novembro 17, 2016
BERKELEY Abril 2014
1 - Até 1974, as revoluções portuguesas não “revolucionaram” nunca as
políticas de emigração – nem sequer, verdadeiramente as reformaram. Há
uma linha de continuidade multissecular na forma de olhar o fenómeno
migratório, que já vem do antecedente, do período de colonização de
possessões ultramarinas, das ilhas do Atlântico à Africa, do Oriente
ao Brasil… A distinção entre esses dois períodos é, aliás, difícil de
fazer, quando se olham os projectos individuais no quadro do projecto
estatal, como salienta Joel Serrão e, de um modo geral, os estudiosos
deste passado longo.
O êxodo ininterrupto para o Brasil, que foi o grande palco onde se deu
a transição entre colonização e emigração bem o comprova – era ainda
colónia ou Reino unido, e já atraía, incessantemente, mais voluntários
do que a Coroa estimava como bastantes. E, por isso, as políticas de
emigração visaram, fundamentalmente, limitar as partidas – ou mesmo
proibi-la – sobretudo as das mulheres, a s migrações de grupo, de
família. Preocupações demográficas, financeiras, uma visão
economicista das migrações, e, consequentemente, uma mesma ideia do
interesse público, sobrepuseram-se, sempre, aos direitos individuais.
A Revolução de 1910 não veio alterar nem estas correntes de pensamento
dominante, nem a ordem jurídica, e a “praxis” vigente
O primeiro gesto revolucionário é, assim, a imposição da liberdade de
emigrar, expressamente consagrada na Constituição de 1976. Com ela, o
cidadão passou a ocupar o centro da decisão, a ser sujeito de novas
políticas personalistas.
2 - A abertura de fronteiras não foi o único ímpeto libertário de
Abril – seguiu-se o reconhecimento nas leis da República do princípio
da igualdade de todos os cidadãos portugueses, não só no rectângulo
continental e nas ilhas atlânticas, mas no imenso espaço da emigração
portuguesa. O Estado assumiu, consequentemente, o seu dever de
protecção dos nacionais, onde quer que estivessem. A democracia era,
pela primeira vez, concebida à dimensão nacional, e seria aprofundada
na transição do "paradigma territorialista" para o
"paradigma personalista", focalizado na pessoa, nos seus direitos
individuais, num verdadeiro “estatuto do expatriados” em constante
aperfeiçoamento, a nível interno e, também, a nível internacional,
através de novas convenções e acordos multilaterais. O direito dos
expatriados baseia-se na sua pertença a uma comunidade demarcada, não
apenas por linhas de fronteira geográficas, mas pelos sentimentos de
identidade nacional. Representa o encontro do Estado com a Nação. É
uma via aberta à procura de formas de inclusão dos expatriados na vida
do país. Não é contudo, um processo acabado, nem no nosso, nem em
outros países de emigração.
3 - Subsistem múltiplas restrições, nomeadamente no campo da
participação política: a Constituição e as leis limitam o número de
representantes dos círculos de emigração na Assembleia da República: o
voto na eleição do Presidente da República foi negado até 1997, e
ainda o é nas eleições autárquicas e autonómicas. Também em matéria de
direitos à prestações sociais se pode referir a inexistência de
pensões mínimas, cujo sucedâneo é um esquema de atribuição de
reduzidos subsídios em casos de pobreza extrema – o “apoio social a
idosos carenciados”, ASIC). E até no que respeita ao acesso dos filhos
dos emigrantes ao ensino da língua e da cultura, que é incumbência
constitucional do Estado, desde a revisão de 1982, a desigualdade
subsiste, por imperfeito cumprimento desse dever pelos governos,
embora mais numas comunidades do que noutras (com as mais distantes,
fora da Europa, a ficarem dependentes da sua própria iniciativa
3 – No ímpeto libertário da revolução se desfez, no imediato, a
política colonialista, a visão decadente e anacrónica de um Portugal
do Minho a Timor, do mesmo passo que se revelava à “inteligentzia”
nacional, aos políticos e à sociedade civil, a dimensão humanista da
presença portuguesa universal, através da emigração e da diáspora –
uma dimensão que andava esquecida e que se devia, integralmente, às
pessoas, não ao Estado ou aos regimes.
As comunidades portuguesas, com as suas próprias e poderosas
organizações – que se tinham substituído ao Estado ausente, no plano
social e cultural - impuseram-se como parceiras obrigatórias da
execução das novas políticas, incluindo as que se dirigiam aos
portugueses, na defesa de direitos individuais. As políticas de
protecção das pessoas, de informação, os projectos culturais,
passaram, frequentemente, por elas.
O Conselho das Comunidades Portuguesas, uma câmara de audição de
representantes das associações e do jornalismo em todo o mundo, veio,
a partir da década de 80, dar forma oficial a esse diálogo entre os
governos e as comunidades orgânicas.
4 – Nem sempre foi fácil o entendimento, o acordo, ou a satisfação das
reivindicações expressas no CCP ou fora dele.. O que não aconteceu
logo nos momentos primordiais de arrebatamento colectivo, no auge da
Revolução, caiu, depois, no andamento gradual e, quantas vezes
hesitante, do reformismo. E por isso, no que respeita aos direitos dos
emigrados, às políticas que se dirigiam aos seus problemas
específicos, ao aparelho burocrático, que lhes deu sustentáculo,
podemos falar de lenta evolução, com alguns retrocessos de permeio.
Mesmo quando havia consenso nas grandes linhas de actuação concertadas
com as comunidades, os meios eram escassos…
São estas 4 décadas de reformismo, no domínio das migrações que a
AEMM propõe a debate. ao longo deste ano de 2014, num ciclo de
colóquios, iniciado em Lisboa, no Palácio das Necessidades com uma
motivadora intervenção do Secretário de Estado das Comunidades
Portuguesas. O cicço prossegue, aqui, integrado nas comemorações da
Revolução promovidas na Universidade de Berkeley. Seguir-se-ão
colóquios e mesas redondas na Universidade Aberta de Lisboa, na
Sorbonne, no Arquivo Municipal de Gaia, e na Universidade de Toronto –
as duas últimas especialmente voltadas para as migrações de retorno de
África
5 - Dos movimentos migratórios registados nos últimos 50 anos em
Portugal, podemos dizer que constituíram as maiores vagas de saída e
retorno jamais vistos numa história pontuada por ciclos infindáveis de
partidas em massa, mas nunca de regressos tão vultosos. Estes
movimentos condicionaram decisivamente as prioridades políticas dos
Executivos, apesar de só um deles se ligar, directamente, à Revolução
– o retorno de Africa, que trouxe de volta mais de 800.000
portugueses, em circunstâncias dramáticas, desapossados de todos os
seus bens e psicologicamente abatidos pelo infortúnio. “De jure” não
eram emigrantes nem refugiados, todavia enfrentavam dificuldades
análogas no seu esforço de reinserção
A crise económica europeia e geral pusera abruptamente termo ao êxodo
que, entre 1950 e 1973, envolvera quase dois milhões de portuguesas.
Muito deles preparavam o regresso ou já o tinham concluído, de uma
forma voluntária, discreta, bem sucedida – os primeiros estudos
realizados por equipas de investigadores universitários, sobre o censo
de 1980, surpreenderam o país, quando foram divulgados, em 1984 – mais
de 500.000 já estavam de volta, outros tantos viriam, previsivelmente,
até final do século.
Em 1974, só o Brasil abriu, de forma incondicional, o seu território
aos retornados de Africa. Algumas dezenas de milhares ficaram na
Africa do Sul, alguns centenas dispersos por outros continentes. A
Europa apenas permitia entradas para reagrupamento familiar,
beneficiando, com isso, maioritariamente a imigração feminina.
Escassas oportunidades surgiram no Médio Oriente, num país europeu,
que foi excepção à regra, a Suiça, a partir de 80 – e pouco mais,
6 – As acções desenvolvidas no pós 25 de Abril, foram, naturalmente,
dirigidas a ajuda aos emigrantes, cuja situação precária era conhecia
– na Europa, sobretudo – e de apoio aos movimentos de regresso.
Foi criada, em 1974 a Secretaria de Estado da Emigração, - que iria
estendendo a sua rede de delegações no estrangeiro (núcleos de
assistentes sociais, de animadores culturais, professores de
português, enviados pelo Ministério da Educação). No país reforçou,
gradualmente, as suas estruturas, a Direcção-Geral, o Instituto de
Emigração, dotado de autonomia administrativa e financeira. Foram
recrutados e a formados técnicos altamente especializados – um
património humano que lhe permitiu actuar utilmente, mesmo quando os
orçamentos para acções eram reduzidos. Ao associativismo continuaria a
caber um papel de primeiro plano, aspecto social e cultural
De sucesso se pode, certamente falar, principalmente, nas políticas de
apoio ao regresso, a dos recém-chegados de Africa (a cargo da
“Secretaria de Estado dos Retornados”) e da emigração., Nenhum país,
em circunstâncias, de algum modo, semelhantes, conseguiu resultados
comparáveis. Portugal perdera, na década anterior, quase dois milhões
de pessoas. Como foi possível reabsorver, em época de tremenda crise
económica, um número equivalente nos anos seguintes? Uma das respostas
estará, seguramente, no diferente perfil de quem partiu e de quem
veio, das circunstâncias em que veio e do lugar que escolheu para
viver…E, numa boa parte, também, no acerto das políticas…Políticas de
incentivo ao investimento no interior. Muitos retornados de África,
como a maioria dos emigrantes não escolheram para residir as grandes
cidades, mas as suas terras de origem, onde os laços familiares e a
solidariedade de vizinhos eram facilitadores da integração. Áreas que
os emigrantes haviam despovoado e que, então, repovoavam, com outros
meios de subsistência, reformas, capitais, projectos de negócios… De
Africa, os portugueses traziam experiência de vida, de empreendimento
e a vontade de recomeçar.
Instrumentos muito concretos, como isenções fiscais e alfandegárias,
as contas de poupança crédito, empréstimos a juro bonificado foram bem
utilizadas pelos emigrantes, como o foram as verbas adiantadas para
projectos de investimento dos retornados da descolonização – em larga
medida financiados por um Fundo especial concedido pelo governo dos
EUA.
7 – Estabilizados os desmesurados fluxos migratórias, melhor conhecida
a realidade da vida das comunidades portuguesas e dos cerca de 5
milhões de concidadãos dispersos pelo universo, o olhar dos
governantes, a partir da década de oitenta, sem prejuízo da atenção
dada às questões do regresso e ao processo de adesão à CEE –
dirige-se, também, para outros continentes, para a emigração mais
antiga, para a Diáspora, com um acento nas políticas culturais. O CCP
pretendia ser um elo de ligação cultural das diásporas, embora, nos
seus trabalhos, a componente social da emigração recente e a vertente
política e mais conflitual, introduzidas pela representação da Europa,
tenham tido sempre maior visibilidade mediática,
A década de 90 foi dominada pelo discurso oficial do fim da emigração
e do início da imigração (cujo anúncio era, aliás, prematuro…) e
marcada pela extinção dos serviços autónomos da Emigração, que foram
anexados pela Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades
Portuguesas. E também pelo fim do CCP, cujas reuniões plenárias
cessaram em 1988. Em 1996 O Conselho seria recriado, num novo modelo,
com eleição por sufrágio directo e universal de portugueses de
passaporte – excluindo os lusos descendentes, o círculo mais lato da
Diáspora lusófona.
O maior equilíbrio no relacionamento do Estado com as comunidades de
dentro e fora da Europa não foi, porém, prejudicado, beneficiando com
a criação da RTPI, em 1990 - o maior investimento jamais feito na
aproximação ao mundo disperso da lusofonia, que uma melhoria da
qualidade da programação poderá potenciar enormemente.
8. No início do século XXI, Portugal tornara-se, de facto, um país de
imigração, com a chegada em massa de europeus de leste, após a queda
do muro de Berlim, e de brasileiros. Todavia, não deixara de ser
definitivamente terra de emigração…Um novo ciclo se desenha, um novo
êxodo já comparável ao dos anos sessenta… Fala-se de nova emigração
muito qualificada, de “brain drain” , de uma forte componente
feminina… Na verdade, partem todos os que podem partir…A principal
característica desta nova vaga é a maior heterogeneidade e dispersão
geográfica. Predominam os que vão como trabalhadores temporários, com
o antigo perfil – sexo masculino, baixas qualificações. Mas pela
primeira vez, há muitos profissionais altamente qualificados, e é
sobretudo neste grupo que se encontram mulheres a emigrar
autonomamente.
A Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas perdeu muitos dos
meios humanos e materiais de intervenção de que laboriosamente se
havia dotado na primeira década pós revolução, mas mantém a tradição
de convívio e audição das pessoas sedimentada ao longo de 40 anos. e a
estratégia de mobilização através da cooperação com o movimento
associativo, em particular no que respeita aos mais jovens, aos
potencialmente mais intervenientes, às mulheres – de que vai, em
seguida, falar, detalhadamente a Profª Graça Guedes.
Esta tem sido uma inteligente prática comum a sucessivos Secretários
de Estado no novo século – e, com ela se tem minimizado a
insuficiência de recursos destinados à emigração (no caso da
Secretaria de Estado, mas, mais globalmente, de todo o Governo, pois
se trata, como é obvio, de um domínio que toca todos os sectores da
administração pública)
9 – Houve, neste século, progressos assinaláveis, sobretudo, no
domínio legislativo: a recuperação automática da nacionalidade, com
efeitos retroactivos, processa que se arrastava desde a aprovação da
chamada Lei da dupla nacionalidade, em 1981; a votação de todos os
recenseados no estrangeiro na eleição presidencial: o alargamento do
estatuto de igualdade de direitos entre portugueses e brasileiros: a
votação nas eleições para o Parlamento Europeu, dos cidadãos
residentes fora das fronteiras da EU.
De mencionar, também, como medidas positivas: a extensão da rede do
ensino de português fora da Europa, que cabe agora nas competências do
Instituto Camões (integrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros);
a informatização dos serviços consulares; a multiplicação das
permanências consulares, com que se procura combater o encerramento de
alguns postos e a impossibilidade de instalar consulados em
comunidades distantes; a reforma do CCP, em apreciação na Assembleia
da República
10 – Olhamos o passado e vemos um povo que, ciclicamente, se evade de
um pequeno território para todos os continente do globo, levando
consigo e a língua e a presença pátria (ou mátria, como diria Natália
Correia). Nenhuma revolução alterou esta realidade. O que o regime
democrático trouxe de novo, desde 1974, foi, por um lado, a liberdade
de assim ser, sem a vã oposição do Estado, e, por outro o
reconhecimento dos laços de cidadania, e da existência e força das
comunidades extra territoriais.
Olhamos prospectivamente as próximas décadas em Portugal e vemos um
país que é o 6º ou o 7º mais envelhecido do planeta, fatalmente
dependente da emigração e da imigração para sobreviver. Só com muitos
jovens estrangeiros, numa sociedade aberta e multicultural, só com o
eventual regresso dos jovens portugueses se pode pensar a
sustentabilidade demográfica,
O futuro de Portugal passa essencialmente por políticas económicas,
sociais e culturais que incentivem os movimentos de regresso e de uma
imigração, de sinal mais, em crescendo, de uma emigração, em
decréscimo, e de diáspora e lusofonia em imparável expansão.
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