julho 14, 2016

ESPINHO - Memórias da Avenida

MEMÓRIAS da AVENIDA Em Espinho, o que chamávamos "a Avenida" era uma parte da Avenida 8, delimitada pelo casino. a norte, e pela Rua 23, a sul - um espaço mítico de convívio, estrategicamente situado entre a estação de caminho de ferro e o mar, os hotéis, os casinos, os "dancings", os cafés, as esplanadas... O largo retangular, convenientemente fechado ao trânsito, era percorrido por multidões coloridas, em movimento ordenado, em filas compactas, formadas por gente de todas as idades, como que em diálogo feito daqueles passos ritmados, para cá e para lá… Um desfile de vestidos e fatos bonitos, de cabelos bem penteados, de esmerada demanda de elegância e sofisticação. Uma forma de estar com os outros, na comunidade, na sociedade. Uma espécie de imensa "tertúlia andante", subdividida em pequenos grupos, conversando, tranquila, ao som da música, por entre as altas palmeiras, sob os olhares dos que descansavam sentados nas esplanadas Os comboios paravam, passavam, com ampla visão sobre tão exuberante espetáculo, e, por isso, os passageiros levavam consigo imagens que terão sido, ao longo de mais de um século, o melhor cartaz turístico de Espinho, do seu alegre viver... E muitos foram os que o caminho-de-ferro trouxe para cá, do interior do país e de Espanha, fazendo de um pequeno povoado de pescadores uma praia vanguardista e internacional, onde o génio dos homens soube criar uma admirável nova realidade, não só no seu desenvolvimento urbanístico, como na sua capacidade de relacionamento humano, de atracão, de abertura a uma pluralidade de círculos sociais e culturais, harmoniosamente coexistentes. Portugueses e estrangeiros, homens e mulheres, lado a lado, nas ruas e nos cafés, (que eram, à época, num país de tradição misógina, por todo o lado, coutada masculina). 2 - Sabemos "onde", mas não sabemos exatamente "quando" começou a fantástica "movida". É plausível a teoria da sua origem espanhola. Certo é que já em fins do século XIX, Ramalho Ortigão, um dos habituais membros das tertúlias do "celeste império", se lhe referia, jocosamente, (nas "Farpas"...): " [...] piscina consagrada dos magistrados, os quais, ao encontrarem-se uns com os outros - grupo que vai, grupo que vem - se saúdam reciprocamente, de parte a parte, em variadas vozes e em diversos tons de afabilidade: colega! colega! colega! colega! " Mais tarde, em 1930, Guedes de Amorim na "Ilustração", denomina Espinho "a praia ibérica", traçando um quadro deliciosamente sugestivo não só do ambiente geral, mas também, em especial, do que designa por "a grande avenida": “Os dias decorrem em Espinho como domingos, como dias de festa. O verão é o grande domingo do calendário. E Espinho, romaria à beira-mar, tem seduções para todas as horas, para todos os paladares, [...] só se ouvem frases na linguagem de Cervantes, só se ouvem gargalhadas espanholas [...] ao fim da tarde, na grande avenida ressuscita a vida, a folia, o sem número de diversões, onde Espinho vai passar a noite [...] retalhada a tangos, a golpes estridentes de jazz band, a noite de Espinho termina. Amanhã começa novo dia. Espinho acaba sempre a sua alegria na noite. O verão, porém, é extenso, o sol é quasi eterno, só desfalece no outono". Duas ou três décadas depois, a "Avenida" da minha infância e juventude mantinha, intacta, a sua excelência. Talvez já com menos magistrados, menos políticos e escritores famosos e até menos espanhóis, mas ainda uma festa que durava o verão inteiro, "com sedução”para todas as horas e todas as idades. De manhã, na volta do mar ou da piscina, podíamos aí deambular em traje desportivo, à tarde um fato ou airoso vestido já era de bom-tom, e à noite, para ir ao cinema (com uma vasta oferta de 60 filmes por mês), ao casino, aos bailes, aos cafés, ou para o simples calcorrear da "Avenida", o "dress code" era ainda mais exigente... A "movida" continuava em pleno - e nenhuma foto a captou tão bem como um trecho do precioso documentário "A praia da saudade", dos anos 50. É exatamente assim que recordo o meu peregrinar pelo seu chão mágico, no meio de uma imensa e animada mole humana. Fenómeno sociológico digno de estudo, um retrato de época! O mesmo se diga do ambiente dos cafés que bordejavam a Avenida...Todos diferentes, com o seu núcleo duro de frequentadores. O meu era o Palácio, o antigo Palácio, na esquina do hotel, com esse nome - de tarde, domínio das tertúlias femininas, grupos de amigas que ocupavam, invariavelmente, os assentos junto às janelas. Raridade, não é demais repeti-lo, esta presença descontraída e natural de senhoras no “café – clube”! Ali encontrava sempre as sobrinhas de Amadeo, Isabel Souza Cardoso e a filha, Maria da Graça, ambas muito simpáticas e ótimas conversadoras. Os homens ficavam-se mais pelo interior da sala, ou no sofá junto ao balcão. À noite, mais caminhadas na "Avenida", uma ida ao cinema, de longe a longe, uns passos de dança no salão do casino. Nos anos 50 e 60 e ainda por alguns anos, tal como em 1930 ou em fins de novecentos, não havia tempos mortos em Espinho. 3 - Depois de enterrada a linha-férrea, esperamos, impacientemente, há muito, que as obras de superfície nos restituam, não já a "grande avenida" das palmeiras. mas o seu equivalente, como "ex-libris" de Espinho no século XXI. Acredito que o renascimento de uma cidade originalmente convivial pode acontecer naquele lugar telúrico, com o mesmo espírito, em configurações muito diversas – um encontro com o futuro a construir no rasto saudoso das memórias.

SANTOS DA CASA FAZEM MILAGRES...

1 - A 10 de julho, a utopia que perseguíamos, há tanto tempo, concretizou-se. Eu ainda mal acredito que somos campeões da Europa de futebol, apesar de ter andado pelo centro de Espinho entre as bandeiras verdes e rubras, que logo saíram às ruas, e de ter cantado o hino, em coro, num mar de gente, que enchia a Alameda. Uma explosão de alegria, de sentimentos, de abraços - prolongamento do grande espetáculo, com o povo entrando em palco. E, por isso, continua a ser mais tentador falar de emoções incontidas, de estados de alma, do que do estado do nosso futebol, das táticas, estratégias e exibições individuais e coletivas, que levaram à vitória. 2 - Desta celebração infinda, que ultrapassa fronteiras, fica não só uma página de história, escrita por guerreiros imortalizados na memória do país, mas também, uma via para fazer história do futuro (e já Agostinho da Silva dizia que "a história que interessa é a do futuro"). Nesta competição, o que aconteceu fora dos estádios foi para nós tão extraordinário como o jogo jogado, minuto a minuto, por tantos minutos, para além dos 90... A primeira vitória fora do campo deu-se no grande encontro com a nossa emigração, depois do qual ninguém mais pode ignorar a força da sua presença na nossa vida em comum. O país interiorizou, finalmente, a importância da dimensão que a existência de comunidades portuguesas no mundo nos confere. Já o sabiam todos os que, de perto, acompanham e estudam o fenómeno migratório, não apenas em França mas por todo o lado, sem todavia conseguirem que a opinião pública a reconhecesse suficientemente. A partir de Marcoussis e das várias terras de França, de onde chegaram, dia a dia, as imagens e as vozes dos próprios emigrantes, a evidenciar o seu amor à terra de origem, à terra dos seus antepassados, as formas da sua pertença à comunidade nacional ganharam uma enorme visibilidade. Não podemos deixar que a proximidade e sintonia, agora alcançadas, se venham a perder, dentro do país! (Lá fora, obviamente, não há esse risco). Não somos apenas os 11 milhões de que se falava, ou os 15 milhões das estatísticas oficiais - somos uma Nação de comunidades, que crescem, de geração em geração. O "ser português" no estrangeiro não passa necessariamente pela participação política, pela militância no movimento associativo, nem sequer passa, em muitos casos pelo domínio perfeito da língua, por muito relevantes que sejam - e são! - tais manifestações de ligação íntima à Pátria. O maior denominador comum é, assim, o afeto. Incentivar este sentimento, potencia-lo, é o principal fator de expansão do universo português, bem como do espaço mais vasto da lusofonia e da lusofilia. 3 - A seleção de Fernando Santos, pela sua composição, marcou pontos, sem dúvida, neste espaço mais alargado, convertendo-se numa verdadeira representação lusófona, e não estreitamente portuguesa. E mostrando como as migrações enriquecem, com grandes talentos, no desporto, e nos demais setores, as sociedades que as recebem fraternalmente. De facto, mais de metade do onze que derrotou a soberba França, na sua própria casa, provinha de migrações lusófonas. Os povos nossos irmãos, de Timor ao Brasil, atravessando a África, juntamente com as comunidades africanas imigradas em Portugal, deram à seleção portuguesa um apoio espontâneo, entusiástico, porque a sentiram sua, também. E com boas razões. Vejamos algumas: o "homem do jogo", Pepe, nasceu no Brasil, o capitão Nani em Cabo Verde, e da Guiné Bissau veio Éder, o herói surpreendente, que decidiu a final, com um golo de sonho! Fazer amigos, construir pontes de ligação entre portugueses, entre lusófonos, não foi, certamente, a menor das vitórias conseguidas graças à eficaz "obra de engenharia", que foi a equipa campeã de Fernando Santos. Maria Manuela Aguiar (em "A DEFESA DE ESPINHO")