outubro 04, 2020

COMO SE VIVE UMA DISTOPIA

COMO SE VIVE UMA DISTOPIA 1 - Vivemos hoje em clima de guerra, a "grande guerra 2020", com uma única certeza: a de que a mais macabra das distopias se concretizou, e veio para ficar, por prazo indeterminado, na realidade de um quotidiano subitamente desestruturado. Guerra em que o exército somos todos nós, e em que, por muito disciplinados que nos mostremos, dirigir as operações no teatro bélico, contra um inimigo omnipresente e invisível, não é para qualquer um. É para políticos de grande visão e envergadura.. Esta é a hora de revelação dos verdadeiros estadistas - previsivelmente muito poucos! O gradualismo na tomada de medidas limitativas essenciais, que vem imperando na Europa, tem de ser olhado, creio, como sintoma de improviso e impreparação. Num quadro em que o aumento exponencial de contágios é um dado seguro, mal se compreende o anúncio de mais e mais restrições avulsas, em cada novo dia ou em cada conferência de imprensa. Essas medidas deviam ter sido bem pensadas e codificadas, integradas numa estratégia coerente e gizada para constituir resposta o mais lata possível a riscos e a danos. Em Portugal, um dos últimos países europeus a ser atingido, e, por isso, beneficiário da lição de erros alheios, mal se compreende a não reposição rápida do controlo das fronteiras terrestres ou a opção pela absoluta falta de rastreio sanitário nos aeroportos, ao contrário do que aconteceu em vários outros Estados da UE. Não procede o argumento de que aquele tipo de vigilância não é 100% eficaz, porque, mesmo que leve à deteção de pequena percentagem de portadores do virus, vale bem o esforço, pois com cada um dos portadores logo isolados se evita um foco de infeção comunitária. Só agora, já o mês de março vai a meio, nos convertemos a esta tese... Mal se compreende, pelas mesmas razões, a incúria em garantir o acesso generalizado a máscaras de proteção, que nem nos hospitais foi adequadamente cuidado Vimos e ouvimos, vezes sem conta, a Diretora-Geral da Saúde, negar as vantagens do seu uso individual, a pretexto de que não protegiam de contágio os utilizadores. Evitavam, sim, segundo ela, que os infetados contagiassem os outros. Ótimo! Enquanto potenciais portadores assintomáticos do "COVID 19" não queremos contagiar ninguém. Haverá melhor meio de entreajuda? Outro estranho procedimento foi o de não realizarem testes, nas urgências e enfermarias hospitalares, a doentes com dificuldades respiratórias, ou pneumonias, a menos que tivessem permanecido em países "de risco" ou convivido diretamente com quem de lá chegara. Assim mandavam as regras sancionadas superiormente, o "protocolo" aplicável, cujo conteúdo, entretanto, já mudou, para abranger qualquer paciente em tal situação. Por outro lado, tem havido inércia e laxismo face à especulação e ao açambarcamento de bens! Em Espinho, como por todo o lado, desapareceram, há semanas, de farmácias, lojas e supermercados, o álcool e o gel desinfetante. E, igualmente, as máscaras de proteção, mesmo depois dos preços terem disparado - de cinco a seis euros, (por pacote de uma centena), para mais de cem euros! Foi ou vai ser, agora, finalmente, feita uma encomenda de mais de um milhão de máscaras para os hospitais públicos - sinal de que estavam em falta... Um outro negócio rentável, e, provavelmente, também especulativo, é o dos testes de deteção do virus em laboratórios privados, cujo custo, para quem os possa e queira pagar, varia entre os 100 os 200 euros. - salvo na cidade do Porto, como referiremos. 2 - Estamos a falar de ações e omissões, não de negacionistas patéticos, como Trump e Bolsonaro, mas de políticos respeitáveis, mulheres e homens de bem, que estão a dar o seu melhor, só sendo de pôr em dúvida se o seu melhor é suficiente. Veja-se o inacreditável ziguezaguear do Presidente Macron, que, num domingo, convocou os franceses a deixarem as suas casas para para votarem num ato eleitoral desnecessário, por ser de fácil adiamento, e, no dia seguinte, decretou quarentena obrigatória, com milhares de polícias a patrulhar as ruas desertas, no país inteiro... Na Europa, prevejo que vá sobressair, como é costume, Angela Merkl, mulher de armas para combates ciclópicos. Não é do meu quadrante ideológico, mas o que importa isso? A questão não é ideológica, estamos unidos contra o mesmo inimigo. Entre nós, inesperadamente, são autoridades regionais, as que mais se salientam pela inteligência estratégica e pela coragem. de atuar prontamente. Refiro-me a Rui Moreira, o autarca do Porto, e aos líderes dos Governos das Regiões Autónomas. Rui Moreira foi o primeiro a tomar consciência da crucial importância quer do encerramento de serviços não essenciais e do convite ao resguardo de contactos no espaço público, quer do rastreio massivo, contratando com uma empresa privada, na falta de iniciativa e oferta pública, a efetivação de testes para deteção do virus, que poderão atingir os 400, diariamente. Acabo de ouvir o responsável pela OMS recomendar precisamente isso: "testing, testing, testing". Na mesma linha está Cuomo, o Governador de Nova York, cuja proposta é: "massive testing, massive quarentine". Por cá, Rui Moreira está sozinho , em boa companhia internacional. Os executivos da Madeira e o dos Açores antes mesmo de terem deparado com o primeiro teste positivo, e apesar da evidente relutância do poder central, decretaram, e puseram em pratica, a quarentena de 14 dias para quem quer que chegue, de fora, aos seus aeroportos. E mais longe teriam ido, encerrando, logo, o espaço aéreo regional ao tráfego regular de passageiros, se isso fosse da sua competência. No continente, destaquemos, nesta histórica quinzena de março, sobretudo, a sociedade civil, que soube impor-se, nos mais diversos domínios. Pensemos, por exemplo, nos pais dos alunos a lutarem pelo encerramento das escolas, nos jogadores de futebol profissional a exigirem a suspensão dos campeonatos, na opinião pública a forçar a vigilância da fronteira terrestre com a Espanha. E, aqui, em Espinho, no voluntário encerramento de um grande número de restaurantes, cafés e lojas, no generalizado respeito pelo distanciamento aconselhável dos clientes do pequeno comércio alimentar, na quase desertificação espontânea das ruas da cidade, e nos gestos de solidariedade, como os da Paróquia, que já tem disponível um grupo de voluntários para ajudar os que estão retidos em casa, pela idade ou por pertencerem a um grupo de risco. Em suma, e lembrando, igualmente, os profissionais de saúde e todos os que permanecem nos seus postos, servindo o público, poderemos, dizer que, no nosso País, a nota máxima vai para estas múltiplas expressões de espírito cívico, de cidadania!. Espinho, 16 de março de 2020.

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