março 05, 2023

Grande entrevista - Maria Manuela Aguiar OBSERVA Magazine 2 > > Quem é Manuela Aguiar? Uma Senhora ainda recordada como exemplo de vida na notoriedade que conferiu à Diáspora portuguesa. Assumiu a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, no VII Governo Constitucional liderado por Pinto Balsemão, em 1981. Encontrava-se a assumir a pasta do Ministério dos negócios estrangeiros, André Gonçalves Pereira. > > OM: Muito agradecidos por nos conceder a honra desta entrevista > > M A: Eu é que tenho de agradecer a possibilidade de partilhar com todos os leitores de Observa Magazine recordações de tempos e acontecimentos que que vivi, há tantos anos. > > Assumi a SEECP, a convite do Dr Francisco Sá Carneiro, nos primeiros dias de janeiro de 1980. Era Ministro dos Negócios Estrangeiros o Prof Freitas do Amaral. Não os conhecia pessoalmente até esse dia em que que com eles reuni, na Rua Gomes Teixeira, na altura em que preparavam a formação do VI Governo Constitucional. Conversámos como amigos de longa data, de um modo informal e descontraído. Foi o início de uma caminhada vertiginosa, em que Sá Carneiro impunha o ritmo e todos dávamos o máximo, num ambiente de coesão de equipa e de solidariedade, que nunca mais reencontrei no cumprimento de um projeto de intervenção na vida pública. Até 4 de dezembro, 1980 seria o meu melhor ano de sempre, até então - e até hoje! > > Intervir na política, não estava no meu horizonte. Sentia-me bem em trabalho de gabinete, como assessora do Provedor de Justiça. Antes tinha sido assistente de um Centro de Estudo e de várias Universidades. E fizera, em 1978/79 uma passagem por um governo de independentes presidido pelo Prof Mota Pinto - na pasta do Trabalho. Tinha quadrante ideológico - era "social-democrata à sueca" - mas não filiação partidária. Não fui pressionada a inscrever-me no partido, mas fi-lo, impulsivamente, e devido à minha entusiástica sintonia com as posições de Sá Carneiro . E com isso, me tornei a primeira mulher do PSD a ocupar um cargo governamental. Depois, acabei por perfazer o total de 5 governos, e por ficar na Assembleia da República quase duas décadas e na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa cerca de 14 anos. > > OM: Estando interessados em tentar escrever a história e as histórias desta importante e nobre função de quem assume uma secretaria que permite e fomenta o contacto com as comunidades portuguesas espalhadas pela Diáspora portuguesa, conte-nos qual o primeiro impacto com essa realidade. > > M A - Foi, antes de mais, a verdadeira descoberta de um "outro Portugal", que os portugueses recriam no estrangeiro e que é largamente ignorado, dentro do País. Tive, a preocupação de fazer viagens em que circulava, de cidade em cidade, entre comunidades, com o objetivo de conseguir, mais depressa e melhor, uma perspetiva ampla do universo da emigração, estabelecendo comparações, e podendo transmitir experiências de umas para as outras. Queria encontrar as constantes, no que respeitava a realizações e a carências, e à definição de prioridades, e de de apoios e parcerias viáveis . > > Na primeira visita, em 20 dias, corri os EUA e o Canadá, de costa a costa. Na segunda, o Brasil - da Amazónia, do Pará e de Pernambuco ao Rio Grande do Sul. E, depois, os muitos países onde está a nossa emigração. Como os programa de visitas se centravam nas associações, igrejas, escolas portuguesas - no movimento associativo que atravessava um período aureo , quase não via o mundo circundante, e voltava com a espantosa sensação de não ter saído da minha terra, apesar de ter feito tantos milhares de quilómetros. Era como se Portugal fosse imenso! E, de facto, é - se olharmos não o seu território, mas a sua gente. > > O M : o que mais a comoveu nesse contacto direto? > > M A: O genuíno portuguesismo das pessoas! A paixão por manter tudo o que consideram identitário, que lhes permite unirem-se e criarem espaços culturais de presença portuguesa, com os seus modos de estar, as suas tradições de convivialidade. > > Encantou-me, desde esses primeiros contactos, a hospitalidade com que era recebida, quer em salas modestas, quer em grandes salões, que pareciam. todas, todos, transplantados das várias regiões de Portugal - com o seu ambiente de tertúlia, a sua gastronomia, dança, música, celebrações religiosas... Ver isto com os meus próprios olhos foi uma revelação poderosa, inspiradora. O que eles fazem pelo país é infinitamente mais do que o que País jamais fez por eles, como JF Kennedy quereria. Assim pensei e, décadas depois, assim continuo a pensar. > > OM: Como definiria um traço ou uma característica inerente (de todas as comunidades espalhadas por todos os continentes) à vontade/ necessidade de emigrar no período em que exerceu funções? > > MA: Julgo que mais a necessidade do que a vontade. O êxodo migratório do século XX deveu-se, sobretudo, à pobreza, ao desemprego, aos baixos salários. Foi, em percentagens muito elevadas, clandestino - sobretudo na segunda metade do século, quando de dirigiu para a Europa mais do que para destinos longínquos. (a emigração "ilegal" passou a média de um terço, que vinha já de épocas recuadas e chegou a ultrapassar os 50%) A melhoria das condições de vida dos que haviam partido contribuía poderosamente para familiares e vizinhos verem na fuga para o estrangeiro a única solução de futuro. Como hoje, os que atravessam o mediterrâneo, arriscando a vida! A situação não é tão diferente como poderá parecer. É apenas ainda mais difícil, porque, no pós guerra mundial, o ciclo de desenvolvimento económico permitia melhor integração. Os Portugueses, depois de um início difícil, ganharam, quase todos, a aposta na aventura da emigração. Eduardo Lourenço disse dos protagonistas do "salto", nas décadas de 50 e 60, que foram "uma geração de triunfadores". É uma citação que uso, muitas vezes, porque, globalmente, é verdadeira e, além disso, tem uma faceta de homenagem, que o país se esquece frequentemente de lhes prestar . > > OM: Qual a faixa etária que emigrava? Quais as suas qualificações académicas e profissionais? > > M A: Jovens do sexo masculino, pouco qualificados. É esse o perfil da nossa emigração tradicional. Mas não a dos governos a que pertenci. Quando, a partir de 1974, as leis e a Constituição Portuguesas vieram, enfim, consagrar plenamente o direito à emigrar, os outros países fecharam as fronteiras, após a crise petrolífera.... Na década de oitenta, registámos os mais baixos números de saídas de todo o século XX. Os países desenvolvidos praticamente só permitiam a entrada para reunificação familiar às mulheres e filhos dos trabalhadores. Falava-se, e bem, de "feminização da emigração". Foi, por sinal, um movimento da maior importante, porque quase todas as portuguesas conseguiram aceder ao mercado de trabalho, ganharam uma autonomia profissional, que não tinham nos meios rurais de onde provinham, e deram um impulso fundamental aos projetos migratórios, do ponto de vista económico (pois contribuíam com um segundo salário) e social, (porque se converteram, de facto, com inesperado êxito, em mediadoras da inserção do núcleo familiar. Estavam, maioritariamente, integradas, no setor dos serviços, com contactos mais próximos na sociedade local e isso deu-lhes a compreensão da necessidade de darem aos filhos as vantagens da educação e formação, que os pais não tinham. A emigração feminina influenciou, assim, decisivamente,a reconversão cultural e o sucesso económico dos projetos migratórios. Na altura, ninguém o podia prever. Hoje essa avaliação está cientificamente demonstrado (veja-se os trabalhos pioneiros da ProFª Engrácia Leandro, na década de noventa, na região de Paris. > > OM : quais eram os países eleitos pelos portugueses para se emigrar? > > MA: A Suiça foi, a partir de 80/81, uma exceção no panorama europeu. Nesses e nos anos seguintes, recrutou dezenas de milhares de trabalhadores portugueses ,maioritariamente, homens, para a agricultura, construção civil, a hotelaria... Novos destinos, que criaram expetativas, (depois não confirmadas), foram alguns países do sul do Mediterrâneo e do Médio Oriente. Os números nunca seriam muito elevados e corresponderam a contratos bem remunerados, mas temporários. > > Outra situação inesperada, com que me vi confrontada, e a que foi preciso responder com novas políticas, foi o enorme afluxo de regressos, em média 30.000 a 40.000 por ano. O retorno dramático dos portugueses de Angola e de outras colónias estava ainda bem presente na memória coletiva e este segundo retorno provocava nos "media",na opinião pública, e até na classe política um temor indisfarçável. Vi-me muitas vezes isolada, e mal compreendida, ao explicar que se tratava de um processo radicalmente diferente, um movimento voluntário, planeado pelos próprios emigrantes, dirigido, sobretudo, para as regiões de origem e, por isso, desejável, essencial mesmo, para o repovoamento e progresso do interior (desertificado pelo êxodo migratório das décadas anteriores). Os apoios à reinserção foram bem aproveitados, (medidas fiscais, isenções, empréstimos a juro bonificado), e o País ganhou muito com os que vieram (mais de meio milhão só nessa década de que tratámos) e, também ganhou com os que fixaram lá fora, formando as comunidades extra-territoriais, que constituem a nossa "Diáspora". > > um O M: No seu entender quais foram os países que mais se esforçaram por justamente atribuírem a lusodescendentes cargos decisores, nomeadamente de responsabilidade política? > > MA: O Brasil, sem dúvida. É um país tão próximo, que os portugueses, integrados na sociedade brasileira são tratados como nacionais. Desde 1971, o Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portuguese e Brasileiros dá direitos políticos aos imigrantes do outro País. a nível nacional, enquanto, por exemplo, o estatuto de cidadania europeia, ainda hoje, se limita ao nível local. Em 1989, os Constituintes brasileiros foram ainda mais longe, concedendo aos portugueses, sob condição dereciprocidade, todos os direitos da nacionalidade brasileira, equiparando-os a brasileiros por naturalização. A luta pela dação da reciprocidade por parte de Portugal foi a minha " causa maior", enquanto deputada e prolongou-se por cerca de 13 anos. Foi conseguida numa revisão extraordinária da Constituição em 2001 - e graças ao apoio de Políticos sensíveis às singularidades do universo da lusofonia, como Durão Barroso e, sobretudo, Mário Soares. Desde essa data, o estatuto de cidadania luso-brasileira consolidou-se como o mais avançado, atualmente, nível universal! E, se, entre nós, ainda não vemos os imigrantes brasileiros em lugares políticos de destaque, no Brasil são muitos os Portugueses que ocupam altos cargos na Magistratura judicial e na política, a todos os níveis, local, estadual e nacional. Uma ascensão que vem de trás e em que as mulheres fizeram história. No século XX, a médica Manuela Santos foi a primeira Secretária de Estado no Rio de Janeiro e a atriz Ruth Escobar a primeira mulher eleita à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e a primeira representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento de Convenção contra todas as formas de discriminação das Mulheres. Uma e outra, ao abrigo do "Tratado". Isto é, apenas com a nacionalidade portuguesa. > > OM: Que actividades económicas e que tipos de trabalho procuravam os portugueses que emigravam? > > Com o mesmo (baixo) nível de formação, os portugueses que emigravam para países economicamente desenvolvidos encontravam trabalho não qualificado em setores como a construção civil, a agricultura , os serviços (nomeadamente, no caso das mulheres), enquanto nos países "em desenvolvimento" muitos se transformavam, rapidamente, em pequenos empresários, quando não, no fim do percurso, em investidores de topo. No século XX, são inúmeros os que atingiram esse estatuto- no Brasil, obviamente, mas também na Venezuela ou em diversos países de África. Nos EUA, no começo do século passado, foi muito mais rápido o enriquecimento dos nossos imigrantes no Hawai ou na Califórnia do que na costa leste, então com índices de industrialização bem mais elevados. Neste contexto, a ascensão é sempre mais lenta, mas não impossível. Veja-se o que aconteceu na França, onde a partir da adesão de Portugal à CCE, com o direito de estabelecimento, se multiplicou, de forma impressionante, o acesso dos nossos compatriotas a segmento do pequeno comércio e da restauração. E, em casos mais invulgares, a grandes negócios e grandes fortunas. > > MA: eram defraudadas relativamente ao que esperavam do país de acolhimento? > > M A: De início, em muitos casos, sim. Eram enganados por redes de engajadores, explorados como trabalhadores indocumentados. moravam nos tristemente célebres bairros dos arredores de Paris. Um quadro assustador. Mas, progressivamente, a sua situação foi mudando. A legalização era facilitada (penso em primeira linha na França, que representava mais de 80% do total), e empregos não faltavam. Eduardo Lourenço, testemunha presencial desse período negro fez, como disse, lapidarmente, balanço final. Nenhuma outra imigração foi tão bem sucedida, em França, como a nossa. > > Desde a crise de 2008 e, mais ainda, nos anos de intervenção externa (da "troyka") , a emigração em massa não só recomeçou, como bateu todos os recordes. Cerca de meio milhão abandonou o País só nesses quatro anos. Fala-se de uma "nova emigração", de jovens altamente qualificados, quadros, cientistas, mulheres e homens. Nunca tal acontecera na nossa história, em números tão significativos, mas, na verdade, no total, são ainda uma minoria (nem por isso a situação de "braindrain" imparável, deixa de ser uma constatação termenda!) Contudo, maioria da nossa emigração continua a ser predominantemente masculina, pouco qualificada e envolvida em contratos temporários. > > Uma questão que agora se coloca é a de saber se haverá mais riscos de insucesso relativo para a "nova emigração"? Creio que em algumas profissões - engenheiros, médicos, enfermeiros - o êxito estará, quase sempre, garantido, em termos de promoção na carreira, de vencimentos. O risco maior, a meu ver, é o de não regressarem. Mas, em outros setores, podem não ver reconhecidos e aproveitados os seus títulos académicos, e acabarem acantonados a empregos precários e mal pagos. Face a expetativas mais ambiciosas, podem ver-se num percurso descendente - o contrário da geração de 60. Espero que não . que sejam poucos os perdedores. E espero, também que sejam muitos os que decidam voltar. Isso, de facto, depende muito do País, das condições que saiba criar para o regresso e para pôr fim às partidas em massa. Até hoje, como tenho dito muitas vezes, Portugal já conseguiu garantir aos cidadãos o direito de emigrar, mas não ainda o "direito de não emigrar"... > > OM: Qual a sua experiência no contacto com associações ou outro tipo de organizações em que os portugueses se uniam e reuniam? > > MA: Há pouco, ao referir primeiro contacto com emigrantes, logo o centrei nas associações, porque foi aí que encontrei os portugueses. Quer se chamem assim, ou não, são verdadeiras "Casas de Portugal". Foram criadas, algumas há mais de 150 anos, para preservação da língua e da cultura e para defesa e proteção dos compatriotas, que se viam completamente abandonados pelo Estado, mal transpunham as fronteiras do país. A única política de emigração portuguesa, ao longo de séculos, foi a regulação dos fluxos de saída, quase sempre no sentido de os limitar! Os próprios emigrantes colmataram as omissões do Estado, por todo o lado, unindo-se em coletividades para a entreajuda (sociedades fraternais, caixas de socorros mútuos, hospitais), para a valorização cultural (Gabinetes de Leitura, grémios literários, centros culturais) e para o convívio (clubes recreativos e desportivos). Até aos fins do século passado, em todos os ciclos migratórios, em todas as latitudes, deparámos com formas de organização semelhantes para atingir os mesmos objetivos (beneficência, cultura, recreio), com notável eficácia, em diferentes contextos e com meios maiores ou menores. O governo de 1980 não foi, certamente, o primeiro a ter em atenção os méritos do associativismo, mas foi pioneiro no enfoque que deu ao desenvolvimento sistemático de novas formas de parceria, de co-participação na definição e execução de medidas e programas para a emigração e as comunidades. O principal instrumento dessa política foi uma assembleia consultiva, formada por representantes eleitos no universo associativo, o Conselho das Comunidades Portuguesas. Entre 1981 e 1987 (data em que deixei definitivamente o governo), o Conselho funcionava a nível de cada país e em reuniões mundiais regiões e regionais. O Conselho procurava ser também um grande "forum" do movimento associativo português, que era muito forte dentro de cada sociedade de acolhimento, mas não tinha uma estrutura internacional, ao contrário de todos os outros países europeus. E ainda hoje não tem! O CCP é atualmente eleito por sufrágio direto, tendo perdido, assim, a sua faceta interassociativa. > > A minha ligação afetiva ao associativismo que dá corpo e alma às comunidades, enquanto comunidades orgânicas, vem dum tempo em que era extraordinariamente pujante. Sempre vi nele a generosa marca do "percurso coletivo" dos portugueses, tão importante para o País como o sucesso individual, a que costuma dar muito mais atenção. E por isso me preocupa o seu futuro num mundo em mudança vertiginosa. > > OM: Existe um número, ainda que aproximado, que nos possa adiantar de portugueses emigrados em 1981? > > M A: As médias de saídas eram baixíssimas, em comparação com as do passado recente e com as do presente. Talvez, uns 8000, (não sei exatamente os números, mas são dessa ordem de grandeza). Atualmente estão acima dos 100.000. Uma diferença abissal, um autêntico recomeço de ciclo, de èxodo. > > OM: A Língua portuguesa significava um entrave à integração dos portugueses nas diferentes comunidades? > > MA: O conhecimento de um idioma, nunca é entrave à aprendizagem de outro. Pelo contrário! Esse é um erro em que caíram alguns pais portugueses, que consideravam necessário que os filhos falassem apenas a língua local, que eles tinham dificuldade em aprender. Não compreendiam que o bilinguismo, para além de manter os laços à cultura pátria é sempre um enriquecimento, e mais ainda numa das línguas mais espalhadas no mundo. Mas esta visão nunca foi predominante. Mesmo os nacionais com baixa escolarização, sabem, em regra, valorizar a preservação da sua fala, ensiná-la aos filhos, em casa, na escola pública, ou a partir do movimento associativo.. > > OM: Quais as medidas que foram implementadas para que os emigrantes e os lusodescendentes, nomeadamente de segunda geração tivessem acesso em contexto escolar ao idioma de Camões? > > MA: Perante a multi-secular indiferença do Estado Português foram as associções e as paróquias católicas que criarem escolas ou cursos de português, com os seus´próprios meios, como acabo de dizer. De facto, a preocupação dos governos com a aprendizagem do português só se manifestou, quando a emigração se passou a dirigir para o nosso continente. Por largas décadas, se manteve a dualidade - uma rede oficial de professores na Europa, com ou sem acordos, com mais ou menos parcerias de governos dos países europeus, em contraste com não concessão de quaisquer apoios às escolas comunitárias da emigração transoceânica. Nunca aceitei esta discriminação, mas tive dificuldade em a combater, porque, nessa época a política do ensino para as comunidades estava sediada no Ministério da Educação e não no MNE, Ministério dos Negócios Estrangeiros. Durante os governo a que pertenci. só na África do Sul foi possível estender, de algum modo, a rede oficial, com aulas extra - curriculares, gratuitas e dadas por professores do ensino oficial > > A transição do Instituto Camões para o MNE é coisa relativamente recente. Hoje há mais equilíbrio, mais rateio de meios entre as comunidades, de "àquém e além mar", mas a situação está longe do ideal e as escolas associativas continuam a desempenhar, em muitos lugares, um papel de primeiro plano. Criar e manter os cursos de língua e cultura, continua a ser o obetivo de um sem número de organizações (e o que mais atrai as mulheres à intervenção na vida coletiva!). É de realçar que em muitos casos tem resultado o esforço do nosso governo junto de outros, para conseguir a integração curricular do português. A meu ver, a multiplicação e a conjugação de várias ofertas de ensino é excelente - e nunca será demais... > > OM: Quais as dificuldades da Lei eleitoral à data se refletiam no voto por parte das comunidades, nas diversas eleições portuguesas? > > M A: Tudo hoje é mais fácil e mais consensual entre partidos da direita à esquerda. Em 80, não. Até a dilatação do período de recenseamento de um para dois meses foi polémica e inviabilizada no parlamento! A votação era limitada à eleição de 4 deputados para a Assembleia da República e o voto por correspondência perdia-se, frequentemente, sobretudo em países onde os correios eram lentos e pouco fiáveis, ao contrário dos nossos. Infelizmente o número de deputados não se alterou, mas o voto alargou-se às eleições presidencial e europeias e a alguns "referenda". E o universo eleitoral, independentemente de recenseamento, passou a abranger todos os emigrantes que possuem cartão de eleitor. > > OM: Tem algum episódio que nos queira contar do contacto com alguma «Mãe ou Pai da Saudade»? > > M A: São tantos os que já partiram! Mulheres e homens com quem aprendi tudo o que sei sobre a emigração, com quem fiz tudo o que me foi possível fazer no terreno da ação política. Verdadeiros amigos! O mundo das comunidades era, então, a nível de dirigentes, de interlocutores, quase 100% masculino, e, por isso , o meu círculo dos amigos e aliados homens é imenso. Mas já havia, entre eles, as "mulheres-exceção" ´É mais fácil falar delas, porque eram raríssimas as que lideravam comunidades ou movimentos cívicos. Matriarcas como a mítica Dona Benvinda Maria, diretora do jornal "Portugal em Foco" do Rio de Janeiro, a Maria Alice Ribeiro, fundadora e diretora do "Correio Português" de Toronto (aí, o mais antigo jornal na nossa língua), a Mary Giglitto, presidente do Festival Cabrilho em São Diego (sem ela, o descobridor da Califórnia, seria hoje considerado castelhano, exemplo de mais uma deturpação histórica), a Fernanda Ramos , de Minas Gerais, a primeira presidente do Elos Clube Internacional, a Manuela da Luz Chaplin, advogada dos indefesos, em Newark... Todas tinham em comum serem vozes fortes, dominantes, arrebatadoras, que mobilizaram os compatriotas e tornaram as comunidades maiores e melhores. Contar episódios passados com elas ou com eles, dava outra grande entrevista... > > OM: Deseja fazer alguma saudação especial dirigida aos milhões que a vão ler? > > MA: Sim, com muito prazer, aproveito para mandar um abraço a todos os emigrantes que deixaram o seu país , mas o levaram consigo, em espírito e , assim, apesar da ausência física, são uma presença cultural. > > OM: A OBSERVA Magazine agradece-lhe novamente a honra desta entrevista