janeiro 14, 2013

Notas sobre a história da AEMM - e a sua participação na execução de políticas de género

Ainda que sem uma base institucional, o modo de colaboração entre o Estado e a “Mulher Migrante” - agregando associações locais, que têm co- participado no “congressismo para a igualdade de género” - parece, de algum modo, inspirar-se no modelo do CCP originário, não o actual, mas o que tinha raízes associativas, era uma "plataforma de diálogo" entre o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro, e, como vimos, impulsionou o 1º Encontro de Mulheres da Diáspora. É, sobretudo, o carácter recorrente, e não esporádico, da consulta ou audição das mulheres, que justifica a comparação. De facto, ao Encontro Mundial de Espinho, que reuniu mais de 300 participantes dos cinco continentes, e em que procurou fazer-se o balanço de uma década (1985/1995), seguiram-se inúmeros seminários e colóquios realizados no País e no estrangeiro, e, entre 2005 e 2009, os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens".(8)
Em 2005, ao perfazer a 2ª década após o Encontro de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas António Braga uma proposta de realização de "Encontros" nas maiores comunidades da Diáspora, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. O primeiro foi na América do Sul, em Buenos Aires (2005), depois foi a vez da Europa, (Estocolmo, 2006), do Canadá, (Toronto, 2007), da África do Sul (Joanesburgo, 2008) e dos EUA (Berkeley, 2008). Em todos esses "congressos" estiveram presentes membros do Governo - ou o SECP ou o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Mais uma vez podemos falar de um caminho próprio, sem precedente em qualquer outro país, no que à fórmula respeita, ainda que haja, certamente, muito em comum, em matéria de situações de facto, de aspirações de mudança, de metas e metodologias para as atingir, no aspecto dos factos e do Direito.
Olhando o universo jurídico, poderemos dizer que, em Portugal, a primeira medida de promoção da igualdade de género na emigração foi a aplicação do princípio da paridade na eleição para o CCP - que, por sinal, foi anunciada pelo Secretário de Estado Jorge Lacão na Conferência para a Igualdade, co-organizada pela "Mulher Migrante" em Toronto.(9) As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres.
E como os actos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas -e bem sucedido, pois redundou no aumento previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão (minimalista ainda) ao Conselho Permanente - Teresa Heimans, participante neste Encontro é a primeira a integrar essa cúpula directiva.
A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a
importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, directamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indirectamente, do papel que venha a ser o desta instituição - que tem tido, como é sabido, um percurso acidentado e irregular, por vezes, devido ao distanciamento interposto pelos próprios governos, sem por isso deixar de ser o único forum de representação universal dos emigrantes portugueses.
Uma nova medida de salientar, neste domínio, é a Resolução nº32/2010 de 19 de Março "Sobre a problemática da mulher emigrante", que contém uma série de recomendações ao Governo. a primeira das quais é a criação de um programa "com o objectivo de definir um conjunto de medidas destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro."
Muitas das acções para que aponta esse programa correspondem a conclusões ou recomendações dos "Encontros para a cidadania, tal como foram formuladas pelas suas participantes.
A "Resolução" junta assim um lado muito realista e pragmático ao seu lado mais simbólico - ou seja, o ter constituído, historicamente, na Assembleia da República, uma primeira abordagem das questões da emigração feminina e das soluções a encontrar para promover a igualdade entre os sexos, que é uma obrigação imposta ao Estado pelo artº 109º da Constituição, que não pode ser equacionada apenas no território nacional.
José Cesário foi, em 2010, como deputado, o autor, o primeiro proponente da Resolução, dirigindo ao Governo um conjunto de recomendações que se mostra, naturalmente, agora, pronto a acatar,
como Secretário de Estado.
É, pois, com base neste instrumento jurídico que um novo ciclo se inicia, sem rupturas com o passado - e a Associação Mulher Migrante disponibiliza-se, uma vez mais, para prosseguir objectivos em que há interesse mútuo na colaboração entre serviços públicos e organizações privadas.
O Encontro Mundial da Maia, em 2011, é nesta perspectiva, um ponto de partida numa nova etapa de um percurso há muito começado e sem fim à vista.
E a Resolução nº 32/2010, ao contrário do que acontece com tantos dos normativos programáticos, será para ser vivida e para se tornar o instrumento da efectivação de políticas de emigração, com a componente de género. (12)

Notas

(1) A participação de mulheres, que saíam do mais completo anonimato,
para serem aclamadas nas tribunas dos comícios, não aconteceu só na
capital, mas em muitas terras de província. Fina d'Armada coligiu
dados referentes a 33 concelhos, com abundante informação sobre os
nomes dessas revolucionárias, muitas delas jovens, e sobre o seu
parentesco com activistas republicanos - a revelar que existiam,
frequentemente, laços de família entre elas e eles. Família de sangue
e família ideológica, in "Republicanas quase Desconhecidas", Temas e
Debates, Círculo dos Leitores, Maia 2011.
(2) Sobre uma primeira conversa entre António José de Almeida e Ana da
Castro Osório, com vista à criação da "Liga", vd Zília Osório de
Castro in "Mulheres na República - Percursos, Conquistas e Derrotas",
pag. 105
(3) João Esteves dá-nos a cronologia dessas cisões in "Mulheres e
Republicanismo, 1908-1928", pag. 9 e sgs.
(4) in "A Emigração", Imprensa Nacional, 1913, pag 182
(5) O CCP foi instituído pelo Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de Setembro,
como uma "plataforma de diálogo" ente o governo e as organizações do
movimento associativo, assumindo no programa do VI Governo
Constitucional, no discurso político, e, a meu ver, também de facto,
um lugar de grande relevo, como porta voz das comunidades e
co-participante nas políticas de emigração. Essa proeminência tornava
especialmente grave e lamentável a exclusão da voz das mulheres.
(6) A proposta formalizada por Maria Alice Ribeiro começou a ser
equacionada nos convívios informais da reunião do Conselho Regional,
onde estava a mulher de um dos conselheiros, Natália Dutra, ela
própria, dirigente de uma Irmandade da Califórnia. A ambas, Natália a
Maria Alice, se pode atribuir a autoria da ideia.
(7) Foram 36 as representantes das suas comunidades no "Encontro de Viana":
Alice Vieira (Venezuela); Angela Giglitto (EUA -Califórnia); Aurora
Vackier (França); Barbara Angeja (EUA-Califórnia);Benvinda Maria
(Brasil); Berta Madeira (EUA-Califórnia); Claudia Rios (EUA-Leste);
Custódia Domingues (França); Debora Morais (Canadá); Dolores
Nunes-Lowry (EUA-Califórnia);Fernanda Claudio (Canadá); Helena
Guerreiro-Klinowsky (Canadá); Helena Amaral (EUA-Leste); Heroína de
Pina (Luxemburgo); Julieta Maia (Canadá); Laura Bulger (Canadá);
Manuela da Luz Chaplin (EUA-Leste); Manuela Faria (Austrália); Maria
Adelaide Vaz (Canadá); Amélia Afonso (Argentina); Mary Giglitto
(EUA-Califórnia); Maria Antónia Anjos (Argentina); Maria do Céu Cunha
(França); Eulália salgado (RAS); Maria Emília Pedreira (Brasil);
Fernanda Gabriel (França); Maria da Graça dos Santos (França); Isabel
Vieira (França); Maria José Brântuas (EUA-Califórnia); Juliana Resende
(Venezuela): Leonor Xavier (Brasil); Lourdes Lara (Canadá); Edith
Phillips (Inglaterra); Manuela Cavaleiro Miranda (França); Natália
Dutra (EUA-Califórnia); Rosa Silveira (EUA-Califórnia).
(8) Nas Conclusões Gerais do "Encontro", diz-se no Ponto 8: "Foi
decidido formar uma associação entre as participantes do encontro,
aberta, no entanto, a outras mulheres portuguesas ou de origem
portuguesa residentes no estrangeiro e às que em Portugal se
interessam pela matéria". in "1º Encontro Portuguesas Migrantes no
Associativismo e no Jornalismo", Secretaria de Estado das Comunidades
Portuguesas, Centro de Estudos, Porto, 1986, pag 138
(9) vd Rita Gomes in "Mulher Migrante em Congresso" coord Maria
Manuela Aguiar e Maria Teresa Aguiar, edição Mulher Migrante,
Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, VN Gaia, 2009, pag
99 e sgs..
(10) Comunicações sobre os "Encontros para a Cidadania" foram
apresentadas por participantes no Encontro de espinho, em Março de
2009 e estão publicadas in "Cidadãs da Diáspora - Encontro em
Espinho", coord Maria Manuela Aguiar, Edição Mulher Migrante -
Associação de estudo, Cooperação e Solidariedade, VN Gaia, 2009
(11) O nº 4 do artº11º e na alínea a) do nº1 do art. 37º da Lei nº
66-A/2007 impõe O mesmo princípio da paridade adoptado na formação de
listas para as eleições legislativas e autárquicas é imposto no
(12) Em favor das mulheres migrantes foram, na sequência da adesão de
Portugal à CEE, e no quadro de apoios comunitários, realizadas
múltiplas acções no domínio da formação profissional. Porém, sem a
generalidade e a continuidade que se exige a verdadeiras políticas de
género no campo das migrações.


Bibliografia

Fina d'Armada, "Republicanas quase desconhecidas", Temas e Debates,
Círculo de Leitores, Maia, 2011
"Mulheres na República - Percursos, Conquistas e Derrotas", coord
Zília Osório de Castro, João Esteves e Natividade Monteiro. Edições
Colibri, Lisboa, 2011
João Esteves, "Mulheres e Republicanismo (1908-1928)", Colecção Fio de
Ariana, CIG, Lisboa, 2008
"1ª Encontro Portuguesas Migrantes no associativismo e no Jornalismo"
Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, Centro de Estudos,
Porto, 1986
"Encontro Mundial de Mulheres Migrantes - Gerações em Diálogo" Edição
Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade,
Lisboa, 1996
"Encontro Mundial de Mulheres Migrantes - "As ideias e os factos
assinalados" coord Eduardo Saraiva, Edição Mulher Migrante -
Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Oliveira de Azeméis,
1996
"Encontro em Espinho - Cidadãs da Diáspora" coord Maria Manuela Aguiar, Edição
Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, V
N Gaia, 2009
Mulher Migrante - o congresso on line", coord Maria Manuela Aguiar e
Maria Teresa Aguiar, Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo,
Cooperação e Solidariedade, V N Gaia, 200