outubro 29, 2009

CV ACIDENTAL

CV ACIDENTAL

Acidental no sentido de involuntário, imprevisível, ocasional, irregular, porventura ilógico, a espaços, atraente, divertido, fundamentalmente, pelo movimento e diversidade ...
Há de tudo um pouco, aquém ou além do razoável, sem ser, ainda por cima, um grande curriculum, porque não foi ascencional (nem direccionado à ascensão. Talvez por isso se ficou muito aquém do esforço e da canseira, em termos de resultados, com algumas excepções.
Pouco foi o que aconteceu à medida dos desejos, ainda menos o que foi planeado,
caso do curriculum académico:

1 - O curso do liceu, feito como aluna aplicada qb, primeiro no Colégio do Sardão, depois, por escolha própria e muito insistente, no Liceu Rainha Santa Isabel, do Porto. Média de 18, Prémio Nacional. Meios utilizados correctamente para atingir o objectivo!
2 - Idem, no curso de Direito da Universidade de Coimbra, concluido com 17 e média geral de 16. Prémio Beleza dos Santos de Direito Criminal.
3 - Diplôme Supérieur d'Études et de Recherche en Droit (Instituto Católico de Paris, Faculdade Livre de Direito e Ciências Económicas). 17 no curso de Sociologia do Direito, 15 em Filosofia de Direito, desaguisado e classificação "assim assim" em Sociologia das Instituições (salvo erro - nem do nome do padre que regia o curso, muito afamado, aliás, nem do curso, nem da nota me lembro muito bem - memória selectiva...). Estávamos no pós Maio de 68, Paris, como diria Hemingway, era uma festa!

Até certo ponto, também quis o que consegui no início da vida profissional:
enveredar por uma carreira jurídica, estável e não muito competitiva.
Assistente de um Centro de Estudos de Direito de Trabalho, que dava aso a bolsas de estudo e estágios no estrangeiro, a trabalho de investigação em gabinete, sem horário, a convívio com colegas inteligentes e interessantes, a par de "chefes" amigos, civilizados, bem dispostos e bem educados, primeiro o dr. Cortez Pinto, depois um génio e um fenómeno de sapiência e simpatia, o queridíssimo Dr António da Silva Leal.
O meu "paraíso juslaboral" da Praça de Londres, onde passei anos felizes - desde Janeiro de 1967 até pouco depois do 25 de Abril de 1974.
Por estranho que pareça, na política o único cargo que ambicionei e alcancei, no outono de 1991 (e do que tinha sido a minha carreira política de 2ª classe...) como as coisas se alcançam na política (dizendo "quero aquilo" a um amigo influente) foi o seguinte:
Representante de Portugal no forum de Direitos Humanos, que é a APCE, com sede em Estrasburgo e "sub-sede" em Paris - à qual parece que De Gaulle se referia como "aquele parlamento que dorme nas margens do Reno", pelo que se vê que não sou propriamente "Gaullista" .
Isto após um longo hiato, preenchido pelo exercício involuntário de diversos ofícios profissionais e políticos indesejados, quando não indesejáveis.
Fui eleita pelo Plenário da AR, mas em boa verdade "designada" pelo meu Grupo Parlamentar, pois não há memória de alguém ter sido vetado numa destas votações.
Não confundir a APCE, Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa com o Parlamento Europeu (PE) - erro muito comum.
Do PE nunca fiz parte - nem nunca pretendi fazer parte.
Os lugares de deputado europeu, dando ocasião a colher altos proveitos são, em Portugal, os mais disputados no interior dos partidos, mas a APCE, não dando rendimento algum, dá viagens e, por isso, também é demasiado apetecível.
Não foi fácil conseguir a "indigitação", para a qual contei com um decisiva intervenção de Ângelo Correia (a quem tinha dado conta dessa minha aspiração) junto do Duarte Lima, lider da bancada.
Ângelo é o único social-democrata a quem devo um agradecimento!...
Ajudou o facto de eu ter deixado, justamente então, na "rentrée" de 1991, o cargo de Vice-Presidente da AR, e de não saberem o que haviam de fazer comigo. Quanto mais tempo andasse por longe, melhor para eles - e para mim, também...
Fui membro da APCE entre 1992 e 2005, até deixar a AR.
Ponto final neste capítulo.


DEPOIS DAS EXCEPÇÕES, A REGRA.

Muitos casos, dos que compõem o curriculum genuinamente acidental, detalhados à medida que vêm à memória...

1 - Teria gostado de ter sido convidada para ficar na Faculdade de Direito, no final do curso, mas havia então uma reconhecida relutância em aceitar mulheres no corpo docente.
Os meus colegas-homens foram chamados a esse Olimpo 100% masculino, eu não.
Foi-me simpaticamente oferecida (pelo Prof Afonso Queiró) uma bolsa de estudos, que, mais tarde, devolvi por inteiro, ao desistir de apresentar o trabalho, para seguir outra vida. Quando me tornei assistente do Centro de Estudos, em Lisboa, desisti de vez de um hipotética carreira académica em Coimbra.
Mas uma espécie de carreira académica acidental e intermitente veio ao meu encontro, quando nada a fazia prever... E deixou boas memórias.

Um dia, telefonou-me um Sociólogo, doutorado em Espanha, que não conhecia de lado nenhum: o Prof Àlvaro de Sousa. E reciprocamente. O meu nome fora-lhe indicado pelo Carlos Branco, um colega de gabinete da Praça de Londres. O primeiro convidado para reger a cadeira de sociologia na Univ. Católica de Lisboa, Carlos Branco, um investigador nato, um sábio demasiado tímido para se expor numa sala de aula, declinou e indicou o amigo para o substituir e ao amigo, sem me prevenir, aconselhou a minha pessoa.
Álvaro de Sousa aceitou de bom grado o lugar e a sugestão de me recrutar como assistente. Fez-me, então, o tal espantoso telefonema.
Eu, não sendo sábia e sendo mais tímida e insegura do que aparentava, comecei por dizer "nâo", mas ele insistiu num encontro, e ao encontro eu disse "sim", evidentemente. A urgência devia ser grande! Era sábado, o Carlos Branco não estava na capital e o prof queria a reunião de imediato. Não tinhamos quem nos apresentasse. O desconhecido do outro lado da linha tinha uma voz tão bonita e parecia tão acessível que, de brincadeira, aventei a hipótese de ele levar um cravo na lapela, mas a sugestão não o entusiasmou. Por isso, sugeri que nos descrevessemos, tal como nos víamos. Ele "forte", muito moreno, cabelo escuro e encaracolado. Eu, 1,68 de altura, cabelo comprido, liso e claro, óculos, "tailleur" castanho.
Parecia o bastante. Local de encontro: Café Londres, às 3.00 da tarde.
Fui mais cedo, comprei "A Bola", pedi o meu cafézinho, instalei-me. Um ambiente muito do meu agrado.
A certa altura entrou um senhor que correspondia à descrição. Olhei para ele, olhou para mim e seguiu em frente para uma mesa no centro da sala. Esperei... Esperei, para além da hora, até que decidi chamar o empregado e disse-lhe: Não se importa de ir àquela mesa perguntar ao Senhor que ali está se se chama Álvaro de Sousa?
O homem era um "atado"... Arregalou os olhos, como se o pedido fosse ofensivo, ou pura gozação, e não se mostrava nada disposto a condescender. Porém, o senhor forte e moreno, que seguia discretamente a cena, apercebeu-se do que estava em questão, levantou-se e veio perguntar-me se era a Manuela Aguiar.
Razão de me não ter reconhecido: a cor do fato. Do ponto de vista feminino era castanho. Do ponto de vista masculino, sendo um "tweed" mesclado em tons de castanho e beige, não era castanho, não era mesmo castanho de modo algum...
Depois desse diferendo, não houve mais nenhum! Acabei a trabalhar como sua assistente - com os bons autores ainda frescos na memória de uma aprendiz de sociólogo no pós Maio 68 parisiense, o que para o efeito, na altura, fazia curriculum... - e garanto que não há á face da terra "patron" académico mais gentil, mais colaborante do que ele. Uma pessoa muito inteligente, muito descomplexado e muito sabedor.
Os estudantes adoravam-no, e eu também.
Tudo o que eu não gostava de fazer, tal como vigiar exames a horas demasiado matutinas, ele oferecia-se para fazer! Nunca vi nenhum número um tão simpático com a, ou o, número dois...
E não somente gostei do professor - gostei também, humanamente, na convivência quotidiana, dos alunos. Foi uma relação feliz que me deu o à vontade de falar para largas e exigentes audiências - que não pensava possível!
Esse estágio restituiu-me a confiança em mim que me levou, 2 anos depois, relutantemente embora, a reger um curso na Faculdade de Direito de Coimbra, e seis anos mais tarde, ao Governo da República.
Disso não duvido, porque haveria, de outro modo, barreiras psicológicas demasiado fortes a me impedir-me de ceder, como fui cedendo, por incapacidade de pronunciar a palavra "não".
Passo a passo se desenhava o caminho em que não queria realmente caminhar...



(continua...)

outubro 26, 2009

O CV Resumido.

O que eu mais uso é, evidentemente, o CV resumido, mais ou menos resumido, conforme os fins a que se destina.
CV daqueles longos e detalhados nunca fiz e é obra difícil de completar, porque tendo sempre a esquecer alguma coisa, independentemente da sua relativa relevância...
Pensei então, em alternativa, enveredar por um caminho mais fácil, que é o de enumerar actividades e factos soltos, compondo o que chamei o CV acidental (será a próxima "entrada" do blogue).

CV RESUMIDO
Maria Manuela Aguiar (nome também resumido...)
ou: foi Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Licenciatura em Direito pela Universidade de Coimbra (pode ou não precisar-se que o curso foi concluido com a classificação de 17 valores - ou com média geral, matemática, de 16 valores, "Bom, com distinção" - aqui o mais importante é a data, muito anterior ao processo de Bolonha e outras "facititações").
"Diplôme Supérieur d'Études et de Recherche en Droit" pela Universidade Católica de Paris (mais precisamente pela "Faculté Libre de Droit et Sciences Économiques" do "Institut Catholique" de Paris), em 1970.

Trabalho Profissional

Advogada(1067/1972)
Assistente do Centro de Estudos de Ministério das Corporações e Segurança Social
(1967-1974)
Assistente da Universidade Católica de Lisboa - Faculdade de Ciências Humanas, Sociologia (1971/72)
Assistente da Universidade de Coimbra - Faculdade de Economia (1973/74)e Faculdade de Direito (1974/75 e 1975/76). Regeu o curso de "Introdução ao Estudo do Direito".
Assessora no Gabinete do Ministro dos Assuntos Sociais (1974/1976).
Assessora do Provedor de Justiça (1976/2002). Aposentada em 2002.
Docente da Universidade Aberta - Mestrado de Relações Interculturais (1991/92, !992/93, 1993/94). Regeu o curso de "Políticas e Estratégias para as comunidades Portuguesas".

Trabalho Político

Governo

Secretária de Estado do Trabalho (1978/79)
Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas(1980/81)
Idem (1981/82)
Secretária de Estado da Emigração (1983/85)
Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (1985/87)
Chefia da Delegação Portuguesa à Conferência da meia década da ONU para a Igualdade da Mulher (Copenhague, 1980)
Chefia da Delegação Portuguesa à 1ª Reunião de Ministros do Conselho da Europa para a Igualdade (Estrasburgo, 1984)
Vice-Presidente da 2ª Conferência de Ministros do Conselho da Europa para as Migrações (Roma,1983)
Presidente da 3ª Conferência de Ministros do Conselho da Europa para as Migrações (Porto, 1987)

AR

Deputada à Assembleia da República eleita, em mandatos sucessivos, entre 1980 e 2005.
Vice-Presidente da Assembleia da República (1987/1991).
Presidente do Conselho de Administração da AR (por inerência).
Presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina (1987/89)
Presidente da Subcomissão das Comunidades Portuguesas (2002/05).
Membro da Comissão de Negócios Estrangeiros e da Comissão para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste.
Vice-Presidente da Comissão para a História do Parlamento.
Foi Presidente dos Grupos Parlamentares de Amizade Portugal-Japão, Portugal- Suécia, Portugal-Israel e Portugal-Canadá.

Delegações Internacionais da AR

Membro das Delegações da AR à APCE (Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa) e à UEO (Assembleia da União da Europa Ocidental)- (1993/2005)
Presidente da Subcomissão das Migrações da APCE (1994/1995)
Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia da APCE (1995/97)
Vice-Presidente do Grupo Liberal na APCE, desde 1993.
Vice-Presidente do Grupo PPE na APCE - após a adesão do PSD ao PPE (2002/2005)
Vice Presidente da Assembleia da UEO (2002/2005)
Vice-Presidente da Comissão para a Igualdade (2003/05)
Presidente da Subcomissão para a Igualdade (2004/05)
Membro honorário da APCE e da Assembleia da UEO (2005)


Autarquias

Candidata à Assembleia Municipal do Porto (cabeça de lista), em 1997.
Membro da Assembleia Municipal do Porto (1997/2001)
Vereadora na Câmara Municipal de Espinho (2005/09)


Legislação, criação e reforma de organismos, que impulsionou:

Comissão para a Igualdade no Trabalho e Empresa (CITE), 1979;
Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas (IAECP), 1980;
Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), 1980;
Lei da Nacionalidade, 1981;
Centro de Estudo do IAECP e "Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas" (1984);
"Regionalização" do CCP (1984);
Comissão Interministerial para as Comunidades Portuguesas (1987).
Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros (reciprocidade), 1989-2001;
Lei da Nacionalidade (recuperação automática), 2004;
Direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu (fora do espaço da UE), 2004


Actividade Partidária

Membro do PSD, desde 1980.
Membro Fundador e membro dos Orgãos Sociais do IPSD até 2005.
Membro do Conselho Nacional do PSD, nos anos 80.
Membro da Comissão Política do PSD (1992/1995).
Coordenadora das "Mulheres Social-Democratas" (1993/1995)
Membro do "Gabinete Sombra" de Durão Barroso (2000/2002) - Comunidades Portuguesas


Publicações

Políticas para a Emigração e Comunidades Portuguesas(1986); Emigration policies and the Portuguese Communities (1987); Portugal, País das Migrações sem fim (1999); Círculo de Emigração (2002); Mulheres Portuguesas Emigrantes, Rio de Janeiro, coord. (2004); ComunidadesPortuguesas - Os Direitos e os Afectos (2005); Migrações - Iniciativas para a Igualdade de Género, coord (2007); Problemas Sociais da Nova Imigração, coord (2009)
Relatórios apresentados na Asembleia Parlamentar do Conselho da Europa (colectânea em preparação); Cidadãs da Diáspora - Encontro em Espinho, coord(colectânea em preparação).
Numerosos artigos publicados em revistas dae especialidade sobre Direito do Trabalho (Acidentes "in itinere" trabalho domiciliário), Migrações, Igualdade de Direitos, Direitos Humanos.
Colaboração regular em jornais nesses e outros domínios.

Condecorações
Nacional
Grã-Cruz da Ordem do Infnte Dom Henrique

Estrangeiras
Grã-Cruz da Ordem do cruzeiro do Sul (Brasil)
Grã-cruz da Ordem do Império Britânico (OBE)
Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco (Brasil)
Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Iália)
Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Alemanha)
Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Luxemburgo)
Grã-Cruz da Ordem de Leopold II (Bélgica)
G~ra-Cruz da Ordem Fenix (Grécia)
Grã-Cruz da Ordem Francisco Miranda (Venezuela)
Grande Oficial da Ordem da Estrela Polar (Suécia)
Grande Oficial da Ordem de Mérito (França)

Outros Títulos e Prémios
Prémio Nacional, Liceu Rainha Santa Isabel, Porto, em 1960
Prémio Beleza dos Santos (Direito Criminal). Universidade de Coimbra, em 1965
Cidadã do Rio de Janeiro, em 1990
Ordem Tiradentes (Rio de Janeiro),em 2000.

outubro 23, 2009

CCP - Boas Práticas

Quando a Doutora Beatriz Padilha me convidou a participar numa edição especial sobre migrações, com um apontamento sobre boas práticas, acabei por me decidir sobre o CCP, sua criação e desenvolvimento num quotidiano diálogo entre Estado e ONG's.
Foi, nesta perspectiva uma instituição única e peradigmática - enquanto durou o diálogo, ainda que este não fosse necessariamente pacífico...
Houve várias versões, devido à necessidade de encurtar o texto.
Já não sei qual esta é. É provavelmente a penúltima - o que quer dizer um das mais sintéticas.
De qualquer modo, não a publiquei até à saída da revista!

1 - O CCP é um orgão consultivo do Governo, em matéria de emigração - e, mais do que isso, é também um orgão representativo dos portugueses do estrangeiro.
Este caráter de representação - que , numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso, como adiante veremos... - valoriza substancialmente o significado da própria audição.
Instituído por decreto-lei em 1980, com início de actividade efectiva no 1º semestre de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", surgido após a Grande Guerra - e que tem a particularidade de escolher os representantes da emigração ao Senado , ou seja, os "Senadores da Emigração".
É de realçar esta atribuição, porque embora nenhuma dos organismos que, em vários países da Europa, a partir da década de 80, nele encontraram uma fonte de inspiração, vá tão longe, a todos eles me parece que subjaz o propósito de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou Assembleias de Emigrantes. Em qualquer caso, sem dúvida, mecanismos específicos para a sua representação.
Em França, uma alteração recente do antigo "Conséil" dá-lhe precisamente a designação de "Assemblée".
Em Portugal, a idéia de integrar o CCP numa segunda Câmara, no contexto de um futuro Senado, ou, pelo menos, de o "constitucionalizar", de per si, isto é, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes...), foi, e é, um projecto caro aos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Sub-comissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004, (o último dos quais com a participação dos eminentes juristas e constitucionalistas Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia).
O mais antigo "Conselho" desta natureza é o suiço, que, porém, se distingue de todos os demais por ser um puro organismo associativo privado, embora conte com fortes apoios governamentais em determinadas áreas estratégicas de actuação, caso do ensino das línguas do país ou da informação para os emigrantes. Uma fórmula de sucesso, uma parceria pragmática, baseada no interesse e no respeito mútuo, mas muito suiça, difícil de copiar ou emular ao nível outros povos migrantes e de outros Executivos...
Foi, pois, o modelo francês - instância de audição governamental , primeiramente eleita por um colégio associativo, e, a partir de 1984, por sufrágio directo e universal, que serviu de paradigma ao "Conselho" português e, mais tarde, ao italiano e ao espanhol, e a outros.

O CCP tem um historial interessante, do ponto de vista em que vamos analisá-lo, que é o das vicissitudes do seu nascimento, do moldar de uma instituição nova e original, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo.
Não quer isto dizer que tenha tido vida fácil e um percurso ascensional, porque não teve - bem pelo contrário. Tem conhecido inúmeros bloqueios e longos hiatos de funcionamento efectivo, afrontamentos com o Governo , ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais, anulação de actos eleitorais para os orgãos de cúpula... Em boa verdade, talvez não devamos, sequer, falar de um único "Conselho", mas de vários, ou de várias "vidas" de uma mesma instituição.
Ao longo de quase três décadas, só o nome original se mantem, ainda hoje, e, de uma perspectiva jurídica, a "continuidade na descontinuidade" de soluções, traduzida na norma que revoga, globalmente, toda a a legislação anterior...
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP, manteve um funcionamento regular, salvo a não convocatória da sua reunião mundial, em 1982, por um novo Secretário de Estado, a pretexto de uma modificação legislativa, que não chegaria a concretizar-se, com a sua saída do cargo, logo no governo seguinte (atravessávamos um período de instabilidade política com governos de curta duração...).
A partir de 1988 e até 1995, ao longo de dois governos de maioria, de legislatura completa, o CCP entra no seu mais prolongado "eclipse" - uma "não existência". Desactivado, de facto, desde aquele ano de 88, é descaracterizado num diploma aprovado pela Assembleia da República, no início da década de 90, prevendo a eleição ou nomeação de membros numa multiplicidade de colégios eleitorais, de natureza associativa ou corporativa, que, como era, porventura, intenção do "legislador" o paralisaram, por completo... Não há nada mais eficaz para conduzir à inércia, do que um esquema impraticável, em razão da extrema complexidade...
O CCP ressurgiu, na sua terceira vida em 1996, através de um diploma, apresentado pelo Governo, que a Assembleia da República, por uma vez, desmentindo a habitual lentidão dos seus processos, recebeu e tratou, de forma exemplarmente pronta, primeiro num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, em ambiente de uma grande "cumplicidade" , de um grande empenho daqueles parlamentares em concreto, todos conhecedores das realidades da emigração portuguesa, e, depois, em plenário, através de um agendamento célere. O acordo que permitiu este resultado não se estendia, em boa verdade, a muitas das soluções encontradas - que foram, fundamentalmente, as que constavam da proposta de lei, pouco se tendo acolhido de projectos tão diversos, entre si e da referida proposta, como os que haviam sido, anteriormente, apresentados, em projectos de lei próprios, pelo PSD e pelo PCP. Acordo, pois, quanto à urgente necessidade de relançar um orgão de fundamental importância "democrática", que permanecia, há cerca de 10 anos, em estado de dormência profunda. Todos se mostraram, assim, dispostos a sacrificar o que era, face a este imperativo, de considerar "acessório". Bom senso e boas práticas, na Assembleia da República...
Uma das mutações qualitativas do novo sistema era a eleição dos conselheiros através do sufrágio directo e universal, por todos os cidadãos inscritos nos consulados, o que tem a evidente vantagem de lhe conferir uma legitimidade alargada, mas, por outro lado, duas consequências de monta, ambas, a meu ver, negativas: o "desenraízamento" do CCP da sua matriz associativa, e a exclusão de todos os luso descendentes, que, embora estejam, dedicadamente, entre os construtores e líderes desse mundo associativo, já não tenham nacionalidade portuguesa.
A tal óbice souberam responder os italianos com um sistema misto, semelhante ao delineado no projecto de lei que subscrevi, prevendo dois colégios eleitorais: um, consagrando o sufrágio universal, para os recenseados nos cadernos eleitorais dos círculos de emigração; outro composto pelos representantes das associações voluntariamente inscritas para participar.

2 -Após traçar, desta forma abreviadíssima, a linha de evolução do Conselho até à actualidade, retorno ao período primordial, à sua génese - à fase mais esquecida, mas, na perspectiva em que me vou situar, a mais interessante.
O Conselho começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscritao no programa da AD (Aliança Democrática), uma coligação de dois partidos e um movimento de independentes, que se apresentou a sufrágio em 1979, venceu e formou governo.
Havia que dar cumprimento à promessa. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca soube quem a tinha formulado, e ainda hoje nem sequer sei a qual dos partidos se deve...
A proposta constituia uma primeira e a mais atractiva das tarefas.
Sendo de autor desconhecido, não estava limitada pela sua intencionalidade subjectiva, não tinha qualquer tradição entre nós, não havia figurino estrangeiro a escolher entre muitos, para além do francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional radicalmente diversos.
Era, numa democracia ainda tão recente, mas já tão rica de experimentações e de experiências de intervenção política e social, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um forum de audição, um convite ao diálogo, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas.
Uso a palavra "experimentação" de caso pensado, pois o CCP foi, desde o seu início, foi visto como um verdadeiro "laboratório", onde, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, para a aprendizagem de métodos, para "moldar" a própria instituição.
Não havia idéias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um projecto com rosto de lei, a rever, naturalmente, um caminho próprio que, como diz o Poeta, se abriria, " ao caminhar".
Falo do decreto-lei do Governo, que, em 1980, ao fim de pouco mais de dois meses, tinha instituído o CCP, e que o PR manteria na gaveta durante cinco meses, só o promulgando em Setembro desse ano, na véspera de eleições ( os chamados "vetos de bolso", conflitos de época, agora já mal lembrados).
A opção fora tomada, antes do mais, para apressar o processo... Uma lei da AR dar-lhe-ia - na concepção de escola de muitos juristas ... - maior dignidade formal, e, também, maior impacte mediático e mais oportunidade de discussão pública, mas correndo o risco de delongas. Além disso, mais do que discuti-la com os políticos do país - quase sempre tão alheados das questões da emigração nacional - queríamos analisá-la e modificá-la, livremente, de acordo com a visão e o sentir dos próprios emigrantes.
Eis uma primeira singularidade:
uma lei do governo que, "ab initio", o próprio governo aceita questionar;
um organismo que se destina a iniciar um estreito relacionamento entre o Estado e a Comunidades do estrangeiro e que o Estado pretende ver moldado, também pela vontade dos seus destinatários e não só pela sua.
Assim, de entre as secções constituidas para uma primeira reunião mundial, em Abril de 1981, uma destina-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros , mas por iniciativa d Governo. Poderemos acrescentar que essa secção foi, sempre, a mais participada, e a mais polémica, tendo, apesar disso, permitido alguns consensos, e uma reformulação do diploma, em 1984, a consagrar, ao lado das reuniões mundiais, reuniões por grandes regiões do mundo (Europa, África e Oceania, América do Norte, América do Sul), isto é, a "regionalização" do CCP.
O Conselho representava, em primeira linha, o movimento associativo, que, localmente, criava os "conselhos de país", com os seus próprios regulamentos, em matéria de composição, competências ou programas e, através deles, elegia os membros a que cada país tinha direito no conselho mundial.
Porquê este ênfase no associativismo? Não era apenas porque não havia, então, em direito comparado, outros modelos a considerar, mas porque se reconhecia, em Portugal, como na Suiça, ou na França, que as comunidades se organizam, desenvolvem pelo associativismo, e que lhe devem a sua existência, enquanto verdadeiras comunidades orgânicas, capazes de manterem viva a língua, a cultura, os modos de estar de assegurar a preservação da sua identidade. Aliás, sem prejuízo de promover, como na nossa integração é bem claro, activamente, a integração dos seus membros na sociedade de acolhimento. Parceiros ideais e insubstituíveis do governo de ambos os países - o de origem e o de destino!
E, no caso português, organizações que, efectivamente, ao longo de séculos, se substituíram ao papel e aos deveres de Governos sem políticas culturais ou sociais de apoio à emigração e às comunidades que esta foi gerando. De facto, até tempos recentes, o Governo não ía além do acompanhamento das viagens de saida, na emigração legal, e de uma protecção consular limitada a aspectos burocráticos e, em situações dramáticas, a repatriamentos.
A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é enorme e a dimensão da sua obra extraordinária. Tudo erguido sem contributo do Estado, a ponto de podermos afirmar, sem margemm para dúvida, que , nem uma só dessas grandes obras existiria. se tivesse dependido do Estado. As comunidades são 100% sociedade civil - razão de sobra para que o Estado, numa relação de cooperação se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando, sempre, os projectos próprios dessas entidades, e das comunidades como um todo.
Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", encetados no CCP.
Olhando o associativismo português no mundo, comparando-o com o de outros povos migrantes da Europa - italianos, polacos, franceses, alemães, suiços, belgas... - não ficamos a perder para nenhum, salvo num aspecto: o da "internacionalização" ou federalização do movimento, fora das fronteiras de um determinado país, e, muitas vezes, até fora do perímetro de uma cidade ou região. Porquê? Não tenho uma boa explicação para o fenómeno, por demais evidente em 1980, e que perdura, apesar do aumento do número e importância de organismos federativos, uniões ou alinças de clubes e centros comunitários, em alguns países.
A única tentativa de instituir uma "União" de âmbito mundial aconteceu nos anos 60 e foi um projecto accionado a partir de Lisboa, pela Sociedade de Geografia, então presidida pelo Prof. Adriano Moreira.
O legislador do CCP, deixava claro que não pretendendo impôr directrizes ao movimento associativo, lhe oferecia este organismo como "plataforma de encontro" - que até então faltava, aos líderes associativos do inteiro "mundo português" para conhecimento mútuo, troca de experiências, e concertação formas de trabalho conjunto. Entre si e com o Estado, também.
Uma prova mais da prevalência da vontade dos membros eleitos (havia, como haveria nos conselhos espanhol ou italiano, ainda, membros "por inerência" - por exemplo, o Secretário de Estado, que presidia, representantes das Regiões Autónomas ou do Parlamento - e nomeados - representantes de sindicatos ou entidades patronais, e peritos - que tinham voz, mas não eram parte nas recomendações) foi o "desvio" das prioridades do CCP, idealizado, essencialmente, para a defesa de valores culturais, nas comunidades antigas, para questões sociais (e políticas), mais características de núcleos de migrações recentes. Nem mesmo pode ser evitada uma certa) e, "politização" do Conselho, muito mais notória na Europa do que nos outros continentes. O que, não sendo nada de estranhável, até por não haver outra instância, onde se pudesse marcar essas posições, acabou por dividir os próprios conselheiros ( a minoria "europeia" e todos os outros, ideologicamente mais próximos dos governantes...), e, bastante pior do que isso, por construir uma imagem mediática, globalmente muito injusta, deste órgão, como "contestatário" e turbulento. Imagem, a meu ver, determinante, para a sua posterior extinção, de facto, a partir de 1988.
O CCP associativo não voltaria a ressurgir, perdendo-se com ele. a vertente de colaboração institucional entre o Governo e as "Comunidades Portuguesas" , em sentido sociológico. Perdendo-se, igualmente, a força e autonomia do Conselho, na medida em que essa força e autonomia lhe vinha de ONG´s que nada devem ao Estado e não dependem dele.
Um Conselho eleito pelos cidadãos espalhados pelo universo é bem mais vulnerável a um simples corte do seu orçamento de funcionamento - como, ao longo de anos recentes, se tem visto, de vez em quando... E, tendo embora funções consultivas, pode ser muito pouco consultado, como também se tem visto...
Pelo contrário, o primeiro CCP, quando o Governo Português, quis silencia-lo para, depois, o extinguir, manteve-se, em plena actividade, onde desempenhava o tal papel federador, como era sua vocação originária: por exemplo, em contextos tão diversos como os da França, do Brasil, da Argentina...
Da sua existência histórica, enquanto órgão consultivo, ficam muitas lições que deixou sobre as formas possíveis de viver uma ideia, ou uma lei - e a vivência, pela vontade das pessoas é o mais importante, porque é com elas que se ganha, se transforma, ou se perde...
A igualdade de tratamento entre os portugueses residentes no país e no estrangeiro passa por direitos políticos, culturais e sociais, reconhecidos a nível individual, mas passa, também, pela igualdade de tratamento dos organizações em que prosseguem os seus fins colectivos - sobretudo os de entreajuda e solidariedade e os de preservação das suas tradições e da sua língua.
Ao CCP, a SECP apresentava, anualmente, muito antes que isso se tivesse tornado prática, o seu programa de actividades, o "programa cultural" decalcado ou inspirado nos programas das associações e nos seus pedidos de apoio e colaboração , assim como o orçamento de suporte dessas acções (programas que não me lembro de ter sido, por uma só vez que fosse, posto em causa...). Como apresentava um relatório sobre as recomendações do Conselho, com a justificação de eventuais razões de não cumprimento ou de atrasos... Em 1987, foi criada uma Comissão Interminuisterial , que tinha , entre a suas competências a de preparar a reunião anual do CCP, com resposta de cada departamento às recomendações recebidas ou das consultas a formular. E em preparação estava, para consulta, a criação , na órbita do CCP, de várias Conferências especializadas por matérias (Ensino, Assuntos Económicos, Juventude, Participação Cìvica das Mulheres)...
Esquemas que, com aqueda desse governo, minoritário, e a sua substituiçaão por outro, do mesmo Primeiro -Ministro, com uma confortável maioria, se perderiam todos, inesperadamente, como o prórpio CCP.

Formas de presença e ausência do emigração portuguesa - resumo

Tradicionalmente os emigrantes portugueses eram considerados como ausentes da vida do País, enquanto durava a sua estada no estrangeiro.
A "ausência" implicava, nesta forma de conceber o relacionamento entre os emigrantes e as instituições da terra de origem, uma ruptura de laços do ponto de vista jurídico-constitucional, uma "capitis diminutio", a perda do estatuto de direitos políticos, ou da própria nacionalidade, e, mais latamente, de direitos à protecção social e de acesso a prestações culturais.
Era, assim, segregada uma parte substancial do Povo Português - mais ou menos um terço da totalidade.
Apesar da constatação das múltiplas formas de "presença", da sua efectiva e muito visível participação na vida do País e no desenvolvimento das comunidades locais, apesar do peso financeiro extraordinário de incessantes remessas, de investimentos vultosos, de grandes obras de solidariedade e beneficência, nunca, até ao nosso tempo, esses dados de facto se traduziram, no plano jurídico, em restituição de direitos perdidos ou em execução de medidas ou políticas de apoio.
Ainda menos conhecido e reconhecido foi, ao longo dos séculos XIX e XX, o carácter expansivo dado à língua e à cultura portuguesa pela existência de comunidades de emigrantes - comunidades em sentido sociológico, fundadas, mantidas e transmitidas, de geração para geração, por movimentos associativos de grande dimensão e representatividade. Ou seja, uma outra forma de vencer o distanciamento do território pátrio.

2 - As primeiras e tardias políticas de protecção social dos "ausentes", que, por tantos meios se fazem "presentes" na vida nacional - para além dos apoios limitados ao acompanhamento das viagens de partida ou ao repatriamento, em casos extremos de pobreza - têm início no final dos anos 60.
A viragem acontece em 1974, de súbito, com a restauração da democracia e a proclamação da igualdade entre todos os portugueses, onde quer que residam (Constituição de 1976, com as emendas introduzidas nos sucessivos processos revisionais).
As referidas formas de "presença" dos emigrantes", como parte integrante da Nação - cerca de 10 milhões de residentes no território e de 5 milhões em "diáspora" - obrigaram o Estado democrático a reestruturar as suas instituições e as suas leis para corresponder a esta realidade nacional.
A partir da Constituição, das Leis Eleitorais, da Lei da Nacionalidade e de normativos jurídicos que equacionam, em favor dos emigrantes, a regra da igualdade em todos os domínios da vida nacional se procura alcançar a "prática da igualdade", a igualdade real - apesar de grandes avanços, nem sempre lineares, ainda uma utopia...
A meta é o pleno reconhecimento de uma Nação populacional, que na sua verdadeira dimensão, largamente extravaza o território, e que, nos 5 continentes do mundo, a Portugal se liga por formas diversas, que é preciso saber integrar nos nas leis e nos projectos nacionais, para que sejam verdadeiramente nacionais - conjugando o que alguns chamam a "a comunidade política nacional" (convertida num círculo muito restrito de cidadãos eleitores, por força da lei e por outros factores, também, tais como o desinteresse das próprias pessoas e o descaso dos governos) com a "comunidade nacional" incondicionalmente aberta a todas as formas de ser e sentir Portugal.
É um desafio bem actual. Ao sistema falta eficiência e até, desde a última reforma legislativa, coerência interna. Os emigrantes votam nas eleições legislativas, em dois círculos próprios, com apenas 4 representantes em 230 - única excepção à regra geral da proporcionalidade - e nas eleições europeias, através da livre inscrição nos cadernos eleitorais. Já na eleição para o Presidente da República, reconhecido desde 1997, são, agora, várias a condicionantes que vedam o acesso ao universo eleitoral. Nas eleições municipais e na das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas é excluída toda e qualquer participação.
Completa o sistema de representação dos expatriados um orgão consultivo, o Conselho das Comunidades Portuguesas, eleito por sufrágio directo e universal, com base no recenceamento para a eleição parlamentar.
A comparação com as soluções mais abertas e bem sucedidas, encontradas na ordem jurídica espanhola, e na sua prática administrativa, poderá ajudar o legislador e os políticos portugueses a repensarem um sistema que conhece, actualmente, retrocessos na lei, tal como nos níveis de participação, de facto.

Emigrantes - Imigrantes: a dupla pertença

Emigrantes e Imigrantes - A Dupla Pertença



1. Os expatriados têm sempre esta dupla condição de emigrantes/imigrantes, no relacionamento com um e outro dos países que marginam o seu percurso de vaivém, percurso geográfico, cultural, afectivo…
Todos sabemos que os migrantes são, em determinado condicionalismo, levados a dar sinais exteriores da sua pertença a uma outra entidade nacional, da sua etnicidade, enquanto em outros contextos, se esforçam por diluir ou esconder quaisquer diversidades de conduta ou aparência, que os distingam no mainstream, na nova sociedade.
Pensando em comunidades portuguesas dos cinco continentes, tendo a considerar que a decisão de não assumir, publicamente, essa pertença não se explica nem por um menor sentimento patriótico, nem pela quebra de laços afectivos ou de adesão aos valores de que se entretece a entidade nacional. É obviamente outra a explicação das diversas opções individuais, opções opostas tomadas, por vezes, pelas mesmas pessoas nas sucessivas fases do ciclo migratório. Ou na veste de imigrante (quando na sociedade de destino oculta a origem, a ascendência, a alteridade) e de emigrante (quando, no seu país de naturalidade ostenta as marcas da experiência de vida e de trabalho no estrangeiro – maneirismos de fala ou de traje, bons carros, a casa grande, que conta na pedra, no azulejo, na estatuária, no exotismo dos jardins, uma história de sucesso em países distantes).
A meu ver, é determinante da avaliação da imagem, mais ou menos prestigiante, do seu grupo minoritário, o olhar dos outros, o conceito da maioria. Ou melhor, a percepção subjectiva desse conceito, que pode, ou não, ser realista…
Assim, por exemplo, na Argentina, país cosmopolita e europeísta, os jovens de segunda e terceira geração assumem a ascendência portuguesa com grande à vontade. De igual modo, em nações nascidas de um mosaico de imigrações, como o Canadá e Estados Unidos, abertas ao interculturalismo, como componente essencial da sua sedimentação, igualitárias para os estrangeiros, fica mais facilitada a vivência das tradições de cada grupo, dos valores e dos direitos da nacionalidade de cada um.
Já num pano de fundo de rejeição larvada ou explicita das diversidades, com a prossecução de politicas de assimilação de imigrantes e suas culturas, se torna expectável que deixem na sombra, como que dormentes, os direitos da sua cidadania – dormentes, mas não voluntariamente perdidos, mesmo quando adquirem a do outro país, através de laços de natureza semelhante.
2. Sou partidária, sem reservas, da dupla nacionalidade – por nós aceite em 1981, antes da maioria dos Estados da União Europeia actual, muitos dos quais se mostram ainda incapazes de a consagrar.
O reconhecimento da dupla cidadania, na ordem jurídica interna, é uma mensagem clara do legislador, cujo sentido os imigrantes logo captam. Que os estimula a serem como são – parte do seu país de origem – e a transformarem-se no que querem ser: parte, igualmente, do país que os acolhe, sem complexos, sem desconfiança, sem pressão de ordem jurídica ou, simplesmente, psicológica. Sem receio de discriminação ou exclusão.
O receio é o que os pode levar, num contexto ressentido como adverso (e a existência de politicas e imigração radicalmente assimilacionistas, como as que se desenham na Europa da União não pode ter outra leitura, feita pelos imigrantes ou por meros observadores como eu…) a restringir a extroversão de hábitos, de tradições e costumes próprios, limitando-a a um círculo restrito, à intimidade da família e do grupo étnico.
Ou, pelo contrário, à revolta, exibindo a sua diversidade como um desafio, ou uma coroa de glória…
Uma reacção deste tipo terá sido desencadeada pela controversa medida da proibição do véu islâmico em França, na França laica e republicana, onde nunca se viu tantas mulheres veladas…
Sotainas, hábitos religiosos, tranças pretas de judeus ortodoxos, saris de asiáticas, saia preta e avental de mulheres ciganas – nada disso me incomoda particularmente…
A intervenção do Estado impõe-se só quando estejam em causa princípios e direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo, obviamente, a questão de igualdade de género.
Aí, não podemos transigir! Em tudo o mais, sim, podemos e devemos.
3. O que acontece a nível individual passa-se, do mesmo modo e pelas mesmas razões, a nível colectivo, isto é, repercute, fortemente, no movimento associativo dos imigrantes.
De início, a actividade associativa é discreta, circunscrita ao âmbito do grupo, a um pequeno mundo fechado e marginal. É, de facto, o gueto de que sempre se fala, quando se fala de diásporas organizadas.
Estas reservas de estrangeiros são comummente combatidas por serem consideradas barreiras à integração dos imigrantes e seus descendentes.
Recordo que foi este o entendimento, largamente maioritário, dos participantes na 6ª Conferência de Ministros Responsáveis pelas Questões das Migrações do Conselho da Europa, que à questão deu grande importância.
Presente na reunião, na qualidade de observadora, em representação da Comissão das Migrações da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, fui das poucas vozes criticas desta visão das coisas. E apontei para contradizer a corrente dominante, casos de associativismo português, que sendo verdadeiros paradigmas de capacidade de integração, não são singulares ou raros, antes se assemelham aos de outros povos europeus, e também de muitos não europeus.
Na minha óptica, o associativismo segue a senda original da introversão ou evolui para uma crescente abertura ao exterior como reflexo da integração dos seus membros na nova sociedade.
É evidente que nem sempre assim é. O associativismo pode também servir um projecto estratégico de resistência à integração, mas convém precisar as razões e circunstâncias em que isso ocorre, sem cair na tentação de generalizar.
No que respeita à imigração portuguesa, creio que maioria das associações são, em simultâneo, um factor de preservação de um espaço cultural português – ao qual se dá tanto maior visibilidade quanto maior é a autoconfiança dos imigrantes, enquanto imigrantes bem inseridos no meio social e profissional – e um factor de adaptação à sociedade de acolhimento, isto é, de integração.
Foi assim no Brasil, nos Estados Unidos e na Argentina, há mais de um século. Assim é actualmente em França e em outros Estados europeus, no Canadá, na Venezuela na RAS, na Austrália – por todo o lado onde há comunidades nossas…
Em muitos clubes e associações se organizaram e organizam cursos de português para os mais jovens, mas também cursos da língua local, serviços de informação sobre leis, práticas, oportunidades de emprego, iniciativas de formação profissional, mediação junto de entidades públicas, troca de experiências e saberes para uma mais rápida penetração e ascensão no novo meio de todos os seus membros.
E à medida que os naturais do país entram no seu círculo de amizade e convívio quotidianos, tanto vão à casa de cada um como à casa comum, que é o clube ou um centro cultural português.
4. Os responsáveis pelas políticas de imigração nos países europeus deviam dialogar com os seus homólogos do chamado Novo Mundo, que têm mais passado e mais experiência neste domínio.
Com eles aprenderiam esta verdade simples e inelutável: não se pode neutralizar a pertença dos imigrantes à cultura de origem. Seria como separar o seu corpo e a sua alma…
O que é realmente importante é ganhar os imigrantes para a nova sociedade, criar as condições para a sua pertença afectiva ao país de acolhimento. O que passa por aceitar, naturalmente, a dupla pertença.


Espinho, 19 de Fevereiro de 2008

Maria Manuela Aguiar

Quotas e apelidos

As Mulheres e o Poder
Quotas e Apelidos


1 – As mulheres não têm ainda – com excepção dos países do norte da Europa e poucos mais – uma parte igual de influência, de intervenção na esfera politica, que persiste como um universo essencialmente masculino.
Portugal é um paradigma neste quadro geral de exclusão: onde estão as portuguesas nos órgãos de soberania, na chefia do Estado, no Governo, no Parlamento (em lugares representativos não há uma única vice-presidente entre os quatro vices – e teríamos de recuar às décadas e oitenta e noventa para encontrar as duas mulheres que ocuparam esse cargo, Leonor Beleza e eu própria… - no Conselho de Estado, nos governos regionais, nas autarquias
Se examinarmos o elenco de presidentes de partidos políticos também não achamos nomes femininos. E nas comissões politicas ou nos comités centrais a sua presença é insignificante, ao menos no que respeita aos partidos de poder. Pior ainda é perguntar quais as mulheres que, no futuro próximo, terão previsivelmente um papel de relevo em qualquer das instâncias referidas e não obter eco de resposta positiva.
É certo que vem aí não sei se um vento de mudança, se um bom imbróglio para os que se sentem confortáveis neste estado de coisas: a aplicação do sistema de quotas já nas eleições de 2009 para a Assembleia, os municípios e o parlamento europeu. Quotas para o sexo sub representado em modesta percentagem (1/3) mas, note-se, precludindo a solução habilidosa de colocar todas as mulheres no fundo da lista de candidatos, sem perspectivas de elegibilidade.
Esta legislação teve honras de veto presidencial, aliás o primeiro, a evitar que o seu não cumprimento determinasse a não aceitação da lista inteira…
Não sei se os diferentes partidos políticos se preparam para aplicar a lei, ou se vão preferir, como podem, pagar o preço do seu incumprimento (em Euros que saem, ou não entram, nos cofres dos partidos prevaricadores). Na primeira hipótese, têm pouco mais do que um ano para preparar as listas eleitorais, ditas paritárias, e seria avisado ir fazendo uma pesquisa sobre candidatas que possam trazer à política mais espontaneidade, mais seriedade, menos carreirismo, mais proximidade e atenção aos problemas reais das populações.
Para os que defendem, como eu, este sistema, um dos argumentos a favor é precisamente o de permitir a renovação de pessoas, com pessoas que queiram servir o interesse colectivo com maior independência face aos aparelhos. Para além de prosseguir, como é óbvio, os objectivos de abrir o circulo fechado do poder, de alargar o campo de recrutamento de novos valores, de fazer justiça em matéria de participação dos géneros.
2 – Foi com imposição de quotas, desde há muitas décadas que os países pioneiros, Suécia, Noruega, alcançaram os melhores níveis de equilíbrio e igualdade de género no mundo, sem que jamais se agitasse o estúpido temor de promover incompetentes. É claro que subjaz às escolhas de homens e mulheres, através desta metodologia, uma mesma exigência de qualidade.
O mais recente caso de sucesso na aplicação de quotas, neste domínio, é o da Espanha, aqui ao lado… Não seria mau que os nossos responsáveis partidários lá fossem ver, em diálogo com os seus congéneres, como as regras foram executadas...
3 – Há uma outra via de promoção das mulheres que também poderia ser considerada artificial mas que, curiosamente, não tem levantado polémica semelhante à das quotas, talvez porque tem acontecido longe, em sociedades vistas como exóticas ou, pelo menos, diferentes.
Refiro-me às herdeiras do poder, ao poder herdado, à sucessão dentro de uma linhagem política.
Uma realidade próxima ou aparentada com a que se vive em regime monárquico, mas em plena republica. E não falo de ditaduras – de Cuba à Coreia do Norte – mas de democracias, de escolhas livres, pelo voto do povo (após a indigitação, que essa não é feita pelo povo…).
A importância de um apelido (a exprimir uma vocação dinástica…) tem sido um factor tão eficaz quanto o das quotas na promoção das mulheres a altos cargos do Estado…
Indira, filha de Jawaharlal Nehru, uma grande estadista numa das mais populosas democracias de mundo, numa das mais antigas e mais ricas civilizações.
Benazir Bhutto, a filha de Zulfikar Ali Buhto, primeira mulher primeira-ministra de um país muçulmano, uma das personalidades mais fascinantes do nosso tempo, democrata num país onde a democracia precisou dela para se afirmar, durante um breve período, e onde parece absolutamente impossível sem ela! (haverá um outro politico contemporâneo de quem se possa dizer o mesmo?).
As senhoras Bandaranaika, mãe e filha.
Corazón, a mulher de Aquino, herói trágico e popular, primeira Presidente das Filipinas.
A presidente chilena Michelle Bachelet filha do General Alberto Bachelet.
Cristina, mulher do ex-presidente Kirschner, a primeira mulher presidente eleita da Republica da Argentina, sucedendo ao marido (como Isabel Perón, após a morte de Perón, sem que todavia fosse eleita), todos trilhando os caminhos cimentados pelo carisma de Evita.
O mandato de proveniência dinástica, que favoreceu o percurso político destas mulheres não afecta o mérito com que exerceram as funções. Pelo contrário, mostra como as mulheres são capazes de se revelar, se a oportunidade lhes for concedida, qualquer que seja o processo que as conduz ao poder.
Afinal, os aparelhos partidários, na fabricação em série de actores políticos, quase sempre do mesmo sexo (actores em sentido sociológico, sem esquecer que alguns o são também em outro sentido…), estão a privar a sociedade e a politica de algumas das suas melhores protagonistas potenciais.
4 – Não gostaria de terminar sem uma referência a mulheres que tiveram de lutar num contexto de desigualdade e conseguiram converter-se em excepções à regra.
Uma das mais extraordinárias, quer se goste ou não das suas ideias e das suas reformas (eu, de uma maneira geral, sobretudo no plano interno, não gosto!), foi, sem dúvida, Margareth Thatcher, a primeira mulher primeira-ministra na Europa. Conseguiu esse feito num dos mais improváveis países do continente, a Grã-Bretanha, e no mais improvável dos partidos, o partido conservador britânico.
Tinha tudo contra si, incluindo o facto de ser filha de um desconhecido e modesto comerciante. Uma verdadeira self-made-women!
A nível internacional, o mínimo que se pode dizer é que, com ela, a Grã-Bretanha recuperou praticamente o estatuto de potência mundial no diálogo entre todos os continentes, da África à América do senhor Reagan, passando pela União Soviética do senhor Gorbachev. Como um parceiro igual, que Blair nunca conseguiria de Bush ser e Brown de Obama, ainda menos.
Ângela Merkel é outro fenómeno de afirmação pessoal, na Alemanha e no plano internacional, mas ainda é cedo para saber se será um dos líderes mais proeminentes e duradouros na EU.
Mary Robinson, primeira presidente da Republica da Irlanda, Gro Bruntland, primeira-ministra do mais paritário dos governos, são também mulheres que fizeram o seu próprio nome ou apelido, ainda que o apelido possa ser o de um anónimo marido.
5 – E Hillary? Fará ela história nos Estados Unidos da América?
Citei mulheres da Europa, da Ásia e da América Latina. Poderia acrescentar a África, que regista já nos seus anais uma primeira presidente da república eleita democraticamente. A América, pátria de notáveis pioneiras e de grandes movimentos feministas, percursora dos “gender studies”, continua longe do ranking de lideranças femininas.
Teve uma a ocasião de se redimir , elegendo Hillary Rodham Clinton.
Eu votaria nela, mas sempre tive sérias dúvidas de que a América votasse. É um país impreparado para aceitar, a esse nível, a igualdade entre mulheres e homens.
Hillary era a mais brilhante, o mais experiente dos candidatos – mas eramulher…E o seu apelido não ajudava… Na óptica americana, ou na minha óptica sobre a óptica americana, uma first lady é, para sempre, uma ex first lady. É para estar elegantemente ao lado do marido e não poderosamente no centro dos acontecimentos.
Por isso, mesmo que continuasse a ter de ultrapassar preconceitos do tamanho dos Himalaias, as coisas seriam sempre menos complicadas para Hillary Rodham do que para Hillary Clinton.
Como todo o mundo - ou quase todo - acabei por me converter a Obama, mas sempre com a esperança que a agora brilhante Secretary of State - a MNE americana - chegue, por reconhecido mérito, à Casa Branca.
Maria Manuela Aguiar

O CCP e a representação de emigrantes

O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes
Título em inglês
Maria Manuela Aguiar*


Resumo O Conselho das Comunidades Portuguesas de 1980 foi, historicamente, a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora. Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes. Sendo uma experiência inteiramente nova, teve de fazer o seu próprio caminho, conhecendo rupturas, hiatos de funcionamento e mudanças radicais de feição e natureza, nas décadas seguintes.

Palavras-chave emigração, Portugal, representação, comunidades portuguesas, conselho

Abstract
The Bureau of the Portuguese Communities of 1980 was, historically, the first experience of institutional listening and dialogue between the Portuguese government and its emigration and diaspora. This Bureau was a consultative body of the government, constituted by representatives elected by the emigrant associations, thus it was based on the appellative force and central role that associations have in the construction and preservation of the emigrant communities. As an entirely new experience, it had to walk its own way, facing ruptures and breaks in its functioning, as well as radical changes in its configuration, nature, during the following decades.

Key-words emigration, Portugal, representation, Portuguese communities, Bureau

Resumen
El Consejo de las Comunidades Portuguesas de 1980 fue, históricamente, la primera experiencia de audición y diálogo institucional entre el gobierno portugués, su emigración y diáspora. Era un órgano consultivo del gobierno, constituido por representantes elegidos del mundo asociativo, apelando a la fuerza y al papel central que las asociaciones tienen en la construcción y preservación de las comunidades emigrantes. Siendo una experiencia totalmente nueva, tuvo que hacer su propio camino, conociendo rupturas, hiatos de funcionamiento y cambios radicales de forma y naturaleza en las décadas siguientes.
Palabras claves emigración, Portugal, representación, comunidades portuguesas, consejo

* Jurista
Ex-Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas

Resumo O Conselho das Comunidades Portuguesas de 1980 foi, historicamente, a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora. Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes. Sendo uma experiência inteiramente nova, teve de fazer o seu próprio caminho, conhecendo rupturas, hiatos de funcionamento e mudanças radicais de feição e natureza, nas décadas seguintes.
Palavras-chave emigração, Portugal, representação, comunidades portuguesas, conselho

Abstract
The Bureau of the Portuguese Communities of 1980 was, historically, the first experience of institutional listening and dialogue between the Portuguese government and its emigration and diaspora. This Bureau was a consultative body of the government, constituted by representatives elected by the emigrant associations, thus it was based on the appellative force and central role that associations have in the construction and preservation of the emigrant communities. As an entirely new experience, it had to walk its own way, facing ruptures and breaks in its functioning, as well as radical changes in its configuration, nature, during the following decades.
Key-words emigration, Portugal, representation, Portuguese communities, Bureau

Resumen
El Consejo de las Comunidades Portuguesas de 1980 fue, históricamente, la primera experiencia de audición y diálogo institucional entre el gobierno portugués, su emigración y diáspora. Era un órgano consultivo del gobierno, constituido por representantes elegidos del mundo asociativo, apelando a la fuerza y al papel central que las asociaciones tienen en la construcción y preservación de las comunidades emigrantes. Siendo una experiencia totalmente nueva, tuvo que hacer su propio camino, conociendo rupturas, hiatos de funcionamiento y cambios radicales de forma y naturaleza en las décadas siguientes.
Palabras claves emigración, Portugal, representación, comunidades portuguesas, consejo

O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes

1 - O CCP é um órgão consultivo do Governo, em matéria de emigração - e, mais do que isso, é também um órgão representativo dos portugueses do estrangeiro. Este carácter de representação - que , numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso... - valoriza substancialmente o significado da própria audição. Instituído pelo Decreto-lei nº 373/80 de 12 de Setembro em 1980, com início de actividade efectiva em Abril de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", que escolhia os representantes da emigração ao Senado.
A todos os Conselhos que, na década de 80, nele se inspiraram me parece que subjaz o propósito de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou “Assembleias” de Emigrantes. Em Portugal, a ideia de integrar o CCP numa segunda Câmara, se ela vier a existir, ou, pelo menos, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes...), é defendida por muitos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004.
O CCP tem um historial interessante, sobretudo no período em que vamos considerá-lo: o momento do seu nascimento, visto como acto de criação colectiva de uma instituição inteiramente nova, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo. Um percurso, aliás, acidentado por bloqueios e hiatos de funcionamento, afrontamentos com o Governo, ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais... Em boa verdade, não deverá falar-se de um único "Conselho", mas de vários, ou de várias "vidas" de uma mesma instituição.
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP "fez-se, "e fez-se com as pessoas, ganhou, com elas, um lugar central no debate das políticas para as migrações, manteve um funcionamento activo e regular. A partir de 1988 foi desactivado, de facto, e, no início da década seguinte, descaracterizado,"de jure", por uma lei aprovada, por maioria, na Assembleia da República, cuja complexidade e dificuldade de implementação - intencional ou não - o deixou paralisado.
O CCP ressurgiu, em 1996. A proposta de lei do Governo teve, na Assembleia da República – coisa rara - tratamento exemplarmente expedito num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, conscientes da importância do renascimento do Conselho, prioridade à qual alguns sacrificaram discordâncias de monta sobre o normativo. Seguiu-se um imediato agendamento do debate e votação, em plenário, e, em 1997, as eleições e a reunião mundial, 10 anos depois da anterior…
No actual sistema os conselheiros são eleitos por sufrágio directo e universal, pelos cidadãos inscritos nos consulados – uma fonte de legitimidade, aparentemente mais “democrática”, mas que rompe com a sua matriz associativa, a força e autonomia que daí lhe advinha, e exclui os luso descendentes, se já não tiverem nacionalidade portuguesa. A tal óbice se responde em Itália com um sistema misto, como eu própria propus - numa fórmula diversa, prevendo dois colégios eleitorais, o de sufrágio universal, a par de outro, de natureza associativa.

2 – Voltemos à fase primordial do Conselho. Começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscrito no programa da AD (Aliança Democrática), coligação, que se apresentou a sufrágio venceu e formou governo, no início de 1980. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca se soube quem a tinha formulado…Sendo de autor desconhecido, não estávamos limitados por quaisquer directrizes. Não havia figurino estrangeiro à nossa medida - apenas o francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional diversa. Era, no pós 1974, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um "forum" de audição, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas. Com a liberdade de procurar e experimentar o “modus faciendi”. Um verdadeiro "laboratório"! Aí, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, e, em simultâneo, se forjava um molde organizacional para um projecto de longa duração. Não havia ideias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um texto provisório, a repensar. Falo do decreto-lei aprovado, a 1 de Abril de 1980, em Conselho de Ministros. Fora preterida a via parlamentar, por ser, previsivelmente, mais morosa, mas o Presidente da República reteve o diploma durante cerca de 5 meses… De qualquer modo, nesta fase, mais do que discutir um perfil de “Conselho” com os representantes da “Nação” o que se pretendia era “consultar” os próprios emigrantes.
Assim, de entre as secções organizadas para a condução dos trabalhos da reunião mundial, uma destinava-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros, mas por iniciativa do Governo. Secção que perdurou e era a mais participada e também a mais polémica, num país com as divergências partidárias ainda muito à “flor da pele” “ , Apesar disso, souberam trabalhar em comum e conseguir convergências no fundamental, por exemplo, sobre:
- a sua própria orgânica - com a proposta de uma comissão permanente, prontamente implementada, como instância de coordenação e gestão;
- o acompanhamento das recomendações dirigidas aos mais diversos departamentos da administração pública, pela via de uma “comissão interministerial”. A "Comissão" veio a ser constituída em 1987, e tinha, como pretendiam, o encargo de preparar as respostas ao CCP, sector por sector, sendo convocada, obrigatoriamente, para esse fim, antes da reunião mundial deste Órgão
. a reformulação pontual, em 1994, da lei do CCP para permitir a sua “regionalização” com a convocatória periódica de reuniões restritas dos representantes de cada uma das grandes regiões do mundo - Europa, África e Oceânia, América do Norte, América do Sul - o patamar que entendiam faltar, entre o conselho mundial e os "conselhos de país” - cuja composição, repartição geográfica, regulamento e actividades as estruturas locais decidiam autonomamente.
-a elaboração de um ambicioso anteprojecto de reformulação global do CCP, que o Governo, adoptou, como seu, apresentando-o, como Proposta de Lei, à Assembleia da República, em 1986.
Aí se previa já a eleição por sufrágio universal, a par da eleição por um colégio interassociativo semelhante ao então existente.
Porquê tal ênfase no movimento associativo? A meu ver, porque se reconhecia, o seu papel central na organização e desenvolvimento das Comunidades, na sua capacidade de preservar a língua, a cultura, os modos de estar e tradições nacionais, aliás, sem prejuízo de promover, como se reconhece, a integração na sociedade de acolhimento. Tudo feito e mantido, sem apoios dos sucessivos governos de Portugal: 100% sociedade civil! Razão de sobra para que o Governo, numa relação de parceria, se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando, sempre, os projectos próprios dessas entidades, e das Comunidades como um todo.
Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", no interior do CCP.
O associativismo português no mundo, quando comparado com o de outros povos migrantes da Europa só fica a perder pelo facto de não ter procurado formas de unificação em federações ou alianças de nível internacional. Historicamente, a única tentativa de agregar, numa "União", representantes da Diáspora aconteceu nos anos 60 e foi uma iniciativa que partiu da Sociedade de Geografia, presidida pelo Prof. Adriano Moreira, não da Diáspora.
O legislador do CCP deixava claro, logo no preâmbulo do Decreto-Lei nº 373/80, que não pretendendo impor orientações ao movimento associativo no sentido da sua "internacionalização", lhe oferecia uma "plataforma de encontro" de âmbito mundial, para conhecimento mútuo e trabalho em comum. Objectivo conseguido, sem dúvida, enquanto o Conselho teve natureza associativa.
Muitas foram as recomendações substantivas deste órgão consultivo, e amplamente consultado, nomeadamente em matéria de ensino, medidas de protecção social, reestruturação de serviço no estrangeiro, apoio ao regresso e reinserção ou intercâmbio de jovens, como mostra uma publicação dos serviços da emigração sobre o estado das recomendações do CCP entre 1981 e 1985. O primeiro Encontro Mundial de Jornalistas (1981), e o de "Mulheres Migrantes no Associativismo e no Jornalismo" (1985) ficam também a dever-se a recomendações do CCP.
Outra prática precursora: a apresentação, para conhecimento e debate, do orçamento da Secretaria de Estado destinada a acções junto das comunidades, e as modalidades de colaboração oferecidas no "Programa Cultural", que era decalcado nas solicitações recorrentes da rede associativa.
Não vou comparar, aqui e agora, os dois Conselhos, o primeiro e o actual, mas esse é um exercício que vivamente recomendo.
Do primeiro direi, a finalizar, que foi, simplesmente o que quis ser, a aventura de "inventar" e sedimentar uma instituição bem portuguesa e original, na qual os membros eleitos imprimiram as marcas do seu pensamento e das aspirações colectivas, num dado tempo - um retrato seu, e, igualmente, um retrato de época.