dezembro 12, 2016

MADALENA

Faria hoje 73 anos... custa a acreditar que tenha partido há quase cinquenta anos.Como seria hoje se ainda estivesse entre nós?
THE GREAT AMERICAN DISASTER - Do 9-11 ao 11-9 1 - Cheguei a NY na segunda daquelas datas fatídicas: o "day after " da eleição presidencial americana. A viagem pareceu interminável, porque ao tempo real se somou o tempo psicológico, de quem ia chegar à América, já não para partilhar a festa da vitória, mas como quem vai a um funeral... de tudo o que admira na terra da liberdade, de todos os valores e de todas as causas em que acredita. Nessa noite, nas maiores cidades do país, o povo, que com o seu voto elegeu Presidente Hillary Clinton, saiu à rua, em pacíficas marchas de protesto. Foram as primeiras e não serão as últimas! Hopefully...Temos de esperar que o povo americano saiba defender-se da tirania , da intolerância racista, xenófoba e misógina que Trump encarna, e, com uma pacífica resistência, defender o mundo de uma eminente regressão civilizacional. O "nine-eleven" foi uma data trágica que mudou, para sempre o tempo e o espaço de paz em que viviam as democracias, desde a derrota das potências do "Eixo", do nazismo e do fascismo, na segunda metade do século XX . Um outro presidente republicano, JW Bush, lançou a guerra (do Iraque), destruiu equilíbrio de forças no Médio Oriente e criou o "habitat" ao desenvolvimento da Al_Qaeda e de todos os terrorismos aparentados. O erro de Bush não tem fim à vista. Contudo, ao comparar Trump a Bush, a conclusão é assustadora, porque, apesar de toda a sua incompetência e estupidez , este ainda se situa no campo da democracia, na sua faixa mais conservadora e belicista, contudo ainda dentro dos princípios elementares e das normas mínimas de relacionamento entre pessoas, raças, sexos e religião, entre nações e povos - um homem de trato normal. Trump pelo contr´rio, quer na enunciação das suas políticas, quer como personagem é um acabado fascista do século XXI Tal como Trump face a Hillary, ele perdera no voto popular para o democrata Al Gore, e fora entronizado por um sistema anacrónico de voto colegial - tão anacrónico quanto o direito individual de porte de armas, que, há 200 anos, correspondia a uma necessidade de auto-preservação nas pradarias ou nos "saloons" do Far -west" e hoje serve, sobretudo, a violência dos fanáticos e o instinto assassino dos loucos. Na verdade, o sistema eleitoral vigente na América favorece Estados menos populosos ( por fatal coincidência, mais caucasianos, mais envelhecidos e mais conservadores), que estão sobre -representados, e cada vez mais, com o crescimento do universo cosmopolita face ao rural. Acresce um outro fator de distorção da vontade popular, que é o facto do vencedor de um Estado, mesmo tangencialmente, conquistar todos os delegados que o representam, sejam eles muitos ou poucos, assim inutilizando o voto de todos quantos, nessa circunscrição, sufragaram o outro candidato De há muito se multiplicam as críticas a essas aberrações eleitorais, assim como ao uso generalizado de armas de fogo, sem que tenha sido possível a sua erradicação. 2 - Hillary Rodham Clinton, a brilhante Senadora de NY, a competentíssima e prestigiada antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros, no epílogo da campanha iinfame e ameaçadora de que foi alvo, com interferência direta do FBI e manifestações da KKK, ganhou a eleição por sufrágio direto e universal, como acontecera com o antigo Vice-presidente de Bill Clinton. Al Gore. Seria , em qualquer Estado, que respeite o voto expresso pelos cidadãos - de Portugal à África do Sul, do Brasil à França... - a Presidente do seu país. Fica com ela para a História, como não deixem de clamar muitos democratas, essa formidável legitimidade! Resta ao oponente a "legitimidade de sistema", ironia do destino para quem se apresentava como o candidato anti-sistema, e com ele, o poder. Poder demais para um extremista, xenófobo, racista, sexista, fascista, mesmo num Estado de Direito Num e noutro caso, há 16 anos como agora, os EUA perderam, assim, estadistas de grande estatura e de grande visão. política, realmente ELEITOS pelo POVO, e viram , em seu lugar, homens sem qualidade nem estatura política , que, à frente da única super-potência mundial, são potencialmente muito perigosos para a humanidade inteira! 3 - Pessimista, mas inconformada, quanto ao que o futuro nos reserva, regressei a Portugal no domingo, com o Globe and Mail e o NY Times, jornais de excelência, como companheiros de viagem, que a direção dos ventos torna sempre bem mais curta do que a de ida. Constatei, invariavelmente, em todos os textos a minha leitura dos acontecimentos. Horrorizada, como KrugmanTHE GREAT AMERICAN DISASTER Do 9-11 ao 11-9 1 - Cheguei a NY na segunda daquelas datas fatídicas: o "day after " da eleição presidencial americana. A viagem pareceu interminável, porque ao tempo real se somou o tempo psicológico, de quem ia chegar à América, já não para partilhar a festa da vitória, mas como quem vai a um funeral... de tudo o que admira na terra da liberdade, de todos os valores e de todas as causas em que acredita. Nessa noite, nas maiores cidades do país, o povo, que com o seu voto elegeu Presidente Hillary Clinton, saiu à rua, em pacíficas marchas de protesto. Foram as primeiras e não serão as últimas! Hopefully...Temos de esperar que o povo americano saiba defender-se da tirania , da intolerância racista, xenófoba e misógina que Trump encarna, e, com uma pacífica resistência, defender o mundo de uma eminente regressão civilizacional. O "nine-eleven" foi uma data trágica que mudou, para sempre o tempo e o espaço de paz em que viviam as democracias, desde a derrota das potências do "Eixo", do nazismo e do fascismo, na segunda metade do século XX . Um outro presidente republicano, JW Bush, lançou a guerra (do Iraque), destruiu equilíbrio de forças no Médio Oriente e criou o "habitat" ao desenvolvimento da Al_Qaeda e de todos os terrorismos aparentados. O erro de Bush não tem fim à vista. Contudo, ao comparar Trump a Bush, a conclusão é assustadora, porque, apesar de toda a sua incompetência e estupidez , este ainda se situa no campo da democracia, na sua faixa mais conservadora e belicista, contudo ainda dentro dos princípios elementares e das normas mínimas de relacionamento entre pessoas, raças, sexos e religião, entre nações e povos - um homem de trato normal. Trump pelo contr´rio, quer na enunciação das suas políticas, quer como personagem é um acabado fascista do século XXI Tal como Trump face a Hillary, ele perdera no voto popular para o democrata Al Gore, e fora entronizado por um sistema anacrónico de voto colegial - tão anacrónico quanto o direito individual de porte de armas, que, há 200 anos, correspondia a uma necessidade de auto-preservação nas pradarias ou nos "saloons" do Far -west" e hoje serve, sobretudo, a violência dos fanáticos e o instinto assassino dos loucos. Na verdade, o sistema eleitoral vigente na América favorece Estados menos populosos ( por fatal coincidência, mais caucasianos, mais envelhecidos e mais conservadores), que estão sobre -representados, e cada vez mais, com o crescimento do universo cosmopolita face ao rural. Acresce um outro fator de distorção da vontade popular, que é o facto do vencedor de um Estado, mesmo tangencialmente, conquistar todos os delegados que o representam, sejam eles muito ou poucos, assim inutilizando o voto de todos quantos, nessa circunscrição, sufragaram o outro candidato De há muito se multiplicam as críticas a tais aberrações eleitorais, assim como ao uso generalizado de armas de fogo, sem que tenha sido possível a sua erradicação. 2 - Hillary Rodham Clinton, a brilhante Senadora de NY, a competentíssima e prestigiada antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros, ganhou a eleição por sufrágio direto e universal, como acontecera com o antigo Vice-presidente de Bill Clinton Al Gore, Seria , em qualquer Estado, que respeite o voto expresso do Povo - de Portugal à África do Sul, do Brasil à França... - a Presidente do seu país. Fica com ela, como não deixem de clamar muitos democratas, essa inegável legitimidade! Resta ao oponente a "legitimidade de sistema", ironia do destino para quem se apresentava como a candidato anti-sistema.... Num e noutro caso, há 16 anos como agora, os EUA perderam, assim, estadistas de grande estatura e de grande visão. política, realmente ELEITOS pelo POVO, e viram , em seu lugar, homens sem qualidade , que, à frente da única super-potência mundial são tremendamente perigosos para a humanidade inteira! 3 - Pessimista, mas inconformada quanto ao futuro que nos espera, regressei a Portugal no domingo, com o Globe and Mail e o NY Times, jornais de excelência, como companheiros de viagem, que a direção dos ventos torna sempre bem mais curta do que a de ida. Nos seus textos, encontrei, invariavelmente, uma leitura do acontecido na madrugada do "elevan nine" próxima da minha. "Horrorizada", como Paul Krugman ( "Thoughts for the horrified", 1ª página do NY Times), dececionada como John Irving, nas colunas de "The Globe and Mail" (The "great beast" has spoken), resistente como Timothy Egan, 2ª página do NY Times ("Resistance is not Futile). Estranhamente, em Portugal, vim encontrar , na maioria dos comentadores, à direita e à esquerda uma imensa insensibilidade, que não mostram, em geral, quando se fala da França de Marine Le Pen. Marine é uma versão "soft", quase apetece dizer "tratável", se comparada com Trump, um neo-fascista como personagem, tanto quanto no discurso e nas propostas políticas (mais Le Pen pai do que Le Pen filha...) De qualquer modo, o grau de de influência nos destinos do mundo, logo de pericolosidade, da França face á super- potência América é, por si só, menor, embora não possamos desvalorizar o surgimento de uma Europa cada vez mais irmanada com esta América, `se o extremismo de direita alastrar de leste a oeste e até para o norte (a Dinamarca a confiscar os bens dos refugiados à maneira nazi). É preciso convocar os cidadãos ao combate quotidiano pelos valores em que acreditamos, em todas as frentes geográficas, embora o principal campo de batalha seja agora os EUA. É preciso colocar em foco três dados essenciais para a reflexão e a ação O primeiro é o de que a América se mostrou dividida a meio, mas foi, ainda assim, a América aberta, humanista e generosa de Hillary Clinton que ganhou o sufrágio popular, enquanto na outra metade as motivações de voto foram muito diversificadas - não exclusivamente o extremismo ideológico, mas, por exemplo, também. questões económicas, pelo que o neo-fascismo "trumpiano", embora no poder, é, ainda, largamente minoritário. O segundo é de que Donald Trump é tão mau como parece, é tão mau como a infame campanha de falsidades e intimidação que conduziu e toda a tentação de o "branquear, de "normalizar" a sua essencial anormalidade (comparando-o, por exemplo, a um democrata conservador como Reagan) constituirá uma verdadeira capitulação. Aí estão, como aviso a estes incautos, as primeiras nomeações de Trump - Bannon o ideólogo racista da "Alt Right" ou o general Flyn, fanático religioso do "Tea PartY", que não quer distinguir entre muçulmanos e terroristas islâmicos .O terceiro é resistir, por palavras e atos pacíficos, sem desfalecimento e sem cedências. A América já começou. Os democratas (mais os de Sanders, suponho);vieram para a rua, em inúmeras manifestações cívicas. O Mayor de NY fez desaparecer do alcance da administração Trump os registos de trabalhadores indocumentados. O elenco da peça "Hamilton", na Broadway, exortou o Vice.Presidente Pence - vaiado pelo público - a respeitar os direitos das minorias. Um número crescente de clubes da NBA recusa alojar-se nos hotéis Trump, porque o desporto quer continuar a ser um espaço de convivência interétnica. A vitória de Trump representou uma terrível regressão civilizacional. Terrível, mas não inelutáve

novembro 17, 2016

– Em 1974 no preciso ano em que as nossas fronteiras se abriam aos portugueses, fechavam-se as dos países de destino na Europa e por todo o lado…O maior êxodo da história das migrações portuguesas e um dos mais dramáticos, encerrava-se, por causas exógenas, e começavam o seu curso, muito diverso, duas imensas vagas de regresso, absolutamente inéditas pela magnitude e pelo ritmo a que aconteciam. Destes movimentos desencontrados, apenas um tinha origem no processo revolucionário – o que resultava da descolonização: de Angola e Moçambique chegaram a Lisboa, em 1974/75, subitamente, desapossados de todos os seus bens, psicologicamente destroçados, mais de 800.000 portugueses. Não eram “de jure” emigrantes ou refugiados, mas eram-no de facto, pelas dificuldades de reinserção que enfrentavam. .E já então famílias inteiras voltavam a Portugal, fechando o ciclo da emigração europeia, iniciado em 1950/60 – regressos voluntários, tão bem preparados e bem sucedidos que foram quase invisíveis. Contas foram feitas, com base no censo de 1980, por equipas de investigadores universitários, já estavam entre nós, mais de 500.000 e o movimento prosseguiria numa cadência de cerca de 30.
BERKELEY Abril 2014 1 - Até 1974, as revoluções portuguesas não “revolucionaram” nunca as políticas de emigração – nem sequer, verdadeiramente as reformaram. Há uma linha de continuidade multissecular na forma de olhar o fenómeno migratório, que já vem do antecedente, do período de colonização de possessões ultramarinas, das ilhas do Atlântico à Africa, do Oriente ao Brasil… A distinção entre esses dois períodos é, aliás, difícil de fazer, quando se olham os projectos individuais no quadro do projecto estatal, como salienta Joel Serrão e, de um modo geral, os estudiosos deste passado longo. O êxodo ininterrupto para o Brasil, que foi o grande palco onde se deu a transição entre colonização e emigração bem o comprova – era ainda colónia ou Reino unido, e já atraía, incessantemente, mais voluntários do que a Coroa estimava como bastantes. E, por isso, as políticas de emigração visaram, fundamentalmente, limitar as partidas – ou mesmo proibi-la – sobretudo as das mulheres, a s migrações de grupo, de família. Preocupações demográficas, financeiras, uma visão economicista das migrações, e, consequentemente, uma mesma ideia do interesse público, sobrepuseram-se, sempre, aos direitos individuais. A Revolução de 1910 não veio alterar nem estas correntes de pensamento dominante, nem a ordem jurídica, e a “praxis” vigente O primeiro gesto revolucionário é, assim, a imposição da liberdade de emigrar, expressamente consagrada na Constituição de 1976. Com ela, o cidadão passou a ocupar o centro da decisão, a ser sujeito de novas políticas personalistas. 2 - A abertura de fronteiras não foi o único ímpeto libertário de Abril – seguiu-se o reconhecimento nas leis da República do princípio da igualdade de todos os cidadãos portugueses, não só no rectângulo continental e nas ilhas atlânticas, mas no imenso espaço da emigração portuguesa. O Estado assumiu, consequentemente, o seu dever de protecção dos nacionais, onde quer que estivessem. A democracia era, pela primeira vez, concebida à dimensão nacional, e seria aprofundada na transição do "paradigma territorialista" para o "paradigma personalista", focalizado na pessoa, nos seus direitos individuais, num verdadeiro “estatuto do expatriados” em constante aperfeiçoamento, a nível interno e, também, a nível internacional, através de novas convenções e acordos multilaterais. O direito dos expatriados baseia-se na sua pertença a uma comunidade demarcada, não apenas por linhas de fronteira geográficas, mas pelos sentimentos de identidade nacional. Representa o encontro do Estado com a Nação. É uma via aberta à procura de formas de inclusão dos expatriados na vida do país. Não é contudo, um processo acabado, nem no nosso, nem em outros países de emigração. 3 - Subsistem múltiplas restrições, nomeadamente no campo da participação política: a Constituição e as leis limitam o número de representantes dos círculos de emigração na Assembleia da República: o voto na eleição do Presidente da República foi negado até 1997, e ainda o é nas eleições autárquicas e autonómicas. Também em matéria de direitos à prestações sociais se pode referir a inexistência de pensões mínimas, cujo sucedâneo é um esquema de atribuição de reduzidos subsídios em casos de pobreza extrema – o “apoio social a idosos carenciados”, ASIC). E até no que respeita ao acesso dos filhos dos emigrantes ao ensino da língua e da cultura, que é incumbência constitucional do Estado, desde a revisão de 1982, a desigualdade subsiste, por imperfeito cumprimento desse dever pelos governos, embora mais numas comunidades do que noutras (com as mais distantes, fora da Europa, a ficarem dependentes da sua própria iniciativa 3 – No ímpeto libertário da revolução se desfez, no imediato, a política colonialista, a visão decadente e anacrónica de um Portugal do Minho a Timor, do mesmo passo que se revelava à “inteligentzia” nacional, aos políticos e à sociedade civil, a dimensão humanista da presença portuguesa universal, através da emigração e da diáspora – uma dimensão que andava esquecida e que se devia, integralmente, às pessoas, não ao Estado ou aos regimes. As comunidades portuguesas, com as suas próprias e poderosas organizações – que se tinham substituído ao Estado ausente, no plano social e cultural - impuseram-se como parceiras obrigatórias da execução das novas políticas, incluindo as que se dirigiam aos portugueses, na defesa de direitos individuais. As políticas de protecção das pessoas, de informação, os projectos culturais, passaram, frequentemente, por elas. O Conselho das Comunidades Portuguesas, uma câmara de audição de representantes das associações e do jornalismo em todo o mundo, veio, a partir da década de 80, dar forma oficial a esse diálogo entre os governos e as comunidades orgânicas. 4 – Nem sempre foi fácil o entendimento, o acordo, ou a satisfação das reivindicações expressas no CCP ou fora dele.. O que não aconteceu logo nos momentos primordiais de arrebatamento colectivo, no auge da Revolução, caiu, depois, no andamento gradual e, quantas vezes hesitante, do reformismo. E por isso, no que respeita aos direitos dos emigrados, às políticas que se dirigiam aos seus problemas específicos, ao aparelho burocrático, que lhes deu sustentáculo, podemos falar de lenta evolução, com alguns retrocessos de permeio. Mesmo quando havia consenso nas grandes linhas de actuação concertadas com as comunidades, os meios eram escassos… São estas 4 décadas de reformismo, no domínio das migrações que a AEMM propõe a debate. ao longo deste ano de 2014, num ciclo de colóquios, iniciado em Lisboa, no Palácio das Necessidades com uma motivadora intervenção do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. O cicço prossegue, aqui, integrado nas comemorações da Revolução promovidas na Universidade de Berkeley. Seguir-se-ão colóquios e mesas redondas na Universidade Aberta de Lisboa, na Sorbonne, no Arquivo Municipal de Gaia, e na Universidade de Toronto – as duas últimas especialmente voltadas para as migrações de retorno de África 5 - Dos movimentos migratórios registados nos últimos 50 anos em Portugal, podemos dizer que constituíram as maiores vagas de saída e retorno jamais vistos numa história pontuada por ciclos infindáveis de partidas em massa, mas nunca de regressos tão vultosos. Estes movimentos condicionaram decisivamente as prioridades políticas dos Executivos, apesar de só um deles se ligar, directamente, à Revolução – o retorno de Africa, que trouxe de volta mais de 800.000 portugueses, em circunstâncias dramáticas, desapossados de todos os seus bens e psicologicamente abatidos pelo infortúnio. “De jure” não eram emigrantes nem refugiados, todavia enfrentavam dificuldades análogas no seu esforço de reinserção A crise económica europeia e geral pusera abruptamente termo ao êxodo que, entre 1950 e 1973, envolvera quase dois milhões de portuguesas. Muito deles preparavam o regresso ou já o tinham concluído, de uma forma voluntária, discreta, bem sucedida – os primeiros estudos realizados por equipas de investigadores universitários, sobre o censo de 1980, surpreenderam o país, quando foram divulgados, em 1984 – mais de 500.000 já estavam de volta, outros tantos viriam, previsivelmente, até final do século. Em 1974, só o Brasil abriu, de forma incondicional, o seu território aos retornados de Africa. Algumas dezenas de milhares ficaram na Africa do Sul, alguns centenas dispersos por outros continentes. A Europa apenas permitia entradas para reagrupamento familiar, beneficiando, com isso, maioritariamente a imigração feminina. Escassas oportunidades surgiram no Médio Oriente, num país europeu, que foi excepção à regra, a Suiça, a partir de 80 – e pouco mais, 6 – As acções desenvolvidas no pós 25 de Abril, foram, naturalmente, dirigidas a ajuda aos emigrantes, cuja situação precária era conhecia – na Europa, sobretudo – e de apoio aos movimentos de regresso. Foi criada, em 1974 a Secretaria de Estado da Emigração, - que iria estendendo a sua rede de delegações no estrangeiro (núcleos de assistentes sociais, de animadores culturais, professores de português, enviados pelo Ministério da Educação). No país reforçou, gradualmente, as suas estruturas, a Direcção-Geral, o Instituto de Emigração, dotado de autonomia administrativa e financeira. Foram recrutados e a formados técnicos altamente especializados – um património humano que lhe permitiu actuar utilmente, mesmo quando os orçamentos para acções eram reduzidos. Ao associativismo continuaria a caber um papel de primeiro plano, aspecto social e cultural De sucesso se pode, certamente falar, principalmente, nas políticas de apoio ao regresso, a dos recém-chegados de Africa (a cargo da “Secretaria de Estado dos Retornados”) e da emigração., Nenhum país, em circunstâncias, de algum modo, semelhantes, conseguiu resultados comparáveis. Portugal perdera, na década anterior, quase dois milhões de pessoas. Como foi possível reabsorver, em época de tremenda crise económica, um número equivalente nos anos seguintes? Uma das respostas estará, seguramente, no diferente perfil de quem partiu e de quem veio, das circunstâncias em que veio e do lugar que escolheu para viver…E, numa boa parte, também, no acerto das políticas…Políticas de incentivo ao investimento no interior. Muitos retornados de África, como a maioria dos emigrantes não escolheram para residir as grandes cidades, mas as suas terras de origem, onde os laços familiares e a solidariedade de vizinhos eram facilitadores da integração. Áreas que os emigrantes haviam despovoado e que, então, repovoavam, com outros meios de subsistência, reformas, capitais, projectos de negócios… De Africa, os portugueses traziam experiência de vida, de empreendimento e a vontade de recomeçar. Instrumentos muito concretos, como isenções fiscais e alfandegárias, as contas de poupança crédito, empréstimos a juro bonificado foram bem utilizadas pelos emigrantes, como o foram as verbas adiantadas para projectos de investimento dos retornados da descolonização – em larga medida financiados por um Fundo especial concedido pelo governo dos EUA. 7 – Estabilizados os desmesurados fluxos migratórias, melhor conhecida a realidade da vida das comunidades portuguesas e dos cerca de 5 milhões de concidadãos dispersos pelo universo, o olhar dos governantes, a partir da década de oitenta, sem prejuízo da atenção dada às questões do regresso e ao processo de adesão à CEE – dirige-se, também, para outros continentes, para a emigração mais antiga, para a Diáspora, com um acento nas políticas culturais. O CCP pretendia ser um elo de ligação cultural das diásporas, embora, nos seus trabalhos, a componente social da emigração recente e a vertente política e mais conflitual, introduzidas pela representação da Europa, tenham tido sempre maior visibilidade mediática, A década de 90 foi dominada pelo discurso oficial do fim da emigração e do início da imigração (cujo anúncio era, aliás, prematuro…) e marcada pela extinção dos serviços autónomos da Emigração, que foram anexados pela Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas. E também pelo fim do CCP, cujas reuniões plenárias cessaram em 1988. Em 1996 O Conselho seria recriado, num novo modelo, com eleição por sufrágio directo e universal de portugueses de passaporte – excluindo os lusos descendentes, o círculo mais lato da Diáspora lusófona. O maior equilíbrio no relacionamento do Estado com as comunidades de dentro e fora da Europa não foi, porém, prejudicado, beneficiando com a criação da RTPI, em 1990 - o maior investimento jamais feito na aproximação ao mundo disperso da lusofonia, que uma melhoria da qualidade da programação poderá potenciar enormemente. 8. No início do século XXI, Portugal tornara-se, de facto, um país de imigração, com a chegada em massa de europeus de leste, após a queda do muro de Berlim, e de brasileiros. Todavia, não deixara de ser definitivamente terra de emigração…Um novo ciclo se desenha, um novo êxodo já comparável ao dos anos sessenta… Fala-se de nova emigração muito qualificada, de “brain drain” , de uma forte componente feminina… Na verdade, partem todos os que podem partir…A principal característica desta nova vaga é a maior heterogeneidade e dispersão geográfica. Predominam os que vão como trabalhadores temporários, com o antigo perfil – sexo masculino, baixas qualificações. Mas pela primeira vez, há muitos profissionais altamente qualificados, e é sobretudo neste grupo que se encontram mulheres a emigrar autonomamente. A Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas perdeu muitos dos meios humanos e materiais de intervenção de que laboriosamente se havia dotado na primeira década pós revolução, mas mantém a tradição de convívio e audição das pessoas sedimentada ao longo de 40 anos. e a estratégia de mobilização através da cooperação com o movimento associativo, em particular no que respeita aos mais jovens, aos potencialmente mais intervenientes, às mulheres – de que vai, em seguida, falar, detalhadamente a Profª Graça Guedes. Esta tem sido uma inteligente prática comum a sucessivos Secretários de Estado no novo século – e, com ela se tem minimizado a insuficiência de recursos destinados à emigração (no caso da Secretaria de Estado, mas, mais globalmente, de todo o Governo, pois se trata, como é obvio, de um domínio que toca todos os sectores da administração pública) 9 – Houve, neste século, progressos assinaláveis, sobretudo, no domínio legislativo: a recuperação automática da nacionalidade, com efeitos retroactivos, processa que se arrastava desde a aprovação da chamada Lei da dupla nacionalidade, em 1981; a votação de todos os recenseados no estrangeiro na eleição presidencial: o alargamento do estatuto de igualdade de direitos entre portugueses e brasileiros: a votação nas eleições para o Parlamento Europeu, dos cidadãos residentes fora das fronteiras da EU. De mencionar, também, como medidas positivas: a extensão da rede do ensino de português fora da Europa, que cabe agora nas competências do Instituto Camões (integrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros); a informatização dos serviços consulares; a multiplicação das permanências consulares, com que se procura combater o encerramento de alguns postos e a impossibilidade de instalar consulados em comunidades distantes; a reforma do CCP, em apreciação na Assembleia da República 10 – Olhamos o passado e vemos um povo que, ciclicamente, se evade de um pequeno território para todos os continente do globo, levando consigo e a língua e a presença pátria (ou mátria, como diria Natália Correia). Nenhuma revolução alterou esta realidade. O que o regime democrático trouxe de novo, desde 1974, foi, por um lado, a liberdade de assim ser, sem a vã oposição do Estado, e, por outro o reconhecimento dos laços de cidadania, e da existência e força das comunidades extra territoriais. Olhamos prospectivamente as próximas décadas em Portugal e vemos um país que é o 6º ou o 7º mais envelhecido do planeta, fatalmente dependente da emigração e da imigração para sobreviver. Só com muitos jovens estrangeiros, numa sociedade aberta e multicultural, só com o eventual regresso dos jovens portugueses se pode pensar a sustentabilidade demográfica, O futuro de Portugal passa essencialmente por políticas económicas, sociais e culturais que incentivem os movimentos de regresso e de uma imigração, de sinal mais, em crescendo, de uma emigração, em decréscimo, e de diáspora e lusofonia em imparável expansão.

Sobre Manuela CHAPLIN (2014)

Conheci Manuela da Luz Chaplin em 1980, no meu primeiro encontro com comunidades portuguesas. Com o seu cabelo revolto, os olhos muito azuis, uma bela voz forte, que se fazia ouvir em discurso assertivo e reivindicativo, ousado... Assim a recordo, única voz feminina entre as dos homens, que eram, então, o rosto invariável de dirigismo associativo. Uma mulher para se impor, nessa época, em comunidades da emigração conservadoras e fechadas, precisava de ter qualidades excepcionais - antes de tudo, tinha de ter coragem e tinha de ter razão, a primeira, era a condição prévia para tomar a palavra, a segunda imprescindível para ser respeitada. e seguida. Os problemas que colocava, com sinceridade e veemência, pedindo respostas, eram os dos seus concidadãos, os das mulheres, os dos mais marginalizados. Não eram preocupações consigo, eram causas! Até no vestir, sempre à vontade, descontraída e simples, se revelava como alguém para quem o "social" queria dizer solidariedade e não convívio elitista. Logo nesses momentos iniciais em que a escutei as suas críticas pertinentes às "políticas de indiferença" dos governos de Portugal para com os emigrantes da América, incluía-a em numa de duas ou em duas categorias de militantes que sempre me foram particularmente simpáticos - os sindicalistas e os missionários! Só depois vim a saber que, orfã de pai, desde os 3 meses de idade, viveu os seus anos de infância em Moçambique, numa missão protestante, onde a mãe era professora de português. Manuela da Luz estudou em Lisboa, na Lisboa salazarista, onde se revoltava com a condição da mulher, com a mesquinhes e a misoginia da ditadura. A palavra submissão feminina não existia no código de conduta daquela jovem inteligente e radical. Foi essa revolta que e levou para a América, em 1948. Aí encontrou o que procurava: liberdade! Liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade para lutar pelas sua ideias, liberdade para “libertar”outras mulheres da passividade e da submissão, liberdade para fazer dos imigrantes portugueses, mulheres e homens, cidadãos da América. Uma cruzada para o resto da sua vida! Foi, com certeza, porque o seu projecto de expatriação voluntária tinha essencialmente a ver com estes valores humanos que escolheu para a capa do um livro seu, sobre as portuguesas nos EUA, a estátua feminina da Liberdade, de Ellis Island - porta de entrada no” novo mundo” para tantos milhões de mulheres e homens… Manuela era ela própria uma emigrante/imigrante exemplar – porque nunca deixou de ser apaixonadamente portuguesa e tornou-se não menos apaixonadamente americana. Soube integrar-se plenamente na vida do novo país, na sua vida política, social e cultural e sempre quis ajudar os outros portugueses a alcançarem a mesma alegria e orgulho por serem luso-americanos. Foi mais nesse segmento em expansão do “luso americanismo” que se centrou a sua acção, com especial enfoque nas mulheres. Manuela da Luz Chaplin foi, como não podia deixar de ser, pela proeminência do seu curriculum comunitário, uma das emigrantes convidadas para o 1º Encontro das Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo – onde entre tantas notáveis, se destacou, em múltiplas intervenções. Citar algumas das suas declarações é uma forma de la ter, entre nós, nestas jornadas de reflexão sobre o 25 de Abril e a projecção que teve, concretamente, nos EUA, nas nossas comunidades, na participação feminina. Embora não fale de si, adivinha-se o entusiasmo com que acompanhou o renascimento da democracia em Portugal e a sua contribuição pessoal para a repercutir o espírito de Abril no meio português, do outro lado do Atlântico: “Após o 25 de Abril, a mulher portuguesa nos EUA demonstrou uma rápida transformação no conceito social e na realização dos seus direitos humanos, devido à influência de elementos femininos mais evoluídos” Também sobre um dos temas que a AEMM trouxe ao debate neste ano de 2014- o retorno de Africa, se pronunciou. Vamos ouvi-la sobre a nova vaga de emigração dos anos 70, mais urbana, vinda das antigas colónias, mais qualificada, integrando muitas mulheres “cuja bagagem intelectual e profissional lhes proporcionou acesso a campos de acção até aí raramente tocados por mulheres portuguesas emigradas nos EUA. A este novo elemento juntam-se jovens de 1ª e 2ª geração, que no país acolhedor obtiveram um nível de cultura ee preparação que as eleva a posições de destaque e influência…” Mas logo acrescenta: “…o homem português continua relutante a adaptar-se a esta evolução e ao reconhecimento da igualdade da mulher”. “Raras vezes a mulher é convidada a participar na direcção e na administração das associações. (…) Todavia, muitas organizações Luso americanas têm no seu elenco directivo, presidentes e outros elementos directivos femininos. Nos últimos 19 anos, várias associações não só são dirigidas, como foram fundadas por elas. :Do CV de Manuela Chaplin, publicado nas actas do Encontro Mundial consta que e é licenciada em Direito e em Jornalismo é membro das seguintes organizações: - Fundadora e directora executiva do Centro de Cultura Portuguesa de New Jersey -Presidente e fundadora da Associação Luso-Americana Republicana de New Jersey - Presidente da Federação das Associações Luso-Americanas Republicanas da Costa Leste -Directora e fundadora da Congresso Luso_Americano de New Jersey -Secretária Executiva dos Grupos Étnicos de New Jersey -Presidente da Área Regional da Costa Leste da Associação Nacional dos Grupos Étnicos Republicanos dos EUA Este impressionante elenco de participações é a prova da sua liderança não só na comunidade portuguesa, mas nos outros grupos étnicos que formam o imenso mosaico multicultural do país e na política americana, como activa militante do Partido Republicano. (Esta intransigente opositora da ditadura portuguesa era republicana e monárquica, tendo fundado e presidido, a partir da década de 90 à Real Associação de NJ) Uma mulher, lutando pelos direitos de todos, em associações mistas, mas sempre sem esquecer as mulheres. (ao papel que, posteriormente, viria a ter na Associação MM se refere, detalhadamente, o testemunho de Rita Gomes).. As mulheres são as protagonistas de um livro em que retrata muitas emigrantes: “Retalhos de Portugal dispersos pelos Estados Unidos da América. Mulheres Migrantes de Descendência Portuguesa São 30 narrativas de vida, escritas com brilho e com uma intenção clara de desvendar, a partir de casos individuais, a história feminina da emigração portuguesa na América, em diferentes épocas e contextos – a parte mais desconhecida, mais subvalorizada da presença portuguesa. São todas verdadeiras, singulares, fascinantes… Para muitas a emigração foi uma oportunidade de se transcenderem, de tomarem em mãos o seu destino, para outras teve o sabor da adversidade…A sorte e o azar, o mérito de saber lutar ou a a falência de não poder resistir… A atracção do novo, a americanização, ou a resistência cultural e afectiva à perda da identidade. As segundas gerações, para as quais Portugal é uma realidade remota - ou não É tudo real, mas lê-se como um romance, feito de muitos capítulos. A visão da própria Manuela não pretende ser necessariamente neutra. Os factos estão lá, objetivos, precisos, mas sente-se, muitas vezes, a simpatia e compreensão da autora e pelas pessoas e pelas circunstâncias, que nós partilhamos, emocionalmente… Manuela Chaplin pertence, também, à história que se sedimenta no curso destas múltiplas experiências de América que relata – e a sua própria bem merece ser escrita por alguém que tenha o seu talento e humanidade. Na nota “Sobre a Autora”, com que abre este livro, Maria Fernanda Alves Morais diz-nos: “ao longo dos anos em que me tem sido dado o privilégio da sua amizade, encontrei sempre a sua casa acolhedoramente aberta a quantos, oriundos de Portugal, procuram o seu auxílio ou o seu conselho. Dias úteis ou feriados…pacientemente a sua hospitalidade e solicitude nunca falham. Daí a alcunha que carinhosamente lhe deu seu marido, Charles Chaplin, de “Nossa Senhora dos Portugueses” Assim era a mais americana das portuguesas, a mais portuguesa das americanas. Manuela Chaplin, Mulher de Abril, antes e depois desse 25 Abril, que comemoramos, homenageando-a, saudosamente..
SOBRE AS ACADEMIAS DO BACALHAU As Academias de Bacalhau estão hoje espalhadas no mundo, como verdadeiros padrões de presença portuguesa, cumprindo uma vocação matricial de convivialidade, que vem marcando o seu trajecto de várias décadas, sempre a irradiar alegria, a expandir a nossa cultura e os nossos costumes, a oferecer solidariedade a quem precisa. A ideia que lhes deu origem é, em si mesma, uma ideia felicíssima e singular: partir de uma simples tertúlia de amigos, reunidos num almoço habitual, e juntar-lhe, numa fórmula que faz toda a diferença, as componentes essenciais da cultura e da beneficência. Mas por muito interessante que fosse este "achado", ao colocar uma forma de associativismo lúdico ao serviço dos mais nobres objectivos da sociedade, os seus autores não terão, com certeza, imaginado assombrosa aventura humana em que haveria de se traduzir! O mundo da Diáspora portuguesa era formado por um sem número de Comunidades engendradas pela mesma vontade de preservar a identidade nacional e de conservar os laços afectivos de ligação à Pátria, mas que, não obstante o que as unia, permaneciam distantes e incomunicáveis entre si. Era preciso dar um passo em frente para formas mais englobantes de cooperação entre instituições congéneres, entre Portugueses dispersos no espaço geográfico dos cinco continentes. Uma meta que, face à experiência do passado, parecia inatingível. Seriam os portugueses, ao invés de tantos outros povos europeus da emigração, definitivamente, avessos ao envolvimento num amplo movimento de convergência? As Academias do Bacalhau vieram provar que não. Ao longo de mais de quatro décadas, mostraram tanto uma enorme capacidade plástica de se moldarem à situação e características das sociedades em que se inseriam, como uma surpreendente facilidade de vencer as distâncias geográficas, estabelecendo a ligação permanente entre todas, pontuada por Congressos Mundiais, que juntam anualmente centenas de "compadres” em sessões de trabalho e em cordial convívio. Este movimento converteu-se, assim, em paradigma de diálogo e articulação de projectos a nível intercontinental, e é também o único actuante, em simultâneo, nos mesmos moldes e com o mesmo espírito, na Diáspora e em Portugal. A designação "Academia" não tem conotação elitista - as regras de tratamento no seu interior excluem, aliás, o uso de quaisquer títulos universitários ou profissionais – antes apelam ao igualitarismo e à camaradagem. E as Academias não têm uma sede patrimonial, pois o seu real património é a sua gente: os “compadres e as comadres” O lugar ímpar e cimeiro a que as Academias do Bacalhau ascenderam no universo da emigração, ficou, evidentemente, a dever-se à qualidade dos dirigentes. Tanto os pioneiros, como os que lhes sucederam eram (e são) líderes de larga visão, conhecedores da importância de conjugar esforços para consolidar e engrandecer verdadeiras comunidades em terras estrangeiras. Sabiam bem que estas podem datar a sua emergência e formação nos inícios do associativismo. Podem mesmo, a meu ver, sintetizar a sua história lapidarmente: "Associo-me, logo existo". Este poder criador e estruturante de comunidades, em sentido orgânico, está, de há muito, estudado e definido e é corrente distinguir, de acordo com as finalidades principais, as instituições de assistência e solidariedade, as agremiações de fins culturais, os clubes e centros e recreativos. Todavia, as Academias do Bacalhau escapam a essa divisão clássica, devido ao ecletismo e pluralidade dos seus fins e à singularidade dos meios utilizados para os cumprir. Conseguem ser, no estrangeiro, um elo de pertença à Pátria, e, no nosso país, um meio de compreensão e de convivência ecuménica com a Diáspora. Há entre os seus membros muitos emigrantes ou ex-emigrantes, considerados, justamente, “pessoas de sucesso”. É excelente lembrar os percursos individuais, um a um, mas não esquecendo o que tende a ser mais subestimado: as suas realizações colectivas. Um longo relacionamento com as comunidades de emigração, leva-me a acreditar no papel insubstituível do associativismo, em que vejo,"um ímpeto de Portugal", de que falava Pessoa - o ímpeto que despertou para a acção concreta os fundadores das Academias, no sul da África, e, depois, um pouco por todo o lado, em instituições que avançaram e cresceram à medida dos desafios com que foram sendo confrontadas. Julgo que o processo de descolonização de Moçambique e Angola, e, com ele, a necessidade de valer a dezenas de milhares de refugiados, foi um dos factores decisivos de uma rápida evolução para patamares de actuação cada vez mais elevados, e centrados na acção humanitária. O regresso, em grande número, da África do Sul, anos mais tarde, terá sido determinante na constituição de novas Academias em Portugal. Os "compadres" retornados trouxeram consigo a saudade de África e a determinação de retomar o contacto e o trabalho beneficente, em terras portuguesas. O Porto foi uma das primeiras cidades do país onde isso aconteceu -como não poderia deixar de ser, já que, através de ilustres portuenses, havia estado presente em Joanesburgo, no momento do nascimento, e, depois, em todo o processo de consolidação e expansão do movimento. E bem pode dizer-se que a imagem de marca da cidade – capacidade de iniciativa, força de trabalho e extroversão da alegria de viver – se evidencia, hoje, na dimensão e no dinamismo da Academia do Bacalhau do Porto. A fase seguinte foi a da difusão em novos destinos da Diáspora, o que nos leva a perguntar: e agora, que futuro para as "Academias"? Em tempo de crise sem fim à vista, num ponto de partida de grandes vagas migratórias, fenómeno recorrente na vida portuguesa, em ciclos que se encadearam, imparavelmente, nos últimos cinco séculos - quantos desafios vemos pela frente! É o momento de pormos nas Academias do Bacalhau as maiores esperanças, apostando na sua experiência para enfrentar conjunturas difíceis e, como é da sua natureza, fazer história em gestos de solidariedade e simpatia. Afirmação que avançamos, de caso pensado, com segurança, pois estamos a falar, afinal, naquele que se transformou no maior e no mais inovador movimento associativo dos Portugueses do mundo inteiro. Maria Manuela Aguiar – Ex-Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas
TORONTO Nos últimos 40 anos de migrações portuguesas podemos distinguir três períodos, do ponto de vista do entrelaçamento dos fluxos e das políticas migratórios. 1 – Os grandes movimentos de retorno e as políticas de reintegração Em 1973/74, assistimos às ondas do “choque petrolífero, numa recessão económica generalizada, ao fim da ditadura em Portugal e à descolonização do último império europeu. Abrem-se as nossas fronteiras, quando se encerram, abruptamente, à imigração as da Europa e de outros continentes, que haviam recebido, ao longo das duas décadas precedentes, um êxodo de cerca de dois milhões de portugueses. Destacou-se a emigração “a salto” para a França e para outros países vizinhos, largamente maioritária, e constituindo uma ruptura com os pólos de atracção tradicionais (Brasil, EUA, Argentina…), mas esqueceram-se por demais (até em estudos académicos) os novos movimentos transoceânicos, que, desde então, haviam dado origem a importantes comunidades no Canadá, na Venezuela, na África do Sul, na Austrália… A descolonização provocou, de imediato, o súbito e caótico retorno de África cerca de 800.00 a um milhão, entre 1974/76, num tempo em que começava já, gradualmente, o regresso voluntário, ordenado -e, por isso praticamente invisível – dos emigrantes da Europa, que se intensificaria ao longo dos anos 80, atingindo mais de 800.00, nas estimativas mais modestas. A conjuntura económica, política social deveriam ter tornado impossível o bom sucesso destes regressos tão desiguais. Mas não… todos fizeram parte da democratização do País, todos encontraram o seu lugar no vaivém alucinante, que envolvera, primeiro, dois milhões de pessoas de partida, e, então, devolvia ao chão pátrio, um número praticamente equivalente, deixando, ainda assim, cinco milhões de portugueses, de primeira e segunda geração dispersos por todos os continentes. Pode perguntar-se como conseguiu Portugal tornar-se um paradigma de sucesso em tão dramáticas aventuras de retorno. A meu ver, como já tenho dito, nos debates sobre este fenómeno, ao longo de 2014, graças ao perfil dos que chegavam, a mérito seu, acompanhado pelo inesperado acerto das políticas – inesperado num domínio onde sempre imperara a inércia do Estado. De África vinham portugueses com rasgo e experiência empresarial, da Europa migrantes com reformas, rendimentos, projectos de investimento - "uma geração de triunfadores" na feliz expressão de Eduardo Lourenço. Uns e outros repovoaram regiões desertificadas pelo ciclo migratório anterior. Uns e outros aproveitaram da melhor maneira os incentivos oferecidos pelos Governos – as contas de poupança crédito, os empréstimos a juro bonificado para emigrantes, os fundos de apoio ao investimento dos retornados. E as novas políticas para os expatriados e para as comunidades nascem numa vontade de inclusão e de afirmação dos direitos da cidadania, com um acento personalista, que é verdadeiramente revolucionário. · 2 – Portugal, país de emigração, país de imigração? Segue-se um ciclo, caracterizado pela ausência de grandes correntes migratórias – com as saídas quase limitadas ao reagrupamento familiar, aproveitando especialmente às mulheres e contribuindo para um maior equilíbrio de sexos na emigração portuguesa. Equilíbrio que favorece o florescimento de comunidades no seu sentido orgânico, como espaços de vivência cultural do grupo étnico. Nem as oportunidades procuradas em novos destinos – a Suiça, o Médio Oriente, em trabalhos maioritariamente de natureza temporária – nem a adesão à CEE, na impossibilidade prática de usar o direito de livre circulação consagrado nos tratados, vêm alterar este quadro fundamentalmente estável quando comparado com o antecedente. É tempo de descobrir a dimensão cultural das comunidades, de olhar não só a emigração recente e europeia esquecida, mas também a mais antiga, a “diáspora”, que entra no discurso oficial e popular. O aprofundamento dos direitos políticos dos expatriados, a criação de um mecanismo específico para a sua representação, o Conselho das Comunidades Portuguesas, a aceitação da dupla nacionalidade., o apelo à participação dos jovens e das mulheres a conceitualização de políticas compreensivas de todo o ciclo migratório, são verdadeiramente “sinais dos tempos”, do pós 25 de Abril…O aperfeiçoamento do aparelho burocrático, a sua diversificação e autonomia administrativa e financeira foi importante para passar do discurso à boa execução das medidas e á acção concreta, (facilitada pela formação de técnicos altamente especializados mas, note-se, sempre prejudicada pela escassez das dotações orçamentais para a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas). Situação que se agrava, após a adesão à CEE com o discurso falacioso de que Portugal deixara de ser um país de emigração e se tornara um destino de imigração. E é pretexto para o desmantelamento dos serviços autónomos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. A imigração em massa é um fenómeno mais tardio, de fim de século, ligado às grandes obras públicas, e atinge o seu auge, no início do século XXI, sem nunca assumir, apesar da sua enorme importância, proporção comparável à emigração portuguesa, -3 – A emigração, em recomeço Contra todas as previsões Portugal enfrenta um novo êxodo migratório, semelhante em volume, em desmesura, aos dos anos 60. O que há de diferente nesta nova vaga gigante é a sua maior dispersão geográfica, e, sobretudo, a sua grande heterogeneidade – saem de todas as regiões do país, do campo e da cidade, os mais e menos qualificados, os mais ou menos jovens, os homens e as mulheres (estas sobretudo no grupo mais qualificado e ainda uma minoria, ao contrário do que acontece em outros países europeus – por exemplo, a Polónia). É uma fuga generalizada a um futuro sombrio., É uma catástrofe demográfica… Nunca se viu coisa igual…. De muito positivo neste processo, vejo, apenas, a escolha por muitos do mundo lusófono, com Angola em primeiro lugar ( serão já 100.000 os portugueses aí residentes) , e, em menor escala, o Brasil – para onde os movimentos tinham cessado, quase por completo, em meados do século XX, com a excepção do generoso acolhimento incondicional de todos os retornados África, em 1974 e 75 - Moçambique, ou até Cabo Verde e Macau. Há, também, muitos que continuam a escolher a Europa, ao abrigo do direito de livre circulação, com a ajuda de amigos, de parentes. Não podemos saber precisamente quantos, nem qual a sua situação. Há casos de autêntico “brain drain” de cientistas, engenheiros, médicos, arquitectos. Mas é cada vez mais difícil encontrar trabalho não o encontram na sua área de especialização e sentem-se frustrados ou explorados… - na Suiça, no Luxemburgo, na Alemanha, por todo o lado. A ameaça de suspender a liberdade de circulação, que é um dos pilares da construção europeia, é já notícia de jornal. A Europa dos valores e dos princípios parece estar em desagregação desagregação. 4. Que papel entende caber ao Estado português, no apoio a esses emigrantes? Defender, activamente, os seus direitos, onde quer que residam, manter o contacto com eles, ouvi-los, informa-los...Desde o 25 de Abril de 1974 que os emigrantes gozam, face à Constituição do direito à protecção do Estado – contra a tradição de circunscrever a acção dos poderes públicos em favor dos nacionais dentro do seu próprio território. A revolução de 74 veio, assim, substituir o “paradigma territorialista” pelo paradigma “personalista” , centrado no estatuto de direitos dos expatriados. Sucessivos governos delinearam, a partir de 1974, e até à década de 90, toda uma arquitectura institucional de suporte a políticas de informação, de apoio no domínio social e cultural, de negociação de acordos bilaterais, de parceria com o movimento associativo das comunidades. Logo em 1974 foi criada a Secretaria de Estado da Emigração, sedeada primeiro no Ministério do Trabalho, depois no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desenvolveu serviços próprios, incluindo um Instituto dotado de autonomia administrativa e financeira, delegações externas, em articulação com a rede consular, com os conselheiros sociais das Embaixadas. Ou seja, meios adequados, ainda que com orçamentos sempre modestos para a acção cultural externa, para o ensino da língua aos filhos dos emigrantes (um dever do Estado, expressamente consagrado na Constituição desde a revisão de 1982), para a assistência social. O enfoque prioritário era na Hoje, há, é certo, novas formas de contacto, as redes sociais, a RTPI, uma rede consular informatizada, um Secretário de Estado experiente e atento. Mas estas fortíssimas correntes migratórias, reclamam acompanhamento, conhecimento das situações concretas, informação, assistência, onde for precisa. No dia a dia. O que me parece exigir reforço de meios materiais e humanos e, onde for possível, um reforço das parcerias com o associativismo da emigração, que tão decisivo foi na integração de sucessivas vagas migratórias, nas Américas, na Europa, por todo o lado. 5. Para Portugal, a saída de nacionais implica sempre perda de população ativa. Que consequências, do ponto de vista económico e demográfico, se podem esperar, num futuro próximo, desta saída? Também deste ponto de vista a situação é assustadora. Os números são tremendos – o Secretário de Estado fala, com conhecimento de causa, em mais de 120.000 saídas por ano… Há o fundado receio de que os mais qualificados tenham partido definitivamente. Se assim é, isso representa uma perda irremediável para a economia nacional (embora Portugal possa recupera-los, lá fora, na Diáspora – do que, porém, não há certezas… - depende das relações que queiram manter entre eles e com o País). A predominância de uma emigração temporária, actualmente, faz do regresso dessa maioria uma questão de criação de oportunidades de emprego. Quando o volte face acontecer em Portugal, vamos possivelmente precisar de fazer apelo ao trabalho de estrangeiro,incluindo os mais qualificados, que serão indispensáveis para a modernização da economia, tanto quanto para o equilíbrio demográfico... De quantos? E quando? Quando, no interior desta Europa, enredada na teia das políticas de austeridade e de uma latente conflitualidade norte/sul ? Neste momento, o que mais há são interrogações…

outubro 13, 2016

CONGRESSO 2013

Lisboa, 24 out (Lusa) – Os portugueses têm “um défice enorme de espírito participativo, acomodam-se muito” e, por isso, a iniciativa das mulheres da diáspora deve ser valorizada, sublinhou hoje o secretário de Estado das Comunidades. Na sessão de abertura do encontro mundial das mulheres da diáspora, que decorre hoje e na sexta-feira, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, José Cesário destacou o papel das mulheres no associativismo. Defendendo uma “nova lógica de intervenção cívica das comunidades” para “renovar” o associativismo, que concilie “experiência e juventude”, o governante frisou que as mulheres têm um papel “absolutamente decisivo”. Ao mesmo tempo, o governante afirmou que o Governo tem como “objetivo estratégico” eliminar a “distinção entre os portugueses, independentemente de onde vivem e de terem ou não várias nacionalidades”. O secretário de Estado sublinhou o acolhimento do encontro na Sala dos Contadores do Palácio das Necessidades, normalmente reservada à receção de altos dignitários, para assegurar aos presentes que “este também é o ministério das comunidades portuguesas”. Apelando à iniciativa individual e das comunidades, José Cesário garantiu o apoio do Governo no que for necessário. “Portugal não é um pequeno país, é um grande país, fundamentalmente pelas pessoas”, disse. Na mesma sessão, Manuela Aguiar referiu-se à nova vaga de emigrantes portugueses, sublinhando que ainda é cedo para perceber se “deixam o país para trás ou levam o país consigo”, se “são resistentes ou desistentes”. O encontro mundial “Mulheres da diáspora - expressões femininas da cidadania”, organizado pela associação Mulher Migrante, aborda, entre hoje e sexta-feira, os temas da participação política, do empreendedorismo, do associativismo e da cultura do ponto de vista das comunidades emigrantes

outubro 01, 2016

Colóquio Paridade - programa

A “Lei da Paridade” estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais sejam compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos. Atingimos assim uma situação de paridade? Que percursos e que obstáculos? Que caminhos para a sua concretização? 14h30 – 15h30 moderadora | Ana Coucello _ Vice-Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres Ana Sofia Fernandes Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres Fernando Ruivo Director do Observatório do Poder Local do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia de Coimbra Manuela Aguiar Ex-Secretária de Estado da Emigração Maria de Belém Roseira Ex-responsável pela Pasta Ministerial para a Igualdade 15h30 – 16h00 Debate 16h00 – 16h20 Pausa saudável acção O dMpM, uma experiência integrada de intervenção para a mudança: acção positiva, mentoria, desenvolvimento de competências e empowerment para a intervenção cívica e política, projectos, trabalho em rede e para o mainstreaming de género e envolvimento dos rapazes na promoção da igualdade de género 16h20 – 17h30 moderadora | Sílvia Vermelho_ _ Presidente do Conselho Fiscal da REDE Teresa Oleiro & Dídia Duarte Ex-mentora & Ex-mentorada e Vice-Presidente da REDE Catarina Arnaut & Danielle Capella dMpM2 Porto & dMpM2 Lisboa Rui Machado Presidente da Associação Caboverdeana de Lisboa Tiago Soares Presidente do Conselho Nacional de Juventude Belkis Oliveira Presidente da Associação de Solidariedade Internacional 17h30 – 18h00 Debate 18h00 – 18h30 Sessão de Encerramento Marta Costa_ Vice-Presidente da REDE Elza Pais_ Presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género Laurentino Dias_ Secretário de Estado da Juventude e do Desporto

setembro 16, 2016

Boas tradições e maus costumes

(a propósito da praxe académica) A minha opinião sobre a "praxe" é, devo dizê-lo, influenciada pela experiência vivida na Universidade de Coimbra (1960/65), há mais de meio século. Como as regras vinham dos tempos em que a Academia era integralmente masculina, quando as primeiras mulheres ingressaram nas Faculdades houve que as integrar - embora tão marginalmente quanto possível. Antes do mais, trataram da feminização do traje. O equivalente encontrado à capa e batina foi a capa e um sóbrio mas feminino fato de saia e casaco. A única sanção a que as estudantes estavam sujeitas, na prática, tinha a ver com o uso incorreto desse traje - por exemplo, ousar uma blusa às riscas, ou uns sapatos brancos, coisa que não lembrava a ninguém. Uma outra significativa adaptação se impunha no dia da formatura: à saída do último exame, o novo doutor era cercado pelos amigos que, no meio de festiva algazarra, lhe rasgavam a batina. À nova doutora, se estivesse trajada a preceito, apenas cortavam, gentilmente, a gravata preta. Galantes formas de sexismo! A menos amável de que me recordo aconteceu no ano em que pus fitas. A pasta com as fitas só podia usar-se com capa e batina (ou fato). Contudo, sempre se abrira uma exceção para o baile de gala da "Queima", permitindo às (quase) doutoras comparecerem de vestido comprido e a pasta na mão. Nesse ano, porém, o todo poderoso "Conselho de veteranos" decidiu acabar com o privilégio e as estudantes tiveram de ir à gala sem as insígnias... Todas, menos uma: eu. Fui ao baile com a capa e o fato de todos os dias, e a pasta com as fitas vermelhas. A trupe de veteranos, que vigiava a porta principal (qual "polícia de costumes" do Irão ou da Arábia Saudita), quis, em vão barrar-me a entrada, assim evidenciando que estava em curso uma golpada misógina, mais do que a pura defesa da ortodoxia do traje. Não esperavam que uma só colega teimasse em aparecer com o fato praxisticamente certo, embora socialmente incorreto. Claro que eu destoava no salão de festas, entre as sedas e as rendas das minhas amigas, mas sentia-me bem na veste da feminista que resistira ao "diktat" dos "veteranos". Globalmente, aliás, nem tudo era mau na vivência das tradições coimbrãs: gostava do fado, das serenatas, das "latadas", dos cortejos da "Queima", do sobe e desce das ruelas mediavais da cidade. E divertia-me com os rituais que via como essencialmente lúdicos, com a irreverência, a graça e o entusiasmo de viver os anos de juventude, em alegre companhia, na senda dos feitos que Trindade Coelho registou na melhor crónica que jamais se escreveu sobre Coimbra ( "In illo tempore"). Gostava da minha capa (tão confortável, salvo num salão de dança) como símbolo de pertença a um universo de sã camaradagem e amizade. E, para tanto, não precisei de percorrer a via iniciática de praxes, contra as quais me revoltava, mesmo contra aquelas que teriam um sentido pedagógico - caso da proibição dos caloiros andaram sozinhos, à noite, pela cidade, que, supostamente, visava protegê-los da boémia e obrigá-los a estudar. A partir do sol posto, começava a caça aos caloiros... As "trupes" escondiam-se nas sombras das vielas e, de repente, cercavam as vítimas, num círculo de vultos negros do qual não escapavam sem tesouradas fatais nas cabeleiras (a única solução era irem, depois, ao barbeiro rapar o cabelo, uniformemente...) . Escapavam, porém, se tivessem "proteção" de uma senhora, com quem andassem de braço dado. A senhora podia, curiosamente, ser uma caloira! Eu própria "salvei" muitos colegas, dando-lhes, momentaneamente, o braço, mal pressentia a movimentação das sinistras trupes ... 2 - Voltei a Coimbra, para dar aulas na Faculdade de Direito, na década seguinte, em 1974, nas vésperas do 25 de abril, e lá fiquei durante dois anos de boa memória. Agitação havia bastante, no interior e exterior da universidade, mas não relacionada com a praxe, que fora totalmente abolida pelos ventos da Revolução, como vestígio do fascismo. Sei que o epíteto de "fascista" foi, então, utilizado a torto e a direito, mas neste domínio, por sinal, com alguma propriedade, porque há, nas hierarquias em que a praxe se organiza como corporação, nos ritos de obediência que impõe, cegamente, afinidades com o "ancien régime". O pós revolução era a altura ideal para repensar a praxe antiga, para separar o que ela continha de trigo e de joio. Infelizmente, veio a ser reinstalada com facetas incomparavelmente mais malignas, um pouco por todo o lado, em universidades sem passado, sem tradições próprias, onde constituem meros jogos de imitação - e jogos perigosos, reinventados com uma brutalidade sádica que fazem mortos e feridos. Se a prática continuada os converte em costumes, são certamente, maus costumes, quando não crimes. A proibição das praxes violentas é, a meu ver, um imperativo numa sociedade democrática. Muito bem anda o Ministro do Ensino Superior ao tomar posição neste sentido. 3 - A dificuldade maior, no que respeita à proibição, é traçar a fronteira entre ações livremente consentidas e lícitas, de caráter lúdico e o que é "bullying", comportamento degradante, indigno, criminoso. Por isso, para além da corajosa e lúcida intervenção do Ministro, uma outra boa notícia é o anúncio de uma investigação científica sobre a realidade atual do universo das praxes , no seio de uma universidade, em Lisboa. Espero que uma tal análise interdisciplinar, ampla e rigorosa, possa lançar nova luz sobre as sombras que envolvem a evolução do fenómeno. Maria Manuela Aguiar (publicado em "A Defesa de Espinho, 29 de setembro )

EM 5 GOVERNOS BREVES - olhar de relance (texto em revisão)

I - O GOVERNO MOTA PINTO (1978-79) Cinco governos a que pertenci, ao longo de cerca de sete anos. tudo somado. Breves... nenhum durou a legislatura. O primeiro tinha a particularidade de ser formado por independentes e era chefiado pelo Prof Mota Pinto - um dos chamados "governos de iniciativa presidencial". não menos constitucionais por isso. desde que o seu programa passasse no parlamento. O de Nobre da Costa foi objeto de uma moção de rejeição e caiu. O de Mota Pinto, não. Com eleições obrigatórias em Outubro de 1979, estava, de qualquer modo, destinado a durar cerca de um ano e foi ainda mais curto. Perante a ameaça de uma moção de rejeição, o Primeiro Ministro apresentou a demissão, simplificando o processo. Haveria, ainda, um terceiro governo nesta série, pois o Presidente Eanes decidiu designar uma outra personalidade para liderar um governo de três meses, cujo fim era apenas organizar eleições (embora tenha feito muito mais do que isso). E, corajosamente, designou uma mulher, Maria de Lurdes Pintasilgo. Depois dela, e já lá vão mais de 37 anos, não houve mais nenhuma. Os partidos continuam a ser, por cá, coutadas de homens. Thatcher e Pintasilgo, chegadas ao poder quase em simultâneo, fizeram história na Europa. Lideranças masculinas nos partidos, dão primeiros- ministros, no masculino, numa perfeita relação de causa e efeito. Em Portugal não surgirá tão cedo uma Theresa May... Quando me perguntam (perguntam frequentemente....) a razão porque escolhi a política, digo que não escolhi. Fui convidada pela circunstância de não pertencer a um partido - para onde vai quem quer fazer política. Entrei na aventura, que, como sabia, ia ser de curta duração, para marcar uma presença feminina num executivo quase 100% masculino, e por me ser difícil dizer "não" ao Primeiro Ministro, um amigo Coimbra, que admirava muito, e ao parceiro de equipa no Ministério do Trabalho, o João Padrão, um colega de curso (brilhantíssimo!). Hesitei. Ofereci-me como voluntária para a assessoria no seu gabinete, mas não consegui ser aceite nessa mais modesta, mas mais confortável posição (tinha prestado serviço nessa qualidade, desde os governos provisórios).Não queria ser chefe de ninguém, falta-me a paciência para esperar que outros façam, quando não fazem logo, logo. Enfim, não era essa a minha opção de vida - dar aulas na Faculdade ou pareceres num centro de estudos, na Provedoria de Justiça, fazia o meu ideal de presente e de futuro. Aí, melhor usaria o que a Universidade de Coimbra me ensinara, com tempo para o cinema, (quase todos os dias, pelas 18.00), o desporto nos fins de semana, as tertúlias de café. a música dos velhos discos de vinil. Em casa, tinha uma "governanta" maravilhosa, a Maria da Conceição Póvoas, que vinha de iguais funções, em casa de uma tia - avó. Ela e eu gostávamos muito de animais, partilhávamos os afetos de uma enorme cadela" serra d' Aire". Tinha visitas constantes da família e dos amigos do norte. Não me parecia que, na vida política houvesse lugar para tudo isso. Pior ainda, era a convicção de que o mundo do trabalho perderia uma executante suficientemente competente e o mundo da política não ganharia nada com a troca. À mistura com o receio de falhar havia, porém, uma boa dose de curiosidade de conhecer o "outro lado", o lado do "poder" - neste caso, muito relativo e garantidamente efémero. Foi, pois, por não saber dizer "não" que acabei Secretária de Estado do Trabalho. num Ministério que conhecia bem, Ali mesmo, no arranha-céus da Praça de Londres, no início de 1967. tomara posse como assistente do Centro de Estudos, cerca de um ano depois de ter terminado o curso de Direito, com a nacessária classificação (sem o que não teria entrada, pois a média de curso exigida era 16 valores - não bastava, como em Passárgada, ser amigo do rei...). Um lugar de boas memórias, onde tudo me era familiar, os assuntos, os problemas e até algumas das caras que via nos corredores. Apesar da mudança de regime, o que havia de bom no velho Ministério mantinha-se, a qualidade dos funcionários e dos serviços. Os dirigentes que tinham sido "saneados", em 1974, estavam já reintegrados por decisão do insuspeito Conselho da Revolução. Coube-nos dar-lhes colocação efetiva, pois os governos anteriores não o tinham feito - em funções técnicas, quase todos, para sua tranquilidade mais do que para a nossa, que estávamos ali para o combate, se fosse preciso. Quatro anos apenas depois da revolução, os gabinetes dos membros do governo eram pequenos, como mandava a lei - um chefe de gabinete, dois adjuntos, dois secretários, dois motoristas. E assim foi, enquanto estive nos Executivos, até 1987. Depois parece que as coisas foram mudando, com muitos e variados expedientes para recrutar "boys" e "girls", com vencimentos "à la carte", sem grandes limitações. Procurei compensar a minha falta de experiência com uma seleção de gente de superior qualidade. Um Conselho de "sages"... Resultou, pelo que recomendo a solução. Escolhi os dois adjuntos dentro da "casa" (uma mulher e um homem), trouxe para chefe de gabinete o Manuel Marcelino, colega do Serviço do Provedor de Justiça, uma sumidade na área do Direito Administrativo. As secretárias, formadas no ISLA, tinham longo "curriculum" de gabinetes. Uma equipa unida nos bons e maus momentos! E destes, houve alguns. Não tanto pelos conflitos sociais, negociações, greves... verdadeiros "braços de ferro", uma requisição civil, etc, etc. Com o "adversário exterior" lidávamos nós bem. Com o interno, nem tanto. Não foi sempre pacífico o relacionamento com o Ministro e o seu "staff". Vinham do sector privado, convencidos da sua incomparável eficácia. O ministro até era eficaz, muito melhor do que a "entourage" (ao contrário do que se podia dizer do meu, que, por sinal, era 100% "funcionalismo público"). A qualidade dos quadros do ministério acabou por convencer o Ministro Eusébio Marques de Carvalho - que fez lentamente a "estrada de Damasco" na Praça de Londres... Mais difícil de converter era o seu chefe de gabinete. Sempre se julgou o "chefe dos chefes de gabinete" dos Secretários de Estado. Ora não há vínculo hierárquico entre os gabinetes, embora haja entre o Ministro e cada um dos Secretários de Estado. Como explicar esta evidência a um homem que não acreditava nela? Foi impossível. Ingerência nos assuntos da "minha" gente eu não estava disposta a admitir - e não admiti. Dei inúmeras descompusturas ao senhor, que as ouvia, com resignação. Contudo, na primeira oportunidade, recomeçava a intrometer-se no trabalho do Marcelino. O João Padrão foi o maior obreiro da paz, naquele 16º andar da Praça de Londres! Era um homem encantador, com uns vivíssimos olhos azuis, um apurado sentido de humor e da relatividade das coisas. Muito inteligente, um diplomata e um grande amigo. Sempre que eu irrompia no seu gabinete, contíguo ao meu, a clamar contra um novo incidente e a ameaçar demitir-me, oferecia-me um café, desdramatizava, entre sorrisos e comentários divertidos, e, assim, em cinco minutos, reduzia a dimensão do caso e eu ia ficando. Era, essencialmente, uma questão de falta de "savoir faire" do reincidente, aliás, se não falasse, um homem agradável à vista, aparentemente um "gentleman". Como funcionária pública estava habituada a tratamento de excelência. Trabalhei sempre com "patrões" impecáveis, desde o Dr Cortez Pinto, educadíssimo ao Doutor António Silva Leal, um verdadeiro génio, que sabia de tudo (e muito de tudo, à maneira dos sábios medievais!), exuberantemente cordial, descontraído, sentava-se nas escadas do corredor, à nossa frente, a apertar os atilhos dos sapatos - "para que não tenham a tentação de me fazer ministro", explicava, entre duas sonoras gargalhadas. Depois da Revolução, na Universidade de Coimbra (onde tomei posse a 24 de abril), o Boaventura Sousa Santos, o Doutor Rui de Alarcão, o Doutor Mota Pinto. Em Lisboa, no Governo, Rui Machete, na Provedoria de Justiça, o Coronel Costa Braz, em meados de 1976, e, poucos meses depois, tendo ido o Coronel para o Governo, organizar eleições livres, o incomparável Dr José Magalhães Godinho - que foi, para mim, o último tio republicano, o mais próximo e o mais querido de todos. (Dos outros tios, os da família, não recordo conversas de teor histórico, porque era criança). O mesmo não diria do estilo "impaciente" de Eusébio Marques de Carvalho, tal como eu, em 78/79, "estreante" em lides governativas. Acabou por me influenciar mais do que todos os antigos e tão estimados "patrões", talvez porque as funções exigissem um determinado perfil mais executivo. O dele tornou-se. em verdadeiro "role model", nos anos que se seguiram... Por um espontâneo mimetismo, dei por mim a tomar decisões rápidas e a exigir execução pronta. Com o que, sem que fosse esse o meu objectivo, se construiu a imagem que dei para o exterior de "dama de ferro", à imagem daquele "homem de ferro". Imagem mais ou menos positiva, segundo a perspectiva do observador... Mas a ela devo, com certeza, o convite seguinte, para a pasta da Emigração. O tempo era de guerra, de afrontamento e contraditório, na aprendizagem da democracia. No MNE, guerra aberta com o Presidente. Numa das primeiras conversas com o Doutor Freitas do Amaral, no Palácio das Necessiidades, disse-lhe que já se murmurava pelos corredores que eu ía mudar tudo, que não deixaria "pedra sobre pedra". Ao que ele me respondeu que não me preocupasse, porque era um tipo de fama que não prejudicava a acção concreta. Talvez fosse "mais a fama do que o proveito", mas é verdade que parti para a inovação possível, embora mantendo tudo o que encontrei bem, nas práticas ou nas pessoas. Trabalhara os anos suficientes na função pública, ou com a função pública, para acreditar, até prova em contrário, que as pessoas estão nos seus postos para cumprirem as suas tarefas e não para fazerem espionagem ou contra-vapor, a mando de um partido, se o tiverem. Suportei, logo na primeira experiência governativa, uma enorme pressão para despedir uma secretária, a Ana, que tinha transitado do gabinete do meu antecessor, supostamente comunista. Era oriunda do quadro da Presidência do Conselho de Ministros e tinha-me sido recomendada pelo Secretário de Estado, Doutor Xavier de Basto, como muito competente. "Durante duas semanas fez de chefe de gabinete e de secretária, foi formidável, mas agora chegaram as pessoas que eu já tinha convidado e não tenho vaga para ela", dizia-me ele. (ali no alto da presidência do governo, também tinha de respeitar os limites quadro legal). "Ela conhece bem esse ministério, secretariou o seu antecessor". "Isso é que é pior" - respondi - "o Ministro não quer, por perto, ninguém dos anteriores gabinetes". O sigilo e a confidencialidade eram importantes, ali, onde se esperava conflitualidade, que veio a verificar-se. Contudo, como o meu amigo e professor de Coimbra, um homem particularmente perspicaz, a recomendava, contratei-a, de imediato. Mas, pouco depois, alguém a denunciou e foi-me sugerido o seu imediato despedimento. Recusei a sugestão, apesar do Ministro me prevenir, muito irritado: "No meu gabinete e no do Secretário de Estado do Emprego toda a gente é de absoluta confiança. Se houver uma fuga de informação é do seu gabinete. "Com certeza! Não vai haver problema!", tranquilizei-o. Isto é, não devo ter tranquilizado, mas, provou-se que tinha razão. Fuga de informação foi coisa que não houve. Nem o Ministro nem mais ninguém jamais suspeitou que a Ana também tinha sido secretária e tradutora do Vasco Gonçalves. Imagino a reação, se descobrissem isso... Eu sabia que ela era simplesmente dos quadros da Presidência, muito eficiente e despachada, completamente a leste das contendas políticas, que pouco a interessavam. Foi convidada por essa boa razão. Nunca fiz nomeações de pessoal vindo das profundezas dos partidos, nem para chefias de departamentos, nem para o gabinete. A excepção terá sido um ou outro caso, fora de Lisboa, onde não conhecia alternativa aos nomes que me indicavam. A paridade de género foi uma preocupação constante. Tive a sorte de encontrar, no fundo de uma gaveta, um anteprojeto enviado ao Ministério do Trabalho pela Condição da Igualdade e dei-lhe sequência imediata. Nomeei uma comissão, presidida por um homem (justamente para contrariar a ideia de que os homens não se devem preocupar com as chamadas "questões femininas", que são questões de direitos humanos, Escolhi, claro, o homem certo, João Caupers, grande jurista, bem pensante e capaz de cumprir prazos curtos, o que aconteceu, depois de terem ouvido sido ouvidas todas as entidades de uma longa lista de consultas, em primeira linha, sindicatos e associações patronais. E, assim, nasceu a CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego). inspirada no "Ombudsman para igualdade" da Suécia e na trave- mestra da legislação sueca, que é o de assegurar, "em condições iguais, preferência ao sexo sub-representado na profissão". Aqui ainda não era possível ir tão longe. Assim mesmo, como surgiu, a CITE, com a sua composição tripartida (governo, sindicatos, associações patronais) foi, na altura, considerada "avant-garde", em termos de direito comparado. O projeto foi integrado, por vontade do Ministro (que nunca levantou obstáculo a estas minhas iniciativas), num muito mais vasto "pacote laboral". O governo caiu antes da sua promulgação e o seguinte, de Maria de Lurdes Pintasilgo, decidiu vetar o pacote, globalmente. Não desisti, falei com o meu sucessor, Ribeiro Ferreira, um dissidente do PPD - dissidência aparte, um político muito simpático, que eu conhecia do gabinete de Rui Machete - expliquei-lhe a singularidade do projecto, ele compreendeu a sua importância e tudo fez para o salvar . Conseguiu - o decreto-lei foi promulgado em pleno mandato de Pintasilgo, ainda com a assinatura de Mota Pinto. Todavia, nem todas as batalhas "feministas" foram ganhas. Foi impossível evitar Portarias de Regulamentação de Trabalho (PRT's), com salários de enorme disparidade para tarefas definidas como masculinas ou femininas. Esbarrei na oposição dos sindicatos, para além da dos patrões. Nada fácil, mas concretizada, foi a nomeação da primeira mulher para chefiar uma delegação distrital do Ministério do Trabalho (em Aveiro) e das primeiras mulheres Inspectoras do Trabalho, várias, de uma assentada. Encontrei algumas delas, anos e anos depois, numa vista que fizeram à Assembleia da República, talvez para participarem nalguma audição, não me recordo das circunstâncias. Procuraram-me para me dar notícias sobre as suas carreiras. A que vinha à frente disse-me logo: "Sabe, sou uma daquelas primeiras inspectoras, que nomeou". Estava em rota ascendente na carreira. Pelo visto, o Inspector-Geral, que era um juiz de carreira, não quis ser apenas condescendente com o poder político (feminino), velou, e muito bem, pala qualidade das escolhas. Isso, realmente, foi mérito dele, não interferi no processo. Gostei de as conhecer, quase uma década depois - O IV Governo fora tão breve, que não tinha tido essa oportunidade em 1979. A verdade é que às mulheres pioneiras se exige, quase sempre, mais do que aos homens, e que, para se moverem na política, elas têm, em regra, menos à-vontade do que eles. Eu contava-me na regra. Providencialmente, as funções de Secretário de Estado do Trabalho não tinham grande visibilidade mediática. Quem estava sempre em cena era o Ministro - situação ideal, porque eu preferia o trabalho de gabinete, detestava falar em público e dar entrevistas. Das poucas intervenções públicas a que não escapei, algumas incidiram sobre trabalho feminino. As audiências ficavam, por vezes, perplexas com o discurso da Secretária de Estado, que se assumia como "feminista" naquele particular governo, conotado à direita. Mas eu, crente e praticante do "verdadeiro feminismo", tal como o definia Ana de Castro Osório (nele abrangendo os homens bem formados e sensatos, preocupados com a valorização da metade discriminada da humanidade) passei, naturalmente, à acção concreta, com inteiro aplauso do Ministro, e do Primeiro Ministro, que, de mim, não esperava outra coisa. Dos "media" mantive distância máxima, com uma só entrevista grande, dada ao jornal "A Bola", sobre o caso mais escaldante, ou, pelo menos, mais badalado que me passou pelas mãos, a transferência de jogadores de futebol para o estrangeiro. Contra tudo e contra todos, autorizei a saída, sem restrições, por uma pura questão de princípios - no caso concreto, o princípio de liberdade de circulação. Considerava inconstitucional a PRT, que impedia a contratação para o estrangeiro dos jovens, que não tivessem um mínimo de idade e uma permanência de, pelo menos, três anos no mesmo clube. A meu ver, esta última exigência violava o "direito à emigração" de cidadãos, que eram jogadores de futebol, sem deixarem de ser cidadãos como os outros. Ora, se, por exemplo, um atleta fosse mudando de clube, dentro do país, não permanecendo em nenhum deles por aquele período de três anos, nunca poderia exercer a profissão fora de fronteiras. Foi o fim do mundo!...Uma espécie de antecipação da doutrina, mais tarde, estabelecida sobre o caso Bosman. Os jovens que beneficiaram da minha interpretação jurídica, eram, por acaso, do SCP, que vendeu os passes a um clube americano de Boston (os Tea Men?) por somas à época extraordinárias. O Keita, o Jordão e outros. Felizmente, não eram do meu clube. O FCP até estava contra, o Benfica também. Diziam os especialistas que tal abertura iria pôr em causa o futuro do futebol nacional. O despacho era conjunto com o Secretário de Estado do Desporto, mas eu mantive-me irredutível, com os meus argumentos juridico-constitucionais, e ele assinou, ainda que contrariado . E o caos, que se anunciava, não aconteceu. O Ministro deixou-me fazer a revolução, sem se intrometer. Era um desportista - corria todas as manhãs, antes do pequeno almoço - mas não creio que fosse um entusiasta de futebol. Deve ter gostado que eu fizesse frente à pressão dos poderosos do futebol. Era "linha dura" e muito corajoso. Teve, nomeadamente, a coragem de aceitar na sua equipa, na pasta do Trabalho, uma mulher, o que então surpreendia, mesmo na Europa mais progressista. Estive em duas ou três reuniões internacionais e os interlocutores perguntavam, invariavelmente: "É Secretária de Estado do Trabalho Feminino?". Quando respondia: "Não. Do Trabalho, globalmente", manifestavam espanto: "Tem a negociação com os sindicatos?" Confirmava e estranhava a estranheza deles, porque problema com os sindicatos pelo, facto de ser mulher, foi coisa que não aconteceu. Houve muitas greves em sectores chave - como o sector portuário, as comunicações... . mas contendiam com o patronato, ou com o governo, sendo para o caso indiferente que no governo estivessem homens ou mulheres. Mesmo sem querer e sem fazer nada demais - apenas o que era minha função, à frente de excelentes negociadores dos serviços do Ministério - ganhei uma aura de "resistente".. Apercebi-me de que tinha essa fama na primeira conversa com o Dr. Sá Carneiro. Quando argumentava que o pelouro da emigração era para especialmente difícil para mim, contrapôs: "Mas a Srª Drª foi Secretária de Estado do Trabalho!" (o tom era de quem considerava que aí residia um expoente máximo de dificuldade). Parece-me que achou que eu fazia humor, quando retorqui: "Oh, Não! Isso não foi nada de complexo! Lidava com questões jurídicas e técnicas, despachava tudo rapidamente, deixava a secretária livre de papéis ao fim do dia.". Era verdade. A política do governo era clara, não havia que enganar na hora da decisão. Os processos vinham bem instruídos. O Chefe de Gabinete escrutinava cada palavra, na dúvida os adjuntos, especialistas de Direito do Trabalho, davam parecer, avaliávamos em conjunto os dossiers mais controvertidos. Óbvio, a responsabilidade política era minha. Quando havia que falar aos "media", o Ministro lá estava, sempre pronto a isso. O que mais poderia eu desejar? Sá Carneiro, ao contrário de Mota Pinto, não me conhecia pessoalmente, não sabia da minha aversão a falar de improviso, para plateias, para jornalistas. Era óbvio que a pasta da Emigração obrigaria a isso, constantemente. E a viagens, também - e eu tinha medo de andar de avião. Bem! Aprendi que tudo isso só custa a primeira vez. A segunda já é rotina. Sem o meu feminismo, não teria havido uma primeira vez, para mim, na política, Protestava tanto contra a ausência de mulheres nos Governos, que não pude recuar, quando eu própria era convidada o cargo. Realmente, nesse tempo, mulheres no Governo eram raridade (antes, com Caetano,apenas uma Subsecretária de Estado, no domínio da assistência, Maria Teresa Lobo). Pintasilgo foi Ministra dos Assuntos Sociais nos Governos Provisórios. Maria de Lurdes Belchior, ocupou a pasta da Cultura, já não sei em que governo. Com Pintasilgo, Primeira-Ministra esteve Teresa Santa Clara Gomes... fez mais convites, que foram recusados, Vinham todas de fora dos partidos, das estruturas onde o poder se enraíza. O argumento usado comigo, em 78, foi poderoso: uma recusa deixaria o executivo sem rostos femininos... Um argumento de peso. Outro era a personalidade de Mota Pinto, um político diferente, que avançava com um sentido de missão - não só no discurso, mas na realidade - o primeiro declaradamente "não socialista" depois da revolução de 74. O ter resistido às pressões "da rua" (como então se dizia), o ter conseguido "governar", com firmeza, ainda que apenas durante nove meses, foi um grande passo na história pós revolução. Não há democracia sem a possibilidade concreta e concretizada de viragem, como a que Mota Pinto representou. Sá Carneiro haveria de salientar justamente a importância matricial da alternância democrática, no discurso de tomada de posse, reivindicando para o seu governo o título de primeiro governo de alternativa saído do sufrágio popular. O que era exacto, já que o de Mota Pinto, que fora anterior não resultara directamente do voto, mas de nomeação presidencial. Acredito, porém, que sem a experiência vivida ("ver para crer"...) que Mota Pinto protagonizou, a maioria do povo português não teria arriscado dar a vitória, aliás muito estreita, à AD, em fins de 1979. Os Ministros e Secretários de Estado do Prof Mota Pinto eram, quase todos, independentes da área social-democrata e seriam chamados para o Executivo da AD. Fui um caso, entre outros. A única mulher, óbviamente. E, por impulso, filiei-me no partido, que era ideologicamente o meu, tornando-me, assim, a primeira militante do PSD a integrar um Governo da República Portuguesa. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- II O GOVERNO SÁ CARNEIRO (1980) Não conhecia pessoalmente Sá Carneiro até ao dia em que me convidou para Secretária de Estado da Emigração. Fui ao seu encontro às cinco em ponto de uma tarde do início de Janeiro de 1980. Cheguei um minuto antes, recebeu-me no minuto seguinte. Pontualíssimo, pelo que sempre me era dado ver: primeira impressão favorável, porque também sou. Veio à porta do gabinete receber-me, sorrindo: segunda nota favorável, porque sou adepta de "boas maneiras". Reparei no olhar intenso (intenso era o primeiro adjectivo que usaria para o descrever). A conversa foi inesperada. Para ambos, suponho. Para mim, certamente. Senti-me tão à vontade, que falei com ele como se o conhecesse há muito, como se fosse um dos velhos amigos de Coimbra. Sá Carneiro sempre cordial e bem-disposto - gostava, obviamente, de receber respostas do género "não, não posso ir para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, porque ando sempre mal penteada e mal vestida". O que era visível, apesar do levar um casaco de peles, emprestado pela Branca Amaral. Tinha sido chamada por Sá Carneiro horas antes, sem tempo para ir a casa mudar de fato e estava com um casacão de tweed inglês, velho e "démodé"...). Com isso não se ralou, só quis foi saber se falava línguas, francês e inglês. Senso comum e pragmatismo, outras qualidades suas, que nem sempre possuem os líderes políticos. A certa altura, chamou à reunião o Ministro Freitas do Amaral, que, como Vice-Primeiro Ministro, tinha gabinete na Gomes Teixeira. Iria a trabalhar directamente com ele, na veste de MNE, no Palácio das Necessidades. A três, o tom do diálogo não sofreu alteração - mais parecia uma tertúlia! O Doutor Freitas do Amaral mostrava-se, igualmente, muito sorridente. Gostei dele, de imediato. E não é dizer pouco, porque como político, até então, não era propriamente um dos favoritos... Passaria a se-lo, ao longo desse ano, que foi o mais feliz da minha vida! Despedi-me de Sá Carneiro, com frases semelhantes às que tinham animado os momentos antecedentes: "Senhor Primeiro Ministro, por si faço tudo: vou de escadote colar o seu “poster” nas paredes. Vou de balde e pá pintar AD nas ruas. Tudo, menos ser Secretária de Estado! Deu-me o prazo de 24 horas, para decidir. Dali, fui, de imediato, pedir conselho ao Doutor Mota Pinto (pelo telefone, porque ele estava em Coimbra, não havia outra hipótese). Encorajou-me a aceitar. Depois, combinei um jantar com Rui Machete, que tinha sido responsável pela mesma Secretaria de Estado, por uns meses, antes de se tornar Ministro dos Assuntos Sociais, ainda nos governos "provisórios". Colaborei nesse seu gabinete, quando dava aulas em Coimbra, e de lá saí, por sua indicação, para assessorar o Provedor de Justiça, na área da segurança social. Um e outro - mais a Branca Amaral, cunhada do Rui e minha colega na Provedoria, que se juntou a nós ao jantar - me incitaram a avançar. Assim fiz, no dia seguinte, não sem repetir ao Dr Sá Carneiro que não me considerava à altura do cargo. Para que não restasse dúvida! Respondeu-me que não me preocupasse, porque assumia, por inteiro, a responsabilidade pela sua escolha. Penso que se apercebeu de que eu "queria e não queria" envolver-me naquelas tarefas, que estava interessada, mas insegura. Acompanhou de perto as minhas primeiras semanas de trabalho, com um apoio constante. Foi extraordinário! Telefonava-me para me dar informação sobre casos concretos de emigração, para me dizer como esta ou aquela das minhas iniciativas tinha resultado bem... Pretextos para me dar ânimo -e dava. Gastou comigo algum do seu tempo tão ocupado de primeiro-ministro, até ter a certeza de que estava à vontade... Pormenor significativo: não se servia, como é costume, de secretárias para mediarem as chamadas, ligava directamente para mim, e, às vezes, enganava-se no número directo e pedia às minhas secretárias para me passarem o telefone. Imagine-se a excitação delas, que tinham andado de gabinete em gabinete, ao longo de anos, sem nunca ouvirem a voz de políticos famosos, através do fio. Exemplo único e irrepetível. Um Sá Carneiro bem diferente do que preferem traçar para a história, muitos dos seus biógrafos. É o caso paradigmático de Miguel Pinheiro, que até começa bem mas acaba mal... Lamentável, porque recolheu larga bibliografia, e ouviu muita gente. Talvez gente demais - uma super abundância dos que perderam, no interior da "Nação PPD", todas as batalhas contra Sá Carneiro. Bem melhor é o texto de Maria João Avillez, numa neutralidade mais conseguida, face ao carisma do personagem. Ou José Miguel Júdice, que lhe era mais próximo. Júdice, a quem uma vez, num colóquio, ouvi dizer que Mota Pinto, à frente do IV governo Constitucional, foi uma espécie de São João Baptista, que anunciou aquele que havia de vir. Disse para comigo: "Il y a du vrai". Vi sempre Sá Carneiro, acima de tudo, empenhado em levar o país para patamares mais altos, acreditando que isso era possível, de imediato, sem períodos de transição. Caminhava em linha recta para os objectivos, vertiginosamente. Para mim, ele foi o “anti-Salazar” por excelência, na medida em que confiava tanto quanto o ditador desconfiava da capacidade dos portugueses para viverem em democracia, como os outros europeus do Ocidente. Toda a sua pressa, e o que chamavam perigoso “radicalismo” ou teimosia, eram a manifestação da vontade de pôr o sistema a funcionar democraticamente, sem tutelas militares ou outras, aceitando todos os riscos ".. No domínio particular da emigração, como no conjunto da governação, considerava essencial o fortalecimento da sociedade civil, o diálogo. Manifestação da ideia personalista, que animava o seu pensamento e que foi prática do seu percurso político. A criação de uma Assembleia ou Conselho de representantes das comunidades do estrangeiro era a grande novidade do programa da AD. O Conselho das Comunidades Portugueses (CCP) era, de algum modo inspirado no modelo francês, tal como os que, alguns anos depois do nosso, vieram a surgir na Itália e na Espanha, e, bastante mais tarde, na Grécia. Um órgão de representação específica dos emigrantes, destinado a completar a representação na Assembleia da República (então e ainda hoje apenas quatro deputados, eleitos nos dois círculos da emigração). No meu gabinete, toda a prioridade foi concedida à feitura do diploma, com a ajuda de deputados da emigração, sobretudo o Zé Gama, e de diplomatas, sobretudo o do Brasil, Embaixador Menezes Rosa. Foi ele mesmo que tomou a iniciativa de vir a Lisboa falar comigo. Quando viu o primeiro esboço de diploma ( que foi preparado pela Fernanda Agria e pelo Eduardo Costa, ambos excelentes juristas, que tinham sido meus colegas no Centro de Estudos, e por mim própria, os três felizes por nos vermos a preparar textos legislativos em "petit comité", como nos velhos tempos), considerou que não se adaptava a países onde o movimento associativo estava federado, realidade que, segundo ele, devia impor-se, quando da constituição do colégio eleitoral para o CCP. Objeção pertinente, a que outras se seguiram, porque o Embaixador foi solicitado para parecer, muitas vezes. Houve outros, mas não diretamente os dirigentes associativos, porque havia pressa (o CCP era a prioridade absoluta). Essa falta seria compensada com a consulta aos Conselheiros logo na primeira reunião, com vista a uma revisão legislativa conforme ao parecer da maioria. Os seja, o Decreto- Lei visava mais do que a consulta prévia, queria ser o instrumento de apelo à co-participação no processo legislativo e na construção fática da instituição. Estabelecia as regras para a eleição do órgão consultivo,delineava as suas funções principais, para pôr nas mãos dos eleitos aquelas tarefas fundamentais. Uma originalidade, sem dúvida. Durante os meses de janeiro e fevereiro a vida do meu gabinete esteve muito centrada no CCP. Depois de cumprir as formalidades de circulação entre os membros do executivo, depois de se ter respondido a várias sugestões e propostas de alteração, o texto final foi aprovado em Conselho de Ministros no dia 1 de Abril, na tentativa de realizar a primeira reunião no verão desse ano.. Porém, de Belém, tardava a promulgação. Em boa verdade, não se esperaria outra coisa. O Presidente da República General Ramalho Eanes aplicou-lhe o "veto de bolso" ao longo de cinco meses, só o promulgando em 12 de Setembro Foi a resposta natural ao facto de o Governo ter adiado o "Congresso das Comunidades", integrado nas comemorações camonianas cuja preparação estava em curso e a cargo de uma comissão constituída durante o Governo Pintasilgo e presidida por Vítor Alves. Camões ficou sem celebrações nacionais (mais e melhor foi lembrado no Brasil...) e Vítor Alves sem o Congresso que seria realizado por ocasião do 10 de junho de 1981, sob a presidência de um militante do CDS, coadjuvado (bastante mal, diga-se) por um secretário-geral do PSD, um sindicalista chamado Cabecinha, No esquema de Pintasilgo, ao Congresso se seguiria a institucionalização de novas formas de representação dos emigrantes. O Governo da AD avançava na mesma direção com um CCP formado por líderes associativos, à semelhança do "Conséil" francês, que, sendo pioneiro, serviu de modelo a todos os que vieram a surgir na Europa (o português, anos depois o italiano e o espanhol, muito mais tarde, o grego) Com as eleições legislativas em Outubro, e as presidenciais em Dezembro, tornava-se impraticável convocar o Conselho, de imediato .Ficou adiado para 1981, antecedendo em dois meses o também adiado Congresso das Comunidades. Entre as duas iniciativas não houve, porém, qualquer articulação, coisa verdadeiramente insólita, que se explica por ter sido marginalizada na preparação do Congresso, não só a Secretária de Estado, pessoa concreta, mas, o que é inexplicável, os serviços da Secretaria de Estado (embora não a rede diplomática e consular, lá fora, onde era preciso apoio para as reuniões preparatórias - de qualquer forma essa rede dependia diretamente do Ministro).Esta situação aberrante era impensável sob a liderança de Sá Carneiro e Freitas do Amaral, mas de 81 em diante, perdera-se toda a coesão da equipa, toda a dinâmica e harmonia que haviam reinado na AD (não me digam que as coligações partidárias não dependem essencialmente do entendimento pessoal entre os líderes, porque a minha experiência, o que os meus olhos viram, provou-me o contrário). Mesmo sem CCP (que teve de ser anunciado não como feito mas como projeto) 1980 foi um ano prodigioso. Sá Carneiro definia Portugal como “Nação de Comunidades" - mais uma “cultura” do que uma organização rígida, mais Povo do que território (são expresões dele, que me são, por vezes, atribuídas, só porque as repeti ao longo dos anos, citando-o sempre, é claro). Dizia que era preciso ajustar o Estado à medida da Nação, estabelecer a igualdade de direitos políticos entre residentes e não residentes dentro de fronteiras, privilegiar os laços de sangue, a ligação indestrutível dos expatriados ao país,apelar às segundas gerações, promover a sua participação real na vida coletiva. A chamada "lei. da dupla nacionalidade", a mobilização para o recenseamento eleitoral, a revisão das leis eleitorais discriminatórias, o reencontro pelo diálogo, não só com a emigração europeia, mas com a transoceânica, que, então, andava muito esquecida e era marginalizada nos programas da Secretaria de Estado, em todas as formas de apoio social e cultural e de cooperação com o movimento associativo, que era, neste contexto, uma prioridade. Uma coisa são emigrantes portugueses isolados, imersos numa sociedade estrangeira, outra são comunidades orgânicas, com a força das suas organizações e iniciativas culturais, que dão visibilidade ao país e um testemunho da sua presença. Foi em relação a esta realidade a que muitos chama "Diáspora" que a política deste Governo foi mais inovadora - até então tínhamos política de emigração, com o enfoque prioritário na vertente sócio-laboral e económica, mas as comunidades de cultura portuguesa andavam esquecidas, desde que o Prof Adriano Moreira as convocara para dois grandiosos Congressos Mundiais, em 1964 e 1967. A aproximação à "Diáspora" começara e ser feita, após o 25 de abril, nas comemorações do 10 de junho, promovidas pelo Presidente da República, mas o programa da AD era o primeiro a tratar em capítulos diversos as políticas de emigração e as políticas para as comunidades, através da institucionalização do diálogo com o movimento associativo e o acento posto nas questões culturais. Tal com eu as via, políticas de reencontro dos dois Portugais, que vivem um dentro e o outro fora do território, norteadas pela ideia da igualdade. Igualdade, também entre as emigrações, a mais antiga e a mais recente, a mais próxima e a mais distante, ou seja, entre a europeia e a transoceânica. Em Março fiz a minha primeira visita ao serviço dessa ideia. Comecei, naturalmente, pelas que ficam do outro lado do Atlântico: primeiro os EUA e o Canadá, de costa a costa. Mais de 20 dias, mais de 20 hotéis, de cidades, dezenas de associações, de paróquias, de escolas, de longos debates públicos, de entrevistas, de conferências de imprensa... Que tirocínio, para quem não gostava de exposição pública! Seguiu-se, em abril, a América do Sul, Brasil (de Manaus ao Rio Grande do Sul, com os seus grandiosos Gabinetes Portugueses de Leitura, Beneficências, Hospitais, Clubes desportivos, tudo à dimensão da grandeza do próprio país), Argentina (mais uma surpresa, os seus dinâmicos clubes) - . Depois, a Europa - França, Alemanha, Inglaterra, Ilhas do Canal, Luxemburgo, Bégica. O 10 de junho em Caracas, no monumental Centro Português, ainda na última fase de construção. Em agosto, obviamente, fiquei no país cheio de emigrantes e não parei um minuto, em colóquios e em festividades, de norte a sul - sobretudo a norte, no Minho e em Trás-os- Montes, de onde vinham, todos os fins de semana, os convites mais insistentes. Em Setembro, foi a vez do sul da África, de Capetown a Harare, M'Babane e Manzini. Nas viagens à América do Norte e à África, o José Gama, deputado do CDS, fez-me companhia - um precioso apoio, porque ele conhecia bem essas comunidades. Era uma simpatia e um orador excecional. Falava sempre, como manda o protocolo antes de mim, e deixava as audiências empolgadas, às vezes em lágrimas. E eu tinha bem a consciência de ficar longe do seu patamar, com um discurso comparativamente "chato", enumerando os diplomas que tínhamos em carteira, a Lei da nacionalidade, o livre acesso dos jovens às universidades,o CCP, o aumento da representação política, os intercâmbios culturais. Tudo dito num tom coloquial. De qualquer modo, as pessoas aceitavam-nos como éramos, guardo desta movimentação incessante boas recordações da hospitalidade lusa e dos contactos com os meus homólogos, e outras autoridades. Os encontros bilaterais eram, evidentemente, preparados pelos nossos diplomatas - e de forma muito dissemelhante: Em Ottawa, o Embaixador Góis Figueira organizou uma verdadeira cimeira, quase um dia inteiro de contactos com Ministros - Axworthy, que reencontraria, anos depois, no Conselho da Europa. mais dois membros do Governo, que não voltei a ver, e uma dezena de altos funcionários públicos das áreas da imigração, segurança social, cultura, Pelo meio, um almoço oferecido pela parte canadiana. Voltei à capital do Canada muitas vezes, mas nunca mais um diplomata português mostrou esta capacidade de interlocução com as autoridades do país. Nota 20... Em Toronto, fui recebida pelo Primeiro-Ministro do Ontário, pelo Mayor. Em Montreal pelo célebre Maire Drapeau, que convidou De Gaulle a falar na varanda, de onde este soltou o seu o grito de guerra "Vive le Quebec libre!", após o que foi convidado a regressar, prontamente a Paris. Em Conneticut, o Governador do Estado, os "mayors" das principais cidades - a aí fiquei a saber que há cônsules honorários com muito mais influência na sua área do que os de carreira. Era o caso do Dr Seabra da Veiga, uma sumidade como médico-cirurgião e professor, mais famoso no meio político e social americano do que na terra de origem , que, tal com a mulher Rita veiga, se tornariam meus grandes amigos.. Em Rhode Island, encontrei a primeira Cônsul, Anabela. Impressionou muito pela sua desenvoltura e espírito prático. Em vez de uma "limousine" levou numa espécie de grande "jeep", colocando toda a nossa bagagem atrás, porque à noite já tínhamos hotel e programa de encontros no vizinho Estado de Massachussets, mas em Providence cumprimos uma agenda cheia - audiência com o governador, receção oficial na Assembleia Legislativa, almoço com o primeiro eleito portugês, o Senador Castro, um homem muito alto e forte, jovial, caloroso. Em Boston e Harvard, acrescentámos aos contactos oficiais, visitas às Universidades, Em Brasília, as receções oficiais foram múltiplas, sempre marcadas pelo "charme" brasileiro - com ministros, congressistas, muito interesse dos "media".Em 1980, não havia praticamente, mulheres na política nacional e o exemplo que Portugal dava comigo causou sensação e fez notícia. Quem diria que, tão pouco tempo depois, o Brasil no ultrapassria, meteoricamente. com uma Presidenta, Governadoras e Prefeitas, nos principais Estados, congressistas (nota curiosa, a nível estadual, por onde começou a imparável ascensão feminina, as pioneiras foram imigrantes de nacionalidade portuguesa, ao abrigo do "tratado de Igualdade": a atriz Ruth Escobar, deputada na Assembleia do Estado de São Paulo e a médica Manuela Santos, Secretária Estadual do Governo do Estado do Rio de Janeiro).Na Venezuela, foram insignificantes os contactos oficiais durante a primeira visita, acantonada à emigração portuguesa por um embaixador político e pouco simpatizante com a AD, mas, felizmente, passei por Caracas, de novo, nas férias desse sonho, e o Encarregado de Negócio, Rosa Lã, supriu todas as omissões. Um dos muito encontros bilaterais, com o Vice-Ministro do Interior, Aristigueta- Gramco foi de crucial importância para a legalização de portugueses (maciça, mas muito discreta - a condição era mesmo essa, não a divulgar - 36 anos depois, posso, enfim,, falar disto... Na Argentina, também tive um "rendez-vous" com um simpático colega, na França, idem, com Stoléru, que não era, propriamente muito efusivo, nem muito aberto a justas concessões. na Alemanha, com interlocutores governamentais, por sinal, mais sensíveis às boas provas aí dadas pelos trabalhadores portugueses (os alemães são facilmente convencidos por factos e números, e a nossa Embaixada, sabendo isso, preparou "dossiers" convincentes, baseados em estatísticas alemãs. No Luxemburgo, a receção do governo foi fraterna, começando po. Jean Claude Juncker, até hoje meu amigo, e mais importante do que isso, um amigo dos portugueses. E até na África do Sul, as reuniões fora um sucesso - Sá Carneiro, em negociações com o Governo de então, só as permitia a um membro do seu governo - o responsável pela emigração. Sou muito direta, e, sempre que o ambiente o permite, informal e, por isso, as coisas correm particularmente bem, com políticos nórdicos, germânicos, "boers", que são mito diretos também e olham as mesuras e os floreados latinos com reserva. Ainda hoje recordo o espanto do Embaixador Coutinho a ver-me em discurso, para usar uma expressão do povo, "pão, pão, queijo, queijo", sobre problemas da nossa comunidade, com a melhor das recetividades... O meu interlocutor no governo era o Vice-Ministro Kotze, um homem enorme,de porte austero que me esperava, cortezmente, na sala VIP do aeroporto e se foi tornando mais e mais simpático à medida que a conversa fluía. À hora do almoço, que ofereceu à comitiva portuguesa (diplomatas, eu e uma adjunta, que era a minha única acompanhante) já mostrava um sentido de humor muito "british", e à volta da mesa, o embaixador Coutinho, homem encantador, mas sempre com o seu ar preocupado, era o mais silencioso. Enfim, só boas recordações do que aconteceu no eixo bilateral, mas lembro-me, sobretudo, da sensação de espanto e encantamento com que percorria este "outro Portugal" - mais intenso, mais afetivo, cheio de arraiais e procissões, de saraus, de música, de folclore, de caldo verde e bacalhau, de sessões solenes à portuguesa, e, também de muitos queixumes e justas reivindicações.. Quem visita comunidades, assim, uma a seguir a outra,num curto espaço de tempo e num largo espaço geográfico, pode melhor não só avaliar as suas diferenças, como constâncias - a primeira das quais, a fidelidade às tradições, o gosto pelas coisas portuguesas. No Brasil, a sensação estendia-se ao povo inteiro, Só a dimensão continental, os voos de seis horas dentro de fronteiras me trazia à realidade de estar num outro país, que não conseguia considerar estrangeiro. Não é figura de retórica, é verdade, no Brasil sempre me senti brasileira (possivelmente mais do que muitos compatriotas que lá estão há muitos anos...). Quando digo que 1980 foi o ano mais feliz da minha vida, refiro-me ao período que vai de janeiro até 4 de dezembro ...O desaparecimento de Sá Carneiro e de António Patrício Gouveia, um dos homens mais inteligentes e mais agradáveis que encontrei ao longo da vida (a quem, com grande frequência, contava as minhas histórias, a quem pedia conselho, porque era mais novo, mas mais sábio do que eu - tinha um conhecimento muito aprofundado do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das suas particularidades, de início eu até julguei que fosse diplomata de carreira...). Uma tragédia, que mudou o destino do país. Tenho a certeza que com Sá Carneiro, tudo teria sido diferente. Alguém o imagina, por exemplo, a dizer que "Portugal é o bom aluno da Europa", a aceitar esse tratamento para um país quase milenário, de cultura universalista, face a países com pouca história e "pouco mundo"? Sá Carneiro fez falta ao nosso país, e não só - também ao sul da à Europa, à Europa inteira... -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------III- O GOVERNO BALSEMÃO ( 1981 - convite e o "desconvite") Francisco Pinto Balsemão, um magnata da imprensa, um milionário lisboeta, com uma atitude na vida, um temperamento, um perfil político, que, muito mais do que a ideologia, o distanciava de Sá Carneiro. E, ao que se dizia, foi-se distanciando também no governo, enquanto Freitas do Amaral e Amaro da Costa se aproximavam, num relacionamento cada vez mais sedimentado na cumplicidade da colaboração quotidiana, no bom entendimento sobre as decisões a tomar e finalmente, na amizade. isto não era segredo para ninguém, nem mesmo para mim, que não pertencia ao "inner circle" de nenhum deles. Com Balsemão houve dissonâncias - as que se conhecem. ate por notícias dos media e outras menos mediáticas, de que me apercebi, por exemplo no caso do resgate dos pescadores portugueses em território "sarauí" (por sinal, levado a bom termo por um meu colega de Coimbra e grande amigo, Luís Fontoura). Terá sido, sobretudo, isto a provocar, dentro do PSD, a fratura entre Sácarneiristas (que queriam Eurico de Melo - o leal aliado e conselheiro do primeiro-ministro desaparecido - ou Cavaco Silva - seu ministro das Finanças - para a chefia do Governo) e Balsemistas, uma maioria do Conselho Nacional do partido. Venceu Balsemão, e a AD nunca mais foi a mesma, arrastou-se, penosamente, até meados de 83, com a morte anunciada. Tive um convite para continuar à frente da SEECP, formalizado pelo novo MNE Gonçalves Pereira. Pareceu-me de fraca intensidade, mas aceitei-o, por saber que Freitas do Amaral, com que tinha tido uma colaboração perfeita, fazia questão de ver prosseguido por mim, o trabalho iniciado, sobretudo lançamento do CCP. Na verdade, nesse e nos governos seguintes, tentei levar por diante a política de Sá Carneiro, sem Sá Carneiro. Faltavam meios financeiros, sobravam ataques pessoais, movidos de dentro do partido ( por um dos adjuntos do Secretário -Geral António Capucho - que não creio ter estado envolvido na campanha, diga-se - um Capitão Figueiredo Lopes, deputado da emigração, irmão de um Dr Figueiredo Lopes, excelente pessoa, colega de governos, com quem me dei invariavelmente bem), e um MNE me não me dava, nem de perto nem de longe, o apoio e a margem de ação, que tivera com Freitas do Amaral. Foi uma aprendizagem dura do que é a política sem amigos nem simpatizantes no Governo e no partido, duas frentes agitadas.... Aprendi, antes de mais, que é muito mais fácil fazer dupla com ministros de outros quadrantes partidários, que nos tratam como parceiros de coligação, do que com correlegionários, que nos tratam como subordinados...(casos em que qualquer pessoa que se preze e preze o cargo, tende para a insubordinação). Foi ótima a relação com Freitas do Amaral, CDS, e com Jaime Gama ,PS, menos agradável com Gonçalves Pereira (que, contudo, não era assim tão má e foi melhorando, dia a dia) e irremediavelmente conflituosa com Pires de Miranda (o mercador de petróleo, que, nos corredores do Palácio era mesmo chamado "o petroleiro).. Admito que eu não gozasse de geral popularidade nas vozes desses corredores, mas em comparação com Pires de Miranda ninguém ficava a perder... Tinha sido eleita, nas eleições de Outubro de 1980, deputada da emigração, cabeça de lista no círculo Fora da Europa, com José Gama. como nº 2. Podia, felizmente, contar com José Gama e com o apoio de muitos líderes das comunidades, que conhecera nos périplos do ano anterior, mas não era a mesma coisa... Na Europa, era acusada, num abaixo.assinado cheio de nomes dos principais dirigentes do PSD (a mando do tal Capitão, em quem alguns genuinamente acreditavam), por tudo quanto corria mal no governo - desde o ensino da língua à segurança social ou à falta de emprego. Mas esta parte, a do abaixo assinado contra a Secretário de Estado, publicitada nos "media" foi coisa de pouca dura. Bastou uma viagem à Alemanha (ao "olho do furacão") e tudo se esclareceu, porque era justamente matérias, que escapavam à decisão do Secretário de Estado da Emigração, que apenas podia servir de mediador face ao Ministro da Educação ou do Trabalho. O ataque pessoal redundava, pois, em ataque político feroz ao governo da AD, ínsólito da parte dos militante do principal partido do Governo. Quando expliquei isto de uma forma muito clara, o primeiro signatário pediu-me desculpa e essa campanha terminou ali - outras, muitas, futuras, seriam menos primitivas Gastava algum tempo a apagar estes fogos, mas, como é óbvio, ocupava a maior parte do meu tempo, a trabalhar no que importava mais - a execução do programa de co-participação nas política das emigração, a convocação do 1º CCP, o diálogo, dentro desse órgão, como fora dele, com as instituições das comunidades.... Sem organização, há portugueses dispersos, mas não há verdadeiras comunidades orgânicas, com rosto, com história e com destino. Por isso, estabelecer pontes com elas era a primeira prioridade - prioridade, sem dúvida inovadora. Visitas ao estrangeiro, sempre as houve, até durante o Salazarismo e o Marcelismo (que, note-se, lançou as primeiras estruturas de apoio, tanto aos imigrantes como ao associativismo, com o "Secretariado Nacional da Emigração)), mas sem o caráter central e a mobilização sistemática que marcavam o novo ciclo político. Uma visão bastante “institucionalista”, a minha, eu sei, sem prejuízo de reconhecer os direitos de cada cidadão face ao Estado. Todavia, mesmo os direitos individuais são, em geral, bem mais e melhor protegidos se houver estruturas para a afirmação colectiva, solidariedade, a parceria com os governos. Estes têm feito alguma coisa, mas muito pouco em comparação com a obra dos próprios emigrantes, em todos os tempos e em todo o lado, no Brasil, na França, na Austrália... O 1º Governo Balsemão foi o mais breve de todos aqueles em que estive em ação - sete meses e meio! Praticamente não pude ir a lado nenhum, porque o MNE achava sempre que não valia a pena sair, nem mesmo para as comemorações do 10 de junho... Limitei-me à Europa, para contactos com os meus homólogos, sobretudo com Stoleru, em França - e pouco mais. Mas, graças às pontes estabelecidas com o roteiro de visitas do anterior Executivo, e ao facto de ter conseguido realizar em Lisboa, em abril, a 1ª reunião do Conselho das Comunidades, fazendo História, trazendo ao País alguns dos principais personagens do mundo da "Diáspora", não houve lugar a lamentações. O maior feito foi ter resistido, num governo onde era "personna non grata" e conseguindo dar prossecução ao que fora começado em 80, não só o Conselho, mas o recenseamento eleitoral, a remodelação dos programas de televisão para emigrantes, novos apoios aos "media" das comunidades, cursos de verão para jovens, concursos musicais, ações de formação em folclore e jogos tradicionais (curiosamente com a ajuda de uma colega do colégio do Sardão, a Graça Guedes, que participara numa primeira iniciativa nesta domínio lançada por Vitor Alves - "les beaux esprits se rencontrent"...), visitas de emigrantes seniores ao lugar de origem - que, no fim da década de 90 o José Lello retomaria, num formato mais mediático, com o nome de código de "Portugal no Coração". Outro reencontro espiritual...Em 1981, umas largas dezenas de velhinhos eram escolhidos pelos consulados, de entre os que nunca tinham regressado à sua terra, e para lá seguiam com o apoio dos serviços locais da Secretaria de Estado, nas datas que individualmente escolhiam para a vinda e volta. Com aquele meu (longínquo) sucessor, chegavam em grupo, havia receção em Lisboa e, depois, excursões organizadas, que os "media" acompanhavam. findas as quais, suponho que seguiam para junto de família ou amigos. Enquanto eu permanecia no meu gabinete, e assistia a um "vai-vem" dos mais jovens, dos mais idosos, de funcionários enviados aqui e ali, pelo planeta, das Américas, à Africa e ao Oriente viajava a improvável dupla formada por Rosado Fernandes, catedrático de "Clássicas" e Cabecinha, o sindicalista mais "básico" que jamais encontrei (e encontrei muitos, numa escala de zero a vinte valores,,,). Em amplas reuniões preparatórias do tal "Congresso das Comunidades" de cuja presidência Victor Alves fora desapossado - retrospetivamente, reconheço que o "seu" congresso seria, com certeza, muito mais interessante do que o que aconteceu num hotel cinco estrelas de Lisboa por altura do 10 de junho. Basta dizer isto: os participantes eram muitíssimos e o tempo escasseava, pelo que o operacional, que dirigia os trabalhos, o António Cabecinha, achou por bem proceder a um rateio, que dava cerca de um minuto "per capite" . Gastava-se numa saudação, houve inúmeras, todas irrelevantes, naturalmente. Nenhum militar se lembraria de tal dislate... Para dar lugar a dois ou três "olás" de congressistas e para me distanciar daquele espetáculo absurdo, entrei muda e saí calada... Logo na abertura das sessões, Victor Alves, que era o representante do Presidente da República foi insultado. Depois, alguns congressistas, sobretudo num afrontamento Europa/Fora da Europa, insultaram-se uns aos outros. No CCP também isso esteve para acontecer, com guerrilhas de oratória entre a mesma geografia e as mesmas opostas ideologias, mas tudo se resolveu com paciência e diplomacia, garantindo-se aquele nível de diálogo e coesão que é imprescindível ao nascimento de uma instituição, saída do texto da lei para a vida das pessoas, O Conselho teve percurso acidentado, mas teve-o - com hiatos, roturas, recomeços - e continua de pé. O Congresso foi para uns, uma festa, para outros um oportunidade de contestação política, mas não teve "dia seguinte" (triste epitáfio....). Pinto Balsemão caiu poucas semanas depois, dentro do próprio PSD, num Congresso Nacional em que, para calar os "críticos" (nome da facção que se lhe opunha internamente, com Eurico e Cavaco à cabeça), se demitiu da presidência do partido e do Executivo, coisa nunca vista... uma espécie de "Brexit" ("wait and see"), em que "saiu sem sair" (até ver). Reassumiu as rédeas do partido, na semana seguinte e foi, de novo, chamado pelo PR a formar governo. O MNE Gonçalves Pereira transmitiu-me um convite do Primeiro Ministro para continuar com ele, porque tinha convencido um assaz relutante Balsemão a aceitar a minha presença nas Necessidades. Balsemão achava que eu pertencia, sigilosamente, ao grupo dos críticos... Não pertencia. Com Eurico e Cavaco nunca tinha tido nem sequer uma pequena conversa! Ficara pelo "bom dia" em poucos encontros casuais. Tratei, assim, de ultimar os preparativos de uma nova ida a Paris, para negociações com Stoléru. dei instruções ao gabinete para voltar a colocar os papéis dentro das gavetas, ... Na véspera da tomada de posse, o golpe de teatro: o MNE chama-me para me dizer que, afinal, Balsemão queria no meu lugar um homem de sua confiança política José Vitorino, um dos fundadores do PPD/Algarve, líder regional que pretendera o Turismo ou as Pescas, mas que aceitava a Emigração (isto é, ao contrário de Jacob, em vez de Raquel, aceitava Lia). O" desconvite", como lhe chamou, expressivamente, o semanário "O Tempo" de Nuno Rocha foi de bom grado acordado e, a pedido de Gonçalves Pereira entrei, de imediato em contacto com Vitorino, para lhe passar a pasta. Fui anfitriã de um almoço de trabalho num restaurante simpático, na calçada da Estrela, em frente ao lado sul do palácio de S Bento. Falei, falei... mas o meu sucessor mostrava um ar enfadado e, antes da sobremesa, interrompeu considerações sobre prioridades governativas para perguntar:"Que carro é que eu vou ter?" Não resisti a retorquir, com imensa satisfação: "Vai ter o carro novo, foi comprado há poucas semanas, mas é o carro mais barato que existe no mercado para Secretários de Estado" . Com cara de poucos amigos, nova questão curiosa: "Mas ao menos é preto?" Fiquei decididamente feliz por responder: "Não, é um azul, muito feio. Era o que havia" (tudo verdade - era o que havia em termos de modelos desatualizados do Peugeot 504, por essa razão "em saldo"). Vitorino tomou a minha escolha como uma espécie de ofensa pessoal, embora eu tivesse comprado a tivesse tomado, sem antecipar a queda do governo.... Nova interrogação, com semblante fechado: "Porque é que você fez isso? Resposta evidente; "Para poupar dinheiro do pequeno orçamento do Instituto de Emigração, de onde saiu a verba" (a compra carro era necessária, porque um motorista estouvado tinha destruído o magnífico Citroen "boca de sapo" que chegara até 1981, vindo do velho regime, do Secretariado Nacional da Emigração - com cerca de 10 anos de muito uso). ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- IV O GOVERNO MÁRIO SOARES/ MOTA PINTO - "Bloco Central" (1985/87) Seria o mais duradouro dos meus cinco governos - mais de dois anos, 26 meses. Assim era até aos dois governos de maioria de Cavaco (87/95), nos anos faustosos dos fundos de coesão da CEE, gastos em cimento e outros investimentos igualmente excessivos ou duvidosos, mas politicamente influentes qb. Pela 2ª vez, findo, de vez, o balsemismo, que me exilara no parlamento, integrava uma equipa governativa, pela mão de Mota Pinto. Governo de coligação PS/PSD, Mário Soares/ Mota Pinto. Dois homens que se entendiam bem, toda a turbulência que aconteceu vinha de dentro do PSD, não do relacionamento entre eles, Mota Pinto demitiu-se da presidência do partido (e, consequentemente) do governo, e os opositores, a ala que sempre se opusera ao "bloco central", a auto - intitulada "Nova Esperança", com Santana Lopes, Durão Barroso e Marcelo Rebelo de Sousa e outros menos proeminentes, como era, então, Passos Coelho - preparou-se para relançar uma aliança à direita, que viria a colocar Cavaco no poder, por muito tempo. O Governo não caiu, de imediato, continuou com Rui Machete, no lugar de Mota Pinto, Em boa verdade, caiu, depois do congresso da Figueira,até onde Aníbal e Maria Cavaco Silva foram rodar o carro novo, providencialmente, segundo reza a lenda. Mas isso seria na primavera de 85. No verão de 83. o resultado eleitoral e o estado das Finanças públicas na iminência de uma intervenção do FMI, obrigava os dois grandes partidos a um entendimento (o mesmo tipo de entendimento desejado no fim da era da "troika", ironia das ironias da vida política, pelos velhos opositores, do "bloco central" , como Cavaco ou Passos, para não falar dos outros... Eu estava com Mota Pinto, naturalmente, e com a absoluta necessidade de uma aliança o mais abrangente possível em tempo de crise, e , dentro do PSD fui sempre uma das suas mais ruidosas apoiantes. Mas, enquanto o Professor formava governo com Mário Soares, andava eu por longe, nas Américas, festejando a vitória do PSD no círculo onde fora reeleita, por larga margem, Entretanto, as notícias davam-me como Secretária de Estado da Emigração, mas ninguém me tinha contactado (talvez, porque á época, não havia telemóveis). Nas vésperas de regressar ao país, dei, em New Bedford uma entrevista à televisão e ao jornal Portuguese Times. Confrontada com as notícias que me davam de volta à pasta da emigração, neguei que tivesse sido contactada. Incrédulo de início, mas convencido pelo meu tom peremptório, o Diretor, que era já um amigo e confiava na minha palavra fez título de 1ª página com a notícia do meu não retorno ao cargo. na altura era a pura da verdade. Porém, mal aterrei em Lisboa fui chamada de urgência ao gabinete de Doutor Mota Pinto e convidada, de acordo com o que diziam, há muito, as agências noticiosas. Convidada. insistentemente. Em vão invoquei os argumentos para recusa - o meu sucessor deixara reduzir os orçamentos para ações, o que tinha gastara tudo no 1º semestre, fizera nomeações no estrangeiro, que seria impossível pagar sob pena de total paralisia dos serviços, suspendera, ilegalmente, as convocatórias do CCP . (a pretexto de proceder a uma reestruturação da lei, que não fizera). Tudo isso havíamos criticado na Comissão de Negócios Estrangeiros, onde a suspensão do funcionamento do CCP fora censurado, por unanimidade. O Doutor Mota Pinto não se deixou convencer - estava certo que eu encontraria soluções. Saí, pois, da Gomes Teixeira, a dizer que não e o Dr Mota pinto a achar que não, e, no dia seguinte, (dia improvável, um sábado), lá fui tomar posse e enfrentar as dificuldades. Não eram poucas...Consegui salvar a reunião mundial do Conselho, mas não muitas das nomeações de Vitorino, saídas possivelmente das hostes partidárias, onde a minha popularidade não terá sido nada favorecida. Em New Bedford, Adelino estava furioso comigo - com razão, embora sem culpa minha, que dissera a verdade - a notícia saiu depois de desmentida por factos supervenientes, precisamente à hora em que eu assumia funções. O ritmo dos acontecimentos vencera o "timing" da publicação. Ainda hoje, quando nos vemos, ou ele me fala disso, ou eu pressinto que isso está no seu pensamento. A minha grande prioridade, prontamente cumprida ainda em 1985, foi normalizar a vida do CCP, reativando os canais de contacto, promovendo as necessárias eleições e organizando a audição, nos termos da lei, foi a minha grande prioridade, inteiramente cumprida. A solene abertura, a segunda em três anos,realizou-se, com larga cobertura dos principais os órgãos de comunicação social, no Porto, Palácio da Bolsa - porque não porque não receber os representantes das comunidades do estrangeiro nas melhores salas de visitas, como é o esplendoroso salão árabe, deste Palácio? Já em 81, a escolha recaíra na bela sala dos espelhos do Palácio Foz para acolher a primeira sessão). Mas, enquanto, então, a polémica se centrará em questões de fundo, no Porto, a única nota dissonante registou-se no discurso do Ministro da Cultura, Coimbra Martins, meu convidado para presidir, simbolicamente. aos trabalhos, que criticou, azedamente, o luxo despropositado do local. Estranho conceito do direito dos cidadãos ao gozo do património construído. Pelo visto, queria levar aquela assembleia para uma "ilha" portuense (é como se chamam as "favelas" da cidade), ou para um pique-nique na ribeira do Douro. Já não me surpreendeu, mais tarde, quando lançou uma edição de livros de bolso para emigrantes, que começou com "A rosa do adro" - por essa altura, os meus serviços davam à estampa uma coletânea de literatura sobre a emigração, que seria continuada com dezenas de publicações, coordenadas, sucessivamente, pelas professoras catedráticas Maria Beatriz Rocha Trindade e Graça Guedes. Mas foi pena que Coimbra Martins se não tivesse mantido connosco. ao longo do resto da semana, porque os trabalhos prosseguiram nas simpáticas, mas comparativamente modestas instalações do INATEL da Feira, onde todos ficaram alojados, em regime de internato. Certamente teria aprovado! O encerramento foi presidido pelo Ministro da Educação, José Augusto Seabra, em Aveiro, num cenário mais austero embora com um discurso bem mais sumptuoso . Talvez devesse ter começado pela educação e terminado pela cultura... De qualquer modo, achei que era importante chamar ao convívio com os emigrantes os titulares das pastas, onde, essencialmente, se joga o seu futuro, com a compreensão de que o papel do Secretário de Estado da Emigração é sempre o de mediação dinâmica. No CCP, muitos haviam sido reeleitos, conheciam-se mutuamente - continuavam a afrontar-se, mas, no fim, havia sempre consensos no essencial, e o mais essencial era mesmo a vontade comum de cooperar dentro da instituição, cuja utilidade não punham em causa. Se era importante para eles, não era menos para mim, pois, quando estava de acordo, até das críticas mais contundentes tirava argumentos para convencer renitentes colegas de governo a resolver problemas nos seus domínios exclusivos. Penso (bem ou mal, subjetivamente), que o CCP é dispensável para todo o político que procure simplesmente manter o "status quo", numa aparência de progresso, e indispensável para o que queira, realmente, mudar as coisas e mudá-las em diálogo com as pessoas, através do levantamento de situações e da criação de novos meios de cooperação. Quem não hesite em fazer reivindicações dentro do próprio governo, só ganha em juntar à sua voz o coro de protestos do Conselho. Era o meu caso. Considerava, por isso, pequeno o preço a pagar por ataques desenfreados, que faziam manchetes em certa imprensa. Como, frequentemente, lhes respondia à letra, acabava por ver o lado lúdico das batalhas campais... Outras vezes,.tinha de acalmar ânimos e restabelecer a paz entre as hostes amplamente maioritárias, que me apoiavam, e eram "mais papistas do que o Papa", e os outros... Recomendações das mais relevantes, como a que criou os conselhos regionais, ou a que reclamou o voto nas eleições presidenciais, acabavam votadas por unanimidade. O jantar de encerramento foi, em 83, como fora em 81, uma festa de despedida de amigos. Lembro-me, sobretudo, de uma frase de um dos mais radicais representantes de França, um padre operário, que à saída me dizia, em tom de gracejo: "Há quem queira estar de bem com Deus e com o Diabo". Ao que eu, no mesmo tom ligeiro e amigável, retorqui: "Pois há, incluindo padres". Seletiva a nossa memória - não me lembro de mais nenhuma das palavras que disse nessa ocasião. O tempo era de crise económica, de intervenção externa e de austeridade, imposta com firmeza, mas também com inteligência e com resultados. O Ministro era Hernâni Lopes, não uma espécie de funcionário da própria "troika", de onde veio e para onde voltou, como Victor Gaspar... A "saída limpa" foi real, segui-se, não uma ameaça de colapso bancário, mas a era das "vacas gordas" de Cavaco Silva, com fundos comunitárias, que pareciam inesgotáveis. Porém, para os serviços da SE Emigração a diferença não se notou. Os orçamentos eram tão magro, que me tornei perita em fazer o que importava com pouco dinheiro... O melhor exemplo foi o do pagamento de uma promessa eleitoral do PS, que apontava para a criação de um Instituto de Apoio ao Regresso. Confesso que não tinha lido atentamente e lista de compromissos do outro partido, um vistoso pacote de "cem medidas para cem dias" e fui surpreendida por uma áspera crítica jornalística de que, ao fim desse prazo simbólico, era responsável direta pelo consumado incumprimento dessa medida em concreto. Falei com o MNE, Jaime Gama, e dispus-me a tratar do caso, naturalmente, de uma forma económica, compatível com a falta de verbas. *Para meu infinito espanto, deparei com uma invencível oposição do colega responsável pela reforma administrativa, que, estando empenhado em apresentar trabalho a fechar Institutos, não a abrir um novo, porque, mesmo com insignificante dispêndio de verbas, pesava nas estatísticas.... Por sinal, até era militante socialista, mas deixou-me sozinha a tentar honrar uma das cem medidas do seu partido. Na altura, ainda me senti escandalizada. E, por irritação e teimosia, em doses iguais, decidi levar por diante o projeto, para cuja feitura consegui o suporte técnico da OIT (mais para "português ver", porque as principais ideias saíram mesmo da nossa imaginação criativa). O Instituto era composto por um "Centro de Estudos" , (dirigido por um funcionário da "Casa", e dinamizado por técnicos também da "Casa", ou por académicos sem vínculo à Secretaria de Estado, em projetos muitas vezes protocolados com outras entidades, que até os subsidiavam...) e por uma "Comissão Interdepartamental", que reunia entidades públicas a nível regional (o ICEP, o IAPMEI, a CCRN, Câmaras Municipais). No Porto, por exemplo, a Comissão para o norte do país realizou, a custo zero, um trabalho esplêndido, contrariando, antes de mais, o preconceito de que as comissões não servem para nada. A OIT considerou as nossas estruturas de apoio ao regresso exemplares e usou-as como paradigma para outros países de emigração. O colega da reforma administrativa, ignorou-as, olimpicamente. Nunca consegui, claro, dar-lhes enquadramento jurídico, para além do meu próprio despacho. Foi do mesmo modo, informalmente, sem custos, que disseminei, um pouco por todo o país, as Delegações da SEE, algumas unipessoais, formadas por funcionários destacados ou requisitados, que prestavam serviço em instalações disponibilizadas nos Governos Civis ou nas Câmaras Municipais O mais difícil foi, de facto, abrir espaço para uma certa autonomia dessas Delegações, ou Delegados (todos voluntários, e, por isso, interessados nas matérias e nas pessoas, dedicadíssimos!), porque os dirigentes de Lisboa eram demasiado ciosos dos seus poderes - cenas a recordar o Sir Humphrey da celebrada série "Yes, Minister"... A primeira visita ao estrangeiro foi a Roma, para a 2ª Conferência de Ministros do Conselho da Europa responsáveis pelas migrações. Uma estreia absoluta em cimeiras internacionais, onde fui eleita, juntamente com Anita Gradin, da Suécia, vice-presidente da Conferência, e consegui (não sozinha, evidentemente, as coisas foram bem preparadas nas reuniões prévias de altos funcionários, pela Rita Gomes nomeadamente) que a seguinte fosse agendada para Portugal (como veio a realizar-se em 1987, ainda eu estava nas mesmas funções, embora já no termo anunciado de mandato, coube-me presidi-la na minha cidade do Porto, - um fim feliz e definitivo das experiências governativas). Levei à Conferência de Roma temas como o regresso de emigrantes e a dupla nacionalidade, contra a Convenção do Conselho da Europa de 1963, que só viria a ser revogada por novas normas em meados da década de 90, quando eu já era membro da Assembleia Parlamentar ( e pude aí continuar a longa luta...). No que respeita ao regresso levava um documento preparado pelos técnicos da Secretaria de Estado, em que se escrevia, afoitamente, "não há regressos significativos a Portugal". Depois que comecei a contactar, com grande frequência, emigrantes, dentro e fora do país - o que acontecia ou acontecia raramente com os funcionários - comecei a desenvolver pontos de vista próprios - a coisa que os "Sir Humphreys" mais temem nos políticos. Em matéria de regresso estava em total discordância com eles. Números nem eles nem eu os tínhamos. Mas eu tinha a vivência das aldeias, por altura das festas e romarias de verão e apercebía-me de que muitas das casas construídas com as remessas chegadas de Paris e outras cidades, já estavam habitadas ou em vias de o serem. E, em abono desta convicção, havia um estudo, realizado por um adido da Embaixada de França que, já nos inícios da década de 80, estimava em 150.000 os retornados às origens, a partir daquele país. Por isso,em Roma, não hesitei em cortar o "nâo" daquela frase, proclamando: "há regressos significativos a Portugal". Mais surpreendentes foram, para todos aqueles colegas, os comentários à lei da dupla nacionalidade. Uma evidência para mim, mas não para a maioria: a dupla nacionalidade favorece integração na sociedade de acolhimento, tanto ou mais do que a ligação ao Estado de origem, porque esta ligação é inquebrantável, nunca se perde e obsta ao pedido de naturalização, se este implicar a perda do estatuto de cidadania originário .De um lado, estavam os ministros da emigração, do outro, os ministros da imigração, vendo diferentemente a mesma realidade. Estava, sobretudo, lançada a dúvida criativa sobre a questão que levaria ao fim o dogma da uninacionalidade consagrado pela Convenção de 1963. Anita Gradin logo ali se ofereceu para organizar uma mesa redonda sobre a matéria, que veio a realizar-se em Estocolmo no ano seguinte. A controvérsia continuou, ao longo de inúmeras outras reuniões e mantém-se, mesmo depois de aprovada a nova Convenção sobre a nacionalidade. À reticência dos países do norte, junta-se a dos do leste europeu, não em razão de migrações recentes mas de antigas minorias étnicas que subsistem dentro de fronteiras... Uma Europa pouco convivial do que se julga, nas suas divisões ancestrais... A Conferência de Roma foi interessante a muitos títulos, um deles o de uma forte afirmação feminina, não só pela eleição de duas mulheres para a vice-presidência (a presidência vai por inerência para o país anfitrião), como da participação de várias outras, entre as quais se destacava a francesa Georgina Dufoix. Georgina e Anita, amigas e aliadas com as quais sempre pude contar - um apoio que foi importante para Portugal. Ambas eram mulheres de esquerda, daquela esquerda genuinamente generosa (como a esquerda sempre se vê, mas nem sempre é...). Estiveram sempre convictamente do lado dos imigrantes, Anita em palcos internacionais, como o Conselho, o OSCE, a Comissão Europeia. Georgina com uma fantástica carreira política no país de imigração mais importante para Portugal. Foi fantástico trabalhar com ela, num ambiente de total franqueza e confiança, nas muitas reuniões que tivemos, em Paris, Estrasburgo, Lisboa... A informalidade surpreendeu sucessivos embaixadores de Portugal em França - e o mesmo aconteceria na Suécia, nas conversas com Anita Gradin... era mundo da solidariedade feminina, onde imperava o pragmatismo, o entusiasmo em resolver problemas e, também, uma mesma visão das coisas. E as três, éramos (somos!) igualmente, feministas. Recordo-me de uma visita do 1º Ministro francês a Lisboa, com uma larga comitiva de Ministros, entre eles, naturalmente, Georgina. Estávamos nas vésperas de uma comissão mista luso-francesa sobre migrações e, por isso, Georgina e eu, depois do longo debate geral, reunimos, ao fim da tarde para tratar dessa agenda no Palácio das Necessidades, na simpática "sala dos Embaixadores". Resolvemos tudo o que havia para resolver nus escassos 15 minutos, em termos de planificação, de apreciação sintética das soluções viáveis para as principais questões a debater, uns dias depois, em Paris. À saída, Georgina comentou a diferença entre a nossa breve e produtiva análise dos dossiers, em comparação com as morosas e bem menos conclusivas negociações masculinas... Era bem verdade, mas devo acrescentar que, também com alguns homólogos masculinos tinha negociações diretas e francas, sem subterfúgios, compreendendo rapidamente até onde se podia ir, sabendo que contava com eles e com a sua simpatia para com os nossos emigrantes - o caso de Jean-Claude Juncker, no Luxemburgo, de Klaus Hug e de Hunzicker, na Suiça, de This, Secretário de Estado da Região de Bruxelas, e até também, embora numa relação pessoal de menor familiariedade, dos alemães da RFA, onde conseguimos alguns inesperadamente bons resultados no eixo bilateral - mais devidas, aí, ao trabalho técnico do Conselheiro Social, aos números, estatístas, factos, a que a mentalidade germânica, é, justamente, muito sensível... Não esqueço que no Luxemburgo e, sobretudo na Suiça, tudo começou também, não propriamente nessa Conferência de Roma, de boa memória, mas na diligência da nossa diplomacia. O quadro de contactos na Europa passava ainda por relações muito cordiais com os colegas britânicos, mas a emigração em Londres, que se distinguia pelo alta proporção de mulheres não era, então, tão problemática, logo, tão visível como é hoje. (o levantamento de questões sociais, contei, sobretudo, com os Conselheiros das Comunidades). Entre os países de emigração, a aproximação ficou, a meu ver, sempre aquém do desejável, certamente com a Espanha, a Itália e a Irlanda, salvo com o mais improvável e distante dos países, a Grécia, que mostrava especial interesse na avaliação das soluções por nós encontradas. Numa das várias visitas que fiz a Atenas, encontrei a então Ministra da Cultura, Melina Mercouri, responsável pelas politicas para os gregos no estrangeiro, fundamentalmente centradas no domínio da Cultura- e muito bem, a meu ver. Melina era uma mulher majestoso - é o mínimo que dela posso dizer. Um porte majestoso, mas o operacional era o Secretário de Estado. Pensando bem, de Portugal se poderia dizer outro tanto, com um ministro de porte menos impressionante, é certo. Os Secretários de Estado existem para isso! Fora da Europa, na RAS, excelente o trabalho da Embaixada (e de Mário Silva, que tinha mais contactos, em Pretória, com o Governo e Diretores-gerais do que qualquer dos nossos diplomatas - aliás, todos muito bons). O mesmo se pode dizer do Canadá, (primeiro com Góis Figueira, com o seu impressionante dinamismo, depois com vários sucessores), do Brasil (onde a boa relação Brasil Portugal atingia nota 20...) e da Venezuela (se esquecer, em 1980, o Embaixador político, que era mais político de oposição do que Embaixador - mas mesmo nesse ano, durante a sua ausência em férias, o jovem diplomata Rosa Lã, conseguiu as mais fantásticas, embora sigilosas negociações para a legalização de portugueses). Os EUA eram outro "modus operandi" - nada corria fundamentalmente, por Washington, onde nem valia a pena ir, mas pelos Estados, ou seja, pelos consulados - e, há que dizê-lo, até muito especialmente por grandes Cônsules honorários, como o Dr Adriano Seabra da Veiga, em Connecticut, e Edmundo Macedo, na Califórnia do Sul. Idem, quanto à Austrália, onde o melhor dos diplomatas era o Dr. Carlos Lemos, de Melbourne, embora muitos dos nossos sucessivos representantes em Camberra e Sidney fossem muito competentes, mas sucediam-se a ritmo acelerado, na média dos três anos, nunca se enraízaram - a rotação destina-se a isso mesmo... Em síntese: fui conhecendo, cada vez melhor, os factos e as pessoas. À medida que ganhava em experiência,ia, porém, perdendo nos orçamentos - uma coisa compensava, até certo ponto, a outra, mas muito mais teria conseguido com outros meios. Em qualquer caso, nunca fui fiz parte do alargado grupo de Secretários de Estado, que aceitam a pobreza de meios como uma fatalidade. Protestava sempre, dentro e fora de portas do Ministério, porque achava injusto que os emigrantes dessem tanto ao país, até materialmente, nas remessas, investimentos e benfeitorias, e recebessem tão pouco em retorno, apoiados por serviços de fundo da escala de prioridades do OE (orçamento de Estado). Em 81, no Governo Balsemão, tive companhia, nas queixas tornadas públicas - Bráz Teixeira, o Secretário de Estado da Cultura, de outra das pastas menos contempladas pela fortuna... Ele disse que o seu orçamento era "ridículo", eu disse que o meu era "vergonhoso". A minha adjetivação fez título gordo no Diário Popular e mereceu destaque, um pouco menos vistoso, em outros jornais. "Obviamente, demito-os", terá pensado o Primeiro-Ministro, quando leu a imprensa naquele dia. E, na primeira oportunidade, demitiu-nos. No meu caso, por uma dupla ordem de motivos, sendo a segunda a que já referi, a suposta pertença à facção dos "críticos" ou "rurais do norte". Claro, que mal saí do governo perguntei logo: "Onde estão os críticos?" e juntei-me a eles, para dar póstuma razão ao chefe do Governo. Braz Teixeira, o filósofo de quem eu gostava muito, tivera da política experiência que lhe bastava para o resto da vida. Voltou ao mundo de onde viera. Eu "aterrei" em São Bento até 1983 e, depois, regressei ao Palácio das Necessidades por mais quatro anos e tal, repartidos por governos de perfil diverso. Neste primeiro, recuperei autonomia face ao ministro (Jaime Gama), talvez por ser do "outro partido", no contexto de uma aliança, tal como a AD, vivida agradavelmente sem agruras por dentro, mas condenada, a prazo, pela oposição interna no PSD. Só na fase final, já sem Mota Pinto, este Executivo perdeu a unidade garantida pela harmoniosa diarquia que ele formava com Mário Soares. Sentia ter, de novo. a confiança plena das mais altas figuras do Estado. Foi um tempo de dias fastos, apesar da crise e da justificada austeridade Retomei as normais visitas às comunidades, de Paris ao Hawai e a organizações internacionais (Conselho da Europa, OCDE, CIM..), onde Portugal assumiu um "high profile". e pude ver o CCP fazer caminho, sem mais hiatos, ensaiar, pela força das maiorias, quando não dos consensos, novas configurações - com as reuniões regionais, uma Comissão Permanente, a aprovação, ano a ano, de um !programa cultural, a preparação de conferências temáticas, uma das quais sobre igualdade de género. Coisa que nunca houve no Conselho, bastião masculino, presidido, porém, por uma mulher (que era eu, por inerência de funções). E dele saiu, feita por uma das outras raras mulheres que aí tiveram voz, a jornalista Málice Ribeiro, uma proposta para a realização de um encontro mundial de mulheres emigrantes. Ninguém se opôs e eu registei a recomendação (a que tão pouca importância terão dados os relatores, que não a encontrei nas atas finais. Nem por isso a esqueci, e convoquei, como devia, essa espécie de "Conselho no feminino", que excedeu largamente as expetativas - as gerais e , até, confesso, também, as minhas... E foi a origem das políticas de emigração com a componente de género! (numa tese de doutoramento de um jovem académico luso-canadiano este é o feito que ele salienta dos meus vários mandatos. Surpreendeu-me - era coisa que, até aí, nunca tinha salientado! Não por desvalorizar as questões de género na emigração, mas porque não teve continuidade, durante duas décadas - até ao início dos "Encontros para a Cidadania", que, através da Associação "Mulher Migrante", propus a António Braga, em 2005, precisamente no 20º aniversário do pioneiro Encontro Mundial de Junho de 1985. Quando Mota Pinto, farto da guerrilha interna movida pela auto-intitulada "Nova esperança" abandonou a chefia do PSD e o governo, a coligação entrou, como disse, em plano inclinado irreversível. Creio que Rui Machete - um amigo de antes da Revolução, que muito admiro - estava mais próximo da Nova Esperança do que das posições do seu antecessor. Com a ascensão de Cavaco Silva, o destino da coligação ficava selado. Soares e Cavaco -eis uma dupla impossível... Estava eu em Cabo Verde, quando se deu a rotura oficial. De qualquer modo, essa viagem, a primeira a um PALOP, na área da cooperação, não da emigração portuguesa, que aí, então, não existia, foi um ponto alto da minha agenda: a descoberta de um povo fantástico, de uma perpetiva de outras migrações e de outras maneiras de ser lusófono. Correu, como dizem os brasileiros "bem demais"! Tudo: o encontro com o 1º Ministro Pedro Pires, as conversações sobre políticas globais de emigração, a assinatura de um acordo de segurança social, de primordial interesse para os Cabo-verdianos de Portugal, os contactos com cabo verdianos retornados, as visitas ao Mindelo, a Santiago e à Ilha do Fogo e até a vertente de intercâmbio cultural - levei comigo, a pedido do Embaixador Baptista Martins o grupo de fados de Coimbra de António Bernardino, que foi um sucesso retumbante (quem assistiu ao duplo concerto de Travadinha e Bernardino na ilha do Fogo, nunca esquecerá aquelas três ou quatro horas de música sublime, que acabou em ambiente de tertúlia. Por fim, até experimentavam os instrumentos musicais uns dos outros e cantavam em coro . Que belo fim de ciclo, ao som dessas violas, guitarras e vozes inegualáveis, em clima de que se prolongou até ao momento da despedida no aeroporto do Sal. A coligação rompeu, de vez, começou o processo eleitoral, que daria a vitória ao PSD, com menos de 30%. Nesse preciso dia estava em Lisboa uma delegação de luso-americanos da Assembleia e do Senado do Estado da Califórnia, a meu convite, intermediado pelo Cônsul- Geral Gabriel de Brito, também presente. Já tínhamos visitado o PR Eanes e a AR, o Porto e o Alto Minho (sempre incluídos nos roteiros dos meus convidados mais ilustres), e achamos interessante mostrar-lhes como se vive, em Portugal, uma noite eleitoral. Todos os partidos aceitaram recebe-los, visitamos, sucessivamente, as diversas sedes das campanhas eleitorais. Foi divertido! A minha presença causava espanto, nada mais, e como logo apresentava os americanos, tudo ficava claro. Eles estavam um pouco perplexos, achavam o ambiente muito mais morno do que na América. "Esperem até ver o quartel-general dos vencedores!". Era o PSD no Méridien. Aí se faziam a festa toda! A Delegação juntou-se à festa, é claro.------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- IV GOVERNO CAVACO SILVA (1985/87) Arrumar os papéis quando o 4º governo cessou funções foi uma mera formalidade. pois sabia que iria reocupar o gabinete no que se seguia. Mudava de ministro, não de programa, nem de "staff". Os princípios fundamentais eram ainda os do meu 1º governo, a vontade de o levar por diante, também. O CCP continuava no centro de um projeto de co-participação nas políticas para as comunidades do estrangeiro. A sua reunião mundial estava convocada para Porto Santo e Funchal numa data (11/17 de novembro), que mal me deu tempo de tomar posse. fazer as malas e partir para a Região Autónoma da Madeira. Alberto João Jardim presidiu à sessão de abertura, onde começou a agitação que marcaria esta reunião mais do que qualquer, sem, contudo, perturbar a sua agenda, debates, recomendações. A contestação vinha sempre do mesmo pequeno grupo de França, próximo do Partido Comunista. Desta vez, abandonaram os trabalhos, tomaram o avião de regresso e deram conferência de imprensa em Lisboa. O Governo, fosse ele bloco central ou do PSD minoritário era o alvo, muito personalizado no Secretário de Estado, é claro, invariavelmente eu - nenhum dos outros assinaria a convocatória do Conselho... até a ùltima seria assinada por mim na 25ª hora deste Executivo, e presidida pelo meu sucessor no 1º Governo maioritário de Cavaco Silva. Não podendo cancelar o processo em curso, Correia de Jesus cumpriria os mínimos: uma breve aparição e um discurso duro, a anunciar o fim dos tempos daquele forum ruidoso, o que teve por efeito pôr, enfim, todos os conselheiros do mesmo lado, a tentar, em vão, salvar o "seu" CCP, já irremediavelmente condenado à morte. A mim, o ruído da minoria nunca me preocupou. A maioria estava comigo, quando não, em muitas das questões relevantes, também a minoria. É assim que se vive em democracia, eventualmente em luta frontal. Não foi este o relacionamento que me preocupou, ou que me atingiu pessoal ou politicamente. Atingiu, sim, o próprio CCP. Tanto o 1º Ministro Soares, em 1985, como o 1º Ministro Cavaco foram alvo da desenfreada agressividade dessa minoria eminentemente parisiense, e detestaram a experiência, que tão pouco me afetava. Como diria Pinheiro de Azevedo era "só fumaça". Mal eu deixei o governo, o todo pagou pela pequena parcela de desordeiros políticos - Cavaco terá dado luz verde a Correia de Jesus para extinguir a injustamente mal vista instituição. No que me respeita, outras foram os relacionamentos que correram realmente mal e me fizeram perder a paciência e deixar, em Agosto de 87, não só o governo, mas também os círculos de emigração, pelos quais tinha sido eleita em 80, 83 e 85., Não o relacionamento com Cavaco, que fora próximo, dentro do núcleo dos críticos, e acabou sobrevivendo a dois longos anos de hibernação. Quando surgiram os problemas - muitos! - não o procurei, nunca, para lhe dar conta do que estava a acontecer. Nem sequer o fizera, antes, com o Doutor Mota Pinto, um amigo de longa data, durante as peripécias do 1º governo - acho que um Primeiro -ministro não se incomoda com questões menores, questões pessoais. Só falaria com eles em caso extremo, por exemplo, para justificar um pedido de demissão irrevogável. (irrevogável, mesmo...). Na verdade, o único Chefe de governo com quem falei, vezes sem conta, ao telefone, foi com Sá Carneiro - mas era sempre ele a tomar a iniciativa, para me encorajar numa determinada direção ou para me felicitar por uma ação concreta. para me dar ânimo - e foi espaçando as chamadas à medida que me via mais segura de mim. Por outro lado, é sabido que Cavaco Silva é um institucionalista, muito respeitador das hierarquias, e, para ele, Ministro era Ministro, e Secretário de Estado um mero adjunto. Vi-me, assim, isolada pelo parceiros do lado de lá do corredor, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Azevedo Soares e o Ministro Pires de Miranda. Começaram, de comum acordo, por me esvaziar o orçamento (em mais de 200.000 contos, ao que respondi apresentando ao MNE um ultimato: ou a pronta restituição de, pelo menos, 100.00 euros ou a minha demissão. Na verdade, um corte dessa dimensão não permitia sequer o normal funcionamento dos serviços e deixava um zero para ações de apoio cultural e social... Miranda, o habil negociador de petróleo, percebeu que eu não estava a fazer "bluff", e os 100.000 euros vieram, atempadamente, das verbas do seu gabinete. Para compensar o "buraco" restante, cortei a contribuição da SECP nos protocolos com a RTP, que suportavam as emissões para a emigração (e que passara a recair sobre a tutela) e outras redistribuição de vultosos encargos (com a RTP e os noticiários da NP destinados aos "media" das comunidades se gastava, então, quase metade do orçamento para ações...).. Os colegas que tutelavam esses departamentos queixavam-se, mas eu não tinha alternativa (Fernando Nogueira e Marques Mendes, os principais prejudicados pela repercussão da minha crise orçamental no orçamento deles) foram mais solidários do que a equipa do MNE. Durante o período que durou o Executivo, o panorama, neste aspeto, foi negro, tornou tudo mais difícil, mas conseguimos, mesmo assim, cumprir as prioridades, nomeadamente o funcionamento do Conselho, que não é barato - o mesmo se podendo dizer de outros custos da democracia, caso dos processos eleitorais, da vida do parlamento .. Em 86, ano de reunião mundial parcelada por regiões, todas correram de uma forma dinâmica e construtiva, incluindo a da Europa, realizada na Alemanha, sem cisões nem confusões. As outras - a da África em Capetown, a da América do Sul no Brasil, Estado do Paraná, em Maringá, cidade geminada com Leiria, e a da América do Norte, no Canadá, em Toronto - pode dizer-se que corresponderam a expetativas bastante altas, e contaram, em todo o lado, com uma calorosa receção das autoridades locais, Governadores de Estado, Presidentes de Câmaras, Ministros. O Canadá não foi exceção e é de notar que aí, precisamente nesse ano, haviam sido proibidas as eleições e reuniões das Comissões de Emigrantes italianos, por serem consideradas órgãos oficiais de um governo estrangeiro.Na verdade, os seus membros eram eleitos por sufrágio universal dos recenseados nos consulados. Embora com funções consultivas semelhantes às do nosso Conselho, havia uma diferença fundamental, que jogava a nosso favor: o CCP era composto por representantes de associações, todas elas, como eu tive o cuidado de salientar nas conversas com às autoridades do País, pessoas coletivas de direito canadiano. E, assim, pudemos contar não só com a sua simpatia e compreensão, mas até com um grande banquete de encerramento oferecido pelo Ministro da Imigração do Ontário, Tony Ruprecht - que, a meu convite, e na companhia do dinâmico Cônsul de Portugal, António Tânger, tinha já visitado Portugal, de norte a sul, com passagem obrigatória pelos Açores. Todos os Conselhos consultivos existentes em países de emigração são instituições inspiradas no paradigma francês, que era inicialmente de natureza associativa, mas adotou o sufrágio universal na reforma de 1984, com isso influenciando os que foram criados posteriormente, o italiano, o espanhol e o português, na sua segunda vida, a partir de 1996/97... Na minha visão das coisas. para além da vertente consultiva , o CCP,era, também, um órgão representativo, um senado, uma assembleia onde os expatriados tinham voz e interlocutor (o governo), um instrumento insubstituível para o diálogo democrático, para políticas co-participadas. E por pensar assim, indiferente a alguma turbulência , geográfica e partidariamente localizada, coloquei sempre o Conselho num lugar central. E, não sei se bem ou se mal, procurei que fosse o que queria ser, por vontade dos Conselheiros, mais do que o que eu, como Governo, queria que fosse ( um forum voltado, em primeira linha, para a presença cultural,lusófona no mundo, como originalmente concebido no programa da AD e 80, e não como foi, uma organização focada, sobretudo, nas questões sociais da emigração. e. consequentemente muito partidarizada na Europa, embora hoje bem menos do que dantes.). É praticamente impossível ser uma coisa e a outra...e não era viável, por condicionantes orçamentais, suportar duas estruturas, cada qual com o seu universo e o seu denominador comum. Uma forma de alargar a interpenetração do Conselho a segmentos importantes da sociedade foi a criação de "conferências temáticas" a reunir na sua órbita - ensino e cultura, juventude, assuntos económicos. Um recomendação dos próprios membros, aceite, com aplauso, pelo governo, isto é, por mim, sem entraves ministeriais,. Aproveitei para lhe acrescentar um outra, em que aquele forum de homens não pensaria: a conferência para a promoção da igualdade de género, que daria continuação ao Encontro Mundial de 1985 e seria um verdadeiro "conselho no feminino". Por outro lado, para envolver todo o governo nas questões da emigração, foi instituída uma "Comissão Interministerial", olhada como um instrumento de apreciação e cumprimento das recomendações do CCP. Estávamos em 1987 - o governo caiu com um voto de censura na AR, e com ele, como disse, veio a cair o Conselho, as Conferências e muito do que tinham sido as políticas prosseguidas por governos de vários quadrantes( a pretexto de que Portugal deixara de ser um país de emigração,para se converter em terra de imigração logo depois da adesão à CEE. O que, se fosse verdade, entraria no patamar do milagre. .Não era. E. mesmo que tivesse cessado o movimento de saída. e. apesar do número significativo de retornos,que efetivamente se verificavam. nem por isso desapareciam do mapa de todos os continentes milhões de portugueses... O que aconteceu, com o nosso ingresso na CEE,, foi uma mudança qualitativa do estatuto de muitos dos portugueses emigrados nos Estados membros. Foi com eles que, pragmaticamente, me preocupei ao longo dos meses que durou este governo. Era preciso informar, dar condições de vivência efetiva do novo estatuto de cidadania. A campanha que desenvolvemos teve um caráter inédito, na medida em que solicitamos o apoio dos países de acolhimento para ações de divulgação conjunta. Com a chancela dos dois governos, preparámosIV GOVERNO CAVACO SILVA Arrumar os papéis quando o 4º governo cessou funções foi uma mera formalidade. pois sabia que iria reocupar o gabinete no que se seguia. Mudava de ministro, não de programa, nem de "staff". Os princípios fundamentais eram ainda os do meu 1º governo, a vontade de o levar por diante, também. O CCP continuava no centro de um projeto de co-participação nas políticas para as comunidades do estrangeiro. A sua reunião mundial estava convocada para Porto Santo e Funchal numa data (11/17 de novembro), que mal me deu tempo de tomar posse. fazer as malas e partir para a Região Autónoma da Madeira. Alberto João Jardim presidiu à sessão de abertura, onde começou a agitação que marcaria esta reunião mais do que qualquer, sem, contudo, perturbar a sua agenda, debates, recomendações. A contestação vinha sempre do mesmo pequeno grupo de França, próximo do Partido Comunista. Desta vez, abandonaram os trabalhos, tomaram o avião de regresso e deram conferência de imprensa em Lisboa. O Governo, fosse ele bloco central ou do PSD minoritário era o alvo, muito personalizado no Secretário de Estado, é claro, invariavelmente eu - nenhum dos outros assinaria a convocatória do Conselho... até a ùltima seria assinada por mim na 25ª hora deste Executivo, e presidida pelo meu sucessor no 1º Governo maioritário de Cavaco Silva. Não podendo cancelar o processo em curso, Correia de Jesus cumpriria os mínimos: uma breve aparição e um discurso duro, a anunciar o fim dos tempos daquele forum ruidoso, o que teve por efeito pôr, enfim, todos os conselheiros do mesmo lado, a tentar, em vão, salvar o "seu" CCP, já irremediavelmente condenado à morte. A mim, o ruído da minoria nunca me preocupou. A maioria estava comigo, quando não, em muitas das questões relevantes, também a minoria. É assim que se vive em democracia, eventualmente em luta frontal. Não foi este o relacionamento que me preocupou, ou que me atingiu pessoal ou politicamente. Atingiu, sim, o próprio CCP. Tanto o 1º Ministro Soares, em 1985, como o 1º Ministro Cavaco foram alvo da desenfreada agressividade dessa minoria eminentemente parisiense, e detestaram a experiência, que tão pouco me afetava. Como diria Pinheiro de Azevedo era "só fumaça". Mal eu deixei o governo, o todo pagou pela pequena parcela de desordeiros políticos - Cavaco terá dado luz verde a Correia de Jesus para extinguir a injustamente mal vista instituição. No que me respeita, outras foram os relacionamentos que correram realmente mal e me fizeram perder a paciência e deixar, em Agosto de 87, não só o governo, mas também os círculos de emigração, pelos quais tinha sido eleita em 80, 83 e 85., Não o relacionamento com Cavaco, que fora próximo, dentro do núcleo dos críticos, e acabou sobrevivendo a dois longos anos de hibernação. Quando surgiram os problemas - muitos! - não o procurei, nunca, para lhe dar conta do que estava a acontecer. Nem sequer o fizera, antes, com o Doutor Mota Pinto, um amigo de longa data, durante as peripécias do 1º governo - acho que um Primeiro -ministro não se incomoda com questões menores, questões pessoais. Só falaria com eles em caso extremo, por exemplo, para justificar um pedido de demissão irrevogável. (irrevogável, mesmo...). Na verdade, o único Chefe de governo com quem falei, vezes sem conta, ao telefone, foi com Sá Carneiro - mas era sempre ele a tomar a iniciativa, para me encorajar numa determinada direção ou para me felicitar por uma ação concreta. para me dar ânimo - e foi espaçando as chamadas à medida que me via mais segura de mim. Por outro lado, é sabido que Cavaco Silva é um institucionalista, muito respeitador das hierarquias, e, para ele, Ministro era Ministro, e Secretário de Estado um mero adjunto. Vi-me, assim, isolada pelo parceiros do lado de lá do corredor, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Azevedo Soares e o Ministro Pires de Miranda. Começaram, de comum acordo, por me esvaziar o orçamento (em mais de 200.000 contos, ao que respondi apresentando ao MNE um ultimato: ou a pronta restituição de, pelo menos, 100.00 euros ou a minha demissão. Na verdade, um corte dessa dimensão não permitia sequer o normal funcionamento dos serviços e deixava um zero para ações de apoio cultural e social... Miranda, o habilíssimo negociador de petróleo, percebeu que eu não estava a fazer "bluff", e os 100.000 euros vieram, atempadamente, das verbas do seu gabinete. Para compensar o "buraco" restante, cortei a contribuição da SECP nos protocolos com a RTP, que suportavam as emissões para a emigração (e que passara a recair sobre a tutela) e outras redistribuição de vultosos encargos (com a RTP e os noticiários da NP destinados aos "media" das comunidades se gastava, então, quase metade do orçamento para ações...).. Os colegas que tutelavam esses departamentos queixavam-se, mas eu não tinha alternativa (Fernando Nogueira e Marques Mendes, os principais prejudicados pela repercussão da minha crise orçamental no orçamento deles) foram mais solidários do que a equipa do MNE. Durante o período que durou o Executivo, o panorama, neste aspeto, foi negro, tornou tudo mais difícil, mas conseguimos, mesmo assim, cumprir as prioridades, nomeadamente o funcionamento do Conselho, que não é barato - o mesmo se podendo dizer de outros custos da democracia, caso dos processos eleitorais, da vida do parlamento .. Em 86, ano de reunião mundial parcelada por regiões, todas correram de uma forma dinâmica e construtiva, incluindo a da Europa, realizada na Alemanha, sem cisões nem confusões. As outras - a da África em Capetown, a da América do Sul no Brasil, Estado do Paraná, em Maringá, cidade geminada com Leiria, e a da América do Norte, no Canadá, em Toronto - pode dizer-se que corresponderam a expetativas bastante altas, e contaram, em todo o lado, com uma calorosa receção das autoridades locais, Governadores de Estado, Presidentes de Câmaras, Ministros. O Canadá não foi exceção e é de notar que aí, precisamente nesse ano, haviam sido proibidas as eleições e reuniões das Comissões de Emigrantes italianos, por serem consideradas órgãos oficiais de um governo estrangeiro.Na verdade, os seus membros eram eleitos por sufrágio universal dos recenseados nos consulados. Embora com funções consultivas semelhantes às do nosso Conselho, havia uma diferença fundamental, que jogava a nosso favor: o CCP era composto por representantes de associações, todas elas, como eu tive o cuidado de salientar nas conversas com às autoridades do País, pessoas coletivas de direito canadiano. E, assim, pudemos contar não só com a sua simpatia e compreensão, mas até com um grande banquete de encerramento oferecido pelo Ministro da Imigração do Ontário, Tony Ruprecht - que, a meu convite, e na companhia do dinâmico Cônsul de Portugal, António Tânger, tinha já visitado Portugal, de norte a sul, com passagem obrigatória pelos Açores. Todos os Conselhos consultivos existentes em países de emigração são instituições inspiradas no paradigma francês, que era inicialmente de natureza associativa, mas adotou o sufrágio universal na reforma de 1984, com isso influenciando os que foram criados posteriormente, o italiano, o espanhol e o português, na sua segunda vida, a partir de 1996/97... Na minha visão das coisas. para além da vertente consultiva , o CCP,era, também, um órgão representativo, um senado, uma assembleia onde os expatriados tinham voz e interlocutor (o governo), um instrumento insubstituível para o diálogo democrático, para políticas co-participadas. E por pensar assim, indiferente a alguma turbulência, geográfica e partidariamente localizada, coloquei sempre o Conselho num lugar central. E, não sei se bem ou se mal, procurei que fosse o que queria ser, por vontade dos Conselheiros, mais do que o que eu, como Governo, queria que fosse ( um forum voltado, em primeira linha, para a presença cultural,lusófona no mundo, como originalmente concebido no programa da AD e 80, e não como foi, uma organização focada, sobretudo, nas questões sociais da emigração. e. consequentemente muito partidarizada na Europa, embora hoje bem menos do que dantes.). É praticamente impossível ser uma coisa e a outra...e não era viável, por condicionantes orçamentais, suportar duas estruturas, cada qual com o seu universo e o seu denominador comum. Uma forma de alargar a interpenetração do Conselho a segmentos importantes da sociedade foi a criação de "conferências temáticas" a reunir na sua órbita - ensino e cultura, juventude, assuntos económicos. Um recomendação dos próprios membros, aceite, com aplauso, pelo governo, isto é, por mim, sem entraves ministeriais,. Aproveitei para lhe acrescentar um outra, em que aquele forum de homens não pensaria: a conferência para a promoção da igualdade de género, que daria continuação ao Encontro Mundial de 1985 e seria um verdadeiro "conselho no feminino". Por outro lado, para envolver todo o governo nas questões da emigração, foi instituída uma "Comissão Interministerial", olhada como um instrumento de apreciação e cumprimento das recomendações do CCP. Estávamos em 1987 - o governo caiu com um voto de censura na AR, e com ele, como disse, veio a cair o Conselho, as Conferências e muito do que tinham sido as políticas prosseguidas por governos de vários quadrantes, a pretexto de que Portugal deixara de ser um país de emigração, e se convertera em terra de imigração. logo após a adesão à comunidade. Teria sido milagre, se fosse verdade, mas não era. E mesmo que tivesse cessado o movimento de saída (por sinal, em aumento relativamente à primeira metade de 80...),nem por isso desapareciam, subitamente, do mapa de todos os continentes, milhões de portugueses de primeira e segunda geração, nomeadamente na Europa. Com estes, os que continuavam a viver no nosso continente, nos preocupamos, de forma muito pragmática. Estávamos num período determinante para criar as condições de vivência efetiva do novo estatuto de cidadania. Era preciso informa-los. defender ativamente os direitos do estatuto de cidadania nos Estados membros da CEE. Fizemo-lo associando ao nosso esforço os governos dos países de acolhimento. Editámos pequenas publicações bilingues (ou multilingues), com a chancela dos dois países. Assim, serviam de orientação aos emigrantes e, se fosse preciso, eram oponíveis a qualquer serviço local, menos atento às mudanças da sua situação jurídica. Coisa simples, embora antes de nós, nunca tivesse sido tentada. Tudo o que não implicava gastos orçamentais, ia por diante, melhor do que antes - a experiência conta muito,e ia em crecendo a proximidade com os homólogos, em particular na Europa, do Luxemburgo ao Reino Unido, de Jean Claude Juncker a David Waddington, com organizações internacionais, Conselho da Europa, CIM, OCDE, OIT, com os responsáveis pela emigração nas Regiões Autónomas (Virgílio Teixeira, AJ Jardim, Duarte Mendes, Costa Neves), com o mundo associativo (que o CCP tinha por objetivo principal representar ), com os emigrantes e as mais dinâmicas instituições da chamada Diáspora. Multiplicavam-se as ações de formação, no teatro, no folclore e jogos tradicionais, na música, nos cursos de verão para jovens, através de protocolos com universidades, com a Federação de Folclore, com a cooperativa "Árvore" (foram várias as parcerias em exposições itinerantes, que atravessaram mares e continentes), as publicações de estudos sobre emigração portuguesa.Aprendi, certamente, a trabalhar mais com a força das solidariedades do que com dinheiro... Até as viagens às comunidades fazia assim, porque na TAP os membros do governo não pagavam bilhete, nem mesmo em 1º classe.... Bastava eliminar as comitivas, ou reduzi-las a um acompanhante, prescindir de despesas de representação e de hotéis de luxo, para que os custos se tornarem insignificantes. Luxo só na única viagem que realizei na comitiva do 1º Ministro Cavaco Silva, em visita oficial a Paris. Chirac foi a mais agradável surpresa dessa expedição. Não o apreciava nada e fiquei encantada, com a sua vivacidade, a sua simpatia, "bref", o seu "charme".Um político com quem me senti inteiramente à vontade, tanto para apresentar reivindicações sérias como para fazer conversa amena. A certa altura, perguntou-me: qual é o maior problema para a emigração portuguesa em França? Minha resposta imediata: "Agora que já somos parceiros na CEE, esperamos o fim dos pagamento dos abonos de família, feitos em Portugal, por montantes muito inferiores aos que são feitos aos portugueses no território francês . Logo ali, perante todos os presentes, garantiu: "Vou resolver isso!" Bernard Bosson, que era Ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros, e um grande amigo de Portugal, disse-me, quando tomávamos café, num recanto do grande salão da Embaixada, na rue de Noisiel: "Parece impossível, mas ele é bem capaz de cumprir a promessa, desde que o papel lhe chegue diretamente". Explicou-me como... Foi pena, mas não chegou....seguiu pelos canais costumeiros, onde encontrou os previsíveis obstáculos intransponíveis. O ponto baixo de uma visita oficial sem outro defeito foi o encontro com os portugueses, onde alguns conselheiros das Comunidades trataram o Primeiro Ministro de uma forma rede e incivilizada. No Governo anterior, o mesmo acontecera com Mário Soares, que ficou furioso e lhes respondeu civilizadamente, com palavras duras. Cavaco não lhes deu conversa (fui eu que disse o que tinha a dizer). Era o prenúncio da morte do Conselho. No Governo seguinte, eu já lá não estava para lembrar que aquela meia dúzia de "guerrilheiros" não representava o verdadeiro espírito da instituição. .O meu último mandato governamental terminou no dia 14 de agosto desse ano de 1987, num grande palco improvisado no feérico castelo de Santa Maria da Feira para o que seria também o último Festival da Canção Migrantes. Entre canções e abraços