julho 09, 2012


O dia em que conheci Dona Benvinda não pode ser adiado. Eu bem quis, mas ela não deixou...
Era o verão de 1980 e o dia em que o rancho Folclórico Português do Rio de Janeiro estava de passagem por Lisboa, com almoço marcado num restaurante próximo do elevador que Eifel construiu para subir da Rossio ao Carmo. Era eu Secretária de Estado da Emigração, tinha aceite o convite para estar presente e foi em vão que tentei fazer-me substituir pelo Chefe de Gabinete, Luís Garcez Palha. Dona Benvinda deixou bem claro que não aceitava representações. Ou eu ou ninguém!
Estava ainda a meio caminho entre as capitais do norte e do país, atrasado pelo alongamento do programa da manhã. Percebi que o atraso era irrelevante, ao contrário da ausência, que não seria perdoada. O motorista voou, positivamente, pela estrada nacional nº1, ao volante do velho Citroen, para que eu chegasse antes do café.
Fui recebida em festa, com os meninos a cantar e a bater palmas (ai de mim, se quisesse passar despercebida...). Dona Benvinda sorria, ao lado do marido, o Comendador Marques Mendes, e da grande artista brasileira Neuza Amaral, que, na altura, era a actriz principal da telenovela da Globo, que todo o Portugal via ao serão.
Foi um encontro feliz, de começo de amizade, que não teria fim.
Gostei logo na primeira impressão de Dona Benvinda - ali estava uma líder nata, em pleno exercício da liderança no feminino. Coisa ainda pouco comum hoje, mas raríssima então.
Tinha ideias e sabia executa-las pragmaticamente, como se via no próprio exemplo de trazer a Portugal um grupo de danças composto por jovens escolhidos nos ranchos folclóricos das muitas "casas regionais" do Rio. Cada par com o seu traje e a sua bandeira. Bailando folclore português na 1ª parte dos espectáculos e samba, com cor e fantasia tropicais,  depois do intervalo. Um achado! Ano após ano, esta iniciativa trouxe a Portugal cerca de um milhar de jovens.
E foi uma entre tantas, promovidas a partir da plataforma que era o seu jornal - o Mundo Português, mais tarde, o "Portugal em Foco". O jornal tinha a sua marca inconfundível, procurava, como ela própria, a proximidade e interacção com o associativismo, com a comunidade, retratando-a, dinamizando-a,  na sua relação com Portugal e Brasil.
Era, por isso, mais do que uma directora de jornal, ou uma jornalista talentosa. Era uma protagonista de 1º plano nos destinos da  sua comunidade. Tinha voz, tinha influência, e uma formidável capacidade de mobilizar colaborações, de fazer amigos  e de realizar projectos. Uma energia inesgotável. uma força imparável, uma inteligência viva, uma sabedoria conseguida na universidade da experiência da vida.
E muita espontaneidade, muito à vontade, com os ricos e poderosos e com o povo, povo, por igual. Lembro.me de ter participado, uma vez num programa de rádio, que manteve enquanto quis, com altas audiências. Um programa de porta aberta, em que entrava e saía gente, em redopio, contando histórias, dando recados, falando das coisas mais diversas, e mais divertidas, sem que o fio da meada escapasse da mão de Dona Benvinda. Ninguém mais conseguiria orquestrar assim a multidão das vozes que se cruzavam nas conversas. Nunca mais veria nada se semelhante em parte alguma do mundo. Era o mundo de Dona Benvinda, era Dona Benvinda mudando o mundo!