UM ÓRGÃO ESSENCIAL PARA O PODER POLÍTICO Ao longo das minhas passagens pelo Governo da República e pelo próprio Parlamento, durante os últimos 22 anos, fui consolidando a ideia da imprescindibilidade do Conselho das Comunidades. Não tenho hoje qualquer dúvida acerca da sua importância para quem desempenha funções legislativas ou executivas ligadas à definição das políticas de ligação às nossas numerosas Comunidades. Independentemente de sermos governantes ou deputados, é fundamental dispormos de opiniões objetivas e diversificadas acerca do modo como são executadas as políticas dirigidas aos portugueses no estrangeiro, dos seus resultados e da própria definição prévia das mesmas. A informação que circula através da nossa rede diplomática, sendo indispensável e, normalmente de grande qualidade, está longe de ser suficiente, devendo ser complementada dor outras fontes, tanto quanto possível ligadas diretamente às comunidades, às suas organizações, ao movimento associativo, às escolas, ao universo político local, aos meios culturais, em suma, a toda a constelação em que os portugueses se movem. Claro que dispor de um órgão eleito, o CCP, constituído por dezenas de representantes diretos das mais diversas comunidades, é um privilégio que não podemos desperdiçar. Poder-se-á discutir a essência deste órgão, a sua composição, o seu caráter mais representativo ou meramente consultivo, mas é difícil prescindir do seu papel e da sua ajuda. Aliás, a propósito, não posso esquecer os contactos que tive, enquanto Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, com governantes de vários países, como a Alemanha, França, Cabo Verde, Canadá, entre outros, que sempre procuraram beber na experiência portuguesa os ensinamentos indispensáveis para porem de pé organismos mais ou menos idênticos. Ao fim de todas estas últimas décadas, acho que o CCP ganhou o seu espaço próprio, sendo muito difícil prescindir da sua existência sempre que se pretende desenvolver políticas sérias e com resultados. Claro que a sua organização poderá sempre ser repensada e melhorada, mas isso não deverá pôr em causa o próprio órgão. O nosso desafio futuro é melhorá-lo e, para isso, cumpre discutir o seu caráter consultivo ou representativo, a sua relação com o governo e o parlamento, o estatuto dos seus membros, a sua articulação com a rede diplomática e com os conselhos consultivos das áreas consulares, a sua ligação ao movimento associativo e às redes de cultura, educação, solidariedade social e empresariais. Será esse debate que se segue, num momento em que os níveis de participação política e cívica das nossas Comunidades aumentam de forma bem evidente. José Cesário NOTA INTRODUTÓRIA 1 -Para olhar o nascimento do “Conselho” à distância de 40 anos, privilegiarei a data da sua primeira reunião mundial, realizada em Lisboa, de 6 a 10 de abril de 1981, e não a da promulgação do diploma jurídico pelo qual foi criado (DL 373/80 de 12 de setembro), porque, na minha perspetiva, a lei se pode considerar uma declaração de intenções, uma esperançosa expetativa com futuro incerto, entregue ao poder fático da reunião constituinte. Crucial é o momento de passagem da esfera normativa do Direito à realidade da vida das pessoas ou das instituições, e no caso do CCP, esse trânsito foi muito além da boa aplicação diligente da lei. Singularidade constituiu o facto de ser, à partida, uma lei a rever, para melhor se ajustar à vontade dos destinatários, um convite a que eles próprios a reformulassem, nela vertendo, porventura, outros conteúdos. É nessa procura de reconfiguração, no ponto de equilíbrio de vontades e estratégias que se corporiza o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Este segundo tempo foi, assim, o que contou mais. O Governo, na sua primeira consulta, convidou-os Conselheiros a uma livre ponderação de alternativas às linhas do modelo institucional para que apontava originariamente. Não colocou obstáculos a deslocar o seu centro de gravidade da interlocução da Diáspora para a da emigração recente, dando espaço ao debate dos problemas prementes do quotidiano da emigração mais recente. E com isso entrou o Conselho num domínio que, continuando a ser do reencontro pelo diálogo, não mais escaparia à turbulência e à confrontação, ao menos verbalmente violenta, que marcou, em Portugal, a segunda década de setenta e os primeiros anos de oitenta. Tempos ainda próximos da dinâmica e das contradições da revolução de 1974, que, já então, fazia numa via reformista, apoiada por larga maioria constitucional e popular, mas entre profundos conflitos sociais e choques político-partidários. Saindo da área da dominante cultural (com a sua facilidade de consensos naturais, já que a Cultura é sempre o máximo denominador comum), o CCP avançava em terreno aberto às arrebatadas pulsões, que agitavam a sociedade portuguesa, dentro e fora de fronteiras, por igual - quando não mais ainda em algumas das comunidades do estrangeiro do que no País. Naqueles poucos dias da Reunião Mundial do Palácio Foz, o Conselho mudaria de natureza, de vocação, de estilo, e consequentemente, de destino. 2 – O manifesto eleitoral da Aliança Democrática, em 1979, tratava com o mesmo relevo, mas em rubricas autónomas, a “Emigração”, com referência a políticas públicas de apoio social e jurídico aos emigrantes e seus descendentes, e as "Comunidades Portuguesas no Mundo", com ênfase colocada na preservação dos laços históricos e culturais ao País e na criação de um” Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se farão representar, e conceder-lhe-á um apoio amplo e constante". No que concerne às políticas públicas para as migrações de saída e regresso apostava-se na continuação de esforços iniciados em 1974, visando, sobretudo, a melhoria de meios e a sua eficiência. No que respeita às "Comunidades" a principal promessa eleitoral era inovadora, encarava de frente uma das falhas ou lacunas mais extraordinárias que, bem vistas as coisas, a sociedades civil partilhava com o Estado (este na sua função supletiva): a inexistência de uma plataforma internacional de união entre os Portugueses do estrangeiro. No panorama europeu, note-se, esta constatação convertia-nos em caso raror entre países de emigração, mesmo entre aqueles cuja tradição migratória se não pode, quantitativa e qualitativamente, comparar com o peso e significado da nossa. Em todos esses países encontramos, desde fins do século XIX, ou inícios do século passado, movimentos federativos das associações atuantes nas diversas regiões do mundo da sua imigração, maioritariamente oriundos da iniciativa privada, nalguns casos apoiados ou enquadrados num organismo de cúpula governamental. A lacuna é tanto mais de estranhar, quanto se sabe que a propensão associativa dos emigrantes portugueses é grande, nas várias latitudes e nas diversas épocas. Da parte do Estado, o descaso não poderá surpreender-nos, sabido que as primeiras medidas de apoio aos emigrantes datavam de meados do século passado e se limitavam ao acompanhamento da viagem de ida, em travessias transoceânicas realizadas em condições de grande risco, ficando, depois, os portugueses entregues a si próprios. Face a essa total e multissecular "ausência do Estado" nas comunidades da emigração, nasceu e cresceu, enraizado em fortes laços de entreajuda e solidariedades, um impressionante associativismo, no domínio social e cultural, que reflete formas de relação afetiva com a terra originária, de integração no país de acolhimento. Poucos foram, no passado, os governantes ou os académicos que se aperceberam da dimensão do fenómeno associativo, gerador de comunidades perenes. Os que se apontam como exceção (é o caso de Afonso Costa), atribuem-lhe um caráter fugaz ou transitório, identificando-o como forma de combater o sentimento de isolamento, a saudade por parte de uma emigração temporária. Porém, ao contrário do que previa (e queria) o Estado, grande número de indivíduos e famílias escolheram o não retorno, mantendo, de formas variáveis e tantas vezes duradouras, a vontade de pertença coletivamente expressa, dentro e no exterior do grupo nacional. Neste contexto, que apresenta traços comuns a outras emigrações, cumpre indagar quais os motivos, as circunstâncias, as eventuais especificidades que contiveram, então e ainda hoje, o nosso associativismo dentro dos limites de cada um dos países de destino, como que desconhecedores ou desinteressados da existência dos demais. Poderemos, certamente, esperar de futuras investigações o aprofundamento da compreensão das caraterísticas do associativismo português fechado dentro de fronteiras, e das causas que porventura o condicionaram ou acantonaram. A larga predominância, ao longo de séculos, da emigração para o Brasil, (país imenso, um mundo em si, uma sociedade aberta e acolhedora, onde a língua e a cultura tornavam mais fácil as relações sociais e o enraizamento), surge como hipótese de trabalho. No Brasil se situam as mais grandiosas manifestações do espírito associativo português, em número e em dimensão sem paralelo em quaisquer outras comunidades - os "Gabinetes de Leitura", os Hospitais e os Lares das "Beneficências", os clubes sociais, as agremiações desportivas... Aí existe uma importante Federação das Associações Portuguesas e Luso-brasileiras, que representa as maiores instituições portuguesas no mundo. Todavia, nunca terá pretendido transpor as fronteiras do Brasil. 3 – Ao longo dos últimos dois séculos, registamos somente um conseguido ensaio de agregação das comunidades de língua e cultura portuguesas, promovido pela Sociedade de Geografia, sob a presidência do Prof Adriano Moreira, na década de sessenta do século passado. Com a exata compreensão da importância dos laços que a História tecera (não apenas a História do Império, em declínio, mas a do êxodo sem fim dos portugueses que consigo levaram e expandiram a fala e a Cultura em todo o planeta), tornou-se a única personalidade nacional que quis e soube pôr em andamento o ambicioso projeto de reunir em Congresso os representantes das comunidades de língua, cultura e afeto. O primeiro Congresso teve Lisboa como palco, o segundo, Moçambique, o terceiro estava projetado para o Brasil. Seria, porém, adiado "sine die", porque o regime, que, de uma forma mais ou menos neutral, aceitara o avanço deste movimento da sociedade civil, se fechou, em definitivo, após a ascensão de Marcelo Caetano ao poder. As atas, do 1º e do 2º Congresso, publicados pela Sociedade de Geografia, em seis volumes, documentam o espantoso e pioneiro trabalho levado a cabo. Ao lê-los, mais de meio século depois, fica a certeza de que não foram as últimas manifestações de saudosismo colonial, na sua 25ª hora, mas o prenúncio de uma CPLP ainda informe e distante - e não a que mornamente subsiste, no novo século, mas sim a que sonhou José Aparecido de Oliveira. Ao grande político brasileiro, como a Adriano Moreira, os meandros da Política e da História, não deram tempo de levar a obra por diante. E não houve, até hoje, quem a soubesse retomar com a mesma visão da lusofonia policêntrica e universalista. 4 - A revolução de 1974 tardou sete anos a convocar os expatriados ao diálogo e à cooperação global no Conselho da Comunidades Portuguesas. Desta feita, a iniciativa pertenceu ao Estado, e os representantes de organizações da “sociedade civil” foram chamados ao encontro com o Governo, num exercício de democracia, que revestiu a forma de proposta à coparticipação da definição das políticas para as comunidades do estrangeiro. O Conselho foi, desde o início, concebido como instância consultiva do Governo da República e dos Governos Regionais, e como órgão representativo dos seus eleitores, dotado, consequentemente, do direito de iniciativa. Comparando as iniciativas da Sociedade de Geografia e o CCP instituído pelo Governo da Aliança Democrática, poderemos concluir que coincidiam no objetivo fundamental de federalizar o movimento associativo das comunidades do estrangeiro, igualmente se aproximando no propósito de colocar o foco na área da Cultura e nos laços afetivos. Todavia, o momento político em que o diploma jurídico foi trabalhado, durante o VI Governo Constitucional, exigiu atenção a outros aspetos, que viriam a determinar o alargamento do Conselho à vertente sócio laboral das migrações. O facto de o Governo anterior, no último mês do seu mandato, ter posto em marcha a organização de um Congresso das Comunidades Portuguesas (ao abrigo do DL nº 462/79 de 30 de novembro), colocou o Governo da AD perante o dilema de cumprir o seu próprio programa ou de o compatibilizar com os objetivos de projeto alheio. Não foi, pois, surpreendente a decisão de propor à Assembleia da República a ratificação do diploma de 30 de novembro, com o propósito de deslocar o evento da esfera de influência presidencial para a do Executivo. O cancelamento dos preparativos do Congresso das Comunidades provocou fortes reações nas comunidades em áreas onde a oposição partidária ao Governo era mais forte. (caso, sobretudo, da França, onde o movimento associativo estava mais politizado) e terá tido no ambiente conturbado em que se gerou o CCP, e, de algum modo, também no modelo adotado, numa tentativa de conciliar o "Conselho de Diáspora", previsto no Programa Eleitoral da AD, e um "Conselho de Emigrantes" O articulado do Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de setembro era suficientemente flexível para abarcar a problemática das migrações antigas e recentes, e o CCP encontraria a sua identidade, servindo ambas as vertentes. O pedido de retificação da legislação do Congresso das Comunidades pelo Governo da AD e o atraso na publicação do diploma, que criava o CCP, por decisão do Presidente da República, implicaram o adiamento de ambos os eventos, no ano de 1980. Seria, assim, VII Governo Constitucional, que, no começo do ano seguinte, dinamizou o processo de constituição das "Comissões de País", por áreas consulares, e, através delas, da eleição dos seus representantes à 1ª Reunião Mundial do CCP. Com base nas suas prioridades foram determinadas as reuniões temáticas (ou Secções, na terminologia adotada pelo CCP), onde seriam debatidos, em profundidade, os pareceres ou recomendações ao Governo, seguidamente submetidos a plenário em votação final. À lista de Secções resultantes dessa consulta, o Governo acrescentou uma Secção destinada à análise do articulado do Decreto-Lei nº 373/80, um espaço de diálogo em que as suas disposições podiam ser repensadas e reajustadas - como foram, e não de uma só vez, mas por consensos alcançados nas sucessivas etapas, em que se foi moldando a instituição. 5 - Houve, pois, a preocupação de delinear um diploma jurídico abrangente e flexível, que pudesse ser a plataforma jurídica onde os representantes das comunidades iriam protagonizar a aventura irrepetível de criar a instituição. Foi complexo e exigente o processo de procura e de consecução de consenso bastantes para a alicerçar, lançando pontes entre posições políticas extremadas e entre geografias e tipos de emigrações muito diversas, que se desconheciam e, por se ignorarem, se antagonizavam - a Europa contra o resto do mundo, migrações recentes contra Diáspora... mais os descontentes com o adiamento do 1º Congresso do Governo Pintasilgo e os simpatizantes do novo Governo Sá Carneiro. Por fim, numa mútua aceitação de opostos se sedimentou uma instituição abrangente e original. O grupo de trabalho que preparou a legislação foi buscar inspiração a um modelo estrangeiro do único país onde funcionava, já com largos anos de existência, um órgão governamental de audição de emigrantes - a França, com o seu "Conseil Supérieur des Français de l' Étranger" (CSFE). Comparemos o CSFE com o CCP: um e o outro estavam sediados no Ministério dos Negócios Estrangeiro e eram presididos pelo Ministro. Neles tinham assente membros natos, membros eleitos por um colégio eleitoral associativo, e membros nomeados, em significativo número. No caso do CCP, estes últimos escolhidos numa lógica bastante mais restritiva dos poderes discricionários do Ministro, visto que os representantes sindicais e patronais eram os indicados pelas respetivas centrais e os peritos escolhidos pelo Governo constituíam um reduzido núcleo. O Decreto-Lei nº 373/80, era, como disse, um documento sintético, assente numa arquitetura minimalista. Não especificava, por exemplo, os diferentes papéis de cada uma das três categorias referidas. Todavia, a sua prática foi invariável e não deu margem a dúvidas: os membros natos - Governo da República, Governos das Regiões Autónomas, Deputados - promoviam a audição dos eleitos. Face a face, em diálogo, estavam os detentores do poder público e os eleitos da “sociedade civil”, os delegados das Associações e os "Observadores" da Comunicação Social", (aceites como iguais, na sua veste representativa e consultiva). Mais difícil de definir, antes de tudo por ser menos óbvia, numa leitura literal do diploma, era a função dos "membros nomeados" - representantes dos sindicatos e do patronato e especialistas convidados pelo governo. A chamada de centrais sindicais e associações patronais de cúpula, tanto podia significar a aposta numa instância tripartida de concertação, porventura inspirada na CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, criada no ano anterior), ou num segundo patamar interno de auscultação, somando-se à vertente exterior e principal (a da Emigração e Diáspora), como remeter-se a uma função coadjuvante no debate (de suporte técnico e jurídico à formulação de Recomendações e Pareceres). Na realidade, foi este último perfil. mais discreto, o que prevaleceu. Os "delegados" dos parceiros sociais, (que o eram, na realidade, apesar do despacho de nomeação caber ao MNE), fizeram-se ouvir mais a esse nível, nos bastidores e nos "media" que lhes eram afetos - caso da CGTP/Intersindical, perante a mais discreta atuação da UGT e a invisibilidade quase total dos representantes das associações patronais. "Conselheiros" eram, pois, os dirigentes associativos que integravam as "Comissões de País", e os "Observadores" da Comunicação Social. A presença dos "membros natos", não só nas sessões solenes de abertura e de encerramento, como em muitas das reuniões de trabalho, foi garantia de acessibilidade a parceiros de diálogo. E, por isso, paradoxalmente, o primeiro Conselho, seria, mais do que o segundo (1996/2021) um espaço de interlocução direta entre os Conselheiros e os responsáveis políticos. E quer o CCP "associativo", quer o "CCP refundado em 1996 se erguem sobre uma legitimidade democrática - naquele alicerçada no voto de um colégio eleitoral, formado por representantes do movimento associativo, neste em processo de sufrágio direto, secreto e universal dos portugueses pertencentes a um determinado universo, cuja dimensão foi variando - de princípio, coincidia com os cadernos de inscrição consular (mais de 2.000.000 de cidadãos nacionais), depois, viu-se circunscrito aos cadernos eleitorais dos círculos de emigração (então com pouco mais de 170.000 recenseados), e, em data mais recente, cresceu, de novo, enormemente, pela via do recenseamento automático dos expatriados detentores do cartão de cidadão (para cerca de 1.500.000 eleitores). 6 - Do ponto de vista de funcionamento do Conselho, comparando os dois modelos que se sucederam - o que constituía um fórum presidido pelo Ministro dos Negócios e o que atualmente forma um coletivo com presidência eletiva - constatamos que nas sessões em que o Governo está presente, continua a assumir protocolarmente a sua direção. A diferença reside no facto de essa presença quase se limitar às solenidades de abertura e encerramento dos trabalhos. A presença do Governo no 1º CCP responsabilizava-o na dação de respostas e justificações. No Conselho atual, converteu-se em ritual de boas-vindas e de despedida, libertando os governantes da pressão exercida numa relação direta, e, como temos visto, em alguns casos, até da necessidade de abordar a problemática contida nas Recomendações, que caem em semi- esquecimento. Para isso, também terá contribuído outro fator importante: uma menor mediatização, face àquela de que gozou o Conselho associativo. Nos meios de comunicação social, são menos as notícias sobre as reuniões, as propostas, a vida do CCP. Não se sabe se isso obedeceu, ao menos inicialmente, a uma estratégia governamental de acantonar o Conselho no mundo mediático da emigração, (menos incómoda, porque mais distante para o Poder), ou se é simples consequência do descaso dos próprios “media”. Certo é que o CCP há muito deixou de ser um cenário privilegiado de confrontação, imagem de marca dos seus primeiros anos, que o prejudicou a ponto de ser a causa mais provável da sua extinção em 1990. Na sua segunda vida, o “Conselho” resultante da Lei nº 101/90 funcionou, essencialmente, a nível local. Seis anos depois, o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas José Lello relançou o Conselho, dando continuidade ao que tinham sido as suas formas de cooperação iniciais. Embora eleito por sufrágio direto e universal, o atual CCP acolhe uma plêiade de dirigentes associativos – e estranho seria que assim não fosse, pois é, em regra, através da atividade cívica e do voluntariado no interior das comunidades que os cidadãos ganham prestígio e notoriedade entre os seus pares. Esse é um dos fatores, que lhe permite manter o seu perfil e espírito original. 7 - No balanço de 40 anos de vida desta instituição, tão sólida na vontade coletiva de existir e nas solidariedades que dela emergiram, avulta, no lado mais negativo, uma certa desvalorização do seu trabalho pela falta de resposta, assaz frequente, das Recomendações, assim como a frequente omissão da consulta do Órgão nas matérias de relevo para os cidadãos emigrados e o futuro da Diáspora. Matérias que transcendem. largamente, o âmbito de uma Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas hoje, desprovida dos meios de que dispunha até à década de noventa do século passado: o Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas, (organismo dotado de autonomia administrativa e financeira, e de um escol de técnicos e especialistas, de dirigentes) e a Comissão Interministerial para a Emigração. à qual eram levadas as Recomendações dirigidas pelo Conselho a cada um dos departamentos da Administração Pública competentes na matéria. Que futuro para o CCP? Autonomia face ao Executivo, e ligação preferencial ao Parlamento? Constitucionalização? O poder discricionário do Governo no relacionamento com uma instituição dele dependente, marcou várias fases do seu percurso, chegando a impor-lhe uma quase “neutralização” entre 1988 e 1996, nos quase dez anos decorridos entre a última reunião do "Conselho associativo", em fins de 1987, e a primeira reunião do Conselho renascido no ano de 1997. Este longo hiato de constante invisibilidade, a nível global, não correspondeu, é certo, a inexistência jurídica da instituição, mas a incumprimento da legislação em vigor, (caso da não convocação das reuniões anuais, entre 1988 e 1991), ou uma nova arquitetura (a da Lei nº 101 /90), que se revelou, em larga medida, inexequível, num organismo fragmentado em colégios eleitorais. No 40º ano da acidentada vida do Conselho das Comunidades Portuguesas, é hora de repensar as condições jurídicas e fáticas para o pleno aproveitamento do seu imenso potencial e de o reconhecer como a instituição que levou a democracia, ressurgida em 1974, às comunidades portuguesas no estrangeiro. Nesta coletânea de alguns escritos sobre estes temas, deixamos factos e reflexões sobre a origem e a evolução dos mecanismos de representação de emigrantes em espaços transnacionais, o nosso e o de outros países, a par de uma visão pessoal ancorada no acompanhamento das suas vivências e metamorfoses, (como Presidente do CCP, na sua primeira fase e como Deputada da emigração, entre 1997 e 2005), à qual subjaz sempre a crença nas virtualidades da instituição, a par de algum ceticismo, que o passado justifica, quanto à capacidade de as projetar inteiramente no atual quadro da dependência governamental. Foi esse moderado ceticismo que me levou a dar, na Assembleia da República um último contributo para a valorização do CCP, através da convocação pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, a que presidia, de uma audição em que foi aventada, por alguns dos mais prestigiados juristas portugueses, a consagração constitucional do CCP, a fim de garantir a sua autonomia, (com ou sem uma eventual transição para o órbita da Assembleia da República ou, em alternativa, para a Presidência do Conselho de Ministros). Um passo em frente no trajeto para cumprir a sua vocação originária: ser uma assembleia verdadeiramente representativa e influente, o grande fórum da Diáspora e da emigração portuguesas Maria Manuela Aguiar Abril de 2021 --------------------------- textos sem alteração: Origens e Evolução do 1º Conselho das Comunidades Portuguesas 1981 Conselho e Congresso das Comunidades Portuguesas As minhas memórias do Conselho das Comunidades Portuguesas -------------------------------------------------------------------- POSFÁCIO É, para todos, inquestionável que as Comunidades Portuguesas têm assumido um papel relevantíssimo na afirmação externa de Portugal tendo o seu contributo sido decisivo para a economia do país e dos seus territórios ao longo das últimas décadas. De facto, é perfeitamente claro que as nossas comunidades residentes no estrangeiro, representam um capital humano, político, económico, social e cultural que importa, face aos enormes desafios da mundialização, valorizar, preservar e potenciar para bem de Portugal e dos portugueses. Para isso, é determinante que estas assumam um papel mais ativo no plano dos direitos de cidadania e da participação política em Portugal, ganhando mais peso político na defesa daqueles que são os seus direitos legítimos. Ou seja, as Comunidades Portuguesas precisam de ter voz. Mas, uma voz audível e influente, que consiga fazer-se ouvir nos diversos órgãos de soberania em Portugal, com tradução na definição de verdadeiras políticas para as Comunidades. Ora, uma das vozes mais importantes desta parte de Portugal que se encontra repartida pelo Mundo, tem sido ao longo de várias décadas, o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Como sabemos, o CCP é o órgão consultivo do Governo para as políticas relativas à emigração e às comunidades portuguesas no estrangeiro e, ao longo da sua história, demonstrou ser fundamental na representação e na defesa das nossas comunidades, na definição de políticas para o sector e, no fundo, na relação entre Portugal e as suas gentes da diáspora. Trata-se igualmente de um parceiro essencial para a identificação de problemas locais que afetam os portugueses no estrangeiro, fruto da proximidade dos nossos conselheiros às comunidades, completando, de forma perfeita, a informação que chega aos diversos organismos oficiais e ao Governo. Contudo, ao longo das suas quatro décadas de existência, o CCP, apesar de ter já conhecido vários modelos de organização e de representação, aspira ainda que seja aprovada uma formulação legislativa que o torne mais atuante e ainda mais próximo das comunidades. Mesmo assim, temos de concordar que a legislação que regula o seu funcionamento foi até evoluindo de forma positiva. Neste contexto, é importante lembrar que a base da sua representação passou do âmbito associativo para uma eleição por sufrágio universal e, hoje o CCP, no seguimento das propostas por mim apresentadas na Assembleia da República, indica para o Conselho Económico e Social, para o Conselho Nacional de Educação e para o Conselho de Opinião da RTP, os representantes das Comunidades Portuguesas. Ao mesmo tempo, penso ser também oportuno relevar que, nas sucessivas alterações da legislação discutidas na Assembleia da República, houve sempre a necessidade de acrescentar propostas no sentido de reforçar a dignidade e a representatividade do órgão. Infelizmente, apesar destas alterações, o CCP tem ainda um evidente défice de reconhecimento por parte das instituições políticas que com ele devem colaborar, tal como previsto pela própria legislação. Face a esta realidade, o CCP tem, dentro daquilo que lhe tem sido possível realizar, desempenhado um papel muito importante junto das Comunidades Portuguesas, trabalho que nem sempre tem sido convenientemente aproveitado por quem governa o nosso país. Todavia, não posso deixar de afirmar que as opiniões e sugestões expressas pelo CCP, sempre foram muito relevantes para todos aqueles que se interessam verdadeiramente pelos temas da emigração. Na verdade, o caracter consultivo deste órgão, não o impediu, sempre que foi chamado a colaborar, de ganhar um espaço próprio sem chocar com as competências dos órgãos de soberania e com o Governo a quem compete decidir em última instância sobre as políticas de emigração. Tenho acompanhado desde a sua criação o CCP. Ao longo da sua existência tive a oportunidade de ser eleitor, de apoiar candidaturas, de contribuir para programas eleitorais e, mais tarde, já como Deputado à Assembleia da República ter subscrito várias propostas legislativas relativas ao CCP. Tive também oportunidade na qualidade de Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas de trabalhar muito de perto com os Conselheiros. Por esta razão, entendo que tenho alguma legitimidade para afirmar que o balanço do trabalho realizado é muito positivo. Esta minha opinião é, naturalmente, sustentada pelo facto do CCP ter assumido um papel determinante na discussão de temas cruciais para os portugueses que vivem no estrangeiro, como é o caso do ensino de português, a participação cívica e política ou as questões relativas à qualidade e funcionamento da nossa rede Consular. Convém também referir que os Conselheiros das Comunidades Portuguesas são os eleitos de proximidade desse Portugal espalhado pelo mundo. Eles são a voz de muitas das nossas comunidades e lideram muitas das iniciativas de expressão local quer seja por país ou por área Consular. São eles, através do conhecimento que possuem da realidade de vida destes portugueses, que dão consequência ao que entendo ser o principal propósito da ação política, que é o de resolver os problemas das pessoas. Num momento histórico para o CCP, que está a celebrar quatro décadas de trabalho, importa agora pensar no futuro e garantir que, este órgão essencial para Portugal, possa ter condições para melhorar a sua organização, para garantir a prossecução dos seus objetivos e para que seja devidamente reconhecido pelos organismos com os quais deve articular a sua ação. É para mim claro que devemos todos trabalhar para que este órgão possa assumir em Portugal, o mesmo plano de intervenção que órgãos similares já conquistaram noutros países. A criação do CCP foi no fundo o reconhecimento oficial de que havia um outro Portugal composto por gentes que emigraram para as várias regiões do mundo. O reconhecimento também que era necessário dar voz a essas comunidades no sentido de acolher sugestões, propostas ou reivindicações e permitir-lhes assim a sua participação na definição das políticas para esta área da governação. Na minha opinião, foi o reconhecimento da verdadeira realidade do país. Uma realidade que o Conselho das Comunidades Portuguesas representa. Paris, 1 de agosto de 2022 Carlos Gonçalves