novembro 17, 2016

TORONTO Nos últimos 40 anos de migrações portuguesas podemos distinguir três períodos, do ponto de vista do entrelaçamento dos fluxos e das políticas migratórios. 1 – Os grandes movimentos de retorno e as políticas de reintegração Em 1973/74, assistimos às ondas do “choque petrolífero, numa recessão económica generalizada, ao fim da ditadura em Portugal e à descolonização do último império europeu. Abrem-se as nossas fronteiras, quando se encerram, abruptamente, à imigração as da Europa e de outros continentes, que haviam recebido, ao longo das duas décadas precedentes, um êxodo de cerca de dois milhões de portugueses. Destacou-se a emigração “a salto” para a França e para outros países vizinhos, largamente maioritária, e constituindo uma ruptura com os pólos de atracção tradicionais (Brasil, EUA, Argentina…), mas esqueceram-se por demais (até em estudos académicos) os novos movimentos transoceânicos, que, desde então, haviam dado origem a importantes comunidades no Canadá, na Venezuela, na África do Sul, na Austrália… A descolonização provocou, de imediato, o súbito e caótico retorno de África cerca de 800.00 a um milhão, entre 1974/76, num tempo em que começava já, gradualmente, o regresso voluntário, ordenado -e, por isso praticamente invisível – dos emigrantes da Europa, que se intensificaria ao longo dos anos 80, atingindo mais de 800.00, nas estimativas mais modestas. A conjuntura económica, política social deveriam ter tornado impossível o bom sucesso destes regressos tão desiguais. Mas não… todos fizeram parte da democratização do País, todos encontraram o seu lugar no vaivém alucinante, que envolvera, primeiro, dois milhões de pessoas de partida, e, então, devolvia ao chão pátrio, um número praticamente equivalente, deixando, ainda assim, cinco milhões de portugueses, de primeira e segunda geração dispersos por todos os continentes. Pode perguntar-se como conseguiu Portugal tornar-se um paradigma de sucesso em tão dramáticas aventuras de retorno. A meu ver, como já tenho dito, nos debates sobre este fenómeno, ao longo de 2014, graças ao perfil dos que chegavam, a mérito seu, acompanhado pelo inesperado acerto das políticas – inesperado num domínio onde sempre imperara a inércia do Estado. De África vinham portugueses com rasgo e experiência empresarial, da Europa migrantes com reformas, rendimentos, projectos de investimento - "uma geração de triunfadores" na feliz expressão de Eduardo Lourenço. Uns e outros repovoaram regiões desertificadas pelo ciclo migratório anterior. Uns e outros aproveitaram da melhor maneira os incentivos oferecidos pelos Governos – as contas de poupança crédito, os empréstimos a juro bonificado para emigrantes, os fundos de apoio ao investimento dos retornados. E as novas políticas para os expatriados e para as comunidades nascem numa vontade de inclusão e de afirmação dos direitos da cidadania, com um acento personalista, que é verdadeiramente revolucionário. · 2 – Portugal, país de emigração, país de imigração? Segue-se um ciclo, caracterizado pela ausência de grandes correntes migratórias – com as saídas quase limitadas ao reagrupamento familiar, aproveitando especialmente às mulheres e contribuindo para um maior equilíbrio de sexos na emigração portuguesa. Equilíbrio que favorece o florescimento de comunidades no seu sentido orgânico, como espaços de vivência cultural do grupo étnico. Nem as oportunidades procuradas em novos destinos – a Suiça, o Médio Oriente, em trabalhos maioritariamente de natureza temporária – nem a adesão à CEE, na impossibilidade prática de usar o direito de livre circulação consagrado nos tratados, vêm alterar este quadro fundamentalmente estável quando comparado com o antecedente. É tempo de descobrir a dimensão cultural das comunidades, de olhar não só a emigração recente e europeia esquecida, mas também a mais antiga, a “diáspora”, que entra no discurso oficial e popular. O aprofundamento dos direitos políticos dos expatriados, a criação de um mecanismo específico para a sua representação, o Conselho das Comunidades Portuguesas, a aceitação da dupla nacionalidade., o apelo à participação dos jovens e das mulheres a conceitualização de políticas compreensivas de todo o ciclo migratório, são verdadeiramente “sinais dos tempos”, do pós 25 de Abril…O aperfeiçoamento do aparelho burocrático, a sua diversificação e autonomia administrativa e financeira foi importante para passar do discurso à boa execução das medidas e á acção concreta, (facilitada pela formação de técnicos altamente especializados mas, note-se, sempre prejudicada pela escassez das dotações orçamentais para a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas). Situação que se agrava, após a adesão à CEE com o discurso falacioso de que Portugal deixara de ser um país de emigração e se tornara um destino de imigração. E é pretexto para o desmantelamento dos serviços autónomos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. A imigração em massa é um fenómeno mais tardio, de fim de século, ligado às grandes obras públicas, e atinge o seu auge, no início do século XXI, sem nunca assumir, apesar da sua enorme importância, proporção comparável à emigração portuguesa, -3 – A emigração, em recomeço Contra todas as previsões Portugal enfrenta um novo êxodo migratório, semelhante em volume, em desmesura, aos dos anos 60. O que há de diferente nesta nova vaga gigante é a sua maior dispersão geográfica, e, sobretudo, a sua grande heterogeneidade – saem de todas as regiões do país, do campo e da cidade, os mais e menos qualificados, os mais ou menos jovens, os homens e as mulheres (estas sobretudo no grupo mais qualificado e ainda uma minoria, ao contrário do que acontece em outros países europeus – por exemplo, a Polónia). É uma fuga generalizada a um futuro sombrio., É uma catástrofe demográfica… Nunca se viu coisa igual…. De muito positivo neste processo, vejo, apenas, a escolha por muitos do mundo lusófono, com Angola em primeiro lugar ( serão já 100.000 os portugueses aí residentes) , e, em menor escala, o Brasil – para onde os movimentos tinham cessado, quase por completo, em meados do século XX, com a excepção do generoso acolhimento incondicional de todos os retornados África, em 1974 e 75 - Moçambique, ou até Cabo Verde e Macau. Há, também, muitos que continuam a escolher a Europa, ao abrigo do direito de livre circulação, com a ajuda de amigos, de parentes. Não podemos saber precisamente quantos, nem qual a sua situação. Há casos de autêntico “brain drain” de cientistas, engenheiros, médicos, arquitectos. Mas é cada vez mais difícil encontrar trabalho não o encontram na sua área de especialização e sentem-se frustrados ou explorados… - na Suiça, no Luxemburgo, na Alemanha, por todo o lado. A ameaça de suspender a liberdade de circulação, que é um dos pilares da construção europeia, é já notícia de jornal. A Europa dos valores e dos princípios parece estar em desagregação desagregação. 4. Que papel entende caber ao Estado português, no apoio a esses emigrantes? Defender, activamente, os seus direitos, onde quer que residam, manter o contacto com eles, ouvi-los, informa-los...Desde o 25 de Abril de 1974 que os emigrantes gozam, face à Constituição do direito à protecção do Estado – contra a tradição de circunscrever a acção dos poderes públicos em favor dos nacionais dentro do seu próprio território. A revolução de 74 veio, assim, substituir o “paradigma territorialista” pelo paradigma “personalista” , centrado no estatuto de direitos dos expatriados. Sucessivos governos delinearam, a partir de 1974, e até à década de 90, toda uma arquitectura institucional de suporte a políticas de informação, de apoio no domínio social e cultural, de negociação de acordos bilaterais, de parceria com o movimento associativo das comunidades. Logo em 1974 foi criada a Secretaria de Estado da Emigração, sedeada primeiro no Ministério do Trabalho, depois no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desenvolveu serviços próprios, incluindo um Instituto dotado de autonomia administrativa e financeira, delegações externas, em articulação com a rede consular, com os conselheiros sociais das Embaixadas. Ou seja, meios adequados, ainda que com orçamentos sempre modestos para a acção cultural externa, para o ensino da língua aos filhos dos emigrantes (um dever do Estado, expressamente consagrado na Constituição desde a revisão de 1982), para a assistência social. O enfoque prioritário era na Hoje, há, é certo, novas formas de contacto, as redes sociais, a RTPI, uma rede consular informatizada, um Secretário de Estado experiente e atento. Mas estas fortíssimas correntes migratórias, reclamam acompanhamento, conhecimento das situações concretas, informação, assistência, onde for precisa. No dia a dia. O que me parece exigir reforço de meios materiais e humanos e, onde for possível, um reforço das parcerias com o associativismo da emigração, que tão decisivo foi na integração de sucessivas vagas migratórias, nas Américas, na Europa, por todo o lado. 5. Para Portugal, a saída de nacionais implica sempre perda de população ativa. Que consequências, do ponto de vista económico e demográfico, se podem esperar, num futuro próximo, desta saída? Também deste ponto de vista a situação é assustadora. Os números são tremendos – o Secretário de Estado fala, com conhecimento de causa, em mais de 120.000 saídas por ano… Há o fundado receio de que os mais qualificados tenham partido definitivamente. Se assim é, isso representa uma perda irremediável para a economia nacional (embora Portugal possa recupera-los, lá fora, na Diáspora – do que, porém, não há certezas… - depende das relações que queiram manter entre eles e com o País). A predominância de uma emigração temporária, actualmente, faz do regresso dessa maioria uma questão de criação de oportunidades de emprego. Quando o volte face acontecer em Portugal, vamos possivelmente precisar de fazer apelo ao trabalho de estrangeiro,incluindo os mais qualificados, que serão indispensáveis para a modernização da economia, tanto quanto para o equilíbrio demográfico... De quantos? E quando? Quando, no interior desta Europa, enredada na teia das políticas de austeridade e de uma latente conflitualidade norte/sul ? Neste momento, o que mais há são interrogações…

Sem comentários: