agosto 11, 2016

SOBRE FUTEBOL: EM 2011

Destinava-se a ser publicada, em conjunto com outras, mas por razões de varia ordem, não chegou a ser publicada, Aqui fica arquivada É SABIDO QUE É ADEPTA FERRENHA DO FCP: A QUE SE DEVE? Ser do FCP é como ser do Porto e de Portugal. Terra-mãe, Nação, clube são parte de mim, ou eu sou parte deles, como queira... "Nasci no FCP", numa família portista - avós, pais, até tios e primos, quase sem excepções. Em linha recta, descendo de portistas desde a fundação do clube. E sempre tive paixão pelo desporto e, mais ainda, pelo futebol. O que eu sofri em criança, porque o FCP não ganhava um campeonato... tinha 13 ou 14 anos, quando conquistou o primeiro título, nas Antas, frente a uma Académica super-defensiva. Um autocarro negro à frente da nossa baliza. Depois, foi a festa inesquecível, todos abraçados, um delírio! Era a equipa de Yustrich, brasileiro de Minas Gerais, de ascendência alemã, um gigante com dois metros de altura, um ícone para a maioria dos adeptos, embora controverso - teve problemas com jogadores e directores do clube. Um dos meus primeiros heróis, por quem conservo, intacta, a fascinação, com pena não o ter conhecido pessoalmente. A última vez que visitou a cidade eu estava noutro continente. A minha vida itinerante, levou-me a perder muitas ocasiões imperdíveis, como esta... NUNCA ESCONDI O MEU CLUBISMO Julgo que quando existe é bom que se saiba, não há razão para esconder. Um deputado da emigração perguntou-me, ainda nos meus primeiros meses de AR, se isso não me seria prejudicial num círculo onde a maioria é, ou, pelo menos, era, largamente, benfiquista ou sportinguista. Respondi "não", porque as pessoas separam as águas. E, se assim não fosse, paciência, mas não renegava a identidade clubista. Duvido que tenha perdido um só voto por causa do futebol. Os emigrantes são mais abertos, frequentam associações ligadas a outros clubes, com eu frequentava, o Benfica de Toronto, o Lar dos Leões de Newark, sobretudo quando era presidido pela Maria João Ávila. Mas o futebol nem sequer pesa muito a nível local, basta pensar no caso muito concreto do Rui Rio : o confronto com o FCP de Pinto da Costa faz parte da estratégia de afirmação pessoal desse autarca. Parecendo que não, ele fez política com o futebol, em nome de uma espécie de superioridade intelectual e ética. e, apesar da cruzada anti-portista, ganha eleições no Porto, para além de ganhar boa imprensa em Lisboa. Isto também é aproveitamento do futebol, é uma parte da realidade, não a realidade inteira. O futebol pode, igualmente, servir, por exemplo, para aproximar homens e mulheres que a política divide. A primeira vez que isto se tornou evidente, na Assembleia da república, foi quando tivemos a ideia de festejar vitórias europeias do FCP, convidando para jantar no restaurante de São Bento, os principais dirigentes do clube. Por graça, alguém falou até de "grupo parlamentar do FCP", com deputados de todos os partidos. A mais viva recordação que me ficou desses convívios foi a dissertação da Natália Correia (portista "por afinidade", via Dórdio) sobre a simbologia do "dragão", parente próximo da serpente da antiga Lusitânia. Os deputados dos outros clubes "compraram" a ideia e estes convívios tornaram-se comuns - sem a mais valia dos discursos de Natália. É sempre simpático o clubismo dos outros, com fair-play - caso do Presidente Jorge Sampaio, que, na cerimónia de imposição de condecorações, quando me colocava a faixa da Ordem do Infante D Henrique me disse: "Está a ver, a sua condecoração até tem as cores do FCP!". E de facto, as cores da "Ordem do Infante" são o azul e o branco (mais uma faixa preta, que não conta, para este efeito...). Jorge Sampaio é especial, em tudo, um "gentleman" para usar uma língua que ele fala tão bem! Penso que a sua postura face ao futebol é a melhor: gosta sem complexos, tem clube coração (o SCP), não mistura política nessa relação afectiva e respeita as opções dos outros. A começar pela da Dona Maria José Ritta, que é algarvia e portista... FUTEBO E POLÍTICA O que é mau é usar as influências de um sector no outro - e infelizmente isso tem-se verificado, por vezes. Não pode evitar-se nem negar-se o facto dos políticos, quase todos, terem o seu emblema de clube, e o de a generalidade dos dirigentes ou adeptos de clubes terem uma bandeira partidária. Impróprio é usarem a sua posição num dos domínios para intervir no outro, dando apoios indevidos, aplicando, ou distorcendo, regras conforme conveniências. Com clara consciência disso, tive sempre uma grande preocupação da isenção, enquanto estava no Governo. Sou jurista e gosto de aplicar o Direito, a direito, como deve ser. A lei é para cumprir, mesmo que prejudique os meus, ou aproveite a outros. Foi o caso da emigração de jogadores do SCP (por puro acaso eram do Sporting), a quem, com um despacho, "abri" as fronteiras, em 1979, por pura convicção jurídica. FCP e SLB estavam na oposição. Foi a altura em que Séninho, do FCP também foi para um "all stars" americano, mas esse tinha idade e tempo de clube tal, como exigido pela PRT (portaria de regulamentação de trabalho), então em vigor, que eu considerei inconstitucional, por prejudicar o direito de livre circulação. Nas comunidades, tratava as delegações locais dos clubes da mesma maneira - são instituições das comunidades, como quaisquer outras, abertas e conviviais. Também não negava o mesmo apoio, se se tratasse do FCP - estive presente no seu histórico 1º congresso de delegações e filiais, que já incluía bastantes delegações do estrangeiro, embora muito menos do que actualmente. O futebol, tal como a cultura em geral, e o folclore em particular, é, na ligação dos emigrantes ao país, importantíssimo. E na relação com os PALOP's, se possível, ainda mais. Nesses países, o povo pode gostar mais ou menos da nossa selecção, mas é ainda parte integrante dos grandes clubes portugueses. São fiéis adeptos! É pena é que esses clubes não considerem prioritário aprofundar contactos. É pena que seja praticamente ignorada pelos governos esta vertente da cooperação. Opinião subjectiva, eu sei. Mas o futebol faz parte da minha vida e da vida de muita gente, com quem me identifico, milhões, por esse mundo fora. Os políticos que lançam um olhar snob sobre o futebol - e aqui são tantos! - não podem compreender isto... Fiz títulos de jornais, algumas vezes, quando respondi que ser do FCP e ser do PSD são coisas de diversa natureza - do clube sou desde o berço até à morte. Ao partido aderi depois dos 30 nos e pode não ser para sempre. Eco nos media tiveram também as "guerras" com Mota Amaral, a partir do momento em que ele resolveu sancionar com falta injustificada a ida dos deputados à final de Sevilha, como convidados do FCP. Na sua maioria nem eram do PSD, eram socialistas. Do PSD, que me lembre, só a Leonor Beleza e eu. Injustificou a falta, porque assistir a um desafio de futebol, não podia, segundo ele, ser considerado trabalho político. "Trabalho político" compreende, em regra, tudo o que deputado entender ser missão sua, enquanto parlamentar. Uma banal exposição, uma entrega de qualquer prémio numa Escola, a inauguração de uma rotunda de aldeia não costumam levantar dúvidas. Se calhar, até uma final europeia de futebol, com outro clube, também não levantava... Escrevi uma carta a dizer que o ser ou não "trabalho político" dependia das circunstâncias concretas, do propósito, do interesse da representação, avaliada pelo deputado, ele mesmo. E acrescentei um exemplo: se um deputado vai numa procissão religiosa, como peregrino, isso não é trabalho político, é devoção. Se for convidado pela Irmandade ou pela Autarquia, ou pelo Governo para estar presente, já pode merecer a qualificação de trabalho político. Segundo me disseram, Mota Amaral tinha feito uma deslocação "oficial" aos Açores, com comitiva e tudo, para assistir às festas do Senhor Santo Cristo. Não contestou a argumentação, mas manteve o "diktat". A final da "Champions", em Gelsenkirchen, no ano seguinte, serviu de segunda volta deste combate. Quando, no final, que o FCP ganhou por três golos, um jornalista lhe pediu um comentário, o José Lello, que nem é portista, respondeu: Porto 3, Mota Amaral, 0... Curiosamente, o comentário, tão bem achado, não foi dado à estampa... Depois de muito obstaculizar as celebrações portistas com as suas deslocadas interpretações regimentais, o Presidente da Assembleia da República não foi convidado para a inauguração do "Dragão" e o grupo parlamentar do PSD terá querido impor, por solidariedade para ele, a ausência dos seus deputados na cerimónia. Não sei ao certo, não estive nessa reunião do "Grupo" - mas noutra, mais plácida, algures no centro da Europa - com pena de perdido a discussão sobre o assunto. Os jornalistas, ao verem-me na inauguração, perguntavam-me, todos, se isso me iria causar grandes problemas. Respondi que não, que um partido democrático tem de permitir que cada um pense pela sua cabeça e decidir o sentido das suas solidariedades. E, se assim não fosse, entre o clube e o partido escolhia o FCP. Fui notícia, a letras gordas, no "Público"... SOBRE MOURINHO Não vou esconder que, no início, tal como, mais tarde, a maioria dos ingleses, achava Mourinho um pretensioso, com ar de galã de telenovela. Insuportável! Os ingleses converteram-se a Mourinho bem mais depressa do que eu. O braço de ferro (ainda que curto) de Mourinho com Vitor Baía retardou a minha "estrada de Damasco" em relação àquela divindade do futebol. Mas sei que aquando da final de Sevilha, já o considerava "especial". E não vou mudar de opinião. Torço por ele, onde quer que esteja, até mesmo no Real Madrid (horror dos horrores, o clube da capital das Espanhas!). Como toda a gente, reconheço que ele é genial enquanto treinador, como portuguesa agradeço-lhe a imagem de Portugal que projecta. No meio do cinzentismo geral dos nossos dirigentes, ele é absolutamente, gloriosamente exótico, turbulento, assertivo, convincente. Já não direi arrogante. O que noutro seria arrogância nele, é afinal, auto-confiança sustentada na excelência em estado puro. Quem mais poderia considerar-se o melhor do todos, com naturalidade, e ser, reconhecidamente, o melhor de todos? Os seus excessos fazem parte do "pacote" global... Assim Mourinho fascina o mundo - e me fascina a mim, também. Mas gostar, gostar, desde o primeiro minuto, gosto de Villas-Boas! No caso dele, ao reconhecimento da "classe" como treinador e como pessoa, junta-se um laço mais afectivo - pelo portista, pelo rapazinho que, ainda "teen-ager", já encantava Robson com as suas teorias. Foi fantástico o percurso no FCP 2010/11! Dentro e fora dos estádios. Tão bom no jogo, como nas conferências de imprensa. Portuense e muito "british". "Um "inglês" do Porto, na melhor tradição da novela de Júlio Diniz, que, quando menina e moça, era a minha preferida. André, onde quer que tenha êxito (e não sei se terá, neste Chelsea, mas terá, mais tarde ou mais cedo...) reparti-lo-à com a cidade e com o País. DSOBRE BAÍA Ao contrário do que aconteceu em relação a Mourinho, a admiração por Baía nasceu logo que o vi a defender a baliza do FCP - tão jovem e já um fenómeno, um super guarda redes. Tão elegante na forma de se lançar à bola, a dar ao futebol aquela "nota artística" que poucos conseguem. Creio que foi o Carlos Magno quem disse que até nos seus raros falhanços, falhava com elegância. Mas, além disso, tornou-se rapidamente, mais do que um simples atleta excepcional - um símbolo de desportivismo e de coragem, de resistência à adversidade que o perseguiu - lesões terríveis e demolidoras campanhas de imprensa, sempre à espera do mais pequeno deslize para o transformar em coisa grande. Teriam feito desanimar qualquer outro. Tudo isso o tornou uma figura carismática, um mito, muito antes de abandonar a carreira. Um eterno rosto do FCP, pelas suas qualidades, mais o seu amor ao clube, tão raro numa época de "profissionalismo", que é uma maneira diplomática de condescender com o facto do futebol se ter tornado um grande negócio, e de os protagonistas procurarem fama e dinheiro, onde quer que isso seja mais fácil. Baía é uma raridade e nele reencontramos o sonho da pureza primordial do futebol. É um de nós, ama o FCP, como nós, e é um dos maiores jogadores portugueses de todos os tempos, o melhor de todos os guarda-redes. Meu Pai dizia "eu vi jogar o Pinga" como quem participou em momentos históricos. Eu poderei contar aos mais pequenos como era o Baía, como um estádio inteiro se levantava e vibrava com a simples menção do seu nome. Para mim, o FCP é sempre o FCP. Mas o FCP de Baía e de Deco (o tal que era melhor que Pelé, como se cantava, em coro, nas Antas e no Dragão) nunca mais terá igual. Há jogadores que, de facto, fazem uma época, para além de fazerem uma equipa, como Deco, que foi, nos tempos do Porto e do Barça, o melhor nº 10 do mundo. O mágico da nossa selecção (e tão mal agradecidos fomos, por fim, com Queiroz). O “magic”, na Catalunha. No Conselho da Europa, tinha um colega catalão, que me dizia: "Não imaginas como o Deco é adorado em Camp No". Ele ia ao estádio. Eu não, mas imaginava. Até pela tv se percebia o ambiente que cercava Deco, e o carinho com que Deco acompanhou o princípio da ascensão de Messi. Que pena não serem da mesma geração! Houve outros mágicos, que vi em acção: Hernâni, Pavão, Cubillas, Anderson (nos poucos meses que jogou no Porto, porque em Manchester já não o deixam jogar assim), “Homens-golo”, como Jaburú, Gomes - outro fenómeno, o "bibota" de ouro, que eu já conhecia da equipa de juniores - ou Jardel, que há-de voar para sempre sobre os centrais, na voz de Rui Veloso, numa canção com letra de Carlos Té. E uma longa lista centrais, que o FCP transfere para as Ligas da Europa, a peso de ouro… Há o calcanhar de Madjer… O “slalom” de Derlei (outro eterno herói, o Ninja!) para a vitória no relvado manhoso de Sevilha. O olhar intenso de Pedro Emanuel, na hora de marcar o "penalty" de Yokohama… E agora o Hulk, esse espectáculo dentro do espectáculo... A verdade é que eu tenho uma paixão de infância pelo futebol e pelo FCP, da qual não vou curar-me nunca... SOBRE PINTO DA COSTA Pinto da Costa é o melhor presidente de um clube de futebol do sec. XX - e continua igual a si próprio no século. XXI. Nenhum clube deve a uma só individualidade ascensão semelhante à que o FCP conseguiu com ele. E, através do sucesso do clube, muito lhe deve também o País. Portugal nunca ganhou com a selecção os títulos europeus e mundiais que o Porto lhe deu, no mais mediático dos desportos. Obviamente, Pinto da Costa não realizou o milagre portista sozinho, soube rodear-se, criar estruturas, escolher bem. É um "case study", a nível internacional, sem dúvida. E a nível interno, também tem um lugar na história, como o único Homem do seu tempo que conseguiu pôr o Porto e o norte na vanguarda de Portugal e até da Europa. A região norte está em alta no futebol e em queda nos índices económicos, no desemprego, no investimento público, no poder político... Qualquer uma das Regiões Autónomas pesa politicamente mais do que todo o Norte. Só no futebol houve uma certa forma de regionalização, de diminuição da desigualdade de oportunidades entre a capital e o resto do País. Isso permitiu ao FCP e a outros clubes, do norte e do sul, vencerem campeonatos e taças, como acontece, normalmente, nos outros países da Europa: a França não se resume ao Paris Saint-Germain, nem a Inglaterra ao Arsenal de Londres, nem a Itália ao Roma, nem a Espanha ao Real _Madrid... Na Alemanha, o título pode ir parar a qualquer cidade, nem sequer fica sempre na Baviera. Em Portugal, antes do 25 de Abril, só dava Lisboa, SLB ou SCP. No futebol, Pinto da Costa desencadeou um movimento que podemos comparar ao da descolonização... Fez, claro, no trajecto, muitos inimigos, tanto pelos resultados alcançados como pelo seu estilo inconfundível. Não podendo vencê-lo dentro do campo, os inimigos tentam o objectivo em jogos de secretaria e em processos kafkianos.

EXPO DE JOSÉ TAVARES

. José Tavares é parte da vida de todos os que tiveram a sorte de o conhecer pessoalmente e de o admirar como um grande Homem e um grande Pintor . Mas é, também, parte da história cultural de Espinho, a terra que escolheu como sua, onde criou família, criando raízes, fazendo amigos. deixando um rasto de humanidade e simpatia e uma obra vasta e valiosa, mas praticamente desconhecida de maioria dos seus conterrâneos e mais ainda da generalidade dos Portugueses. E, por isso, é tão importante esta publicação de uma boa parte das suas telas, que se constitui na forma única, no meio ideal de partilhar obras que estão, na quase totalidade, inacessíveis em colecções particulares. As imagens aqui recolhidas vão permitir que o Artista surja, assim, aos olhos do País que se valoriza ao valorizá-lo. É assim devido, antes de mais um agradecimento à família do Pintor, por esta iniciativa, que assume o significado de um verdadeiro "serviço público" - pelo que mostra, divulga e revela de uma mais valia artística, que permanecia escondida. com risco de se perder para sempre num imerecido esquecimento.

DUAS CONVENÇÕES, DUAS AMÉRICAS

Cleveland e Filadélfia - duas convenções, duas Américas 1 - O processo de eleição de um novo presidente dos EUA entrou na fase final, com a nomeação dos candidatos nas convenções dos partidos Democrático e Republicano. Só os cidadãos americanos votarão neste sufrágio, mas a sua decisão pode afetar-nos, tanto ou mais do que as que acontecem no nosso território ou no da UE. A partir do momento em que Trump se impôs no partido Republicano, isso tornou-se particularmente evidente. Fenómenos de radicalismo e de populismo criptofascista, também têm irrompido na Europa, mas só a ameaça que se desenha na América é verdadeiramente planetária. O discurso brutal de Donald Trump, antes, durante e depois da Convenção de Cleveland, promete erguer muros contra a imigração, fechar o país ao mundo, dividi-lo em razão das crenças, das etnias, do género, da orientação sexual, de diferenças de toda a ordem... Nunca antes se vira um candidato ao mais alto cargo do mais poderoso Estado da Terra ridicularizar, num palco, por gestos e palavras, um jornalista com deficiência física, ou elogiar ditadores de várias latitudes, da Rússia à Coreia do Norte! 2 - Nós não podemos influir nesta escolha crucial, mas pudemos seguir, a par e passo, em direto, pela televisão, os trabalhos das convenções. Cleveland foi um "one man show", movido tanto pelo egocentrismo de Trump, o homem que usa, a propósito e a despropósito, a primeira pessoa do singular, como pelo facto de todos os "notáveis" do partido Republicano (incluindo o ex-presidente Bush, que, por comparação, até parece menos mau) se terem mantido longe daquele cenário dantesco de diatribes contra muçulmanos, hispânicos, imigrantes, mulheres, veteranos de guerra, juízes... Filadélfia foi, uma semana depois, a resposta democrata, dada sempre no plural: na esteira do "yes, we can" de Barack Obama, o “juntos somos mais fortes" de Hillary Clinton, com o sentido de comunidade, que, há anos, a levou a escrever "It takes a village". Nunca, numa eleição presidencial nos EUA, os contrastes foram tão gritantes, porque está em causa muito mais do que o civilizado confronto de ideias e de projetos situados no espaço comum da democracia. E, obviamente, muito mais do que o carater histórico do pioneiro afrontamento entre uma mulher e um homem. Uma mulher com um longo e insuspeito curriculum de luta pelos direitos humanos, pela educação e serviços de saúde para todos, que se iniciou bem antes de atingir o patamar da celebridade nacional e universal. Um homem, que, tendo herdado uma enorme fortuna, passou a vida a pensar em si e nos seus negócios, que, aliás, deixaram um rasto de processos judiciais de antigos parceiros e trabalhadores. Na verdade, mais do que duas personalidades são duas Américas inconciliáveis que estão em combate. Só uma vencerá. A América da inclusão ou a da dissidência e preconceito. A dos direitos humanos ou a dos ódios, da xenofobia e do racismo, que, mais de meio século depois das leis integracionistas do Presidente Kennedy e no fim do brilhante mandato do primeiro presidente negro, mostra ter ainda um paladino e numerosos prosélitos anónimos. 3 - Passei horas e horas a seguir, na CNN, a convenção de Filadélfia. Fascinada, porque nunca vi um "meeting" político tão perfeitamente organizado e com semelhante nível de intervenções - algumas correspondendo, exatamente, às expetativas (elevadas), como a do Presidente Obama ou da própria Hillary, outras surpreendentes pela força emotiva da mensagem, como foi o caso de uma formidável Michele Obama (que metamorfose, em quase 8 anos de Casa Branca!) e de um eternamente jovem Bill Clinton, a traçar, com a simplicidade dos oradores predestinados, com o rigor dos factos, sem negar os afetos, uma biografia da mulher, da mãe, da cidadã Hillary Rodham, desde o dia feliz em que a conheceu até ao presente. "In the spring of 71 I met a girl"... (na primavera de 71 conheci uma rapariga...). Em síntese: para Bill, Hillary é a maior construtora de mudança real (change maker) que ele jamais viu ; para Obama, nunca houve na história dos EUA ninguém, homem ou mulher, tão bem preparado para ser presidente como ela. Michele, por seu lado, num jogo inteligente e subtil de luzes e de sombras, contrapõe Hillary a Trump, sem nunca pronunciar o nome dele. E faz perguntas decisivas, como estas: quem escolheríamos para ter ao alcance do dedo o botão com que se desencadeia um ataque nuclear? Quem escolheríamos como "role model", com o poder de moldar o carater e a conduta de toda uma geração de crianças e jovens americanos, ao longo dos próximos quatro (ou oito) anos? Antes que acabe o ano de 2016, saberemos se a América elegeu a política de rosto humano ou se quer enveredar por uma espiral de fanatismo e violência, de segregação interna e de agressividade internacional

Foi há quatro anos, na Maia

quarta-feira, 24 de outubro de 2012 Congressismo feminino No Encontro Mundial da Maia, procuramos ir às raízes de um movimento pela intervenção cívica da Mulher, que, a nosso modo e nosso tempo, continuamos, olhando em especial as mulheres da Diáspora. O que nos une e reúne, como há um século aconteceu, com as feministas da 1ª República, é a convicção de que só a acção colectiva pode levar a mudanças essenciais a uma transformação da sociedade no sentido da maior igualdade de género. O poderoso associativismo feminino, que se projectou no tempo dessas precursoras, é irrepetível e do que, na mesma época, traduziu formas inéditas de solidariedade entre as portuguesas emigradas (muito em particular na Califórnia, a nível do movimento mutualista) o mesmo se poderá dizer. É certo que há ainda lugar - sobretudo no campo tradicional da acção social e da beneficência - para organizações exclusivamente compostas por mulheres, que desempenham um papel muito importante, como é o caso da Sociedades das Damas Portuguesas da Venezuela, da Liga da Mulher da África do Sul e da Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina, de todas a mais recente. Mas na Califórnia, as pioneiras Sociedade Rainha Santa Isabel e União Protectora Portuguesa do Estado da Califórnia passaram a aceitar a filiação de membros do outro sexo e a fusão com outras sociedades fraternais. No século XXI, na nossa perspectiva, a prioridade terá de ser dada ao acesso das mulheres ao dirigismo nas organizações em que se estruturam as comunidades portuguesas e em que elas estão, em regra, ainda marginalizadas - o que para além de representar uma inaceitável discriminação sexista, prejudica a expansão e a renovação das próprias instituições, como é crescentemente reconhecido. Por isso, consideramos que o "congressismo", outra das heranças feministas do início de novecentos - entendido em sentido lato, para abranger o esforço de informação, debate, reflexão, crítica, testemunho, troca de experiências, reivindicação em múltiplos "fora" e, genericamente, eventos com projecção mediática- é um dos mais eficazes instrumentos actuais ao serviço do objectivo de mobilizar as portuguesas para a intervenção nas comunidades do estrangeiro. A organização dos vários Encontros Mundiais de Mulheres Migrantes, a partir de 1985, e de conferências, seminários, debates sobre a temática de género ligada à emigração portuguesa, enquadra-se nesta visão das coisas e tem sido, muito frequentemente, iniciativa conjunta, ainda que através de fórmulas diversas, do governo e das ONG's (penso sobretudo, nas que vêm sendo levadas a cabo, desde 1994, pela "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade"). Nesta comunicação breve, limito-me a assinalar algumas das singularidades do exemplo português na luta pela afirmação da cidadania das mulheres e da recorrência de "diferenças" ou originalidades nossas, em épocas tão distintas como foram o início e o final do Século XX, com o propósito muito pragmático de delas tirar ensinamentos e de, correndo, embora, os riscos sempre inerentes à extrapolação, virtualidades actuais de mudança rápida do "status quo" - à portuguesa... 1 - Considerações sobre o movimento feminista de novecentos O movimento feminista foi, em Portugal, surpreendentemente, moderno e vanguardista na medida soube resistir à tentação (datada) do radicalismo, aos excessos de uma "guerra de sexos", por um lado, e, por outro, ao mimetismo dos paradigmas masculinos, em favor de uma assumpção plena do "feminismo feminino", na expressão de Carolina Beatriz Ângelo. As nossas Avós sufragistas, reclamaram, lucidamente, os mesmos direitos e deveres na "res publica", com a sua própria maneira de ser e de actuar, tal qual eram - em caminhada democrática e solidária, lado a lado, com os homens, numa vivência da ideia da "paridade", que teorizaram e quiseram por em prática muito antes da palavra ter feito o seu curso nas Constituições e nas leis, traduzindo uma ideia nossa contemporânea de cidadania e de igualdade de género. As feministas portuguesas partilhavam a utopia igualitária que inspirava os movimentos de luta pela libertação das mulheres um pouco por toda a Europa, na América do norte- mas moldaram-na à sua feição, com a força da esperança numa mutação de regime, imediatamente antes e durante o processo de consolidação da Republica. De facto, entre nós, as questões de género e a questão de regime entrelaçaram-se, num mesmo desígnio de liberdade e progresso, que parecia capaz de resolver a primeira pelo simples facto de resolver a segunda – embora, de facto, esse escol de mulheres, feministas e republicanas estivesse destinado a grandes desilusões. Esta dupla pertença foi, a meu ver, a argamassa, a base da especial cumplicidade que as unia aos revolucionários do sexo oposto, e as levava a situarem, claramente, a problemática da mulher no quadro global das transformações do Estado e da sociedade. Era a refundação do País que idealizavam, sem duvidar de que ela comportaria o fim de todos os privilégios, entre eles, os de sexo, assegurando, em simultâneo, a plena emancipação da metade feminina. Não era uma luta em causa própria, em favor de uma minoria - a elite da cultura ou da fortuna, a que quase todas pertenciam - mas em favor de todas as mulheres, e, mais latamente, da sociedade portuguesa. Viam o momento de explosão revolucionária, como um tempo de grandes oportunidades, para que estavam, porém, como o futuro demonstraria, bem mais preparadas do que os homens seus correlegionários... E sabiam que nada aconteceria sem esforço, sem a comprovação da importância do seu contributo, muito concreto, num combate que só poderia ser ganho pela força da organização colectiva, pelo associativismo, e pela consequente demonstração pública da inteligência, da coragem, e capacidade de decisão e de intervenção cívica de toda uma geração, não apenas de mulheres extraordinárias. Algumas mulheres conseguiram, a título excepcional, resistir ao absoluto anonimato a que estavam destinadas em razão do sexo na História escrita pelos homens - mulheres chefes de Estado, rainhas influentes nos negócios do Reino (nos domínios da diplomacia, da cultura, da saúde, da educação) heroínas de revoltas populares e de guerra, sobretudo nas praças de África, no Oriente... algumas raras escritoras ou artistas imortalizadas pelo talento. O que é raridade não conta: não destruíram estereótipos de inaptidão geral para a coisa pública não influenciaram o estatuto e os direitos da generalidade das mulheres, como a elite de novecentos se preparava para conseguir. A tomada da palavra perante multidões, um pouco por todo o país, com um discurso coerente e convincente de nomes consagrados e de tantas jovens desconhecidas- em comícios, em "fora" de reflexão e debate, em acções de propaganda - foi o grande momento de viragem. Foi assim no campo de acção ou de luta designado por “congressismo”, que fizeram a passagem, súbita, inesperada, do círculo doméstico, onde os costumes as confinavam, para a esfera pública, onde abriram caminhos, que levariam décadas a percorrer - e que são ainda hoje a senda para um trajecto em curso. Outra das singularidades nossas, há que destaca-la, foi o papel dos homens neste processo. Os líderes republicanos apelaram, eles próprios, à participação activa das mulheres, deram-lhe, nessa primeira década de novecentos, um papel a representar no palco das sessões de propaganda. Até aí o movimento nascia mais semelhante ao de outros países europeus - mais tardio, mais discreto, porventura, mas avançando, à margem de solicitações partidárias, com já então notáveis republicanas, como Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete, mas também com algumas ilustres monárquicas, como Olga Morais Sarmento Silveira, Branca de Gonta Colaço ou Domitília de Carvalho (que haveria de ser, durante o Estado Novo, uma das primeiras deputadas da Nação). As primeiras tomadas de posição, com pouca visibilidade popular, estão ligadas a organizações pacifistas (como a Liga Portuguesa da Paz, de Alice Pestana, que cria, em 1906, a sua "Secção Feminista" e é responsável pela que se poderá considerar a primeira sessão pública de um grupo feminista, contando com a presença de Teófilo Braga). A data é de salientar, porquanto, pouco antes, no ano de 1902, uma das participantes activas nessas iniciativas, Carolina Michaelis de Vasconcelos, olhando, com a sua mentalidade germânica, e, naturalmente com muita preocupação, o país do sul onde gostava de viver, escrevera o seguinte: "O combate das massas feministas, em vista de melhores condições sociais, está inteiramente por organizar"[...] "O aparecimento de uma mulher na política seria considerado uma monstruosidade". Pois bem: dois anos depois,em 1904, Adelaide Cabete, Maria Veleda e outras fazem-se ouvir no I Congresso do Livre Pensamento. Em 1906, a própria Carolina Michaelis é uma das impulsionadoras da Liga Portuguesa da Paz, norteada para a problemática feminina, e, a partir do ano seguinte acentua-se a convergência entre feminismo e republicanismo e a entrada de muitas mulheres em lojas maçónicas. É de ressaltar a fantástica aceleração do processo de participação feminina, neste período, a revelar as contradições, os anacronismos e a espantosa capacidade de os superar de que, de vez em quando, dá provas a sociedade portuguesa, dotada de uma plasticidade, de uma subtil maleabilidade, que não se adivinha de fora e é preciso saber descobrir, de dentro.. Ainda por cima, em geral, o inesperado protagonismo feminino, essa suposta "monstruosidade" despertava nas massas um enorme entusiasmo e aplauso, pois as afinidades ideológicas logo varreram quaisquer preconceitos. Por parte do povo era reacção espontânea, por parte das lideranças, a utilização das mulheres era parte de uma estratégia política.

agosto 09, 2016

A INVENCÍVEL SELEÇÃO DE PORTUGAL

A INVENCÍVEL SELEÇÃO DE FERNANDO SANTOS 1 - Estou nas antípodas de Fernando Santos, que é um homem de fé. Em matéria de seleção nacional, a minha fé, na fase de qualificação, mostrava-se um pouco permeável à dúvida. Em França, ainda na fase de grupos, já me via absolutamente agnóstica, e durante as ordálias infindáveis, a que fomos submetidos com a Croácia e a Polónia, o meu estado de crença não melhorou. O País de Gales, desfalcado de Ramsey, que era o Deco deles, parecia mais fácil de ultrapassar, sem dramas, nem prolongamentos, como veio a acontecer. No dia seguinte, soubemos que não era a Alemanha, mas a França, que nos caberia na final. Vi-me, então, 100% ateia. Não é que a "alternativa Alemanha" fosse aliciante, com Gomez ou sem Gomez, mas, ao menos, se perdessemos, seria por força do adversário e não por força das arbitragens (mesmo numa UEFA sem Platini,"a França é a França", como diz Juncker - para as comissões de arbitragem, como para a Comissão Europeia. As sanções são sempre para os outros... ------------------------------------ ------------------------------------------------------------------------------------------------ 2 - Vi todas as partidas em regime de solidão, que é o melhor para ver o jogo ( embora não para o gozar plenamente). Todas, exceto uma, que não deu gozo nenhum (a da Polónia). Estava, em Lisboa, na Av Elias Garcia, a dirigir, em frente a um grande ecrã de televisão, a assembleia-geral da Associação "Mulher Migrante", que começou às 20,30, pontualmente, e se prolongou até ao início dos penaltis... Entre o dar a palavras aos presentes, ouvir e emitir opiniões, tinha, como na canção da Laurinha, "um olho na janela e um olho na panela", mas, comigo, a divisão de olhares entre o ecrã e os papeis, foi um fracasso. Na reunião, o meu mau feitio e a impaciência eram mais difíceis de combater. No futebol, a intermitência das imagens aumentava a angústia... Terminados os trabalhos, no preciso momento da decisão por penaltis, que eu nunca vejo, exceto em diferido (quando a coisa correu bem..), despedi-me, à pressa, e saí para a Avenida da República. Já não via imagens, mas ouvia... Um grito coletivo de alegria levou-me a retroceder uns passos e a entrar num ginásio, donde vinha o maior alarido. Ainda não era a vitória, só uma defesa de Patrício... Voltei à estrada. Andei uns metros e parei ao som de um brado humano, seguido da voz metálica do "claxon" dos muitos carros, que circulavam na Avenida da República: uma ode ao triunfo, sem sombra de dúvida! Corri, de regresso ao mesmo ginásio, onde continuava, em festa, um pequeno grupo de rapazes de grande estatura e simpatia. Perguntei quem tinha marcado o último penalti: Ricardo Quaresma! Fiquei no céu dos ateus... Decidi, então, ir de metro até ao Colégio Militar, e, daí, a pé até ao meu apartamento. Queria ver gente e vi um impressionante número de imigrantes de África, ou portugueses de origem africana, com as camisolas e os cachecóis de Portugal. Assim equipados eram mais do que os tímidos brancos e faziam a festa, ruidosamente. Um espetáculo grato ao coração!------------------------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------------- 3- Na noite de 10 de junho, saí à rua antes do jogo, e só encontrava gente eufórica com a certeza do nosso triunfo (1-0, dizia-me um senhor que bebia uma vagarosa cerveja na esplanada da Avenida 8 e eu, cética, respondia: "Deus o oiça". Depois, também por ali andei, mas vi os 90 minutos dentro das quatro paredes de minha casa... primeiro na companhia de uma amiga, a Rosa Maria (que apostava forte no nosso sucesso, embora rumasse ao Porto antes de acabada a 1ª parte, para fugir do previsível tráfico na Boavista, onde vive) e a minha mãe, que, com os seus 96 anos, detesta futebol, e, não obstante isso, fervorosamente rezava o "responso" a Santo António, que reserva para casos importantes. Na 2ª parte fiquei só, com o meu gato preto, Willy-Willy ao colo e os outros por perto. Willy costuma dar sorte... Após o tempo regulamentar, a esperança, em vez de diminuir, começou a aparecer, como uma luz no fundo do túnel. Com a resta de esperança, a ansiedade era tal, que não aguentei a pressão. Saí para ruas desertas, para a beira-mar, mantendo-me sempre longe das zonas animadas por ecrãs... Estava na rua 9, quando ouvi um clamor. desci até ao Chocolate com Pimenta, onde estava toda a gente ainda aos saltos. De quem fora o golo? De Éder, disseram-me em coro. Voltei a calcorrear ruas, ao acaso, mas silêncio já não havia em lado algum. Estava só à espera que o tom subisse a dar a boa nova, para me juntar à multidão em delírio na Alameda... ----------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------------- 4 - O mundo do futebol é um mundo paralelo ao outro, e, do mesmo modo, cheio de um misto de coisas boas e coisas más, mas às vezes, as melhores vêem ao de cima e, então, vivemos nele muito mais e melhor! Durante um mês, tudo acontecia nos estádios de França, a nossa capital era Marcoussis, o estado do país era discutido entre os positivamente e os negativamente críticos de Fº Santos. Pouco nos interessava o estado da Europa ou do país, tal como se discutia em Bruxelas ou Lisboa: Brexit? Sim, sim, pois, um Brexit surpreendente, a saída da Inglaterra dececionou... mas o Reino Unido ainda tinha Gales (Ramsey, Gareth Bale) e Irlanda (Will Griggs, que animava os cânticos, se não os relvados - fantástico!)). Sanções? Quais sanções? As três grandes penalidadaes que ficaram por marcar a nosso favor? O cartão alaranjado - ou vermelho - que não foi mostrado a Payet? Como no disco dos Pink Floyd: "Crisis? What crisis?". --------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------------ 5 - Fernando Santos é um "bom caráter" - e isto não se pode dizer de alguns dos seus colegas de profissão sobejamente conhecidos. Uma boa pessoa, um homem sensato e comedido, com aquele ar tristonho, que não condiz com um discurso de otimismo desmesurado (delirante, achava eu até à noite de 10 de julho estranhando a sua certeza de estar na final e de a ganhar...). De qualquer modo, não é, graças a Deus, nenhum Scolari, não é, sobretudo, humanamente falando do género de Queiroz ou Paulo Bento - personagens centrais de tempos sinistros - e só isso é excelente motivo para ser uma fã relativa de Fernando Santos (O nosso Engª do penta, mas não do "hexa", a despertar "mixed feelings" à maioria dos portistas). Por isso, se alguém merecia esta vitória era ele, como Pessoa e como selecionador! É, de resto, justo reconhecer que nunca foi tão óbvia a autoria individual de um triunfo coletivo. Foi ele o artífice deste feito, Esta coleção de jogadores, uns, poucos, de classe planetária e todos os outros de uma certificada mediania, com qualquer outro responsável (de Rehagel a Mourinho, este por não estar habituado a matéria de tal qualidade) não teriam posto os pés no "Stade de France". O Engº é um impaciente paciente, um falso timorato sem ser propriamente audacioso, um mestre na experimentação e no aproveitamento das capacidades disponíveis. Inteligente, sem dúvida, e, nessa medida, aberto à aprendizagem contínua, a aprender, sobretudo, com os erros. ( Digamos o perfeito anti-Lopetegui). E trabalhador, é cristão - praticante nessas duas qualidades. Deus esteve com ele! Os jogadores também, e os portugueses, e, na 25ª hora, até os seus críticos mais azedos. (O treinador alemão e os franceses não, mas isso seria pedir demais). Também jogar um futebol espetáculo seria pedir demais - ele considerou que, jogando de igual para igual com os melhores, a sua equipa seria presa fácil, e, ao menos retrospetivamente, temos de concluir que julgou bem. Empate, nos 90 minutos, com a Islândia (1-1) com a Austria (0-0), com a Hungria (3-3), com a Crácia (0-0), com a Polónia (1-1), com a França (0-0) e, de permeio, na meia-final, os 2-0 a Gales, com um sabor a goleada... Fernando Santos disse: "Não é fácil ganhar a Portugal". Certíssimo: ninguém conseguiu! Mas também não era fácil Portugal ganhar a ninguém... (pelo menos no tempo regulamentar). Assim se faz um campeão europeu. Voilà! --------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------------ 6 - Do que gostei e não gostei. - Gostei acima de tudo) da coragem moral de Fernando Santos ao recuperar para a seleção todos os "proscritos" pelos seus antecessores (tarde demais para Baía ou Deco, mas não para Tiago, Bozingwé, Ricardo Carvalho, Ricardo Quaresma). Começou, pois, a reparar uma imensa injustiça e um estúpido desperdício de talentos. Não o fez contra ninguém, nem mesmo contra os carrascos destes jogadores excecionais. Calou as vozes que queriam polemizar... - Gostei da sua sageza ao criar uma equipa intergeracional - levando a ideia ao superlativo, a ponto de Portugal ter colocado nos relvados do "Euro 2016" o jogador mais velho (Ricardo Carvalho) e o mais novo (Renato Sanches). Gostei, mas não gostei, inteiramente, da forma como, depois, os utilizou. Ricardo Carvalho foi o melhor central do mundo, o melhor português de sempre (e para sempre?) nessa posição e, aos 38 anos e tal, a qualidade que mais o singulariza - o sentido posicional - em nada se perdeu. Devia te-lo poupado no 3º jogo da fase de grupos, para o chamar no seguinte, quando fosse suficiente o intervalo entre partidas, que já se previa durarem 120 minutos... Não ver mais o Ricardo a titular, pressentindo que acabou para a seleção, foi uma dor de alma e a minha razão de queixa principal.Quanto a Renato Sanches ainda não é o "craque" que provavelmente vai ser, houve jogos em que deu dinâmica à equipa e outros em que não deu coisa nenhuma. E Ricardo Quaresma merecia mais do que ser tratado, quase supersticiosamente, como a arma da 25ª hora, porque mesmo que os seus toques de génio não sejam constantes é constante a sua superior qualidade... - Gostei das escolhas que permitiram constituir uma equipa representativa de Portugal, mas, igualmente, do universo das migrações lusófonas - com atletas nascidos no Brasil, em Cabo Verde, na Guiné, na França, na Alemanha, na Venezuela (Danny não chegou a ir, por lesão), no Congo (Bozigwé não estava em plena forma) ou com jovens de segunda geração, dessas e de outras origens, angolanos também, com os moçambicanos (o "Rei" Eusébio, eterno símbolo da binacionalidade) na memória. Não foi só por essa constatação, mas também terá sido, que os apoios nos chegaram de Timor ao Brasil, passando por toda a África lusófona. E até da não lusófona - da qual foi expoente máximo Benni McCarthy, a celebrar o golo de Éder, em direto, na tv sul-africana,cantando e dançando, batendo, em entusiasmo e criatividade, tudo e todos. Eu sei que Fernando Santos não pode aqui colher sozinho os louros. A Didier Deschamps, ao menos quantitativamente, não faltava um ainda mais numeroso contingente afro-gaules - o que de todo faltava era, da parte de antigas colónias a mesma espécie de fraternidade... E isso não tem a ver com as escolhas dos treinadores, mas com o sentir das pessoas. Não, a França não tem o equivalente a um Xanana Gusmão, líder da Resistência e antigo Presidente, a participar num enorme cortejo automóvel, com as bandeiras dos dois países na mão! - Gostei de ver Portugal triunfar e, embora menos, claro, de ver a França perder... David contra Golias. Golias, Louis XIV (Le foot c´est moi), Napoléon... Foi uma fábula moral e um poema épico... Não faltou nada, exceto, talvez um pouco mais de futebol, mas sobejou a emoção, o drama: Ronaldo, KO ao minuto 8º, com um golpe baixo de Payet no seu joelho problemático. Ronaldo, saindo em maca. em lágrimas. sob os aplausos de um estádio inteiro. a única "standing ovation" global... muitos de nós sabemos, mas não sabiam os franceses que com Ronaldo ou sem Ronaldo, Santos põe os rapazes a jogar na mesma. Aliás, entrou Quaresma, o supremo artista, ali forçado a fazer de operário... E, no fim. por fim, um ponta de lança, que desequilibrou tudo: Éder, que recebeu o cognome, consensualmente aceite de "herói improvável", Devia partilhar o título com o previsível/imprevisível Fernando santos... - Gostei da rigorosa análise do jogo feito pelo 3º herói improvável, o pequeno Mathis, equipado a rigor com a camisola das quinas, a consolar um desconhecido adepto francês, também equipado a rigor (en bleu). Síntese da longa e perfeita análise: o Rui Patrício defendeu tudo. É verdade, foi-se fazendo um grande guarda-redes - os guarda redes fazem-se, em regra, devagar... - Gostei da sua inteligência ao colocar no retângulo, fundamentalmente bem (mesmo que discordemos pontualmente), as peças com que tornou a sua equipa imbatível Sim, não o esqueçamos: imbatível. Invicta na sua longa marcha de empates. invicta nas vitórias de último minuto com que nos levou consigo ao paraíso. INVENCÍVEL...