abril 29, 2015

1 - Aconteceu na Praça de Londres
A Praça de Londres é a minha Lisboa favorita desde que, em janeiro de 1967 tive de deixar o Porto e de ir trabalhar para a capital (que era, ainda a capital do império, embora de um império a caminho do fim).
Não posso dizer que a Praça mudou a minha vida, mas sim que a minha vida mudou nessa Praça - e por mais de uma vez. Foi o cenário, onde me aconteceram coisas surpreendentes e determinantes de um futuro nada planeado, antes aceite, pela incapacidade de dizer não ou pela curiosidade de dizer sim ao que se me ia oferecendo em cada novo dia. Mudança, movimento...
A Praçao foi, primeiramente, o cenário do meu primeiro emprego num centro de estudos jurídicos (do Ministério das Corporações e Previdência Social), e, uma década depois, de uma acidental entrada num governo da República. Governo atípico, de independentes, de iniciativa do presidente Ramalho Eanes (o IV Governo Constitucional). Ou seja, do meu tirocínio na política, como Secretária de Estado do Trabalho do Executivo de Mota Pinto - que era a última coisa que podia antever. Mas o Prof Mota Pinto era alguém com quem valai a pena trabalhar.Homem inteligentíssimo, um professor de Coimbra, que todos os alunos admiravam como jurista e como pessoa. Mais inteligente, mais sério e mais generoso, não é possível ser. E quem assim pensa de um Primeiro Ministro, num tempo tão conturbado como aquele, semdo chamada, por mais estranhável que seja a chamada, não vai recusar.
Gostei de ambas as experiências - da profissional, que durou 7 anos felizes, e da política, nos seus efémerose intensos 9 meses!.
E gostava do fim do dia, de sair para a Praça, atravessar a Avenida de Roma e ir tomar um café ao Londres, ou, mais adiante, à Mexicana (tudo nomes cosmopolitas...). Como era simpático o seu pequeno jardim, a vista das largas vidraças dos meus gabinetes (o de assistente do Centro no 1º andar, o de governante no 16º) e a assimetria das ruas que aí acabam ou começam - nenhuma delas particularmente fadada pela originalidade ou monumentalidade arquitetónica, mas tranquilas e discretas, como a média burguesia que as habitava. Tinham sido as "avenidas novas", nma época, politicamente infausta, bem mas mais convivial nas relações de vizinhança. De espectacular, nessa Praça, apenas o prédio sede das minhas funções, o "arranha - céus" do Ministério das Corporações (no ancien régime) ou Ministério do Trabalho (em democracia).. Obra do Arquiteto Sérgio Botelho Andrade Gomes, que vim a conhecer muitos anos depois. Um artista e um encanto, como pessoa! O edifício, sóbrio e elegante, por algum tempo o mais alto de Lisboa, concebido de raíz para hotel de luxo, e reconvertido para serviço da República, Funcionários e não turistas estavam destinados a usufruir. dos seus grandes e luminosos espaços
. de um lado, a Igreja branca, (que é o melhor que se pode dizer em seu favor) do outro lado, cafés, lojas, que subiam de nível e de preço na Avenida Guerra Junqueiro. E cinemas, o tradicional Roma, e outros que foram surgindo e prosperando, com audiências fieis, que eu sempre contribui para aumentar
Ali, naquele "arranha.céus" recordo uma infinidadde de dias e acontecimentos agradáveis dos meus anoss de assistente, mas, não sei porquê, do dia inicial recordo apenas a simpatia do Diretor do Centro de Estudos, o seu gabinete enorme e uma visita guiada á Biblioteca, pela responsável máxima, muito bem vestida de roxo (que, como pude constatar usava todos os dias da sua vida, embora. às vezes, em imaginativas combinações com outras cores fortes e contrastantes. Deve ter corrido tudo, como dizem os brasileiros "bem demais", com os gestos e palavras certos e, por isso, sem história...O contrário posso dizer do me primeiro dia de governo... Fui para a Praça de londres, logo depois da tomada de posse, de boleia no carro dos meus amigos do SPJ, onde era, então, assessora do Provedor...O que me ficou gravado, indelevelmente, na memória não foi todavia a primeira reunião de trabalho, foi a saída, não da reunião, mas da porta de entrada do edifício. Ali mesmo, à vista do café Londres, me esperava o carro, o inevitável carro oficial. Confesso que também não faço ideia da marca do carro, nem do modelo, nem da cor...Só me lembro mesmo do motorista, pequeno de estatura, cara redonda e muito corada, o mais cerimnioso que imaginar se possa. Mantinha aberta a porta traseira e mal entrei, sentou-se ao volante e preguntou-me"Como é que Vossa Éxcelência deseja ser chamada: Senhor Secretário de Estado ou Senhora Doutora?.
Abismada, respondi, sem hesitação: "Senhora Doutora, se faz favor!"
A nossa memória é assim, seletiva, com critérios que não são os nossos... o imprevisto de uma pergunta deixou marca mais funda do que todas as questões tão relevantes que preencheram a tarde

2- Os porquês de um convite para o Governo da República

De uns, sei. De outros não, avento suposições, ou nem isso...
Mas, quando me perguntam porque me envolvi na política - uma daquelas perguntas tão previsíveis e sem graça, que continuam a fazer-me, intermitentemente - tenho dado a mesma resposta, ao longo de algumas décadas. Não resisto a repetir-me. Cito-me textualmente: "Pela razão errada, porque não tinha filiação partidária, não queria fazer política e apenas aceitava participar num governo de independentes do qual, a curto prazo, esperava voltar para a minha vida profissional".
Não tinha vocação, não tinha jeito, não sentia atração. Não queria comandar hostes, nunca tinha chefiados nada nem ninguém, ao menos desde os tempos de criança ou de estudante do liceu, em que me fartei de mandar em gente da mesma idade e nem sempre do mesmo sexo - em atividades lúdicas, quase sempre à volta de uma bola de futebol.
Mas gostava de discutir política, claro - vinha de uma família onde isso fazia parte do convívio e onde as fações eram várias, embora mais para a direita do que para a esquerda ( o que na relatividade destas coisas, me fazia esquerdista, ou mesmo muito esquerdista). Era feminista, regionalista, portista... democrata, europeista, social democrata à sueca... Tinha opiniões, quadrante partidário, paixões políticas (quase comparáveis às paixões desportivas, a primeira das quais foi por Yustrich, Monteiro da Costa, Jaburú e outros seus contemporãneos ). Também tinha - factor decisivo - amigos na política do pós 25 de abril, de ideologias várias, incluindo a minha.
Por coincidência, precisamente quando velho regime caia, acabava eu de tomar posse como assistente da Faculdade de Economia de Coimbra (por precisamente quero dizer umas horas antes),
Enquanto Salgueiro Maia preparava a saída de Santarém para Lisboa, voltava eu a Coimbra, depois de quase uma década de ausência, e assinava o auto de posse... (E, poucos meses depois, transferia-me para a minha Faculdade de Direito).
Coimbra foi, pois, o ponto de reencontro com antigos, professores, antigos amigos, que estavam convertidos em novos e influentes protagonistas no processo de democratização "em curso".
Em 1978 já eu estava de volta a Lisboa, a tempo inteiro, mas mantinha os contactos com eles.

Ora, nesse ano, um governo de independentes, precisava obviamente de independentes,- mas não de quaisquer uns - de preferência individualidades unidas por sintonia ideológica com o chefe do governo. Foi isso que Mota Pinto conseguiu - tornando mais coesa e dinâmica a sua equipa do que o que se vira antes. Quase todos eram de uma área social democrata, com um ou outro mais à direita ou mais à esquerda, sem destoar demais. Muitos vinham de meios académicos. Houve até um jornalista, já não me lembro qual, que achava que o Governo Mota Pinto mais parecia um Senado universitário. Um bocadinho exagerado, mas il y avait du vrai... (a mim, por exceção, calhou-me em sorte um ministro que vinha direto do Conselho da Administração das cervejas).
Suponho que o Professor se lembrou do meu nome para aquele pelouro, porque era oriunda do ministério, trabalhava há anos naquelas matérias, não tinha filiação partidária, mas tinha posicionamento político e reclamava, ferverosamente, mais participação de mulheres na res publica. Fui, pois, sem dúvida, vítima dessa reivindicação, geral e abstrata, na qual eu pessoalmente não entrava, como voluntária.
Vi-me confrontada concretamente com a necessidade de preencher a vaga que reclamava para o
género feminino, E dei o passo em frente.

3 Senhora Secretário de Estado?.
Questão de género e questão da gramática.

Foi no gabinete do Dr Cortez Pinto que muito ativamente me envolvi numa primeira polémica sobre os nomes de cargos desde sempre masculinos, quando finalmente se quebrava o monopólio desse sexo no seu exercício.
Teresa Lobo acabava de tomar posse de uma Subseretaria de Estado, precisamente naquele Ministério. Mais um símbolo da primavera marcelista.
Só a vi de longe, em raras ocasiões, atravessando o átrio do Ministério, passo rápido, elegante, fato de bom corte, impecável penteado alto e arredondado, como o que que a Drª Manuela Eanes voltou a põr em moda, depois da revolução. Precedida por contínuos que, diligentemente, chamavam o elevador, seguida por outros servidores públicos que lhe levavam a pasta, os dossiers. A sua passagem provocava sempre interesse e comoção...
Para mim, era um mais um capítulo da história viva do feminismo português, muito embora, suponho, não s Mulher que fazia história não fosse feminista, nem mesmo à maneira da Pintasilgo, então Procuradora (seria "Procurador", para os meus colegas?) à Câmara Corporativa.
Quanto a Teresa Lobo, as nossas opiniões dividiam-se - para o Diretor, para a larga maioria dos assistentes, era a Senhora "Subsecretário de Estado", para mim, não. Impunha-se adequar o título ao sexo feminino. Em vão, argumentava com o exemplo daqueles cargos, onde as mulheres ja eram muitas - notárias, conservadoras dos registos, advogadas... Não convenci ninguém.
Vendo bem as coisas, o meu motorista, no ano de 78, estava, afinal, completamente sintonizado com aqueles ilustres juristas - e, mais e melhor do que eles resolvia, pelo menos, o problema da consonância gramatical (já que o de género, para todos eles, nem se punha...).
A revolução democrática mudara muita coisa, mas ainda não o sexismo das denominações ministeriais. Pintasilgo foi, na terminologia oficial, "Ministro dos Assuntos Sociais" e "Primeiro Ministro", sem levantar objeção.
No 8 de março de 2015, numa breve entrevista à televisão, Leonor Beleza contava que tinha sido a primeira mulher a integrar como "Secretária de Estado" (da Segurança Social?) o organigrama de um governo constitucional. Deve ter tido a influêmcia necessária para operar essa pequena grande revolução terminológica.
Se foi em 1983, disso beneficiei diretamente, como Secretária de Estado da Emigração. Mas confesso que não dei pela mudança. À revelia das qualificações oficiais sempre me auto intitulei no feminino, respeitando a gramática da língua portuguesa.
Dilma, que tinha o poder de se fazer chamar como entendesse, escolheu ser a Presidenta da República Federativa do Brasil. Soa mal, mas está politicamente correta e gramaticalmentetem tem apoiantes. Fui verificar no dicionário da Texto Editora de 1999, e lá está: presidenta, feminino de presidente, mulher que preside...
Aqui no país, nem a Leonor, nem eu nos intitulámos "vice presidentas da AR", cargo que ocupamos sucessivamente, ainda no século passado... E nem a atual presidente da AR reclama uma tal feminização da terminologia...
4 - Eu e a minha nova "circunstância"
A minha vida foi feita de imprevistos. Mudaram as circunstâncias. E eu? Será as circunstâncias me mudaram?...
Deixo a pergunta sem resposta - é a coisa mais fácil. Na verdade, não sei a resposta. No que me respeitava, não, evidentemente, no que concernia a história da minha vida. porque essa foi mais construída pelas circunstâncias do que por mim. Ou não? É só duvidas...
Houve surpresas. Para mim. Para os outros, não é evidente.
Como dizia Idi Amim Dadá aos seus ministros, num filme.documentário inesquecível, que passou no verão quente de 75, (o único em que me ri mais do que nos melhores "Woody Allen"): "um ministro tem de decidir". Um Secretário de Estado, também, no domínio das delegações de competências ministeriais que nele recaem...
A maior surpresa foi a de verificar que não tinha a mais pequena dificuldade em decidir! Vista a situação à distância de 30 anos, acho que isso me tornava rpotencialmente muito mais perigosa. E se nem sempre o potencial de risco se concretizou, deveu-se a boa sorte, com certeza, e a uma extremamente cauta atitude quanto à escolha de colaboradores próximos. O meu "inner circle" era uma muralha de aço, para usar linguagem de época. Ou melhor, em tom menos bélico, um grupo de sábios, que tinha a dobrar toda a sageza e experiência que me faltavam... Aqui fica a receita, para quem quer que se veja em tais trabalhos-
Um velho plítico, que eu consiero o expoente da sua geração - a anterior à minha - ensinou-me, um dia um ditado que tem uma perfeita adequação às realidades a que se reportava (os políticos que, desde há já alguns governos, temos pela frente): DESCONFIAI DE PAREDES VELHAS E AUTORIDADES NOVAS - CAEM-NOS SEMPRE EM CIMA ....
CONTRA mim, tinha, então, o facto de ser a quinta essência da "autoridade nova" - em idade e em experiência, agravadas pelo temperamento (faceta de que ainda não falei, mas que, desde já, afirmo, que não ajudava nada) e pela singularidade, partilhada por muitos membros da equipa de Mota Pinto, de não recear as consequências de decisões polémicas numa carreira política futura, porque não via o meu futuro em semelhante carreira.
A FAVOR, jogaram vários dados, alguns dos quais talvez tenham motivado tão insólito convite, mas outros não, apenas acresceram, afortunadamente: estava no "meu" ministério, no meu domínio preferido do Direito, conhecia pessoas, serviços, mecanismos. Tinha um elevado conceito da sua qualidade, mesmo nos tempos do velho regime. Acreditava que os funcionários públicos eram tão bons ou melhores do que os talentos do setor privado... Tinha trabalhado ao lado de grandes juristas, grandes peritos, em comparação com os quais eu era uma modesta aprendiz.O ambiente de cooperação e convívio era tão bom que, em mais de 7 anos, não recordo o mais pequeno incidente ou disputa (a não competitividade por lugares ou promoções traz ao de cima o melhor da natureza humana? Não sei, mas será esta uma das explicações para os paraísos laborais que foram o Centro de Estudos de 67 a 74 e a Provedoria de Justiça de 76 a 80. - com os mais simpáticos colegas e os mais amáveis chefes que que alguém poderia desejar).
Ou seja, tudo me tinha preparado para acreditar firmemente que o ideal era encontrar conselheiros que soubessem do ofício mais do que eu! Como me dei bem com essa estartégia, desde 78, nos meus cinco gabinetes, nunca houve nem "boys" nem "girls", provenientes ds escolas de juventude dos partidos. Sempre preferi gente que fazia o favor de colaborar com o governo, do que rapaziada que estivesse ali por favor partidário,
Além de muito boa, a minha equipa era quase 100% função pública, pequena e coesa.
Comecei pelo Chefe de Gabinete - para uma mulher Secretária de Estado, a regra da paridade aconselhva um homem para nº2., De preferência, um especialista de direito administrativo. Havia um excelente na Provedoria de Justiça, De Coimbra, antigo aluno de Mota Pinto, meu colega e amigo, não conseguiu dizer que não. Foi a minha salvação . papel que ele lesse e aprovasse , era papel que eu podia assinar com segurança...
Dois adjuntos: uma jurista e um jurista, ambos dos quadros do Ministério, com larga experiência.Paridade perfeita...
Duas secretárias, competentíssimas, vindas de anteriores gabinetes, formadas pelo ISLA, colegas de curso (pura e feliz coincidência, como veremos...),
E os motoristas, funcionários do Ministério, naturalmente.
Duas categorias, que desafiaram o objetivo do equilíbrio de género, que eu perseguia dentro do horizonte do possível. Mulheres motoristas, não havia, de todo. E secretários com aquele nível de eficiência também não eram do conhecimento de ninguém.
Problemas internos, só houve mesmo com os motoristas. O primeiro resistiu pouco tempo, depois, um segundo também. Já não me lembro de episódios concretos, mas sei que existiram.... Até que conseguimos aliciar o motorista da Secretaria-Geral. Uma grande transferência! Chamava-se Caravana. Eu gostava imenso do Senhor Caravana - era pontualíssimo, nunca falhava, sempre alegre, a contar histórias engraçadíssimas dos tempos da revolução, no Alentejo da reforma agrária. Guiava muito bem, muito rápido. À vezes, passava um pequeno sinal vermelho - o que os franceses chamam "bruler les rouges". Para os parisienses, nos anos 60, era prática corrente pela noite fora, mas,  quando executada habilmente, a qualquer hora do dia, é coisa menor (exatamente o meu ponto de vista). Guardava uma arma de fogo debaixo do assento (eu sou alérgica a pistolas, salvo no grande écran dos "westerns", mas condescendi, com aquela otimista certeza de que ele não ia precisar nunca de fazer de Lucky Luke, para me defender de um assalto, por absoluta falta de assaltantes para o anónimo alvo, que eu era)..
Depois que o Senhor Caravana completou o meu elenco, ele foi absolutamente perfeito. Todas as guerras e imbróglios vieram de fora e foram combatidas com espírito mosqueteiro "um por todos e todos por um um".
 
4 - Ela fica!
 
Por pouco, a história esteve para ser outra. Ao fim de alguns dias remansosos, foi-me pedida a cabeça de uma das secretárias - a Ana. Não  precisamente à maneira bíblica. Ela tinha vindo da Presidência do Conselho de Ministros, a cujos quadros pertencia, e para lá queriam que eu a reenviasse, com um despacho de demissão. Devolvida à procedência, que, felizmente, não era a rua...Mas com uma substancial diminuição na folha de vencimento.
 Quando digo "queriam", refiro-me ao Ministro do Trabalho e a sua "entourage"
. No nosso sistema, aos Ministros pertencem todas as competências do ministério, que delegam, quando e conforme entendem, nos seus Secretários de Estado (nessa altura, estes ainda não eram considerados meros "ajudantes de ministro", figura que só iria impor-se a partir dos governos de Cavaco Silva - e como eu pertenci ao primeiro breve e minoritário executivo do Prof Cavaco, tenho de admitir que, por alguns meses, baixei a esse estatuto, mas isso foi sete anos e três executivos mais tarde...) .
 Diferente e àparte (mesmo para os "ajudantes de ministro") é o caso da constituição dos gabinetes que é, naturalmente, da inteira responsabilidade de cada um dos membros do Governo, não havendo por isso, relações de hierarquia entre o pessoal dos Ministros e o dos Secretários de Estado. Apesar de isto ser evidente, a maioria dos conflitos que foram surgindo - em número  inesperado, do primeiro ao último dia - deveu-se ao facto do Chefe de Gabinete do Ministro viver na ilusão de que era o chefe do meu Chefe de Gabinete... Uma grande confusão de chefes... Ora no meu ninguém mandava,  nem  eu, porque não era preciso -  ele sabia muito bem o que havia a fazer -  e muito menos um intruso, como era, neste círculo, o  Chefe de Gabinete ministerial. Sucediam-se as tempestades, que, depois, repercutiam no meu ralacionamento pessoal com o chefe daquele chefe (que por isso não foi uma espécie de relação de "Deus com os anjos", embora tenha melhorado na recta final e se tenha tornado cordialíssimo no futuro, quando o belicoso  personagem desapareceu, para todo o sempre, da minha vista).
Antes de voltar ao caso da Ana, convirá lembrar, uma das singularidades daqueles tempos - que não aparece nos organogramas dos gabinetes nem nas regras escritas. Havia uma primordial desconfiança dos novo poder no velho funcionalismo, quase sempre visto como o "anti poder". Nem os saneamentos das antigas chefias, que varreram os ministérios (os diretores gerais vitalícios e os demais na hierarquia descendente) aplacaram a desconfiança geral... Os novos políticos traziam gente da sua escolha, dos partidos, e decidiam tudo o que era importante nesse circuito fechado  hermeticamente. Tremendo é que 40 anos depois, nas decisões mais importantes, isso  continue na mesma, quando não muito pior, embora, com outro refinamento, outra sofisticação - e outra dimensão. Diz-se em inglês sintético: "outsourcing"...
Naquele ano de 1978, no 4º ano de uma ainda tão recente revolução, não era isso o que se passava no Ministério do Trabalho,  e nas duas Secretarias de Estado (Emprego e Trabalho). Pelo contrário, os canais com os serviços foram restabelecidos, os altos funcionários que o Conselho da Revolução mandara reintegrar, foram reintegrados em boa paz... Toda a desconfiança se concentrou  no pequeno núcleo de colaboradores diretos dos gabinetes do governo antecedente. Porquê? Porque esse Governo  - o de Nobre da Costa, personalidade, se bem me lembro, muito bem aceite -  caira na Assembleia da República por causa dos titulares do Ministério do Trabalho, considerados demasiadamente próximos do PC. Talvez não só por isso, mas em primeira linha, por isso.
E, assim sendo, o novo Ministro, absolutamente insuspeito de simpatias por tal quadrante, deixou bem claro que todos deveríamos afastar do "inner circle" todo e qualquer colaborador dos anteriores governantes da Praça de Londres.
Eu não tinha o menor propósito de desobedecer ao razoável ditâme! De todo... O gabinete estava praticamente constituído, com gente tão apartidária como eu. Só me faltava mesmo preencher um lugar de secretária. Já lá ía uma semana, as coisas corriam bem, não havia pressa. E, numa manhã, eis que recebo um telefonema do meu antigo professor e bom amigo, dr Xavier de Basto, o Secretário de Estado da Presidência, a perguntar se ainda tinha uma vaga no gabinete.  Como tinha, ele aconselhou-me a Ana, que lhe dera um apoio fantástico, enquanto esperava a chegado dos vários convidados para os lugares de que dispunha (naquele tempo de austeridade real, não se contratavam amigos, às dezenas, fora dos quadros....). Segundo ele, a Ana, para além da grande competência, apresentava uma outra ´preciosa vantagem: conhecia a "casa" porque tinha sido secretária do meu direto antecessor!  "Não!",´-  respondi eu. Isso era péssimo, era um um impedimento absoluto para o meu Ministro! Mas o Dr Xavier de Basto não pensava assim. A Ana era completamente independente, e, por acaso, nem sequer se interessava muito por questões políticas. Continuou a recomenda-la vivamente! Como é evidente, eu segui o conselho de um amigo, um homem muito inteligente, perspicaz, o nº 1 dos Secretários de Estado, íntimo e fidelíssimo a Mota Pinto. Os preconceitos do meu ministro só valiam para desconhecidos. Venha a Ana, de imediato - foi a decisão.
Ainda correu algum tempo, quase um mês, suponho, até que alguém do círculo do Ministro, a quem a Ana deu uma resposta torta - possivelmente o chefe de gabinete - descobriu o curriculum dela, na Praça de Londres. Fui chamada pelo Ministro e intimada a despedi-la. A recomendação de Xavier de Basto não contava nada para Marques de Carvalho .
Contra a Ana só militava a resposta torta... Disse ao Ministro que ía pensar... O facto de eu ter exitado revela bem a verdura dos meus anos, então.
Nem cheguei a consultar o Dr Xavier de Basto...bastou-me consultar o meu "staff". Eram todos em favor da colega. E a mais veemente era a outra secretária, a Milú, que a conhecia  dos bancos do ISLA , (não podes fazer isso! É uma questão de consciência! Para ela, o prejuízo é enorme). dei-lhe razão.
Fui falar com o Dr MC e comuniquei-lhe: "Já pensei, já decidi. Ela fica!".
irritadíssimo, retorquiu-me:
"Os meus colaboradores e os do Secretário de Estado do Emprego são todos de inteira confinaça. Se houver fugas de informação a resposabilidade é do seu gabinete.
Ao que eu respondi:
Com certeza! Se houver fugas , eu assumo a responsabilidade!
E lá voltei a dar a boa nova à minha gente. E o sigilo nunca foi quebrado - e se fosse, não era a partir do meu gabinete...
 
5 - Mas havia mais...
 
 
 
 
  

abril 09, 2015

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Caracas: quinta-feira, 05 de fevereiro de 2015
Assunto: Pedido de prefácio para o livro “A portugalidade na Venezuela”
Associação “Mulher Migrante” em Portugal
Associação Mãe
Rua Maria Pia - Lote 4 - Loja 1
1350-208 LISBOA
Portugal
Exma. Senhora Presidente da Assembleia Geral,
Dra. Maria Manuela Aguiar
Fundadora da associação “Mulher Migrante” em Portugal”
A associação nacional “Mulher Migrante” Luso-Venezuelana (MMve) apresenta a V. Exa os seus melhores cumprimentos e saudações, extensivos aos funcionários desta ilustre e prestigiosa instituição, nossa associação-mãe.
Em novembro do ano passado teve lugar o II Congresso Nacional da Mulher Portuguesa na Venezuela sobre o tema “A Portugalidade”.
Com o apoio da SECP/DGACCP e da rede empresarial com gerência luso-venezuelana, pretendemos publicar um livro que será uma coletânea de todas as exposições pelos oradores e seus respetivos currículos.
Também serão editados os resumes das intervenções e debates dos congressistas como as conclusões e recomendações aprovadas à unanimidade no referido congresso nacional.
Vimos por este meio solicitar a V. Exa. um texto de tipo “prefácio” sobre um tema livre da sua preferência mas com orientação sobre a mulher portuguesa na Venezuela, o trabalho da associação nacional “Mulher Migrante” Luso-Venezuelana e o II congresso nacional. Seu texto será agregado na parte inicial do livro.
O “bautismo” da obra está prevista numa gala nacional de fados só com mulheres fadistas portuguesas na Venezuela, no domingo 08/03 (Dia Internacional da Mulher): Agradecemos antecipadamente que o texto de V. Exa nos chegue prontamente para que tenhamos tempo de editá-lo e seja integrado com qualidade e a tempo no livro (conforme sua disponibilidade de agende e na medida do possível antes do 10/02 p.f.).
Solicitamos também uma foto de V. Exa em alta resolução para acompanhar seu texto.
Colocamo-nos à disposição de V. Exa para qualquer complemento de informação a traves dos contatos: [+58] (0)412-3297785 (celular), contacto@mulhermigrante.org.ve.
Com a mais elevada consideração, subscrevemo-nos com os nossos respeitosos cumprimentos femininos luso-venezuelanos,
Milú de Almeida
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Presidente da associação nacional “Mulher Migrante” Luso-Venezuelana
Conselheira das Comunidades Portuguesas eleita pelo círculo consular de Caracas
Membro da comissão “Educação, Língua e Cultura”