janeiro 28, 2017

AS MEMÓRIAS DO TEMPO FUTURO

Imperdível a série de programas, com este título que a RTP 3 passou, de novo, há dias. São entrevistas de quase uma hora, a Mário Soares, sobre os tempos da ditadura, do PREC, do renascimento da democracia. É na verdade, uma autêntica "autobiografia oral" Guardei em arquivo, na" box", para ver muitas vezes, e tenho recomendado a todos os amigos que façam o mesmo. A meu ver, seria ideal editar a série inteira em DVD, para ser mais acessível ao grande público (eu sei que agora se vai à NET, procurar em RTP-Play, mas prefiro o velho DVD e, como eu, haverá ainda muita gente... Ontem, tive uma simpática conversa num alfarrabista na rua do Cinema Trindade (tão bem conheço as ruas de toda a baixa do Porto e de poucas sei o nome...). As conversas mais agradáveis começam muitas vezes como esta, ocasionalmente. Na livraria estávamos três pessoas, o proprietário, um outro cliente e eu. Procurava uns antigos mini cadernos com biografias de jogadores de futebol dos anos cinquenta (do FCP de Yustrich), coisa que não consegui. Os dois senhores comentaram que raramente havia mulheres a pedir literatura sobre futebol, eu, não tendo dados para discordar, lembrei que agora os estádios estão cheios de raparigas, mas eles não pareciam muito convencidos de que elas lá vão pelas mesmas razões dos homens, isto é, para ver o jogo... Palavra puxa palavra, não sei como, do enfoque no desporto transitámos para a política. Soares, Sá Carneiro, Mota Pinto... O outro cliente era, afinal, um colega, advogado formado por Coimbra, como eu, mas muito mais novo. Mário Soares esteve, naturalmente, no centro da conversa, O advogado nunca tinha votado em Soares, o livreiro, julgo, era um eleitor fiel e eu uma votante da 25ª hora, da sua última e épica campanha presidencial, mas todos nos confessámos seus grandes admiradores. O jovem advogado, que fora aluno de Mota Pinto, de quem gostava imenso, lamentava não ter tido o privilégio de privar com Soares. Perguntei-lhe se tinha visto as entrevistas da RTP3. e, como ele , de facto, tinha, disse-lhe: "A maneira como o Dr Soares conta história e peripécias é exatamente como as contava num pequeno grupo de amigos. Está ali genuíno inteiro, singular, com toda a sua graça e acutilância. Não há mais ninguém que na vida e no ecrã seja tão igual a si mesmo". Por isso, essas memórias gravadas em vídeo são um delicioso convívio com um Dr, Soares, que permitirá aos jovens, às gerações futuras, o privilégio de um encontro intemporal com a maior figura política do século XX português.

janeiro 07, 2017

Sobre MÁRIO SOARES na "DEFESA DE ESPINHO"

SAUDADES de MÁRIO SOARES Estava, por acaso, a ver a RTP3 e a notícia do falecimento de Mário Soares veio, definitiva, pondo fim àquela esperança impossível num milagre, que temos enquanto as pessoas ainda estão entre nós. Há muito que considerava a figura do Dr Soares como o "primus inter pares" da nossa democracia. Há muito que, sempre que o encontrava, sabia que estava a olhar o Homem que mais influíra na história portuguesa do meu tempo de vida, o mais conhecido e admirado na Europa e no mundo! É certo que ainda não pensava assim quando o conheci em 1979, porque não era do mesmo partido - e, na altura, isso pesava bastante... - embora já reconhecesse a importância do seu papel, antes e depois do 25 de abril. Fizera quilómetros atrás dele, como tantos anónimos fizeram, em marchas e demonstrações cívicas, nas ruas de Lisboa. Sabia bem que, não só dentro como fora do país, lutara, corajosamente, para alcançar a liberdade de um povo inteiro. Contudo, na verdade, só comecei a gostar dele quando o encontrei, frente a frente, no salão de de uma Embaixada, no Restelo. Com ele, o à vontade era natural, a aceitação de quaisquer discordâncias políticas também (eu era Secretária de Estado do Trabalho no Governo Mota Pinto, que o líder do PS aceitava mal, exatamente como Sá Carneiro, por se tratar de um governo de nomeação presidencial). Quando voltei aos Governos AD em 1980 e 1981, a divergência política mantinha-se, mas isso, para mim, já em nada afetava o seu encanto pessoal. Até que me vi do seu lado, no Governo do Bloco Central. A minha relação com Ele, então como antes, era quase invariavelmente marcada pela boa disposição, por ditos engraçados da sua parte, a que eu procurava responder. Apesar de voltar a situar-me no campo oposto, por uns meses, no governo minoritário de Cavaco Silva, não tardámos a retomar um diálogo refrescante e divertido - o reencontro aconteceu no estádio das Antas, numa grande festa portista, em que fui, por boa sorte, colocada à sua direita. Seguidamente, via-o e acompanhava-o, com frequência, na qualidade de Vice-Presidente da Assembleia. Uma das vezes em que aguardávamos, no salão nobre, como manda o protocolo, a chegada de um Chefe de Estado estrangeiro, um Monarca (o de Espanha, suponho), enquanto os outros membros da Mesa da Assembleia aguardavam os visitantes à entrada do Palácio de São Bento, disse-me: "Está aqui comigo, quando podia estar lá em baixo, na comitiva, a receber os Reis..." . Foi com toda a sinceridade que lhe respondi: "Prefiro, de longe, estar aqui à conversa com o Senhor Presidente!" Sim, não havia nada que eu preferisse a um diálogo, mesmo que só de uns cinco minutos, com Mário Soares. Não era por ser o Presidente, ou o grande protagonista da nossa História, mas por ser ele, por ser assim, como era! Tive, por fim, o privilégio de participar na única campanha presidencial, que não ganhou - e eu previa que não ganhasse, aos 80 anos, num país que discrimina fatalmente os mais velhos. Achei-o fabuloso! Pude intervir em alguns pequenos comícios, ao seu lado, e dizer o que me ia na alma, quanto ao que essa candidatura significava para Portugal: ter um Presidente universalmente respeitado, que acrescentava prestígio ao País, com a sua enorme estatura política e força anímica. São essas vivências e, sobretudo, as deliciosas narrações com que animou um último serão passado na sua casa, com a Drª Maria Barroso, na primavera de 2015, que relembro agora. com muita amizade e infinita tristeza