fevereiro 18, 2014

Ao longo de séculos, o direito a emigrar - ou, pelo menos, a atravessar fronteiras, com um projecto próprio, ainda que de curto prazo  - foi fortemente condicionado e, em certas épocas, em muitos casos, mesmo proibido. Mais ainda para as mulheres, que, até para acompanharem os maridos, por muito influentes que fossem os cargos por eles ocupados na Administração  do Império, só raramente conseguiam a necessária autorização régia...
As primeiras políticas de emigração foram, assim, como reconhecem os especialistas nesta área, simples medidas restritivas de um êxodo quase sempre visto como desmesurado. Das Ordenações Filipinas à Constituição de 1976,  podemos dizer que não houve, nunca, autêntica liberdade de movimentos. Colocava-se á saída do cidadão toda a espécie de obstáculos (vigilância policial, licenças, custo exorbitante de passaportes...) ou facilitava-se, de acordo com as conveniências do Estado. Prevalecia o interesse colectivo, tal como o interpretava o "Poder". O direito individual à emigração não existia, salvo na visão de alguns poucos precursores da modernidade dos direitos humanos fundamentais. 
Eram, pois, de outra ordem, do foro interno dos Governos, os dois problemas maiores com que se confrontavam: o primeiro, a sua própria incapacidade de proceder a uma avaliação cabal de todas as consequências positivas e negativas  da expatriação voluntária e maciça,  o segundo a incapacidade de deter os portugueses na sua determinação de partir, a bem ou a mal (isto é, clandestinamente). 

Reportando-se a tempos recentes, aos da emigração em sentido estrito, findo o ciclo (ou ciclos) de colonização, Miriam Halpern Pereira fala  em "ambiguidade" das políticas repressivas - uma palavra que é possivelmente a mais ajustada à compreensão do que foi uma aparente inabilidade de dar execução á longa lista de leis e regulamentos restritivos. É realmente de admitir que tanta permissividade se deva a indecisão entre conter excessos  - porventura até no não saber precisamente onde começavam os excessos... -  e aproveitar os benefícios em que se traduziam de imediato - a diminuição dos níveis de desemprego ou subemprego e de pobreza, as remessas que equilibravam as contas externas... Na dúvida entre os prós e contras, mantinha-se a lei, mas não a força da lei... Não admira que a emigração clandestina, consentida na prática, como que ignorada sem o ser, representasse cerca de um terço da totalidade.
Em qualquer caso, os cidadãos ganharam sempre a partida... Lembremos, por exemplo, a tentativa de desviar as correntes migratórias do Brasil para as colónias de África, sobretudo para Angola, logo que o Reino Unido se desuniu  de Lisboa, e, independente, se converteu em Império. Foi uma primeira tentativa falhada de fazer de Angola “um novo Brasil” - frase que haveria de se popularizar no século seguinte, na primavera marcelista, a propósito de uma segunda tentativa de reorientar o destino das maiores vagas de emigração da nossa história (em números que só agora estarão em vias de ser ultrapassados).
Foi precisa a revolução de 25 de Abril para reconhecer aos Portugueses, entre todas as liberdades, a liberdade de emigrar. Ao estabelecer o primado da decisão individual de siar e de regressar, constituiu  a grande ruptura de uma linha de continuidade das políticas que resistira, durante séculos, à mudança  dos tempos, das estratégias de colonização, dos destinos geográficos dos fluxos migratórias,  das Constituições e dos regimes, na transição da Monarquia tradicional para a monarquia constitucional, desta para a República,  da República para a ditadura do chamado “Estado Novo" . (não abordamos aqui a emergência, em meados do século passado, das primeiras medidas de protecção dos emigrantes durante a viagem e de apoio social e cultural, aliás, em estado embrionário...).
Não foi coisa pouca – foi o início de uma era inteiramente nova, que se legitima nos valores humanistas da cidadania. Este é certamente um dos domínios em que a revolução foi cumprida!
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