outubro 04, 2020

COMO SE VIVE UMA DISTOPIA

COMO SE VIVE UMA DISTOPIA 1 - Vivemos hoje em clima de guerra, a "grande guerra 2020", com uma única certeza: a de que a mais macabra das distopias se concretizou, e veio para ficar, por prazo indeterminado, na realidade de um quotidiano subitamente desestruturado. Guerra em que o exército somos todos nós, e em que, por muito disciplinados que nos mostremos, dirigir as operações no teatro bélico, contra um inimigo omnipresente e invisível, não é para qualquer um. É para políticos de grande visão e envergadura.. Esta é a hora de revelação dos verdadeiros estadistas - previsivelmente muito poucos! O gradualismo na tomada de medidas limitativas essenciais, que vem imperando na Europa, tem de ser olhado, creio, como sintoma de improviso e impreparação. Num quadro em que o aumento exponencial de contágios é um dado seguro, mal se compreende o anúncio de mais e mais restrições avulsas, em cada novo dia ou em cada conferência de imprensa. Essas medidas deviam ter sido bem pensadas e codificadas, integradas numa estratégia coerente e gizada para constituir resposta o mais lata possível a riscos e a danos. Em Portugal, um dos últimos países europeus a ser atingido, e, por isso, beneficiário da lição de erros alheios, mal se compreende a não reposição rápida do controlo das fronteiras terrestres ou a opção pela absoluta falta de rastreio sanitário nos aeroportos, ao contrário do que aconteceu em vários outros Estados da UE. Não procede o argumento de que aquele tipo de vigilância não é 100% eficaz, porque, mesmo que leve à deteção de pequena percentagem de portadores do virus, vale bem o esforço, pois com cada um dos portadores logo isolados se evita um foco de infeção comunitária. Só agora, já o mês de março vai a meio, nos convertemos a esta tese... Mal se compreende, pelas mesmas razões, a incúria em garantir o acesso generalizado a máscaras de proteção, que nem nos hospitais foi adequadamente cuidado Vimos e ouvimos, vezes sem conta, a Diretora-Geral da Saúde, negar as vantagens do seu uso individual, a pretexto de que não protegiam de contágio os utilizadores. Evitavam, sim, segundo ela, que os infetados contagiassem os outros. Ótimo! Enquanto potenciais portadores assintomáticos do "COVID 19" não queremos contagiar ninguém. Haverá melhor meio de entreajuda? Outro estranho procedimento foi o de não realizarem testes, nas urgências e enfermarias hospitalares, a doentes com dificuldades respiratórias, ou pneumonias, a menos que tivessem permanecido em países "de risco" ou convivido diretamente com quem de lá chegara. Assim mandavam as regras sancionadas superiormente, o "protocolo" aplicável, cujo conteúdo, entretanto, já mudou, para abranger qualquer paciente em tal situação. Por outro lado, tem havido inércia e laxismo face à especulação e ao açambarcamento de bens! Em Espinho, como por todo o lado, desapareceram, há semanas, de farmácias, lojas e supermercados, o álcool e o gel desinfetante. E, igualmente, as máscaras de proteção, mesmo depois dos preços terem disparado - de cinco a seis euros, (por pacote de uma centena), para mais de cem euros! Foi ou vai ser, agora, finalmente, feita uma encomenda de mais de um milhão de máscaras para os hospitais públicos - sinal de que estavam em falta... Um outro negócio rentável, e, provavelmente, também especulativo, é o dos testes de deteção do virus em laboratórios privados, cujo custo, para quem os possa e queira pagar, varia entre os 100 os 200 euros. - salvo na cidade do Porto, como referiremos. 2 - Estamos a falar de ações e omissões, não de negacionistas patéticos, como Trump e Bolsonaro, mas de políticos respeitáveis, mulheres e homens de bem, que estão a dar o seu melhor, só sendo de pôr em dúvida se o seu melhor é suficiente. Veja-se o inacreditável ziguezaguear do Presidente Macron, que, num domingo, convocou os franceses a deixarem as suas casas para para votarem num ato eleitoral desnecessário, por ser de fácil adiamento, e, no dia seguinte, decretou quarentena obrigatória, com milhares de polícias a patrulhar as ruas desertas, no país inteiro... Na Europa, prevejo que vá sobressair, como é costume, Angela Merkl, mulher de armas para combates ciclópicos. Não é do meu quadrante ideológico, mas o que importa isso? A questão não é ideológica, estamos unidos contra o mesmo inimigo. Entre nós, inesperadamente, são autoridades regionais, as que mais se salientam pela inteligência estratégica e pela coragem. de atuar prontamente. Refiro-me a Rui Moreira, o autarca do Porto, e aos líderes dos Governos das Regiões Autónomas. Rui Moreira foi o primeiro a tomar consciência da crucial importância quer do encerramento de serviços não essenciais e do convite ao resguardo de contactos no espaço público, quer do rastreio massivo, contratando com uma empresa privada, na falta de iniciativa e oferta pública, a efetivação de testes para deteção do virus, que poderão atingir os 400, diariamente. Acabo de ouvir o responsável pela OMS recomendar precisamente isso: "testing, testing, testing". Na mesma linha está Cuomo, o Governador de Nova York, cuja proposta é: "massive testing, massive quarentine". Por cá, Rui Moreira está sozinho , em boa companhia internacional. Os executivos da Madeira e o dos Açores antes mesmo de terem deparado com o primeiro teste positivo, e apesar da evidente relutância do poder central, decretaram, e puseram em pratica, a quarentena de 14 dias para quem quer que chegue, de fora, aos seus aeroportos. E mais longe teriam ido, encerrando, logo, o espaço aéreo regional ao tráfego regular de passageiros, se isso fosse da sua competência. No continente, destaquemos, nesta histórica quinzena de março, sobretudo, a sociedade civil, que soube impor-se, nos mais diversos domínios. Pensemos, por exemplo, nos pais dos alunos a lutarem pelo encerramento das escolas, nos jogadores de futebol profissional a exigirem a suspensão dos campeonatos, na opinião pública a forçar a vigilância da fronteira terrestre com a Espanha. E, aqui, em Espinho, no voluntário encerramento de um grande número de restaurantes, cafés e lojas, no generalizado respeito pelo distanciamento aconselhável dos clientes do pequeno comércio alimentar, na quase desertificação espontânea das ruas da cidade, e nos gestos de solidariedade, como os da Paróquia, que já tem disponível um grupo de voluntários para ajudar os que estão retidos em casa, pela idade ou por pertencerem a um grupo de risco. Em suma, e lembrando, igualmente, os profissionais de saúde e todos os que permanecem nos seus postos, servindo o público, poderemos, dizer que, no nosso País, a nota máxima vai para estas múltiplas expressões de espírito cívico, de cidadania!. Espinho, 16 de março de 2020.
CAMINHOS DA POESIA LUSO GALAICA QUE PASSAM POR ESPINHO 1 - A Galiza celebrou, no passado sábado, 25 de julho, o Dia da Pátria Galega. Entre nós, o acontecimento passou, sem o merecido destaque. E, no entanto, na sua origem simbólica, aquela celebração tem muito a ver conosco, porque o seu o foco é posto na matriz cultural identitária e não em feitos bélicos, conquistas, glorificação de heróis guerreiros, como acontece por esse mundo fora. Com outra exceção, a portuguesa! No dia nacional, tembém nós, evocamos o Poeta maior e convocamos para a festa, a Diáspora, ou, seja, todo o espaço em que se ouve a língua, O da Dia da Galiza é o do seu santo patroeiro, o Apóstolo Santiago, unindo crentes e não.crentes numa ideia de espiritualidade, de afirmação da cultura ancestral, a que se associam, o nome de Rosalía, a grande Poeta que cantou a sua terra.. A comemoração começou há apenas um século, em 1920, como projeto das "Irmandades da Fala", instituições criadas para a defesa do património histórico e imaterial mais precioso, a língua-mãe. Durante o franquismo, o "Dia da Pátria Galega" esteve proibido e a comemoração manteve-se somente onde não chegava a autoridade repressiva da Ditadura, na Diáspora Galega, que tem vida própria, estruturas e dimensão comparável à nossa (embora mais concentrada em países do sul da América). A proibição ficou de pé, alguns anos após a democratização, sendo, depois, convolada numa permissividade ambígua, na envolvente política em que se afrontam o centralismo castelhano e o nacionalismo ou autonomismo galego. A partir da década de oitenta, o Governo Autonómico fez sua a comemoação, integrando-a no calendário oficial, embora, conforme o quadrante político, esta ora seja assumida no seu significado mais amplo, ora reconduzida à vertente religiosa, sem que falte, o ritual de uma missa por Rosalia. Pena é que, em 2020, ano do centenário da própria instituição do Dia da Galiza, os festejos tenham sido tão parcos - por causa da pandemia, mas. igualmente da subsistência de querelas partidárias e ideológicas. Em qualquer caso, enquanto o Rei Filipe VI de Espanha, (ou das Espanhas...), e o Poder Autonómico participavam em ofícios religiosos na Catedral de Santiago, muitos foram os cidadãos que, nas ruas, apesar da COVID, se manifestaram. 2 - Na relação da Galiza com Portugal, temos de saber contornar os escolhos desta realidade, sobrepondo ao imediatismo da conflitualidade política do presente (a vivência da autonomia lá, o regionalismo adiado, cá), aquilo que é perene e vem de tempos imemoriais, a língua originária, o galaico.português, e as afinidades antigas que hibernam em nós. Já algumas vezes publicamente contei como fui, eu própria, individualmente cimentando, o meu sentir, a minha consciência de uma identidade luso-galaica. Era menina, mas já queria conhecer mundo, ver o estrangeiro e, um dia, no início da década de cinquenta, finalmente, os pais fizeram-me a vontade, levaram-me com eles até Vigo, pela fronteira de Tuy. Gostei do passeio, do que vi, mas voltei desapontada. Tudo me pareceu "pouco estrangeiro" - as casas de pedra, a convivência das pessoas nas esplanada e cafés, os rostos das pessoas e até o falar, que entendia sem dificuldade de maior..Alguns anos mais tarde, já depois muitas idas a Vigo e de conhecer cidades como Paris, Londres ou Ceuta, passei férias no Alentejo e no Algarve, férias magníficas, cheias de sol e de surpresas... a cor ocre das fragas, paisagens áridas e amplas, a placidez dos camponeses, e o seu sotaque, as casas caiadas, com barras coloridas azuis e amarelas, a geometria do casario branco, de pátios e açoteias... Em suma: terras exóticas, onde chegava sem cruzar fronteiras guardadas pela polícia! E, assim, com um simples olhar em volta, compreendi que o meu país, tal qual a Espanha (e não ao contrário da Espanha, como pretende o nosso ortodoxo centralismo) é multicultural, com tradições comunitárias e regionais as mais diversas. E logo vi nesta diversidade uma riqueza, e um fator de coesão e não de deslace, no contexto português de unidade política milenar.da Nação organizade em Estado. . . 3 - Por outro lado, reconhecendo que mil anos de separação política não conseguiram desfazer as sintonias naturais do Norte português com a Galiza, ou do Algarve com a Andaluzia, faço da valorização deste fenómeno uma causa minha.. Deixemos ao Estado o que é de César, as suas fronteiras terrestres e as sua leis, e sigamos o sentir dos Povos! O domínio em que queremos mover-nos é o da Cultura, máximo denominador comum, não o da políticaque divide.. Nas zonas fronteiriças, sabemos que é denso e frutífero o interrelacionamento dos dois lados do rio Minho, quer da parte dos autarcas, quer das sociedades locais, pessoas e instituições. Contudo, quando nos afastamos da raia, a presença da Galiza parece esvair-se na distância....Surge, por isso, como paradigmática e rara a iniciativa nascida em Espinho, pela mão de uma Espinhense: Ester de Sousa e Sá, escritora, poeta e artista plástica, que vem trazendo a Galiza, a sua veia literária até nós, em simultâneo, pondo a nossa cidade no mapa da Cultura galega. Ao longo dos últimos três anos, o movimento, ao qual ela deu o impulso pioneiro, não parou de crescer - movimento de Poetas das duas línguas em que se prolonga a antiquíssima fala comum. A divulgação da sua obra poética processa-se, assim, a um ritmo anual: a primeira Coletânea de Poesia Luso Galaica, teve o seu lançamento em Espinho, na Biblioteca José Marmelo e Silva, a 13 de Outubro de 2018, a segunda (Coletânea de Poesia Galaico-Lusa - Poetas do Reencontro), em Chantada, a 26 de Outubro de 2019, a terceira (Coletânea Luso Galaica - Caminhos da Poesia) está agendada para Espinho, já a 5 de estembro deste ano. A organização das recolhas de inéditos, sua edição e lançamento cabem alternadamente, a Portugal e à Galiza. E como cada Coletânea tem apresentação, cá e lá, as "Bienais de Poesia" ocorridas, alternadamente, na Galiza e em Espinho, dão lugar a uma multiplicidade de confraternizações de poetas, de músicos, e cultores de outras artes, que vão ganhando contornos de institucionalização. Os Poetas assumem-se, deste forma, lucida e eficientemente, como mediadores na aproximação das suas comunidades, num universo cultural em expansão. Juntos caminham, tendo por lema, e cito, "a Poesia dunha matria sen fronteiras"..

NÓS O POVO

NÓS O POVO 1 - "We the people" são as primeiras palavras da Constituição Americana. E, também aquelas que o candidato nas eleições presidenciais, Joe Biden, escolheu como lema de candidatura. interessante e significativa escolha... A mensagem que transmite é clara: a América precisa de voltar a ser um Estado de Direito, uma sociedade unida por valores humanistas, respeitando princípios que foram inscritos na Constituição pelos "Pais Fundadores". É tempo de viver nas leis e nas práticas do quotidiano, esses valores, esses princípios. Com Trump, isso é uma impossibilidade. No seu mandato insano de mentiras, escândalos, perseguições e incitamento ao ódio racial, os seus mais diretos colaboradores tendem a dividir-se em duas categorias - os que estão a contas com a justiça, presos ou em vias de o ser, (o último dos quais, até à data, é Steve Bannon, ideólogo da sua campanha de ódio) e os que, uns atrás de outros, se demitiram ou foram demitidos, formando já uma longa lista. Na Casa Branca está um aspirante a tirano, que não governa e se considera acima da lei (e até agora, tem conseguido estar). Brinca no Twitter, como um adolescente, usa o tempo restante, para negócios inconfessáveis ou, como um velho reformado, para gozar o prazer dos seus campos de golfe, caminhando por sobre ruínas de cidades destruídas por motins e sepulturas de dezenas de milhares de mortos da pandemia, cuja dimensão desvalorizou, até ser tarde demais. Só o Povo o pode retirar da Casa Branca e restituir a América á normalidade democrática. Vai ser difícil. Ele move-se bem num sistema anquilosado, e tentará, como aconteceu da primeira vez, (agora, porventura, já sem a ativa ajuda dos serviços secretos) viciar o jogo a seu favor. Tudo está em aberto - é cedo para anunciar a vitória de Joe Biden, apesar da vantagem que leva nas sondagens... Sabemos, pela história recente que não basta vencer por mais de três milhões de votos, como aconteceu na eleição anterior, que Hillary Clinton, sob ataque de poderes internos ("maxime", o diretor do FBI) e externos (com a Rússia de Putin, à cabeça) perdeu, ganhando, por larga margem no voto popular... Trump não foi o eleito do Povo, nesta América, que nos parece um lugar estranho... Mas nem por isso o que lá se passa não diz respeito ao resto da Humanidade, porque, apesar dos sinais de decadência, estamos a falar da maior potência do mundo, Desde o fim da guerra de 1939/45 a "pax americana",protegeu os aliados democratas, vencedores do nazismo, através das fórmulas diversas, que cada presidência imprimiu à busca de um equilíbrio entre interesses próprios, alianças antigas e solidariedade internacional, até que Trump se voltou para um diálogo de ditadores, em política externa, e pela sementeira de ódios, no plano interno. É, pois, também, o nosso futuro que está em cheque, neste voto americano, tão decisivo quanto incerto . 2 - Todos os extremismos são maus, Como diz o ditado, "os extremos tocam-se" . Assim pensei desde os bancos do Colégio do Sardão, do Liceu Rainha Santa e da Universidade de Coimbra, Não sei se o meu "reformismo", constante, desde tão jovem, é coisa boa ou não... A veemência com que debatia ideias pareceu, às vezes, revolucionária, e disso até fui acusada, por quem confundia o tom do discurso com o pensamento. Na verdade, já na adolescência, era, social-democrata "à sueca", feminista, em moldes nórdicos, e até, fundamentalmente pacifista, embora não muito pacífica por temperamento (aguerrida na forma, moderada no conteúdo...). Talvez por tido, desde cedo, a noção de que a luta pelo sufrágio de mulheres e negros foi contemporânea, sempre considerei que racismo e sexismo se combatem pelas mesmas razões, da mesma maneira. E considero o recrudescimento dos movimentos de extrema-direita na América de Trump, e até na Europa, uma ameaça real nos tempos que atravessamos, pondo em causa avanços civilizacionais, que considerávamos adquiridos... Nada de novo, afinal, sabido que, através dos tempos, o processo histórico foi feito de avanços e retrocessos, e que as discriminações em razão da nacionalidade, do sexo, da raça, da religião, da idade (e de tantos outros fatores) não foram, em sociedade alguma, à face da terra, completamente erradicados, A meu ver, escondê-lo equivale a desistir de eliminar preconceitos enraizados. Em Portugal, negar o sexismo, é coisa patentemente irrealista, E o mesmo se diga do racismo, que não tendo, entre nós, tradição, força e violência comparáveis, àquelas de que sofre a América, nem por isso devemos menorizar, desculpando o incitamento à violência racial por parte de movimentos, que, embora incipientes, já têm mortos no seu cadastro. Não é equivalente negociar acordos políticos com uma esquerda "constitucional" e com uma extrema-direita visceralmente racista. No dia em que o meu partido pagasse, para chegar ao poder, o preço político de um acordo com gente desta (os nossos prosélitos de Trump ou de Bannon), deixava. logo, de ser o meu partido. . 3 - Na original Convenção dos Democratas americanos, dois temas dominaram a agenda: COVID e racismo. Para a pandemia, procura-se vacina, que ainda não há, mas que Trump, aldrabando como um "vendedor de banha da cobra, à moda da América, promete, assertivamente, já para o corrente ano. Porém, como disse a candidata a Vice-Presidente Kamala Harris, "não há vacina contra o racismo!", que subsistirá muito depois de eliminado o mortífero vírus... A "America first" de Donald Trump é, tragicamente, a "América primeiro" em mortes causadas pela pandemia, em caos sanitário provocado pela sua incompetência e desorientação, Falta tudo, no país mais rico e tecnologicamente mais avançado do planeta!... Não será mera coincidência o facto dos dois países mais afetados pela propagação do vírus serem, por esta ordem, os EUA e o Brasil, ambos dirigidos por fanáticos de extrema-direita, que renegam os saberes da ciência, da experiência clínica e do senso comum, opondo-se às medidas de prevenção reconhecidamente eficazes na redução do contágio - o despiste de casos por testes sistemáticos, o distanciamento social e o uso generalizado de máscara no espaço público, incluindo ao ar livre (insólito é, a meu ver, que alguns Estados só a imponham quando aumenta exponencialmente o número de infectados, sem sequer lançarem uma campanha intensa a favor da constante utilização da barreira individual ao contágio, que é a máscara! O slogan "Fique em casa", já desatualizado, há muito devia ter sido substituído por "Fique de máscara" - que não perderá atualidade, enquanto a COVID durar. Neste aspeto, foi admirável a Convenção virtual, que entronizou Biden! Ele não hesitou em arriscar a perda de impacto eleitoral e de mobilização e de votos, para dar à América e ao mundo uma lição de civismo, de respeito pela vida e saúde dos cidadãos. Uma convenção com total ausência de público é como o 10 de junho de Marcelo, ou como o futebol à porta fechada....desprovida da energia, do entusiasmo e do calor humano, a que estamos habituados. A Convenção, com cada orador a falar sozinho foi morna e monótona e nem grandes oradores, como Hillary e Bill Clinton, ou Barack Obama conseguiram brilhar, por muito pertinentes que fossem os seus corajosos discursos. A excepção foi, para além da centelha da carismática Michelle Obama e da suave Kamala Harris, justamente, uma mesa redonda, de poucos minutos mas diálogo vivo, entre os ex- candidatos à corrida democrata... Por fim, sozinhos no palco, com muito mais bandeiras do que personagens, Joe e Kamala, e os seus cônjuges, todos de máscara e respeitando distâncias. "O poder do exemplo, não o exemplo de poder", nas palavras de Biden. Uma grande lição! Bem pode aprender com ela o nosso Governo, que, tão demagogicamente, insiste em estabelecer, para situações de igual perigo de contágio, regras variáveis, conforme os fins a que se destinam os ajuntamento, privilegiando os políticos - em comícios, desfiles e, até, em festivais de música... E o mesmo se digna de todos os partidos e políticos que usam e abusam do privilégio.

Coletânea Luso Galaica

Chamo-me Maria Manuela e sou de Gondomar, uma terra antiga com nome de rei godo - como outra, que, na Galiza, talvez partilhe conosco esse remoto fundador. Nasci, em junho de 1942, em casa da Avó materna, uma das chamadas "casas de "brasileiros" do norte de Portugal, e desde pequena, ouvi declamar poemas, ao som de música brasileira, e contar histórias felizes de emigração. Era uma família em que todos discutiam política, fraternalmente divididos, e em que quase todos versejavam, embora só tenham vindo a público os de um tio, autor da letra do hino de Gondomar, os de outro tio que glorificou as belezas da terra na lírica de um musical de teatro, e uma coletânea de sonetos de meu Pai, editada postumamente. Mãe e tias maternas eram, todas,  discípulas de Florbela e uma Bisavó paterna tornou-se, para mim, figura mítica como poeta repentista, cantando ao desafio em romarias populares, para além de ser admirável contadora de lendas e tradições. Logo que comecei a dominar a escrita, tentei, com menos talento, mas igual propensão, seguir esses exemplos e guardo, no fundo das gavetas, muitos cadernos manuscritos em que posso seguir a evolução da minha caligrafia dos 9 aos 16 anos,  período em que estudei num internato de Doroteias, o Colégio do Sardão. A partir do momento em que me libertei da clausura, logo me voltei,  não sei porquê, para prosa... No meu último ano do curso de Direito, (em Coimbra), alguns colegas do Porto, à frente dos quais Mário Cláudio, editámos uma revista (A Tábua), na qual o meu contributo foi um poema feminista, assinado com pseudónimo. Depois, a vida levou-me, inesperadamente, para os terrenos da política, e para uma convivência de décadas com a emigração e a Diáspora portuguesas (como Secretária de Estado e deputada). Os vários livros, os muitos artigos para revistas científicas ou jornais, que publiquei, são sobre Migrações, Direitos Humanos, Feminismo...  e Desporto (futebol), também. 
O desafio que a Amiga Ester Sousa e Sá me lançou de participar nesta coletânea, (uma honra imerecida!), levou-me a mergulhar no passado, numa torrente de versos inéditos, de cantigas de escárnio e maldizer (ah, como o Colégio era inspirador!), a sonetos, e às tão portuenses "quadras de São João". ... Não resisti à tentação de reescrever alguns desses versinhos, de incluir, igualmente, aqui e ali, modificado, dando-lhe, enfim, o meu nome, o "poema de intervenção", aparecido in "A Tábua", há 55 anos... 

Maria Manuela Aguiar dias Moreira

 - MULHER DO ROSTO DE VENTO
 Vai
Pela Terra-Mãe adormecida
 que em ti hiberna,
as mãos vazias
das rendas de outrora,
Vai dar sentido ao Dia!
Vai
Para que a Terra-Mãe
Seja em ti,
Ao chegar o momento...
Vai
Rosto de vento
Em busca de Alma!
Vai da noite moribunda
Do ter ser negado
Vai
Que agonizas
No corpo atormentado
Os sonhos adiados da manhã

2 - VIVER...
Queria ser Mulher e ter Poder,
Queria ser a monja a meditar,
Queria ser o tudo e ser o nada
Dos opostos fazer meu caminhar

 Queria ser a nuvem que se esvai,
Como a ilusão de amor de uma donzela,
Queria ser o mito de grandeza
No rasto de uma antiga Caravela

 Queria ver a lua derradeira,
E o céu na escuridão adormecer,
Para deixar, sem mágoa, sem saudade,
A breve eternidade de viver...

3 - QUADRAS DE SÃO JOÃO DO PORTO

Balão que sobe nos céus
Como miragem de vida
Leva com ele o devir
De uma promessa esquecida...

Deste-me um beijo de noite
Perfumado de alecrim
E a fogueira que saltámos
passou pr'a dentro de mim

Os balões e as cantigas
Unem-se à luz do luar
Que em noites de São João
O amor fala a cantar!

Quando saltares a fogueira,
Cuidado! Vê lá se cais...
Ao coração que se queima
O amor não volta mais!

Na manhã de vinte e quatro.
Olhando a cinza eu fiquei
Que, ao ver a cinza,  lembrava
O amor que ontem te dei...

Meninas, vamos gozar
A noite de São João
Ponham sorrisos no rosto,
Fogueiras no coração.

À suave luz da fogueira
Teu coração desenhei
O retrato em contraluz 
Sobre o meu o acharei

Quando à noite, no escuro,
Uma fogueira acendeste
Teus olhos disseram tudo
O que tu me não disseste...

Zangado estavas comigo
São João nos vai casar!
Que o amor e os santinhos
Sabem sempre perdoar...

Uma mensagem deixei 
Na luzinha de um balão,
Promessa de amor sincero
Em noite de São João

Meu Porto, que sais à rua
Nas festas de São João,
Não há no mundo cidade 
Mais fraterna - não há, não!

O Porto sem São João
Por causa da pandemia,
Sem manjerico, alho porro, 
Festa, balões, alegria...
AMÁLIA NOS CAMINHOS DA EMIGRAÇÃO Foram os caminhos da emigração que me levaram, indiretamente, ao encontro de Amália, a Senhora da voz assombrosa, e da personalidade mágica, que nos deslumbrava nos espetáculos, nos discos de vinil e nas histórias, verdadeiras ou efabuladas, que sobre ela corriam.... Lembrava-me do pasmo geral que causara, nos meus tempos de estudante de Coimbra, o seu casamento tardio com um Engº Seabra, português do Brasil, que a levou consigo para o outro lado do Atlântico, longe da Pátria e, por algum tempo, longe dos palcos. Já ela era um nome enorme, muito mais reconhecida e prestigiada lá fora do que na terra natal. (o que não é raro suceder...). Conhecera a emigração em seis anos de Brasil e longas estadias em Paris (onde nasceu como vedeta internacional) e na América (que a descobriu, logo depois da França). Com ela, o canto dolente da noite lisboete, rompera a estreiteza das paredes de "casas de fado" e a barreira da língua, e ascendera a alturas de grande música, disputada nos mais exclusivos auditórios dos cinco continentes. Ela era a voz, a palavra, porventura enigmática, mas sempre traduzida na intelecção de emoções e sentimentos, em partilha espontânea com todos os povos e culturas, que se abriam ao magnetismo irresistível da sua presença. Parecia impossível que trocasse um dom divino pela felicidade do comum dos mortais - e impossível foi... Em breve, voltaria a Lisboa, e aos palcos que a aguardavam em infindos pontos do "mapa mundi", com ela trazendo o marido e, assim, encerrando o ciclo migratório do casal. Em 1980, quando iniciei um trabalho, ainda inacabado, com as comunidades do estrangeiro, tive logo por anfitrião um Dr Adriano Seabra da Veiga, Cônsul de Portugal em Connecticut, prestigiado cirurgião e uma das pessoas mais generosas e influentes no meio português e americano. Na sua magnífica mansão em Waterbury, (vizinha de elegantes residências de estrelas de Hollywood na reforma), acolheu muitos compatriotas, como Zeca Afonso (em busca de tratamento), Spínola, Veiga Simão e Victor Crespo (exilados), Sá Carneiro (de passagem), e Amália, de quem havia fotos, tanto na biblioteca da casa como no gabinete do Consulado, onde o seu retrato era maior do que o do Presidente da República. No universo da Diáspora, como depressa aprendi, a dimensão simbólica de Amália justificava isso e muito mais - até na órbita de uma grande Paróquia portuguesa se chegou a projetar um museu com "memorabilia" da Diva!. O que eu não sabia é que este Seabra, médico e filantropo, era primo direito e amicíssimo de Seabra, o engenheiro, consorte de Amália, ambos sobrinhos do falecido Comendador Seabra, que fora o português mais rico do Brasil. Tomei conhecimento do parentesco, por acaso, uma vez em que falámos de Amália, a artista, naturalmente em perfeita sintonia. Depois disso, sempre que visitava Lisboa, com a mulher, Rita, convidava-me para o jantar de família com os primos - só os dois casais e eu. Logo no primeiro jantar, a empatia foi imediata. Os mais extrovertidos, Amália, Adriano e eu tomámos conta da conversa. Rita e César Seabra eram mais de ouvir e sorrir do que de falar. Amália, que então andava pelos 65 anos, estava vestida de preto, discretamente chique, e muito bem disposta, com a sua vivacidade, resposta pronta e um invariável toque de humor, qualquer que fosse o assunto em questão - a sua bem conhecida paixão pelos filmes de Fred Astaire, que, havia pouco, a salvara de depressão quase fatal, o Brasil polifacetado nas nossas tão diferentes vivências, uma certa América, sobretudo a de Adriano, cheia de peripécias extraordinárias... Encantada, com a sua versatilidade e simpatia, custava-me, porém, a acreditar que aquela senhora, com uma postura tão simplesmente "familiar", fosse Amália Rodrigues... Parecia-me, sim, uma das minhas próprias tias, da mesma idade e quase tão bonitas e engraçadas como ela (o mesmo, sabendo embora que não gostavam uma da outra, digo sempre de Agustina - se bem que fosse um outro paradigma de tia amável, uma daquelas que faziam "tricot" e doçarias e a quem não escapava nada do que acontecia à sua volta). Ao longo do memorável serão, só estranhei que antes de um qualquer comentário, repetisse "eu tenho pouca cultura", ou "eu sou muito ignorante", após o que se lançava em acutilantes observações, que revelavam ser precisamente o oposto. Porquê? Talvez porque conotasse classe política a snobismo... Como nos jantares e encontros seguintes, não mais voltou a reivindicar pretensa "incultura", convenci-me de que tinha passado no teste, sido aceite como pessoa tratável. Na verdade passara, também, o teste da amizade e continuaria a conviver, ano após ano, com a Amália, não a Rodrigues, mas a do círculo Seabra. Muitas faces ela tinha, mas, na sua tão original heteronímia, eram todas genuínas, todas refletindo a sua Verdade. não mais do que expressões diversas, condizentes com cada mundo que atravessava e em que sabia estar perfeitamente, com intuitiva compreensão dos outros, usando a sua linguagem... O mundo que partilhámos foi de risos e alegrias, não o das suas mágoas e melancolia - digamos que foi o ds folclore ou das canções ligeiras de Alberto Janes, não o dos fados de Alain Oulman, com que alcançou a eternidade. Convivemos, é certo, mais no país do que nas rotas da emigração, onde só recordo duas ocasiões em que estivemos juntas em Connecticut, na casa de Adriano, os festejos do Dia 10 de junho, em Newark, no ano em que Amália, com a faixa de "Grand Marshal" encabeçou a parada, aplaudida por cerca de 100.000 pessoas na "Ferry Street"/Avenida de Portugal, e uma viagem transoceânica para o Brasil em que coincidimos numa executiva sem muitos passageiros, quase só para nós. Conversámos longas horas, para que esquecesse estar tão longe e acima de terra firme - detestava andar de avião, e de avião andou, constantemente, uma vida inteira! Ia atuar ao Canecão, ao que suponho, pela última vez. Eu, que a ouvia, no gira-discos, quase todos os dias, desde que a conhecera, há uma década, ainda não a tinha visto em espetáculo público. No palco do Canecão, entrou, mais alta do que na vida, num deslumbrante vestido negro. Aos 74 anos. Cantando, transfigurada, para uma audiência em delírio. Era a outra, a Amália Rodrigues! Depois, no camarim, entre muitas flores, que adorava, e champanhe, que nos oferecia, reencontrei uma Amália, tangível, radiante, descontraída, à vontade no meio de amigos, de gente comum.
O FUTEBOL LONGE DA MULTIDÃO 1 - Uma das marcas que o ano 2020 deixará para a história é, certamente, o "jamais vu", e agora normalizado, espetáculo do futebol sem espectadores, com os estádios cercados de arame farpado e carros de polícia, em cenário artificialmente bélico sem oponentes nem desordeiros, a não ser os supostos desordeiros nados e criados no imaginário da intelectualidade que diaboliza o futebol. Ao longo dos últimos meses, temos contemplado o estranho fenómeno nos ecrãs de televisão. Não menos estranho é, devo dizê-lo, assistir ao fenómeno dentro do estádio. Aconteceu-me, como tantas outras coisas improváveis de que é feita a minha vida, na 1ª jornada da "Liga", num FC Porto-SC Braga. Tentei, naturalmente, abordar o Estádio do Dragão pelo trajeto habitual - Ponte do Freixo/Mercado Abastecedor - mas fui barrada por carros da PSP imobilizados na via. Desviei para Campanhã, por ruas sem vivalma, a caminho da Alameda das Antas. Aí, nova barreira policial desfez dúvidas: o recinto desportivo estava sitiado no meio de um largo círculo. Desta vez, dirigi-me à autoridade: "Senhor Agente, por mais improvável que pareça, eu vou mesmo ao futebol". Simpático, preparou-se, obviamente, para me dar "luz verde", com ar divertido, a rir. Perguntei-lhe porquê. E ele, muito bem-disposto, respondeu: "A senhora devia ver a cara com que diz isso. Vê-se mesmo que ainda nem acredita que vai assistir ao jogo". Para além de boa pessoa, um bom psicólogo... Lá dentro, as bancadas desertas, depois das avenidas desertas, que acabava de atravessar, acentuavam um quadro de irrealidade, a sensação de que a cidade do Porto fora atingida pela bomba de neutrões, só se tendo salvo do cataclismo uma dúzia de polícias, a diminuta assistência da tribuna onde eu estava e as equipas que entravam em campo, ao som da música dos altifalantes. Quando os cânticos se calaram e a bola começou a rolar, a surpresa maior foi a dos sons que se seguiram - tudo o que no relvado se gritava, como que ampliado por microfones colocados na camisola de cada jogador, chegava até nós, distintamente, como se estivéssemos no banco e não no cimo da bancada. Eram as únicas vozes que cortavam o silêncio da noite. Todavia, os três golos portistas, mais um anulado pelo vídeo árbitro, puderam ser festejados pelos altifalantes, em gravação de falantes de jornada pré-pandemia. Lembrei-me logo de uma partida de hóquei sobre o gelo, a que assisti em Toronto, num estádio cheio, que pouco se manifestava porque a peleja decorria civilizadamente, sem lances insurretos que por lá, naquela modalidade, não justificam cartão vermelho. Para reanimar as hostes, os grandes ecrãs pendentes do teto começaram a transmitir imagens de recontros anteriores, de uma violência espantosa. Pensei: "Se isto, por cá, continuar assim, qualquer dia, acabamos a projetar, à volta das quatro linhas, em telas gigantes, imagens do animado público de jogos pretéritos... Na verdade, naquele sábado à noite, o que faltava no Dragão, era a moldura humana, não a qualidade do jogo jogado, que, para princípio de época, foi de excelente qualidade, por parte de ambas as equipas. Um início atípico, uma espécie de reinício, após férias encurtadas... Ainda mais atípica foi a saída do estádio. De novo me encontrei na solidão da cidade adormecida. Onde estava a habitual multidão de cachecóis azuis e brancos, circulando em todas as direções, no seu rejubilante regresso a casa? E o trânsito vagaroso, que é um ritual de fim de festa, deixando-nos tempo para ouvir os comentários da rádio e para acrescentar os nossos? A vitória fora fantástica, e, contudo, inacabada, pelas razões que, melhor do que eu e com mais autoridade, um "Manifesto" de notáveis do desporto veio explicitar: "Sem adeptos, não há futebol". Um deles, numa entrevista, foi claro e sintético, por outras palavras, ao exclamar: "Não é verdadeiramente futebol". Há que dizê-lo, bem alto, ao governo, aos seus subordinados da DGS, e às oposições mudas e quedas, da esquerda à direita. O "Manifesto" chegou na 25ª hora, mas nem por isso merece menos aplauso. Aliás, temos de reconhecer que os portugueses são assim, gente com excessiva paciência ou com hábitos velhos de obediência ou tolerância face ao Poder, mesmo quando este se revela inculto, injusto e discriminatório. No que respeita ao futebol, os três adjetivos assentam na perfeição a este Executivo. 2 - Meses atrás, aquando do recomeço da I Liga de futebol, deixando, embora, em hibernação outros campeonatos e modalidades, Portugal esteve na linha da frente de uma "abertura experimental", cujo sucesso parecia muito incerto. Era de recear a multiplicação de focos de contágio, a impor nova e definitiva interrupção do campeonato, porventura já com outro clube a liderar. Ficou em alguns espíritos a dúvida sobre se diversa não teria sido a solução, caso à frente da classificação não estivesse o FCP, pela margem mínima.... Afinal, correu tudo otimamente. E o FCP aumentou a vantagem. Testes e mais testes permitiram evitar no futebol o desastre que a ziguezagueante orientação da DGS não conseguiu com a mortandade dos lares de idosos e o nível de infeções dentro do próprio SNS (ainda hoje tendem a testar, nesses setores prioritários, só depois de consumado o contágio). Entretanto, a vida foi retomando a normalidade possível. Ou seja, quase tudo nos é permitido, condicionalmente e em moldes interpretativos por vezes enigmáticos. Parece valer sobremaneira o grau de confiança que as instituições inspiram à senhora DGS. No escalão de topo figuram, por exemplo, o PCP e a Igreja Católica e no de baixo, contra as evidências, o futebol! De facto, a eficácia e o pragmatismo dos clubes da I Liga não tem igual, nem no Estado, nem nos partidos políticos, nem na Igreja portuguesa. O PCP começou por reclamar um número megalómano de 100.000 espectadores para o seu festival de verão (e terá sido "salvo" pela limitação imposta de 16.000, e, depois, pelo povo receoso, que nem essa quota preencheu), enquanto a Igreja falhou em Fátima, clamorosamente, na peregrinação de setembro. O futebol, pelo contrário, cumpriu a sua parte e faz jus a pedir, pura e simplesmente, tratamento igualitário. Nos seus estádios ao ar livre, com bancadas ou cadeiras, onde é fácil manter distâncias e exercer o policiamento, oferece mais garantias do que o Campo Pequeno em espetáculos de 2.500 pessoas, as salas de cinema, os auditórios de música, a "tenda de casamentos", onde um partido foi autorizado a realizar a sua convenção, os aeroportos de Faro e de Lisboa, quando, periodicamente, se instala a caos nas chegadas, os transportes públicos quotidianos em horas de ponta, os arraiais de praia, as fronteiras sem controlos para quem chega de Espanha, França e Inglaterra. De momento, a ameaça, centra-se, sobretudo, na reabertura das escolas - feita, lá dentro com regras e disciplina norte-coreana, cá fora em clima de verdadeiro regabofe, à moda de Trump e Bolsonaro. São, agora, protagonistas da 2ª vaga COVID os jovens, que os repetidos discursos da senhora DGS convenceram de que são imunes e imortais. O perigo está nas ruas, nos espaços por onde eles se passeiam, sem vigilância. No futebol, a ameaça diminuirá porque vigilância é coisa que aí não falha nunca. 3 - Portugal não será pioneiro na abertura (limitada) das portas dos estádios. A televisão já nos mostrou, na disputa de uma Supertaça europeia e dos campeonatos principais de alguns países, o que é um jogo com público durante a pandemia. Entre nós, só houve uma modestíssima mostra açoreana, que decorreu em boa ordem e com o uso de máscara, o que não se verificou no paradigma húngaro ou holandês. E um dos maiores especialistas do país, o Prof. Simas, que os "media" converteram em rosto familiar, (cientista que, ao invés do Dr. Pacheco Pereira, gosta de futebol), foi a um programa desportivo defender a assistência aos jogos, no contexto das regras gerais. É o que o abaixo-assinado de Sérgio Conceição, Jorge Jesus, Deco, Futre e outros ilustres desportistas propõe, no essencial. Tem, obviamente ínsita, a que, nas aulas de Direito, aprendemos a chamar cláusula "rebus sic stantibus", vale enquanto as condições não sofrerem alteração, porque, é claro, a saúde está primeiro. Se isso acontecesse, as restrições deveriam, evidentemente, abranger todos os lugares bem menos seguros do que um arejado recinto desportivo. Futebol à porta fechada só como castigo!

julho 25, 2020

ADELAIDE VILELA SOBRE Manuela Aguiar in LUSOPRESSE



A história de hoje versa sobre a vida de uma Senhora que se deu ao luxo de fazer um percurso memorável. Nesta viagem com vida, por caminhos que fazem história, Portugal ganhou a primeira mulher Secretária de Estado, em domínios até aí reservados a homens, para gáudio de alguns e desgosto de outros. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira nasceu no dia 9 de junho de 1942, na casa da avó Maria, avó materna, em São Cosme de Gondomar. Maria Antónia, ao dar à luz a pequena Manuela traz alegria aos familiares e energias boas a cada aposento da casa grande, uma das chamadas “casas de brasileiros”.  
Naquela moradia, viveu, cresceu, brincou, sonhou e foi feliz a bela Manuela.
 Depois de ler e analisar uma quantidade industrial de informação e muitos comentários contidos no Blog da Dra. Manuela Aguiar, deixei que a emoção me traísse. As coisas do passado provocam-se insónias mas trazem-me cheia de encantos. Assim, de imediato senti ternura imensa nas palavras desta querida amiga que tanto estimo e admiro, e nas respostas de seus primos e amigos, de todos quantos conhecem, privaram ou privam com Manuela Aguiar. O certo é que me vieram as lágrimas aos olhos: “Aí vivi os anos felizes da infância, num ambiente em que a cultura brasileira estava realmente presente, e mais nas narrativas, nas memórias, na música, na gastronomia do que propriamente na traça do edifício, ao gosto dos anos 20 do século XX”. 
Manuela Aguiar desde muito cedo deu provas de grande maturidade e de uma inteligência fora do comum. Tinha apenas treze anos escreveu um soneto no qual emprega uma linguagem literária fora do comum, e surpreende os grandes poetas da época. O poema foi publicado no suplemento do Diário de Notícias, por muitos anos dirigido por Maria Lamas (Modas e Bordados), com honras de bravura à menina e a seus pais e avós. Agora entendo porque aceitou prefaciar o meu livro “Olhos nas Letras”, pois, sei ao certo que gosta de poesia!  Pelo que lemos Manuela Aguiar foi sempre estudiosa. Para isso teve que ir à luta porque sabia de antemão que era necessário um bom quadro de formação, estudos e experiências.
E como a vida e as histórias se constroem dia a dia, Manuela ingressa na escola pública durante dois anos, mais sete no Colégio do Sardão, e dois no Liceu Rainha Santa Isabel do Porto, qualificando-se com 18 valores no ano de 1960. Às vezes não é fácil, no entanto Maria Manuela sabia o que a esperava. Vieram tempos difíceis e de muito trabalho, mas valeu a pena todo o esforço. Completou o curso de Direito na Universidade de Coimbra com 17 valores, corria o ano de 1965. E ganhou o título de aluna brilhante e estudiosa.
Claro que para ela as oportunidades são únicas, por isso volta a desafiar-se, ao regressar aos bancos da escola, desta vez como bolseira da Fundação Gulbenkian. Os estudos eram o seu forte, ainda que fosse fora de Portugal, e lá vai ela para Paris, entre os anos 1968 e 1970. Se o Direito a tinha convencido, as Terras de Molière viriam a ser o paraíso certo para fortalecer os seus conhecimentos em Sociologia, e naqueles tempos a França estava na moda. Ainda bem que hoje é Portugal que anda na boca do mundo. E foi estimulante saber que Maria Manuela concluiu o ano de titularização na “École Pratique des Hautes Études”, com Alain Touraine, vários certificados avulsos na "revolucionária" Universidade de Vincennes, entre eles o de "Sociologia Americana" e o "Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit", na Faculdade de Direito do Instituto Católico de Paris (única instituição onde os ventos da revolução não tinham alterado o quadro de ensino).
Maria Manuela Aguiar teve ao longo da sua vida muitos mundos dentro do seu coração, assim podemos afirmar que tinha vários países na mira do seu pensamento, com o Canadá e as suas políticas democráticas no alto. Mas sobre as cidades onde viveu ainda hoje declama desta forma tão peculiar:   “Em muitos lados fiz boas amizades que ficaram para sempre: O que António Vitorino de Almeida diz de Viena, posso eu dizer desta outra geografia: "A França  não é o meu país, mas Paris é a minha cidade". (A par de Coimbra, e só perdendo para o Porto).
Percebe-se que já naquela altura, antes e depois do 25 de Abril, Maria Manuela Aguiar era uma mulher que gostava de avançar no tempo, pelo que, com rebeldia ou não, desenvolveu, dinamizou e conseguir uma série de conquistas demonstrando que, quando é necessário, muda-se o que está errado tornando cómodo quaisquer níveis de desenvolvimento úteis para a sociedade.
Durante os tempos de migração em França foi assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/74), onde granjeou grandes amizades e teve excelentes diretores, e que sempre lhe deram liberdade de expressão e de circulação (com bolsas da OIT, da OCDE, das  Nações Unidas…). Um homem do regime (Cortez Pinto), o outro progressista e genialmente inteligente (António  da Silva Leal).
Como professora universitária, Manuela Aguiar - a convite de Álvaro de Melo e Silva – foi docente na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica de Lisboa (1972/73). Logo foi surpreendida com outro convite que a levou à Faculdade de Economia de Coimbra, e como as condições do passado a poucos interessava a Sra. Dra. foi uma sortuda ao encetar o novo e brilhante cargo no derradeiro dia da ditadura, no dia 24 de abril de 1974. Ainda no mesmo ano académico, na Faculdade de Direito, torna-se assistente de Rui Alarcão, futuro Reitor, e Mota Pinto, futuro Primeiro Ministro, vindo a reger o curso  de Introdução ao Estudo de Direito, integrando a linha de investigação de Direito de Família do Prof Pereira Coelho. Tempos felizes em que a jovem docente colocava em evidência, perante os seus alunos, a temática sobre o respeito pela lei a como o maior apelo ao desenvolvimento numa nova realidade, sendo a liberdade, e a igualdade, de baixo para cima, um pilar fundamental para uma sociedade livre.
Em 1976, deixa a Faculdade para ser assessora do Provedor de Justiça, instituição inspirada no “Ombudsman” sueco, que acabava de abrir as portas:
“Aí trabalhei com o primeiro Provedor, um dos grandes “militares de Abril”, Coronel Costa Braz e, poucos meses depois, com o segundo, o mais admirável de todos os notáveis dirigentes com quem colaborei - o Dr José Magalhães Godinho". No início de 1990 Manuela Aguiar regressa ao ensino, como docente convidada da Universidade Aberta, e dirige os estudantes de mestrado em Relações Interculturais, curso de "Políticas e Estratégias para as Comunidades Portuguesas".
Em Portugal, foi interveniente no Governo e no Parlamento, incentivada pelo Doutor Mota Pinto e, depois, por Sá Carneiro,  a fazer carreira política. E estava encontrada a primeira mulher Secretária de Estado da Emigração, que viria a conquistar a simpatia dos emigrantes espalhados pelo Mundo. No seu executivo conseguiu um feito jamais visto, do qual ainda hoje se fala com maior carinho e gratidão. Como podemos analisar muitos foram as viagens e as negociações que a Secretária de Estado teve que empreender para que os emigrantes lusos no Canadá pudessem reaver a nacionalidade portuguesa, pois aqueles que se tinham adquirido a nacionalidade canadiana perdiam automaticamente a portuguesa, isto na década de 70.
Não nos podemos esquecer que Manuela Aguiar foi uma das mulheres mais influentes na política nacional e internacional. Esteve na política em cinco governos e no parlamento durante cerca de 25 anos, sempre amarrada, de alma e coração, à problemática das migrações, dos Direitos Humanos, da igualdade. Fez igualmente parte do Governo de Mário Soares e de Cavaco Silva e foi a primeira mulher Vice Presidente da Assembleia da República, a dirigir Plenários e delegações Parlamentares

Para quem não se lembra, deixou como legado, aos parceiros sociais, a Comissão para a Igualdade no  Trabalho e Emprego (CITE).
Foi também eleita, em sucessivas legislaturas, como representante de Portugal na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e na Assembleia da União da Europa Ocidental e a primeira mulher a Chefiar a Delegação portuguesa nessas organizações, isto a partir de 2002.
Foi Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia e Presidente da Subcomissão da Igualdade da Assembleia e Parlamentar do Conselho da Europa, escolhendo para intervir, também a nível internacional, a causa dos marginalizados, migrantes, refugiados, mulheres...
Na política a nível local, foi deputada na Assembleia Municipal do Porto, nos anos noventa, e vereadora da Cultura da Câmara de Espinho (2005/2011).

Em todos os projetos desenvolvidos como docente ou através da sua carreira política, o projeto de valorização da mulher na sociedade, foi o mais valioso que lhe conhecemos e que na Diáspora Portuguesa desenvolveu, sobretudo entre 2005 e 2010, com a inesquecível  Drª Maria Barroso, com ela percorrendo as "sete partidas do mundo". E aqui reconhecemos o quanto a Dra. Manuela Aguiar fez, no plano nacional como internacional, tendo dado prioridade a múltiplas ações na luta pelos Direitos dos Migrantes em todas os países de acolhimento por onde passou. 

Para terminar este trabalho lembramos algumas da múltiplas condecorações e distinções que recebeu Maria Manuela Aguiar: a Grã- Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique, atribuída pelo Presidente Jorge Sampaio, a Grã Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul e a da Ordem do Rio Branco (Brasil), a Grã-Cruz da Ordem do Império Britânico (OBE), a Grã Cruz de Francisco Miranda (Venezuela) ou o grande oficialato da Ordem da Estrela Polar (Suécia), e da Ordem de Mérito (França), o Título de "Cidadão do Rio de Janeiro", Medalha Tiradentes (Brasil). Recebeu ainda a Medalha de Mérito Cívico da Câmara de Gaia (classe ouro) e a Medalha de honra da Câmara de Espinho. Destacamos todas as condecorações que recebeu: “do significado que têm para mim, outras condecorações, e muitos títulos de sócia honorária de associações portuguesas, em Portugal e pelo Mundo”. Este ano Manuela Aguiar teria participado, no mês de março, nas celebrações do Dia da Mulher do Lusopresse, festividades canceladas derivado à pandemia que assolou o Mundo. É mais um prémio que vai arrecadar, assim que as linhas aéreas sejam normalmente abertas. Maria Manuela Aguiar tem apoiado o Jornal Lusopresse, através suas brilhantes atuações, e a cada vez que participa nos eventos como convidada especial. Também agradecemos o facto de ter apreciado e referido aos seus amigos e lugares o nosso jornal fazendo-nos acreditar que devemos continuar com a nossa missão de enaltecimento à língua e á cultura portuguesas.

junho 16, 2020

RECORDANDO: MULHERES EM MOVIMENTO, PORTO 2012

UMA FAMÍLIA MUITO ESTIMULANTE


1 - UMA FAMÍLIA ESTIMULANTE


Sou feminista desde que me lembro de ter opiniões sobre o assunto...Comecei cedo, com 5 ou 6 anos, e para isso muito contribuiram as Avós,especialmente a Avó materna Maria (Aguiar), uma verdadeira matriarca, que ficou viúva, com 7 filhos, aos 38 anos e se tornou líder não só em sua casa, como na sua terra. Pertencia à Obra das Mães, às organizações da paróquia, às associações culturais. Era uma senhora muito bonita, muito inteligente e muito conservadora. Em nome das boas maneiras e do recato feminino, que tanto prezava, apesar da sua respeitável proeminência, dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos eléctricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu sabia que gozava do estatuto de neta favorita e gostava imenso da Avó, mas não seguia esses seus conselhos.

O plural: "as meninas", levava-me a reagir. Achava que devia mostrar
que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso" e
partia para o demonstrar no dia a dia. Era, pois, uma feminista
praticante, com uma emergente consciência da existência das questõesde género ... Curiosamente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram mais condescendentes com as minhas proezas desportivas, tanto como das escolares. Sempre me incentivaram a estudar e preparar o futuro profissional. Nunca o paradigma da "dona de casa" esteve nos meus horizontes, ou nos deles. Pelo contrário: punham em mim, a meu ver, excessivas expectativas....
E assim, graças a eles,o  meu feminismo esteve "ab initio" na linha de
pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não conhecesse sequer o seu nome (como aquele personagem, Mr. de la Palice, que fazia prosa sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados  - muitos, incluindo numerosos tios e primos, e, mais tarde, os meus professores da Faculdade de Direito de Coimbra.

Tive uma infância divertida e feliz, numa família unida e convivial,
apesar de politicamente dividida. Uma tradição que vinha de trás -
houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e
republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos
(como eram os meus Pais). A política estava bem  presente, em acesas discussões sem fim, mas nunca ninguém se zangava. Consideravam os outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas opiniões. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a quem não pensa.como eu. E, possivelmente, também o gosto pela argumentação, pela entusiástica defesa de pontos de vista, uma sensibilidade a formas de injustiça como as assimetrias regionais, o despertar para um saudável regionalismo nortenho, a par da paixão pelo Porto (e pelo FCP)...

Outra forum de "convívio e debate" determinante foi a escola - dois
anos na pública, sete anos de Colégio do Sardão (um internato de
religiosas Doroteias). Costumo comparar o colégio a um quartel
elegante, onde prestei uma espécie de "serviço militar obrigatório".
Não foi, de facto, uma opção voluntária, mas, com a excelência do
ensino e, sobretudo, das estruturas desportivas,  ginásio, campos de
jogos, parques e largos espaços de recreio, posso dizer que lá  passei
muitos bons momentos. Organizava competições desportivas (incluindo futebol clandestino), dirigia peças de teatro, escrevia crónicas e romances que partilhava com as colegas, dava largas à imaginação e à energia. Uma dessas crónicas, que pretendia fazer humor à custa da instituição, suas regra e poderes constituidos foi apreendida, e quase provocou a minha expulsão sumária, mesmo nas vésperas do exame do antigo 5º ano.
Não seria a primeira da família a passar por isso, mas escapei,
suponho que com a interferência do capelão e de algumas das Madres, que me compreendiam e me achavam graça... Mas eu quis mudar para o liceu, no Porto, contra a vontade do Pai, que me
vaticinava toda a espécie de retrocessos escolares, que tinham
desabado sobre ele, quando depois de 10 anos de Colégio dos Carvalhos se viu "à solta" na cidade  - no L iceu Rodrigues de Freitas. A história não se repetiu, pelo contrário. Bati todos os recordes pessoais no exame de 7º ano e ganhei, pelo bem-amado  Liceu Rainha Santa Isabel, o Prémio Nacional.

De qualquer modo, foi no Sardão que vivi a minha primeira batalha
política - ou político-sindical. E um "enclausuramento" que me fazia
apreciar mais os fins de semana e as férias de verão em Espinho, como espaço e tempo de liberdade...

 Frequentava, com o Pai, o estádio das Antas, com os Pais e o Avô Manuel cinemas e teatros e, também, com eles, os cafés do Porto, coisa invulgar na época para o sexo feminino, de qualquer idade...


COIMBRA ANOS 60


Em Coimbra, era, do mesmo modo, à mesa dos café que estudava, que convivia, e bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade portuguesa de 60...  No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto,
que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.

Falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código
de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada,
que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente
2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a
revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia
ganhando base doutrinal na social-democracia sueca. O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 - e ainda hoje não está suficientemente... Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade... Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a escolhas profissionais assentes  (assistente de um Centro de Estudos Sociais, assessora do Provedor de Justiça). Sempre sonhei, simplesmente,  com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me vedada, na década de 60, por ser mulher  Queria ser advogada, uma espécie de Perry Mason portuguesa. Era nesse domínio que queria afirmar-me, não no da política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens. No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há, hoje, excelentes juristas, advogadas, mas, das 12, na política só eu, e acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se distinguiram em Governos da República, na vida pública - Daniel Proença de Carvalho, António Barreto, Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão, Jorge Strecht Ribeiro... Ou que são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a Política, como Gomes Canotilho e Manuel Porto, ou com as Letras, como Rui Barbot (Mário Claudio), ou José Carlos Vasconcelos...

Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno
trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas, para um qualquer Conselho Feminino - cujo designação exacta nem recordo - só sei que dava acesso, por inerência,  à direcção da Associação Académica -  perdi num colégio
eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das
estudantes era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e
convenci-me de que não estava, mesmo nada, vocacionada para tais
andanças...


3 - A FORÇA DO IMPREVISTO


Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos
políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para
assistente de Sociologia na faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica  de Lisboa, que veio da parte de
um professor que não conhecia, o Doutor Àlvaro Melo e Sousa ( um amigo comum, Carlos Branco, indicou-lhe o meu nome, (na altura em que acabava de regressar de Paris, com uns certificados universitários na matéria). Foi preciso ele insistir, mas acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse passo tornou mais fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo Correia, para a recém-criada Faculdade de Economia em Coimbra,  da qual era o Director. Confesso que nem sabia da abertura dessa Faculdade!... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu, achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da
minha parte, aceitei o seu inesperado convite. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse a 24 de Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da Educação do 1ª Governo Provisório e eu ficava, em meio desconhecido, como assistente de Boaventura Sousa Santos. Mas,  pouco depois, um novo encontro com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar Correia, no pátio da universidade, à sombra da Torre, levou-me para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali, ao lado, na Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu aceitei tão depressa, que "ele julgou que eu julgava que ele estava a brincar"... Não era o caso, questão de feitio - reajo, assim, muitas vezes. E, ali e então, não via razão para pensar duas vezes. 

Guardo boas memórias de todas as passagens pela docência, e aquela tinha um significado muito especial - o convite chegava com atraso, mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres estavam barradas do ofício - tinha havido uma assistente, não existia impedimento legal, contudo, a prática era essa. Mudara, entretanto, embora não me lembre de nenhuma colega - só homens e, quase todos, óptimos colegas, como o Proença, o Fernado Nogueira e o Cordeiro Tavares, Dez anos mais jovens do que eu,  ajudara,me a rejuvenescer. Fui assistente de  dois insígnes juristas, o Doutor Rui Alarcão e, por fim, o Doutor Mota Pinto.

 Os tempos agitados são-me, geralmente, simpáticos - como estudante dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de Coimbra, no pós 25 de Abril. Pude permitir-me coisas que seriam impensáveis fora de períodos revolucionários, sem oposição de ninguém: dar aulas "extra muros", aos voluntários do Porto, (na Faculdada de Letras do Porto, gentilmente emprestada, aos fins de semana, por Óscar Lopes),  ou aulas práticas, a turmas naturalmente pequenas (eram aulas facultativas, normal seria não aparecer quase ninguém), no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias, à maneira dos peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exactamente como se
estivessemos numa daquelas escuras e frias salas da Faculdade. E, depois, analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de outros quadrantes ideológicos, que não o meu, mas isso não obstava ao ambiente de tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de Direito a salas cheias de simpáticos "caloiros".  Um dever e um prazer!

E refiro tudo isto, porque julgo ter sido esta segunda estada em
Coimbra que me abriu os caminhos da política: antes de mais, porque reatei, naquele preciso momento da nossa História, o relacionamento próximo com amigos que estavam no centro da fundação de partidos, em particular do PPD,  e da construção de um regime democrático, E, por outro lado, porque descobri que conseguia comunicar em público - eu, que me considerava fadada apenas para trabalho de gabinete.

Anos mais tarde, ao fazer um levantamento do perfil profissional das
mulheres mais activas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local,
havia um grande número de professoras. Não era acaso, era a consequência de uma maior auto-confiança, que, em outras funções., não se alcança... No meu caso, não tenho dúvida de se tratou de um involuntário estágio para a futura exposição nos palcos da política, O convite que o Primeiro Ministro Mota Pinto me dirigiu  para a Secretaria de Estado do Trabalho, (uma das consideradas como coutada masculina), foi um imprevisto absoluto!
O Doutor Mota Pinto usou o argumento decisivo: "se recusar, fica responsável por não haver mulheres no meu Governo". Depois da combatividade verbal, era a hora de agir... Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa, em editorial do Expresso, que guardo na pasta de recortes e na memória.

Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima" daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na área mais tradicionalmente feminina da Educação...
Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes, de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a influência de náquinas partidárias, já muito poderosas. A meu ver, um governo que se impôs, ganhou credibilidades e durou, por isso, ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram de se entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis, findos os quais, voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr José Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à face da terra. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de legendários tios republicanos, que mal conheci, na infância. A conversar com ele, sentia-me com um tio, recuperando o tempo perdido. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que, tão raras vezes, se recria, na vida, com igual afecto.
Em janeiro de 1980, novo imprevisto me faz mudar de rumo... Logo depois da posse do VI Governo Constitucional, recebi uma chamada do Primeiro Ministro Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me identificava, desde que afirmou, em entrevista dada a Jaime Gama ser  "social-democrata à sueca".(sem ter filiação
partidária antes de 80, considerava-me Sácarneirista a partir 1969, PPD "avant la lettre"). Pelo telefone, Sá Carneiro foi sintético e breve, a marcar um encontro para as 5.00 horas da tarde - audiência para a qual eu parti inquieta, mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha "condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas. Sá Carneiro recebeu-me à hora exacta - não cheguei a sentar-me na sala de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro! Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando
a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me
chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro- Ministro, e esperei anos para o poder tratar assim". O que cumpri! Todavia, tratamento cerimonioso àparte, a conversa tomou o rumo de uma alegre informalidade. Dei-lhe respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me sempre sentir absolutamente à vontade. Ao que sei, havia quem se sentisse inibido na sua presença. Eu, pelo contrário, ficava eufórica (o carisma é assim, induz excessos de sentido vário...). O Doutor Sá Carneiro foi, para mim uma fascinante surpresa! A outra, veio do pelouro que me propôs: a emigração, num Ministério onde jamais tinha entrado, o de Negócios Estrangeiros.

No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado,
uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM, a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me nessa altura, sem nenhuma pressão para o fazer).

A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa (persistente em espaços de cultura, mantidos ao longo de gerações)) foi, para mim, uma esplêndida descoberta - de comunidade em comunidade distante me reencontrava em Portugal, pela via de um verdadeiro fenómeno de extra-territorialidade nacional.
Mundo associativo espantoso, porém um mundo de homens. Eu era,a
primeira mulher que, junto deles, representava o governo da Pátria.Se
tinha dúvida quanto à reacção que provocaria. logo os receios se
desvaneceram  - receberam-me  com alegria e simpatia. Não fiz
unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve foram sempre
devidos a questões políticas, não a questões de género. Trataram-me tão bem, que me deram aquilo que tanto me faltava: um "superavit"
de confiança. Mesmo em hostes poíticas adversárias, encontrei, quase
sempre, boa vontade para trabalhar em conjunto, até no, por vezes, agitado Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidir, desde1981 (era então um forum associativo, de perfil masculino, politicamente dividido entre uma Europa mais contestria e uma Diáspora transoceânica bem mais próxima das preocupações do governo). Acredito que ser mulher tornou mais fácil a minha missão.
Logo em 82, quem me fez  primeiramente ver isso, foi um jornalista de S Diego, Paulo Goulart. No fim de uma entrevista, ao almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de quem gostamos: é de si e do João Lima", (antigo Secretário de Estado da Emigração, então deputado pelo PS). Fez uma pausa, como quem avalia e compara os seus dois eleitos,  e acrescentou:"Pensando bem, o João Lima até tem mais mérito, porque é homem e socialista".

Achei muita graça à sua franqueza e, espantada,  apercebi-me de que, em algumas situações, mesmo em ambientes dominados pelo poder masculino, o ser Mulher pode constituir vantagem! Porque é a desafiante excepção? Porque há, no fundo, reconhecimento de que as mulheres fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu caso, senti adesão e apoio desde o primeiro momento, de um sem número de homens influentes e das raras mulheres, que, então, já se faziam ouvir - Mary Giglitto, Benvinda Maria, Maria Alice Ribeiro, Manuela Chaplin, Manuela da Rosa, Berta Madeira...
Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas esperiências -
sendo a última aquela em que os Secretrários de Estado passaram a ser considerdos "ajuntos de ministro"-  o imprevisto estava, de novo, à minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto: o convite do PSD para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembleia. Aceitei, como acontecera, anteriormente,  não muito segura de me sair bem, em representação das mulheres do meu País... Eram de facto, a primeira Mulher a ocupar aquele cargo protocolar (segunda figura na ordem de sucessão do Presidente da República), a  presidir às sessões plenárias do parlamento, à Conferência de líderes, a Delegações parlamentares - (comecei pelo Japão, que tirocínio..,). Após 4 anos nesse cargo que, quando não assumido por uma mulher, sempre fora discreto, apesar da sua relevância protocolar, fui, finalmente, eleita para um lugar que verdadeiramente queria: representante da Assembleia na APCE (Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida lá fora do que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações internacionais, a APCE. e a AUEO. Havia menos jogos políticos de bastidores, não se sabia o significado de disciplina partidária, era, por isso, larga a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor recomendações... Presidi à Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia, à Subcomissão da Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas, sobretudo naqueles dois domínios.  Defendi a dupla nacinalidade, o estatuto dos expatriados, a não expulsão de imigrantes, o reagrupamento familiar, insurgi-me contra a guerra do Iraque, denunciei a discriminação de género  no desporto... Fui presidente, entre 2002 e 2005,  da Dlegação Portuguesa à APCE e á Assembleia da UEO, (organização pioneira na União da Europa no pós guerra, cuja experiência do terreno e excelência académica, em matéria de defesa, a Europa subestimou, ao extingui-la recentemente, passando as suas competências para uma UE, sem suficiente coesão neste domínio .
Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois de deixar a AR, à vereação da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes, pondo o enfoque das comemorações no movimento feminista e republicano. Não que eu seja
republicana, hoje, mas tenho a crteza que o teria sido em 1910, na
companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de Castro Osório ou Adelaide Cabete. E feminista, sou e sem nunca ter tido medo da palavra. Sou-o no sentido preciso que lhe davam as nossas sufragistas, que queriam libertar a Mulher e o Homem, em simultâneo, numa mesma luta civilizacional.
Nunca tive o complexo de preencher o espaço aberto pela "quota", 
mais ou menos explicita. No meu caso, não muito explicita, nem mesmo no cargo de VP da AR, sempre rejeitada pelos opositores das quotas, em especial, no meu partido  Qundo eu dizia: escolheram-me para  Vice-Presidente da AR, porque queriam uma Mulher (o que para mim era evidente, estava certo e só pecava por ser decisão tardia), respondiam-me:  "Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"

O meu mérito não era para ali chamado - poucas vezes o é, nas escolhas partidárias, seja qual for o género... Mais me preocupava mostrar o mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou
capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando
porventura se revele um erro. Erros de "casting" não faltam, à margem do sistema de quotas.


PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS


Assim vou terminar: Quando há avaliações objectivas dos candidatos, o sistema de quotas é inaceitável. Exemplo: o  acesso à universidade Devem entrar os que têm as melhores notas. Por sinal, entre nós, são maioritariamente as mulheres... 
Ora a falta de educação, de formação seria o único fundamento de uma desigual participação feminina na vida pública. Se a situação
é de igualdade ou supremacia das Mulheres no Ensino, nas Universidades, a sua ausência na Política suscita, impõe uma
presunção de discriminação. A  Lei da Paridade torna essa presunção
inilidível e é, a meu ver, com base nela que determina uma quota
mínima de participação, em função do género.

A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprova-la, onde quer que o sistema seja praticado de boa fé, com
honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul,
onde chegou com atraso. Portugal não é excepção.
Imprescindível é que a aplicação da Lei da Paridade seja objecto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos
(artº 8º). Sete anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação
de cumprir o preceituado no artº 8º anda esquecida! Onde estão os
estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das
autarquias locais? Estranho! Ou talvez não, porque as questões de género continuam marginalizadas na agenda política ,em Portugal.
Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo e ao Parlamento, seja para, eventualmente, poderem pensar alterações à lei nº 3/2006, com vista a mais paridade, seja para conferirem mais visibilidade ao percurso que as mulheres vêm fazendo, no caminho que a Lei lhe tem aberto, contra regras não escritas e práticas discriminatórias vigentes nos aparelhos partidários. E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo dizer que não a li nim livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há muitos anos, numa placa de um carro que atravessava o centro de Boston, iluminado pelo sol:


FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE