julho 21, 2017

UM POUCO MAIS DE DEMOCRACIA

1 - A democracia não é só um momento da libertação, é um percurso de aperfeiçoamento incessante. Temos de reconhecer que Portugal mudou bastante desde o 25 de abril de 1974 -a organização do Estado, tal como os costumes, a rede de estradas, a saúde, a escola... - mas há aspetos em que continua demasiadamente igual ao que era. País imperial sem império, centralizador (Lisboa e províncias, em vez de Lisboa e colónias...). País profundamente desigual nas oportunidades que oferece, segundo a situação geográfica (litoral/interior), o género, a geração, a fortuna... País de emigração forçada, com vícios de estruturais, assimetrias, anacronismos, que não serão erradicados, sem uma nova sensibilidade à própria existência das desigualdades. Nós, os cidadãos, não podemos considerar "natural" que tenham a sede em Lisboa todos os órgãos de soberania, as cúpulas da administração, as instituições públicas, a TAP (desvalorizando, crescentemente, as outras regiões), as televisões, incluindo a pública (com apenas uma delegação a norte, subvalorizada e subaproveitada) as principais rádios, quase todos os jornais de circulação nacional, os grandes eventos, exposições, agências internacionais. Nenhuma democracia europeia consolidada apresenta um semelhante quadro de macrocefalia, nem mesmo antigos Estados imperiais, como a França, ou a Grã-Bretanha, a Espanha ou a Holanda. Exemplos bem recentes mostram o constante agravamento desse estado de coisas: caso da candidatura de Lisboa à relocalização de uma organização internacional, havendo duas já instaladas na cidade, com argumentação falaciosa (só as vozes que, depois, se levantaram a norte, levaram o governo a reconsiderar), ou da organização por Portugal do próximo festival da Eurovisão, de imediato, proposta para a capital. A contestação veio, rápida e oportuna, de várias cidades, com Espinho na vanguarda. É assim que é preciso reagir, apresentando alternativas 2 - Terá sido como adepta portista que primeiro senti a força da discriminação, da injustiça (na relação norte-sul) e me converti em regionalista, antes, pois, de ter idade para saber exatamente o que isso era. Depois, como menina, habituei-me a contestar, do mesmo modo, o estatuto de limitações que me queriam impor, face aos rapazes da família. Assim nasceu, ao que creio, o meu gosto pelo contra-poder. Foi o facto de ser, como cidadã, uma ruidosa defensora da igualdade, nomeadamente de género, que me levou, em linha reta, para o IV Governo Constitucional, chefiado pelo Prof Mota Pinto e formado por independentes. O Professor, que ouvira, vezes sem conta, as minhas discursatas em tertúlias académicas, usou o mais forte dos argumentos para me convencer: se não avançasse, seria responsável por não haver mulheres no seu governo. Avancei. Era a hora de passar das palavras aos atos. E viria a repetir a experiência, noutros pelouros e funções, durante mais de trinta longos anos. Em todo esse tempo, fui uma fiel praticante da crença numaa democracia feita de pluralismo, de alteridade de equilíbrios - desde logo, de género, de geração. Nos gabinetes, nas promoções de chefias, na divisão de tarefas, sempre procurei atingir a meta da paridade, como factor de mais cidadania, criatividade e competência. Reconheço que fui a primeira beneficiária dessa preocupação de me rodear, sempre, de gente mais sábia e mais experientes do que eu. E até a hora da despedida de um último cargo, de vereadora, em 2011, foi decidida com o respeito de tais critérios. Na verdade, teria levado o mandato até ao fim, para não defraudar a regra das quotas, se na lista eleitoral, o meu substituto fosse um homem. Felizmente, era a Leonor Fonseca, uma mulher jovem, que prometia ser, e foi, a sucessora perfeita, competente e carismática. Uma autocrítica devo a mim própria, todavia, pois se fui consequente ao entrar na política, sem querer, para afirmar a presença feminina, não o fui ao sair, por querer sair, sem cuidar da “quota intergeracional”, dando o meu lugar a uma jovem. Tendo consciência desta discriminação (mais insidiosa do que qualquer outra), não a combati até ao limite do possível, permanecendo em funções, como única "representante" do meu grupo etário. 3 - Pergunto os "porquês", sem saber a resposta. Fico no campo das hipóteses: talvez porque a avaliação de prós e contras seja coisa complexa, talvez por falta de movimentos de luta, de pensamento e solidariedade de grupo, talvez porque os mais velhos tendam a interiorizar, sem resistência, a máxima do "dar lugar aos jovens",. Assim é, sobretudo numa sociedade como a portuguesa, em que tudo parece impelir os sexagenários para fora de cena, em qualquer sector, do desporto à política. Quem, desconhecendo o nosso quadro demográfico, comparasse a média de idade dos grandes protagonistas do futebol (num país latino, como a Itália) ou da política (na super potência que é a América), com a que se regista em Portugal, pensaria que se trata de um país extremamente jovem. Ora, pelo contrário, somos dos mais envelhecidos, pelo que a retirada prematura dos idosos da vida ativa é uma perda de tremenda dimensão, prejudicando a economia e enfraquecendo a democracia. É tema que temos de colocar em agenda, urgentemente, para estimular as boas práticas, os bons exemplos. E exemplos não faltam, como o de Ricardo Carvalho, a jogar um fabuloso futebol, aos 39 anos, na longínqua China, ou, aqui mais perto, o caso de Doutor Basilino Godinho, topógrafo reformado, que, depois dos 77 anos foi cumprir o sonho de uma carreira académica, inscreveu-se na Universidade de Aveiro, completou um curso de Letras, com 17 valores, e, seguidamente, com o mesmo brilho, o doutoramento, defendendo tese sobre Antero de Quental. Mantém um blogue (“cartas irreverentes”), quer exercer nova profissão, fala abertamente do “desperdício dos idosos no nosso país” e de como se sente jovem entre os jovens..A idade que importa, de facto, não é a do bilhete de identidade