1 - O semanário "O emigrante - Mundo Português" está a celebrar o seu 40º aniversário, contando a história das nossas migrações, segundo as notícias e os comentários contidos nas suas páginas. Através de um interessante trabalho de síntese jornalística.
Acabo de receber o "Mundo" desta semana, que recorda os tempos do governo do "bloco central" , alicerçado no bom entendimento de Mário Soares e de Mota Pinto e na necessidade de equilibrar as contas públicas. Problema recorrente, não? Com uma diferença: é que, então, com Hernani Lopes nas Finanças conseguimos, realmente, atingir o objectivo...
No que respeita à emigração, refere-se a proximidade da adesão à CEE, o regresso crescente dos portugueses da Europa e a actividade do Conselho das Comunidades (CCP).
Se tivesse de escolher, entre os possíveis, aqueles temas que dominaram esses anos, os últimos em que estive no Governo, com o pelouro das comunidades portuguesas, não escolheria outros - ou pelo menos, mesmo que lhes juntasse mais algum, mante-los-ia, sempre, no topo da minha selecção pessoal...
O regresso, porque constituia, uma realidade, complexa, multifacetada, imparável, embora globalmente, útil para o país e para a grande maioria dos próprios retornados, e, em simultâneo, a memória, o mito ou o medo de um outro regresso, ainda recente, maciço, dramático, traumatizante, para os portugueses que vieram e para os que estavam: a fuga de África, um imenso desperdício dos bens e empreendimentos que ficaram lá, sem aproveitar a ninguém.
Impossível imaginar dois movimentos mais diversos, ainda que na mesma direcção geográfica, este pequeno rectângulo continental!
Difícil, talvez por isso, explicar a diferença, olhar as pessoas envolvidas, conhecer os seus propósitos, e, com isso, serenar os ânimos de políticos e de cidadãos. Claro que a "media" (a genérica, a nacional, não, como é evidente, a mais sensível às questões da emigração, alimentou o "fantasma" no imaginário colectivo, não ajudou nada ao esclarecimento das especificidades do que estava a acontecer e até do que já tinha acontecido (o regresso que tinha acontecido, como a prosa , que o Sr. Jourdain fazia, sem saber). Salvo raras excepções, então como agora, a emigração é assunto que só lhes interessa em caso de desastre ou de escândalo - sendo bastante úteis, quando o desastre e o escândalo são verídicos.
Ora o regresso da Europa, nos anos 80, era praticamente desprovido, em absoluto, desse colorido, e houve que o "fabricar" !
Não encontro outra razão para a incapacidade de compreenderem o que, por mim e por alguns outros, lhes era, constantemente, explicado. Foi a consultar as minhas pastas de "recortes" de imprensa, que me dei conta do fenómeno: das perguntas repetitivas, das respostas que era preciso dar incontáveis vezes. Entrevistas. Comunicados. Desmentidos. Desconfiança. Críticas.
Eu sei que, normalmente não se acredita nos políticos, sobretudo quando o seu discurso é positivo. Há até boas razões para a desconfiança.
Mas neste caso, o que eu estava a dizer era a pura da verdade (verdade, essa palavra "fétiche" do actual PSD "manuelino", da Manuela Ferreira Leite).
Verdade verdadeira!
Essa geração de portugueses preparou a volta a casa, com cuidado, paulatinamente. Passava as férias por cá, mantinha o contacto com a terra e a vizinhança, enviava as remessas, comprava campos e negócios. Sabia ao que vinha. Vinha quando queria, não quando queriam os governos do país de origem ou do país de acolhimento.
Os incentivos oferecidos por alguns destes países foram muito bem aproveitados. Permitiram antecipar a decisão já tomada, ou concretiza-la, no prazo previsto, com mais fundos ao dispôr.
Preocupante foi, sim, o caso especial da Alemanha onde, antes do período da adesão à CEE, se tornou possível levantar as contribuições da segurança social (apenas a parte descontada pelo trabalhador...), com perda do direito a pensão de reforma. Era um bom negócio só para a Segurança Social alemã, mas como convencer disso os interessados em receber uma substancial soma de marcos, que lhes parecia caída do céu? Em todo o caso, comecei a aperceber-me, nos contactos pessoais, de que, numa família, normalmente, apenas um dos cônjuges pedia o reembolso das contribuições e o outro conservava o direito à pensão futura. Do mal, o menos...
E foi, sobretudo, por causa disto que os emigrantes da Alemanha regressaram, em peso, antes da data da adesão portuguesa à Comunidade Europeia, que, obviamente, impossibilitava esta prática aberrante.
De França, nesta altura, a maioria dos retornos já estava concluida. Há muito era esse o meu "feeling", mas, em 1984, os estudos da equipa da Prof.ª Manuela Silva vieram comprová-lo, com a força de números impressionantes (meio milhão de regressos no passado próximo, previsão de mais 400.00 até à década de 90). Corroborados por outro grupo de investigadores, coordenados pelo Prof. Sousa Ferreira (com números ainda mais dilatados)...
2 - A entrada do País na Comunidade era vista como o meio ideal de consolidar o estatuto dos emigrantes, com os novos direitos de cidadania europeia, e de garantir a liberdade de circulação.
E foi bem preparada, julgo eu, dentro das possibilidades de que dispunhamos, dos orçamentos exíguos que nos estavam destinados - contra os quais eu protestei sempre, conseguindo, com isso, ser corrida do governo uma vez (do governo Balsemão), ou, talvez, duas (junte-se-lhe, com um ponto de interrogação, o governo Cavaco - dúvida decorrente do facto de eu me ter recusado a continuar na área da emigração, até como deputada, inviabilizando qualquer futuro convite para me manter na SECP, sem ter, porém, ideia sobre se quereriam, ou não, renovar convite nesse sentido...).
A livre circulação não serviu de muito, nos tempos que se seguiram. Mas tem servido, e de que maneira, desde fins do século passado e início do actual. Ainda que sem visibilidade - porque sem drama, nem escândalo, de que se constroi a notícia... - o novo êxodo é, atrevo-me a afima-lo, quantitativamente, do ordem de grandeza da "emigração a salto", nos anos 60.
3 - O CCP era, para mim, de uma importância crucial, para abrir as comunidades a uma co-participação nas políticas que lhs são dirigidas.
Em nenhum outro sector ou segmento de população faz tanto sentido ouvir e seguir as pessoas, porque as comunidades do estrangeiro se construiram com a vontade e o esforço delas, sem apoio significativo do Estado. São "Nação", sem "Estado"...
E bem deve o Estado, que em nada contribuiu para a sua existência, ir agora (então, e agora), ao seu encontro, potenciando a sua própria acção, assim como a acção delas (das comunidades organizadas, com as sua instituições, projectos, dinamismo, portuguesismo).
Esse primeiro CCP era, nesta perspectiva, naturalmente, de natureza associativa. Eleito, mas dentro de um "colégio eleitoral"formado por ONGs. Incluindo a "media".
4 - Inesperada, mas nem por isso descabida, a referência, às declarações do Bispo de Bragança, que disse, muito claramente, a um auditório de emigrantes e férias, não sei se por estas ou outras palavras, igualmente inequívocas: "Mandar dinheiro para Portugal é o mesmo que pô-lo em saco roto".
Por mim, eu não tinha respondido. Mas fui mandatada pelo governo para responder...
Eu conto, proximamente, com mais pormenor, em forma de comentário...