março 18, 2014

MUNDOS NOSSOS


1 - Falar de comunidades portuguesas tornou-se uma outra maneira de dizer emigração. Dá-se -lhes, correntemente, um significado estatístico - a comunidade portuguesa de França conta um milhão de portugueses, a da Africa do Sul  meio milhão... E assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos são (e, quase sempre, ficam aquém da realidade, num universo em expansão, sempre que novos portugueses começam a ver-se como tal, reclamando a sua ascendência…)
Aprendi, logo na minha primeira visita "à comunidade da América", em 1980, que o que interessava, em termos de presença e influência portuguesa, era essencialmente de ordem qualitativa e não quantitativa - era a organização do grupo, não "a comunidade" abstrata, mas no plural, "as comunidades", num sentido orgânico e dinâmico.
Depois, em muitas outras visitas circulares, a correr de cidade em cidade, recebida nas associações, nas escolas, nas paróquias portuguesas (normalmente sem tempo para ver o resto da cidade) repetiu-se a extraordinária sensação de que regressava ao país, sem nunca dele ter saído... Tudo o que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara, nunca, para o que vamos viver, na convivência com esses outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, nas palavras do Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos" - um espaço extra territorial de saudade e presença lusófona, (em alguns casos já somente lusófila...), onde tem a sua sede um conjunto de instituições, que os cidadãos construíram para suprir a grande ausência do Estado Português, no plano social ou no da cultura.
Esses mundos, nossos, são criados não diretamente pelo movimento migratório -  que seria, como aliás à partida se esperava, fator de dispersão e perda certa -  mas, sim, por um poderoso movimento associativo,  pura "sociedade civil". De país para país, sem qualquer ligação entre si, em cada novo ciclo migratório, a reação dos Portugueses foi espantosamente idêntica. Com dimensão variável, porque são diferentes os meios postos ao serviço do projeto comunitário, por todo o lado encontramos associações de solidariedade, de defesa da língua e da cultura, centros recreativos e  clubes desportivos. A semelhança só pode vir de paradigmas de organização trazidos da terra de origem ("réplicas" de aldeias portuguesas, na expressão de alguns especialistas neste domínio). O orfeão, o rancho folclórico, o teatro de amadores, o clube de futebol... As beneficências (seguindo o modelo das " misericórdias"), as sociedades fraternais, as escolas, os lares de idosos... as Igrejas, as Sociedades do Divino Espírito Santo, que se espalham, às centenas, no mapa da Califórnia e noutros lugares de imigração açoriana...
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas (algumas monumentais, como as do Brasil) teria conseguido erguer-se. Bem poderíamos parafrasear o Presidente Kennedy, mas usando o tempo pretérito: “não lhes perguntem o que o Pais fez por eles, perguntem-lhes o que eles fizeram pelo País”.
 
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. É uma obra que se deve à reconversão de uma tradicional emigração de homens sós (consentida e privilegiada pelo Estado, sempre sedento das remessas que nessa situação necessariamente mandavam para a terra...) em emigração familiar, com a sua metade feminina - quase invisível na direção das instituições mais antigas, mas determinante em termos de integração na sociedade estrangeira e na vida das organizações de cultura portuguesa,  que, aliás, se vão abrindo à sua participação igualitária,  pouco a pouco...
As organizações mais do que centenárias encontraram sempre continuadores, mas, tal como muitas outras da emigração mais recente, um pouco por todo o lado, começaram, há alguns anos, a questionar seriamente o seu futuro, visto como dependente da renovação dos fluxos migratórios .
O discurso oficial, no período posterior à adesão à CEE (esse “clube de ricos”), chegou a anunciar o fim dos tempos da nossa emigração! E os Portugueses acreditaram, durante cerca de 20 anos, porque o fenómeno migratório se devera, fundamentalmente, à pobreza, que parecia coisa do passado...
Ora a pobreza está, agora, de volta ao País, pela mão de um Governo, que, em tempo de crise, não hesita em levar a cabo um programa de empobrecimento geral, de completa destruição das classes médias. E, assim, um novo e decepcionante ciclo de emigração se desenha, - emigração desmesurada como aquela que há precisamente um século, o Prof Fernando Emygdio da Silva denunciava chamando-lhe “emigração delirante”, Saem todos  os que podem sair -- os mais e os menos qualificados, os mais jovens e os mais velhos, os homens e as mulheres ( ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente)
Estará à vista a solução para uma segunda vida do associativismo, e, com ele, das comunidades da Diáspora, num novo equilíbrio de género e geração.? Ninguém pode ter certezas... Tudo vai depender da atitude dos que partem: como desistentes, deixando o País para trás, ou como resistentes, levando  Portugal consigo.

março 14, 2014

ASAS - depoimento

A criação de Universidades Seniores nas comunidades foi um desafio que a Doutora Graça Guedes lançou em Joanesburgo, em 2008, durante os “Encontros para a Cidadania”, apresentando o exemplo da US de Espinho. Hoje, na África do Sul, por iniciativa da “Liga da Mulher Portuguesa”, segundo informação publicada, as US são uma realidade nas principais comunidades portuguesas do país.
Da nossa parte, em 2012, levámos a vários colóquios, na Europa e nas Américas, um modelo menos ambicioso, mais próximo da “tertúlia – animação cultural” : as “ASAS” – Academias Seniores de Artes e Saberes.
 Para já, estão em funcionamento, as ASAS em Villa Elisa, (junto a Buenos Aires), com direcção de Violante Martins, fundadora da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina, e no Canadá, com a orientação da Profª Manuela Marujo, da Universidade de Toronto, e,  desde data muito recente, também em Wiesbaden, na Alemanha.
 São processos que levam o seu tempo, dependem de dinâmicas locais...
Mas a ideia que preside às Universidades Seniores, embora com outras designações, tem  inspirado diversas iniciativas muito válidas, destinadas  aos mais velhos em associações e paróquias das comunidades. Por exemplo, no Canadá,  é o caso do "First" de Toronto ou, em Montreal, da Igreja de Santa Cruz (com mais de 500 participantes).  
Acho que teremos boas outras surpresas, se fizermos um levantamento  geral, e isso ajudará, pela força do exemplo, do "ver para crer", à criação de novas ASAS …Mais importante do que “quem faz o quê” , é que as coisas aconteçam para servir as pessoas, para as tornar mais felizes e mais activas e intervenientes, em todas as idades. Ainda e sempre, uma questão de cidadania...

março 13, 2014

Ao fazer a história da MM, a partir do ato de constituição jurídica, em 1993, nunca esquecemos a sua história anterior, a vontade de outro coletivo de criar a associação que nós somos, bem expressa nas conclusões do 1º Encontro de Portuguesas da diáspora em 1985. Todavia, no que respeita ao seu universo próprio, escolhemos uma via diferente da inicialmente pensada: não quisemos ser uma associação exclusivamente feminina, mas sim um "fórum" para debater os problemas particulares da emigração no feminino, para promover a participação igualitária, a vivência da cidadania por todos. Nada que os homens não possam e não devam partilhar, na vertente da investigação, como na da  solidariedade.
Outro aspeto que gostaria de salientar, na abordagem dos objetivos que prosseguimos, é a constante preocupação com o todo da emigração, das sociedades em que se integra, e da nossa também - desde logo porque acreditamos que tão importante é ouvir a opinião das mulheres no que respeita às especificidades da sua situação, como conhecer e fazer valer a sua perspetiva sobre as comunidades, as sociedades atuais e o futuro.
Olhando estes vinte anos numa apreciação muito sintética, diacronicamente, eu distinguiria duas fases: uma primeira, que se estende, por coincidência, ao longo dos primeiros dez anos de vida ativa, ou seja, entre o Encontro Mundial organizado em 1995 e o começo, em 2005, do trabalho conjunto com a SECP na realização dos "Encontros para a Cidadania",
Nessa década de 95/05, depois do fulgurante aparecimento em cena da MM com o maior dos Congressos  até à data efetuados - reunindo mais de 400 pessoas, cerca de metade mulheres e homens vindas/os dos cinco continentes -
em termos do que chamamos "congressismo", a atividade da associação esteve centrada em Lisboa, com a organização de um grande colóquio anual, dedicado a temas de emigração e imigração e recebeu o maior apoio, quase sempre, da Comissão para a Igualdade - a revelar um relativo distanciamento da SECP (a meu ver,não tanto em relação à AEMM, pois contámos com a presença de vários titulares da pasta nas nossas iniciativas, mas às questões de género nas comunidades portuguesas). A imigração estava, de facto, em fins de século XX e princípios de Século XXI, no centro da agenda da MM e traduziu-se em algumas iniciativas pioneiras, como as que se desenvolveram em colaboração com municípios e regiões autónomas , chamando a atenção para os graves problemas então sentidos pela nova imigração
A AEMM mantinha uma rede de representantes em muitos países e continentes, núcleos nos EUA (Newark) e no Brasil (RJ), mas a sua ação direta no estrangeiro ficava aquém do que se pretendia e devia-se, essencialmente, à disponibilidade de uma ou outra associada, sem revestir carater sistemático
 A política levava-me então a constantes viagens pelas comunidades transoceânicas e, naturalmente, procurava incitar as Mulheres á intervenção cidadã. Onde havia resposta concreta, colaborava na organização de colóquios e encontros com essa finalidade - caso das Américas, do Canadá à Argentina. E, de um deles veio a resultar, em 1998, a criação da Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina, que "revolucionou" o papel das portuguesas naquele país, com uma ação extraordinária, sobretudo no campo da solidariedade social.
 Nos anos seguintes, a Rita e eu, estivemos, por exemplo, no Brasil, no Uruguai e na Argentina - com Buenos Aires, a chamar-nos, com frequência, para realizações de crescente dimensão, a constituir-se num verdadeiro paradigma de associativismo feminino na atualidade.
A segunda fase é, como sabemos, marcada pelos "Encontros para a Cidadania" e por uma colaboração estreita no que podemos designar como "políticas de emigração com a componente de género"  - na verdade, um "regresso às origens", no caminho aberto pelo Encontro Mundial de 1985, que fora uma pioneira convocatória das mulheres da Diáspora para o reconhecimento do seu papel e para a afirmação da sua cidadania, uma pioneira audição da sua voz pelo governo do País .
Curiosamente este novo ciclo de vida da MM, completamente distinto, que a vai levar aos quatro cantos da terra, ao contacto e colaboração com mulheres do mundo inteiro, surge quase por acaso e, novamente, por força da memória do congressismo de  85. Surge de uma conversa minha com o Dr. António Braga, pouco depois da sua tomada de posse como SECP, em que eu lhe propunha, apenas, que fosse comemorada, com um grande congresso, a efeméride dos vinte anos daquele 1º Encontro. A ideia de ir até às diferentes comunidades, ao longo da legislatura, de Encontro regional em Encontro regional, como preparação de um Encontro mundial, em 2009, foi do próprio SECP. Como foi dele a ideia de envolver a MM na sua organização.
Do SECP Dr José Cesário,  em 2011, recebemos idêntico convite a participar no desenvolvimento de políticas para a igualdade de participação das Mulheres nas comunidades. Logo nesse ano, instou-nos a organizar um Encontro Mundial, depois, foram muitos os que aconteceram em diferentes comunidades, com o seu apoio, o seu incitamento.
Esta atividade incessante, projetada e continuada, redimensionada num tempo de novas vagas migratórias deu-nos novas responsabilidades, ampliou enormemente o nosso campo de intervenção e possibilitou múltiplas parcerias com o movimento associativo no mundo inteiro. O tipo de cooperação ensaiado com as Câmaras municipais no País foi, assim, alargado, no estrangeiro, a instituições e a eventos, tradicionalmente, mais ou menos alheios à presença e relevância da metade feminina. Propusemos a inclusão de temas de género em comemorações do Dia nacional, ou em datas significativas para uma particular comunidade, ou em inúmeros congressos ou festividades que, em regra, esquecem estas temáticas, em escolas públicas, em bibliotecas, em tertúlias. Fazemo-lo sistematicamente, pois temos consciência de que estas são questões perdem em ser acantonadas, como "coisas de mulheres". Esta preocupação está bem patente  no programa deste ano - começamos com o lançamento das nossas últimas publicações, em que homenageamos grande Mulheres da Diáspora, como Maria Archer e maria Lamas, no ambiente de tertúlia cultural do café Guarani do Porto, prosseguimos em Escolas de Espinho (onde hoje todos os alunos conhecem os nomes de Archer e Lamas e o significado das suas vidas de lutadoras pelos direitos Humanos - como seria fantástico dizer o mesmo do resto do país...), introduzimos o tema "Migrações e Artes no Feminino" na Bienal de Espinho e, logo depois,  no espaço da Bienal, em encontro de estudantes da Califórnia, estivemos presentes em iniciativas de outras iniciativas, como as promovidas por "Mulheres em Movimento",  no Porto, a CCPF, em Paris, "A vez e a Voz das Mulheres", nos Açores (através do projeto ASAS -  Academias Séniores de Artes e Saberes), Aqui estamos num "Encontro Mundial" e ainda iremos a Recife  - onde ganha forma uma nova Delegação da AEMM - e a Buenos Aires, para o encerramento do 1º curso da ASAS,  levado a termo pela MM da Argentina em Villa Elisa

QUESTIONÁRIO DR.A LUÍSA DESMET

 
1 – Em que data (ano civil) iniciou a sua profissão nos serviços ligados à
      Emigração? E qual a função que exercia?
2 – Que função desempenhou ou tem vindo a desempenhar?
4 – Qual a natureza e forma que revestia o apoio do Estado Português dado aos Emigrantes na altura em que iniciou as suas funções (a nível individual e a nível das Associações)?
5- Quais os critérios de selecção dos pedidos de apoio e que tipos de apoio eram dados?
 6- Que tipo de apoio é dado actualmente aos Emigrantes (a nível individual a nível das Associações)?
7- Que legislação entrou em vigor durante o tempo que exerceu / em exercício das suas funções que considerou/a ser importante tanto na auscultação do Estado português das necessidades dos Emigrantes, como nos Apoios socioeconómicos que lhes são oferecidos ?
8- Acha que a forma de difusão das informações e/ou da criação de novos serviços destinados aos emigrantes é eficaz junto dos emigrantes?
9 – Trabalham ou trabalhavam Assistentes Sociais nos Consulados?
      (Se respondeu negativamente à questão anterior, responda à questão 9 a)
 9a) - Que técnico executava o trabalho social de apoio aos Emigrantes?
10 – Entende ser necessária a intervenção de um Assistente Social junto das Comunidades de Emigrantes Portugueses? Porquê?
 
 
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Gondomar - Porto
9 de Junho de 1942
 
Antiga Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, ex deputada da emigração pelos círculos de Fora da Europa e da Europa, ex presidente da Comissão de migrações, refugiados e demografia da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Actualmente membro de ONG’s voltadas para as temáticas da emigração – Presidente da Assembleia-geral da Associação de Estudos Mulher Migrante, Membro do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira, membro da Academia do Bacalhau de Joanesburgo e do Porto, Membro do Conselho de Filiais e Delegações do FCP. Sócia honorária de diversas Associações das comunidades portuguesas do estrangeiro. Membro honorário da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
 
1 - Em 1980, Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas
2 - Membro de quatro Governos Constitucionais nesta pasta (VI, VII, IX e X)
Deputada da emigração Fora da Europa eleita em 1980, 1981, 1983, da Europa, em 1985, (Porto e Aveiro em 1987 e 1991), Fora da Europa em 1995, 1999,1 2002. (até 2005)
3 ? (sem pergunta)
4 - Através dos serviços da SEECP, do IAECP,e suas delegações, dentro e fora do País, eram dadas informações a emigrantes e candidatos à emigração, apoiados processos concreto de emigração (nomeadamente para a Suiça, em negociação com o CIM, depois, OIM),emitidos passaportes, negociados acordos bilaterais de emigração ou segurança social, promovidas reuniões bilaterais para seu acompanhamento, assegurada a participação em organizações internacionais, como o Conselho da Europa ou a OCDE, elaborados os estudos para o SOPEMI, acompanhados os portugueses nas diversas fases do ciclo migratório, apoiado o regresso com facilidades de crédito (juros bonificados  de contas bancárias,, empréstimos para aquisição de casas ou investimentos) e de registo de automóveis com facilidades aduaneiras, repatriamentos...
Por meio de uma parceria com a RTP era assegurada a produção de programas de televisão para os emigrantes na França e Alemanha - programas que, a partir da década de 80, foram igualmente cedidos para os EUA, Canadá outros países onde fossem dadas facilidades de emissão em língua portuguesa. Para os media genericamente passaram a ser enviadas (para terminais de telex ou via telex dos consulados) notícias sobre o País, elaboradas pelas agências noticiosas e postas à disposição de todos gratuitamente.
Os apoios às Associações eram inicialmente dados de preferência a olhar os mais jovens, para actividades desportivas, para o folclore, e para o ensino (nomeadamente com oferta de Pequenas bibliotecas).
Em !980/81 foi criado um Conselho das Comunidades Portuguesas de origem associativa - com funções consultivas, para a co-participação nas políticas de emigração e para a colaboração nos programas sociais e culturais do movimento associativo. - que assim se foi desenvolvendo e abrangendo novas formas de cooperação.
 5 - Os subsídios às associações eram inicialmente canalizados para a emigração europeia - França e Alemanha, em primeira linha - e objecto de parecer de comissões de análise. Centravam-se sobretudo, como disse, no estímulo à actividade de grupos folclóricos e desportivos - oferta de trajes e equipamentos, o que podemos considerar uma política cultural para as comunidades algum tanto  redutora, face ao que deveria ser, em resposta aos próprios anseios e capacidades dos portugueses
A partir de 80, com a institucionalização do CCP, a SECP apresentava ao próprio “Conselho” um "programa cultural", inspirado essencialmente nos pedidos (ou nos programas culturais das Associações), com mais ambição, embora não com meios compatíveis com uma grande mudança de um estado de coisas, isto é, do que poderia ser um investimento mais forte e reprodutivo do Estado em defesa da língua e cultura. De qualquer forma, os governos a que pertenci reconheciam que o associativismo levara a cabo, no domínio cultural, como social, acções com grande capacidade e eficácia, nesse como em anteriores ciclos de emigração, substituindo-se à tradicional indiferença e inércia do Estado português. E se o Estado queria começar a fazer mais e melhor, devia essencialmente, com os meios disponíveis, secundar e potenciar a actividade do movimento associativo e até organizar em colaboração com este movimento aquelas medidas que se destinavam em primeira linha aos indivíduos e não às próprias colectividades. O CCP composto por dirigentes eleitos no universo associativo inseria-se nesta visão do mundo da "Diáspora" e do relacionamento Estado-Sociedade civil. Nesta perspectiva, o CCP era um órgão de enorme importância política, com carácter representativo, embora com funções consultivas. Funcionou regularmente entre 81 e 87/88, apesar de clivagens de ordem política no seu interior (nomeadamente entre Europa e os outros continentes), acabando por ser vítima do seu perfil "reivindicativo", a partir de 1988. O preço dessa postura acabou por se, com governantes menos conhecedores da sua história e percurso, globalmente muito positivos, a extinção pura e simples. Houve, posteriormente, no início de 90, legislação que reformulou o Conselho – mas que não chegou a ser verdadeiramente implementada. Na sua segunda vida, a partir de 96/97, rompeu - se com o modelo associativo original, passando o CCP a ser eleito por sufrágio directo e universal. Perdeu, assim, a força do enraizamento associativo, apesar de ganhar a força de uma nova legitimidade democrática. Poder-se-ia, a meu ver, como acontece no paradigma italiano, combinar as duas formas de legitimidade. Foi a proposta que apresentei na AR, em 1996, mas não teve suporte maioritário, num tempo em que o meu partido era oposição parlamentar.
 
6 - Em anos mais recentes, diminuiu o impacte dos apoios ao regresso (juros bonificados, incentivos ao investimento em casas e negócios).
 Criou-se, na década de 90, a RTP- Internacional  - uma iniciativa de inegável importância estratégica no relacionamento com o mundo lusófono – CPLP e Diáspora -  no aspecto cultural e informativo. –
 No início do século foi instituído o ASIC (Apoio Social a Idosos Carenciados), que, sendo uma medida que ia ao encontro das reivindicações dos portugueses, sobretudo na América do Sul e na África, ficou longe de constituir, como se esperava, uma verdadeira pensão mínima, semelhante à praticada pela Itália e, também, em moldes diferentes, pela Espanha.
Actualmente, encontra-se em fase de reestruturação profunda o sistema de ensino, e os moldes de actuação do Instituto Camões (sedeado no MNE, contrariando o sistema tradicional, que mantinha a condução da política de ensino no ministério da Educação). É cedo ainda para avaliar as vantagens e inconvenientes desta opção.
De salientar, também, pela negativa, a extinção, na década de 90, do IAECP e a integração dos seus serviços na DGACCP - uma irremediável perda de autonomia e  de especialização no tratamento das questões da emigração
 
7 - Entre a legislação mais importante referirei
A criação do IAECP (englobando o Instituto de Emigração e a Direcção Geral da Emigração)
Alteração da Lei da Nacionalidade que permitiu a dupla nacionalidade (1981)
A criação do CCP (lei de 1980, 1ª reunião em 1981)
A convocatória do CCP por regiões
A facilitação do recenseamento eleitoral no estrangeiro
A criação da Comissão Interministerial para a Emigração (1987)
As alterações da revisão constitucional que permitiram a votação na eleição presidencial (sendo Jorge Sampaio o 1º presidente eleito pelos portugueses da emigração)
A criação da RTP Internacional
A criação de Delegações regionais da emigração
A alteração constitucional de 2001 que permitiu o aprofundamento do Tratado de igualdade de direitos e deveres entre Portugueses e brasileiros (estatuto de direitos Políticos) - uma cidadania Luso Brasileira, com um conteúdo de direitos políticos muito mais avançado do que os da cidadania europeia (incluindo votação e eleição para órgãos de soberania)
A concessão de retroactividade à recuperação da nacionalidade portuguesa perdida ex legge antes de 1981
A concessão do direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu fora do espaço da EU
 
Só mais uma referência a reformas ou inovações que não careceram de medidas legislativas para sua execução e que nem por isso terão sido menos relevantes. Por exemplo, a criação, na primeira metade da década de 80, do Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas, de uma linha editorial (com dezenas de publicações de carácter científico, literário, outras menos ambiciosas, de recolha de imagens e outros dados informativos), de um Centro de Estudos (que coordenava linhas de investigação e publicações), de parcerias com universidades, de uma Comissão Interdepartamental para apoio ao regresso de emigrantes, funcionando a nível regional, (que conseguiu excelentes resultados na articulação entre serviços da área económica, empresarial, e social, sobretudo no norte e no centro do País): a descentralização de serviços, em delegações abertas por protocolos com Câmaras municipais ou com sede em Governos civis.
 
8 - As novas tecnologias, se bem aproveitadas, podem introduzir enormes alterações qualitativas na prestação de informação e serviços aos cidadãos do estrangeiro.
Há deste ponto de vista um enorme potencial de melhorias e de progresso - mas não pode ser pretexto para a redução das formas de prestação de serviços tradicional, enquanto não houver condições para a generalidade dos emigrantes aceder a esse novo mundo de informação e relacionamento.
 
9 - As primeiras Delegações para acompanhamento da situação dos portugueses no estrangeiro são anteriores a 1974 - ficam a dever-se ao Secretariado Nacional da Emigração -  e tinham como primeira finalidade o apoio social  Alguns dos funcionários que as compunham eram precisamente assistentes sociais. Depois da democratização do regime, a partir de 1974, e, designadamente, na década de 80, estenderam-se a novos países - como a Suiça, a Venezuela ou a África do Sul - e a novos domínios., reunindo assistentes sociais, animadores culturais, juristas, sociólogos, psicólogos -  isto é, funcionários com formação diversa, mas sempre com declarada "vocação" social.. Junto de várias Embaixadas, foram também colocados Conselheiros Sociais, com esse mesmo perfil. Era toda uma rede bem articulada com a direcção do IAECP, que desempenhou um papel fundamental, para o reconhecimento de problemas e a procura de respostas - num tempo que já não era de grandes movimentos de saída, mas de regresso ao País. Hoje, numa fase de recomeço de um êxodo tremendo, mais se justificaria ainda a sua existência. Todavia há muito que o IAECP foi extinto, e que muitos desses especialistas, incluindo a maioria dos Conselheiros sociais, foram considerados dispensáveis.
 
10 - A nova emigração, de que tanto se fala, identificando-a com um determinado perfil - juventude, mulheres e homens com altas qualificações - é, na verdade muito mais complexa e abrangente. Há trabalhadores com baixa escolarização e formação profissional, como há licenciados, quadros que fogem ao desemprego e vão à aventura, desprotegidos e fragilizados pela crise nos próprios "mercados de trabalho" que procuram, sobretudo na Europa. Há gente de todas as idades, de todas as regiões do País, que se vão, sujeitos a novas formas de exploração...Como há outros que partem com situação garantida e boas perspectivas de carreira.
É correcta a posição que o responsável pela SECP tem tomado, ao assumir a dimensão do fenómeno e ao alertar para os perigos de uma saída sem informação sobre as possibilidades oferecidas pelo país de destino.
 
 Mas é essencial saber o que se passa, nomeadamente com quem já partiu nessas condições e equacionar formas de ajuda, de cooperação com o movimento associativo, que tão activo e solidário foi nos ciclos anteriores.
O papel de assistentes sociais, que possam promover no terreno acções coordenadas com o associativismo, parece-me o melhor paradigma de intervenção na conjuntura que atravessamos, para valer a uma emigração que se assemelha muito - apesar das suas especificidades - à dos momentos mais dramáticos do passado remoto ou recente.
No caso dos novos emigrantes "de sucesso" - que serão muitos - deve preocupar-nos a probabilidade do seu não retorno. Mas aos novos explorados - que são muitos também - é preciso prestar apoio, dar informação no imediato, com serviços de proximidade e através de especialistas – caso justamente dos assistentes sociais
 
 
10 - Está criada hoje na opinião pública a imagem de uma nova emigração de sucesso, composta por jovens, mulheres e homens - numa paridade, também ela facto novo - altamente qualificados. Essa emigração existe, mas é apenas uma parte da realidade inteira. Coexiste com uma emigração muito semelhante à tradicional - formada por portugueses com baixas qualificações e formação profissional, que fogem à pobreza e ao desemprego e caiem em situações de exploração e miséria.
O actual responsável pela SECP veio reconhecer os números, a dimensão do fenómeno e os perigos das partidas sem informação segura sobre a realidade laboral dos países demandados.
Julgo que, mesmo na conjuntura económica e financeira em que Portugal se encontra, é uma verdadeira prioridade nacional recriar uma rede de serviços de apoio social, com poucos mas altamente especializados funcionários, que possam fazer levantamento de situações, dar informação e conselho aos que se encontram ao abandono, e procurar suscitar a solidariedade do movimento associativo, que, nos anteriores ciclos migratórios, desempenhou um papel de primeira importância.

4 décadas de migrações em liberdade Programa

PROGRAMA   PROVISÓRIO

Mesa Redonda: “4 décadas de Migrações em Liberdade
(1974/2014)
Apresentação das Publicações da AEMM

Local: MNE - Palácio das Necessidades – Protocolo do Estado
26 de Março de 2014

  
15.00 Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas José Cesário
Intervenção Introdutória 
15. 15 - 16.15 Mesa Redonda   
Rita Gomes (Presidente da AEMM) 
A Emigração Portuguesa nas vésperas da Revolução

Mulheres Revolucionárias na Diáspora: Maria Benedicta Monteiro (ISCTE) sobre Maria Lamas e Olga Archer Moreira sobre Maria Archer

Manuela Aguiar  (Presidente da AG - AEMM)
1974 – 1984 - Novas configurações do fenómeno migratório  - os movimentos e as políticas

Deputado Carlos Gonçalves e Deputado Paulo Pisco
1984 1994 –  O significado da opção europeia

Maria Beatriz Rocha Trindade (Universidade Aberta-CEMRI)
1994 – 2004 Confluência de movimentos – emigração/imigração

 Victor Gil (MNE)
2004- 2014 - A  nova emigração


16.15 -17.15 Apresentação das publicações

“Expressões Femininas da Cidadania” e “Entre Portuguesas – Associação Mulher Migrante – 20 Anos”..
Intervenções sintéticas dos Autores das Comunicações, seguidas de debate.