maio 12, 2019


Maria Manuela Aguiar mariamanuelaaguiar@gmail.com

sexta, 22/02, 13:49
para mariamanuelabarbara
O ADEUS PORTUGUÊS ao Mundial

1 -  Muito poucos portugueses estiveram na Rússia a apoiar a nossa equipa. Um desses raros compatriotas, entrevistado pela Sport TV, antes do início do derradeiro "match", contou que estava a viver momentos emocionantes, e lançou um desafio aos que ficaram em casa: "saiam do sofá!". Do sofá, os portugueses até saíram, ocupando as praças de todas as cidades, em frente a ecrãs gigantes, sem, todavia, ultrapassarem a fronteira da sua terra. 
Os uruguaios, pelo contrário, estiveram, aos milhares, em Sochi, pintando as bancadas de azul. É certo que víamos, aqui e ali, camisolas vermelhas, mas, pelas numerosas entrevistas que um repórter da TVI24 tentou fazer-lhes, no final, fiquei a saber que eram, na sua esmagadora maioria, russos, possivelmente mais adeptos de CR7 do que de Portugal.
O Uruguai tem uma população de apenas 3,5 milhões (4 milhões, com os imigrantes), face aos nossos 10 milhões (15 milhões, não esquecendo a "diáspora"). E, se Rússia é longe para nós, é muitíssimo mais longe para eles. Uma viagem intercontinental da América do Sul para os confins da Europa, ainda por cima, paga em moeda bem menos forte do que o euro! 
A que se deverá esta diferença de comportamento? Não sei. Uma hipótese, bastante deprimente, aponta causas económicas, a pobreza, ao menos, relativa. Serão as nossas classes médias mais frágeis do que as uruguaias? Outra hipótese, de ordem imaterial, não é de molde a deixar-nos menos insatisfeitos: a seleção não nos move? Prevalecerá, entre nós, irremediavelmente, a "cultura de clube" sobre a "cultura de seleção"?
 Numa interessante entrevista ao "Expresso", a Embaixadora do Uruguai em Lisboa, destacou o carater identitário que o seu País (duas vezes campeão olímpico, duas vezes campeão do mundo) reconhece ao futebol, que, segundo ela, o colocou no "mapa mundi". É este o sentimento que nos falta? (A propósito, recordemos que Scolari, homem nado e criado num Brasil confinante com o Uruguai, foi quem mais tentou motivar-nos a exteriorizar a pertença à seleção). 
Não tendo respostas para as questões que coloquei, resta-me sugerir análise aprofundada do tema, que falta, realmente, debater e explicar.

2 -  O que não tem faltado, nos "media", é análise e comentário ao nosso abreviado percurso neste campeonato.
Nada acrescento de novo, ao enfileirar ao lado daqueles para quem o nosso destino, ou fado, ficou traçado com um erro grosseiro do VAR, com um golo de "penalty" que não existiu, dando ao Irão o empate, no último minuto, e à Espanha o primeiro lugar no grupo. Assim nos coube defrontar, nos oitavos de final, a dupla atacante Cavani/Suarez, a que não resistimos, em vez de uma Rússia, em princípio, mais acessível, com a qual, neste campo, costumamos ter sorte. Não pode a Espanha dizer outro tanto. Contudo, o seu destino foi traçado por erros próprios, não pela arbitragem.

3 - Erros próprios, para além da má fortuna, também sobejaram para nós, designadamente no que respeita a "casting" - jogadores em baixo de forma, uns vindos de lesões, outros com escassa utilização nos clubes de origem... 
Sem chegar ao extremo de Bento, ao desastre que foi a participação no Mundial do Brasil, Fernando Santos tem-se aproximado do modelo do antecessor, ou seja, foi-se convertendo em treinador da "sua" equipa, " em vez de se manter como verdadeiro selecionador, que elege os melhores, em cada momento, (para o seu sistema de jogo, naturalmente). Guerreiro, João Mário, Adrien, André Silva, Ricardo, Guedes e, até, Bernardo Silva, foram apostas falhadas e Ruben Dias nem aposta foi, o que se aceita, porque a dupla de centrais esteve bem. Particularmente difícil de aceitar  foio desfazer da fantástica dupla atacante Ronaldo/André Silva. Intenção que já se adivinhava, porque, nos três jogos de preparação, Santos não os deixara jogar juntos. O pressentimento, primeiro, e a certeza, depois, terão minado o ânimo do jovem André e deixaram mais só o mediático parceiro. E, talvez por isso, entre outras coisas estranhas, na Rússia, só brilharam seniores -  Quaresma (tão sub-aproveitado!), Pepe, Patrício e Ronaldo. Ronaldo, que, em Sochi, começou bem e acabou mal, tal como a seleção

Maria Manuela Aguiar mariamanuelaaguiar@gmail.com

quarta, 13/02, 01:05
para Maria


HOMENAGEM A RUTH ESCOBAR NA CONFERENCIA "PORTUGAL BRASIL A DESCOBERTA CONTÍNUA"



DE MARIA RUTH DOS SANTOS A RUTH ESCOBAR

Ruth Escobar foi, porventura, no Brasil, a mais destacada  mulher portuguesa da sua geração. Nome célebre na cultura, na política -  ativista de direitos humanos, voz indomável contra a ditadura, feminista tardia mas convicta, pioneira na vida política brasileira, primeira mulher eleita deputada, em dois sucessivos mandatos, à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 
 Maria Ruth dos Santos, na pré-história de Ruth Escobar, foi uma emigrante comum. Aos 16 anos acompanhou a mãe numa partida, de onde não haveria retorno. Invulgar era, sim, o facto de ser uma aventura no feminino, de uma mulher solteira e da sua filha única - a menina rebelde que estava destinada a convolar o modesto projeto de futuro, com o ímpeto da sua ambição e o fulgor da sua personalidade, num trajeto épico de permanentes rupturas e incríveis desafios, em rota da continuada transcendência do seu "eu", no cenário movente de novas fronteiras físicas e culturais. O seu saber é todo "de experiência feito" -  as viagens pela geografia, pelas alteridades culturais, são fonte de conhecimentos avidamente absorvidos e inspiradores de ação. Ousada e vanguardista, fará dessa mundividência em progressão uma arma para mudar o mundo, e, com ela,om ela haveria de revolucionar a realidade e o devir do teatro brasileiro.
Através de todas as metamorfoses, Maria Ruth será, porém, sempre a portuguesa do Porto, nascida em Campanhã, criada na rua do Bonjardim, no coração da cidade que levou consigo, em gratas recordações, A sua autobiografia, desde o primeiro parágrafo, é uma história portuense, começa num calcorrear de ruas e praças familiares, nas festas do São João, nas sessões de cinema do Rivoli, nas excursões de elétrico até à Foz, quando chegava o verão, ou até aos jardins do Palácio de Cristal, e, também, nos longos dias de aulas no Carolina Michaellis, onde se inicia na arte dramática, a representar, ao som dos primeiros aplausos, todos os diabos dos autos de Gil Vicente...
Nas suas próprias palavras: "quando embarquei para o Brasil, no Serpa Pinto, com a minha mãe, levava também a certeza de um destino, pois soube que tudo o que sucedeu na minha vida, mesmo antes do meu nascimento, estava moldado por uma força universal, cósmica, transcendente".
Na esteira dessa certeza, a sua vida avançará, vertiginosamente. No "Roosevelt" , mal acabara de chagar, a sua graça em palco, encarnando, de novo, os diabos de Gil Vicente logo, granjeia-lhe  o prémio oficial de "rainha" do colégio. Passa os exames, sem dificuldade.  Todavia, logo troca os estudos pelo trabalho, a vender a "Revista das Indústrias". É um sucesso, já ganha mais do que a mãe, mas depressa dá um passo em frente, angariando apoios na comunidade portuguesa para criar e vender a sua própria revista, "Ala Arriba". Tem apenas 18 anos. Na sua nova veste, apercebe-se das ameaças que se desenham sobre a presença portuguesa na Índia e propõe-se defende-la à volta do planeta. 
Corria o ano de 1954 e, uma vez mais, com o patrocínio dos compatriotas de S Paulo, a improvisada jornalista, ainda "teenager", vai ombrear com os melhores correspondentes de imprensa internacional, entrevistando uma longa lista de celebridades, como Foster Dulles e Christian Pinaud, Bulganin e Krushev, o Principe Norodan Sihanouk, o presidente das Filipinas, os primeiros-ministros da Turquia e da Tailândia, o mítico Nasser (a única a ter esse privilégio, no meio de quinhentos jornalistas presentes no Cairo!), e entre compatriotas, os governadores de Macau e da Índia e até Salazar. Os seus exclusivos são disputados por revistas como a "Life" e por prestigiados jornais de S, Paulo e Lisboa, É um primeiro vislumbre de fama.... Convidada a integrar a comitiva do Presidente Craveiro Lopes na visita oficial a Moçambique, acaba expulsa por ato considerado subversivo -  a revelação perante os "media" nacionais e internacionais de um trágico acidente aéreo, que a propaganda do regime queria ocultar. Será o primeiro de muitos gritos de liberdade, pelos quais não hesitará nunca em arriscar tudo, 
Na casa dos seus vinte anos, lança-se como empresária e produtora teatral, depois como atriz. Constrói um teatro com o seu nome, na cidade de São Paulo, e  e faz história com a fundação, em 1963, do Teatro Nacional Popular, que leva ao povo das periferias do Estado, a muitos milhares  de pessoas, espetáculos de qualidade (Martins Pera, Suassuna...) no palco improvisado num velho autocarro. 
Não é menos arrebatadora é a sua vida fora de cena, com quatro filhos de três casamentos (o primeiro anterior a esta década, o segundo com o poeta e dramaturgo Carlos Escobar, o terceiro com o arquiteto Wladimir Cardoso, que viria a ser o cenógrafo das suas peças de enorme êxito artístico - como "Cemitério de automóveis" de Arrabal, com montagem do argentino Vitor Garcia, e encenação dela mesma: Uma dupla que, em 1969, com "O balcão" de Jean Genet, venceria todos os prémios, no Brasil.
Os trinta anos de Ruth são passados no tempo conturbado de repressão e de medo em que se afunda o país, a partir de 1964. O seu teatro converte-se em palco de luta pela liberdade de expressão, Sucedem-se as ameaças, as pressões, os ataques de comandos para-militares, a violência sobre os próprios atores.  Na sua autobiografia, Ruth Escobar diz-nos que perdeu a conta ao número de ameaças, de prisões e interrogatórios, aos quais ia respondendo sempre com desafios a rondar o excessivo, como reconhecerá, retrospetivamente. De uma das vezes, é Cacilda Becker, sua referência, mentora e grande amiga, que intervém junto do Prefeito de São Paulo para conseguir liberta- la: "Prefeito, temos de tirar a Ruth, aquela portuguesa vai pôr fogo no quartel, é um serviço que o Senhor vai prestar às Forças Armadas, tire-a de lá quanto antes". E ele tirou...
É nesta sua década que traz a Portugal alguns dos maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" , logo proibida em Lisboa, mas não em Cascais, onde, pelo visto, a censura supunha ser inacessível a camadas populares...
É então que conhece as três Marias, lê as " Novas cartas portuguesas", Simone de Beauvoir, e se converte ao feminismo, uma metamorfose que contribuirá para a conduzir aos hemiciclos da intervenção parlamentar, onde volta a fazer história como pioneira, no universo masculino e fechado da política brasileira (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, visto que nunca teve outra nacionalidade além da portuguesa). Como feminista, torna-se a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante muitos anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres.
Entretanto, tinha casado, uma última vez, e tido o seu quinto filho.
Em 1974, organizara o primeiro Festival Internacional de Teatro. Ela que, aos 19 anos, fora de São Paulo explorar as riquezas culturais do mundo, traz, então, a São Paulo, o mundo das artes cénicas - o que de melhor se apresentava nas grandes capitais. Em 1976, igual iniciativa teria a mesma força renovadora no panorama da arte dramática brasileira. 
Depois de quase uma década nos palcos políticos de um Brasil democrático, regressa, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como atriz e como empresária e como promotora de festivais, em novos moldes, porventura menos elitistas, mas mais abrangentes de outras artes ,  
Conheci-a em 82, num jantar na residência do nosso Cônsul- Geral de São Paulo, em que estávamos lado a lado e, como toda a gente, não fiquei imune ao seu carisma, que era feito de espontaneidade e de extroversão, de inteligência e de humor, de uma vivacidade incomparável. Do que falámos? Do Porto, é claro, da sua e da minha cidade, que nos uniu em afinidades imediatas. Era evidente que ela permanecera portuguesa e portuense, e sempre, assim, se sentira parte do Brasil. A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou o seu talento ao longo de décadas, mudou para sempre a face do moderno teatro brasileiro . A sua última produção - a que, por sorte, pude assistir -  pôs em cena "Os Lusíadas" , bem no centro de São Paulo, e, depois, em Portugal.
Em vida, Ruth recebeu as mais altas condecorações brasileiras. a Legião de Honra da França. E até também Portugal a distinguiu, com a Ordem do Infante Dom Henrique.
Fica a faltar o Porto. Mas, talvez, agora que ela nos deixou, o Porto a queira reclamar, bem viva na sua memória e na toponímia da cidade

Maria Manuela Aguiar

ESPAÇO PORTO CRUZ, 14 de outubro