dezembro 12, 2014

SOBRE AS ACADEMIAS DO BACALHAU

PORTUGALIDADE
As Academias de Bacalhau estão hoje espalhadas no mundo, como verdadeiros padrões de presença portuguesa, cumprindo uma vocação matricial de convivialidade, que vem marcando o seu trajecto de várias décadas, sempre a irradiar alegria, a expandir a nossa cultura e os
nossos costumes, a oferecer solidariedade a
A ideia que lhes deu origem é, em si mesma, uma ideia felicíssima e singular: partir de uma simples tertúlia de amigos, reunidos num almoço habitual, e juntar-lhe - numa fórmula que faz toda a diferença as componentes essenciais da cultura e da beneficência.
Mas por muito interessante que fosse este "achado", ao colocar uma forma de associativismo lúdico ao serviço dos mais nobres objectivos da sociedade, os seus autores não terão, com certeza, imaginado assombrosa aventura humana em que haveria de se traduzir!
O mundo da Diáspora portuguesa era formado por um sem número de Comunidades engendradas pela mesma vontade de preservar a identidade nacional e de conservar os laços afectivos de ligação à Pátria, mas que, não obstante o que as unia, permaneciam distantes e incomunicáveis entre si.
Era preciso dar um passo em frente para formas mais englobantes de cooperação entre instituições congéneres, entre Portugueses dispersos no espaço geográfico dos cinco
continentes. Uma meta que, face à experiência do passado, parecia inatingível. Seriam os portugueses, ao invés de tantos outros povos europeus da emigração, definitivamente, avessos ao envolvimento num amplo movimento de convergência? As Academias do Bacalhau vieram provar que não. Ao longo de mais de quatro décadas, mostraram tanto uma enorme capacidade plástica de se moldarem à situação e características das sociedades em que se inseriam, como uma surpreendente facilidade de vencer as distâncias geográficas, estabelecendo a ligação permanente entre todas, pontuada por Congressos Mundiais, que juntam anualmente centenas de "compadres” em sessões de trabalho e em cordial convívio.
Este movimento converteu-se, assim, em paradigma de diálogo e articulação de projectos a nível intercontinental, e é também o único actuante, em simultâneo, com o mesmo espírito e as mesmas regras, na Diáspora e em Portugal.
A designação "Academia" não tem conotações elitistas - as regras de tratamento no seu interior excluem, aliás, o uso de quaisquer títulos universitários ou profissionais – antes apelam à camaradagem, à união. E as Academias não têm uma sede patrimonial, pois o seu excepcional património é a sua gente: os “compadres e as comadres”
O lugar ímpar e cimeiro a que as Academias do Bacalhau ascenderam no universo da emigração, ficou, evidentemente, a dever-se à qualidade dos dirigentes. Tanto os pioneiros, como os que lhes sucederam eram (e são) líderes de larga visão, conhecedores da importância de conjugar esforços para consolidar e engrandecer verdadeiras comunidades em terras
estrangeiras. Sabiam bem que estas podem datar a sua emergência e formação nos inícios do associativismo. Podem mesmo, a meu ver, sintetizar a sua história lapidarmente: "Associo-me, logo existo".
Este poder criador e estruturante de comunidades, em sentido orgânico, está, de há muito, estudado e definido e é corrente distinguir, de acordo com as finalidades principais, as
instituições de assistência e solidariedade, as agremiações de fins culturais, os clubes e centros e recreativos.
Todavia, as Academias do Bacalhau escapam a essa divisão clássica, devido ao ecletismo e pluralidade dos seus fins e à singularidade dos meios utilizados para os cumprir. Conseguem ser, no estrangeiro, um elo de pertença à Pátria, e, igualmente, a partir das Academias existentes no nosso país, um meio de compreensão e de convivência ecuménica com a Diáspora.
 Há, entre os seus membros muitos emigrantes ou ex-emigrantes, considerados, justamente, “pessoas de sucesso”. É excelente lembrar os percursos individuais, um a um, mas sem esquecer o que tende a ser mais subestimado: as suas realizações colectivas. Um longo relacionamento com as comunidades de emigração, leva-me a acreditar no papel insubstituível do associativismo, em que vejo,"um ímpeto de Portugal", de que falava Pessoa
- o ímpeto que despertou para a acção concreta os fundadores das Academias, no sul da África, e, depois, um pouco por todo o lado, em instituições que avançaram e cresceram à
medida dos desafios com que foram sendo confrontadas
Julgo que o processo de descolonização de Moçambique e Angola, e, com ele, a necessidade de valer a dezenas de milhares de refugiados, foi um dos factores decisivos de uma rápida
evolução para patamares de actuação cada vez mais elevados, e centrados na acção humanitária.
O regresso, em grande número, da África do Sul, anos mais tarde, terá sido determinante na constituição de novas Academias em Portugal. Os "compadres" retornados trouxeram consigo a saudade de África e a determinação de retomar o convívio e o trabalho beneficente, em terras portuguesas.
O Porto foi uma das primeiras cidades do país onde que isso aconteceu -como não poderia deixar de ser, já que, através de ilustres portuenses, havia estado presente em Joanesburgo, no momento do seu nascimento, e, depois, em todo o processo da sua consolidação e expansão. E bem pode dizer-se que a imagem de marca da cidade – capacidade de iniciativa, força de trabalho e extroversão da alegria de viver – se evidencia, hoje, na dimensão e no dinamismo da Academia do Bacalhau do Porto.
A fase seguinte foi a da difusão em novos destinos da Diáspora, o que nos leva a perguntar: e agora, que futuro para as "Academias"? Em tempo de crise sem fim à vista, num ponto de partida de grandes vagas migratórias, fenómeno recorrente na vida portuguesa, em ciclos que se encadearam, imparavelmente, nos últimos cinco séculos - quantos desafios vemos pela frente!
É o momento de pormos nas Academias do Bacalhau as maiores esperanças, apostando na sua experiência para enfrentar conjunturas difíceis e, como é da sua natureza, fazer história em gestos de solidariedade e simpatia.
Afirmação que avançamos, de caso pensado, com segurança, pois estamos a falar, afinal, naquele que se transformou no mais moderno e dinâmico movimento de congregação dos Portugueses do mundo inteiro.


Maria Manuela Aguiar – Ex-Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas