outubro 04, 2020

NÓS O POVO

NÓS O POVO 1 - "We the people" são as primeiras palavras da Constituição Americana. E, também aquelas que o candidato nas eleições presidenciais, Joe Biden, escolheu como lema de candidatura. interessante e significativa escolha... A mensagem que transmite é clara: a América precisa de voltar a ser um Estado de Direito, uma sociedade unida por valores humanistas, respeitando princípios que foram inscritos na Constituição pelos "Pais Fundadores". É tempo de viver nas leis e nas práticas do quotidiano, esses valores, esses princípios. Com Trump, isso é uma impossibilidade. No seu mandato insano de mentiras, escândalos, perseguições e incitamento ao ódio racial, os seus mais diretos colaboradores tendem a dividir-se em duas categorias - os que estão a contas com a justiça, presos ou em vias de o ser, (o último dos quais, até à data, é Steve Bannon, ideólogo da sua campanha de ódio) e os que, uns atrás de outros, se demitiram ou foram demitidos, formando já uma longa lista. Na Casa Branca está um aspirante a tirano, que não governa e se considera acima da lei (e até agora, tem conseguido estar). Brinca no Twitter, como um adolescente, usa o tempo restante, para negócios inconfessáveis ou, como um velho reformado, para gozar o prazer dos seus campos de golfe, caminhando por sobre ruínas de cidades destruídas por motins e sepulturas de dezenas de milhares de mortos da pandemia, cuja dimensão desvalorizou, até ser tarde demais. Só o Povo o pode retirar da Casa Branca e restituir a América á normalidade democrática. Vai ser difícil. Ele move-se bem num sistema anquilosado, e tentará, como aconteceu da primeira vez, (agora, porventura, já sem a ativa ajuda dos serviços secretos) viciar o jogo a seu favor. Tudo está em aberto - é cedo para anunciar a vitória de Joe Biden, apesar da vantagem que leva nas sondagens... Sabemos, pela história recente que não basta vencer por mais de três milhões de votos, como aconteceu na eleição anterior, que Hillary Clinton, sob ataque de poderes internos ("maxime", o diretor do FBI) e externos (com a Rússia de Putin, à cabeça) perdeu, ganhando, por larga margem no voto popular... Trump não foi o eleito do Povo, nesta América, que nos parece um lugar estranho... Mas nem por isso o que lá se passa não diz respeito ao resto da Humanidade, porque, apesar dos sinais de decadência, estamos a falar da maior potência do mundo, Desde o fim da guerra de 1939/45 a "pax americana",protegeu os aliados democratas, vencedores do nazismo, através das fórmulas diversas, que cada presidência imprimiu à busca de um equilíbrio entre interesses próprios, alianças antigas e solidariedade internacional, até que Trump se voltou para um diálogo de ditadores, em política externa, e pela sementeira de ódios, no plano interno. É, pois, também, o nosso futuro que está em cheque, neste voto americano, tão decisivo quanto incerto . 2 - Todos os extremismos são maus, Como diz o ditado, "os extremos tocam-se" . Assim pensei desde os bancos do Colégio do Sardão, do Liceu Rainha Santa e da Universidade de Coimbra, Não sei se o meu "reformismo", constante, desde tão jovem, é coisa boa ou não... A veemência com que debatia ideias pareceu, às vezes, revolucionária, e disso até fui acusada, por quem confundia o tom do discurso com o pensamento. Na verdade, já na adolescência, era, social-democrata "à sueca", feminista, em moldes nórdicos, e até, fundamentalmente pacifista, embora não muito pacífica por temperamento (aguerrida na forma, moderada no conteúdo...). Talvez por tido, desde cedo, a noção de que a luta pelo sufrágio de mulheres e negros foi contemporânea, sempre considerei que racismo e sexismo se combatem pelas mesmas razões, da mesma maneira. E considero o recrudescimento dos movimentos de extrema-direita na América de Trump, e até na Europa, uma ameaça real nos tempos que atravessamos, pondo em causa avanços civilizacionais, que considerávamos adquiridos... Nada de novo, afinal, sabido que, através dos tempos, o processo histórico foi feito de avanços e retrocessos, e que as discriminações em razão da nacionalidade, do sexo, da raça, da religião, da idade (e de tantos outros fatores) não foram, em sociedade alguma, à face da terra, completamente erradicados, A meu ver, escondê-lo equivale a desistir de eliminar preconceitos enraizados. Em Portugal, negar o sexismo, é coisa patentemente irrealista, E o mesmo se diga do racismo, que não tendo, entre nós, tradição, força e violência comparáveis, àquelas de que sofre a América, nem por isso devemos menorizar, desculpando o incitamento à violência racial por parte de movimentos, que, embora incipientes, já têm mortos no seu cadastro. Não é equivalente negociar acordos políticos com uma esquerda "constitucional" e com uma extrema-direita visceralmente racista. No dia em que o meu partido pagasse, para chegar ao poder, o preço político de um acordo com gente desta (os nossos prosélitos de Trump ou de Bannon), deixava. logo, de ser o meu partido. . 3 - Na original Convenção dos Democratas americanos, dois temas dominaram a agenda: COVID e racismo. Para a pandemia, procura-se vacina, que ainda não há, mas que Trump, aldrabando como um "vendedor de banha da cobra, à moda da América, promete, assertivamente, já para o corrente ano. Porém, como disse a candidata a Vice-Presidente Kamala Harris, "não há vacina contra o racismo!", que subsistirá muito depois de eliminado o mortífero vírus... A "America first" de Donald Trump é, tragicamente, a "América primeiro" em mortes causadas pela pandemia, em caos sanitário provocado pela sua incompetência e desorientação, Falta tudo, no país mais rico e tecnologicamente mais avançado do planeta!... Não será mera coincidência o facto dos dois países mais afetados pela propagação do vírus serem, por esta ordem, os EUA e o Brasil, ambos dirigidos por fanáticos de extrema-direita, que renegam os saberes da ciência, da experiência clínica e do senso comum, opondo-se às medidas de prevenção reconhecidamente eficazes na redução do contágio - o despiste de casos por testes sistemáticos, o distanciamento social e o uso generalizado de máscara no espaço público, incluindo ao ar livre (insólito é, a meu ver, que alguns Estados só a imponham quando aumenta exponencialmente o número de infectados, sem sequer lançarem uma campanha intensa a favor da constante utilização da barreira individual ao contágio, que é a máscara! O slogan "Fique em casa", já desatualizado, há muito devia ter sido substituído por "Fique de máscara" - que não perderá atualidade, enquanto a COVID durar. Neste aspeto, foi admirável a Convenção virtual, que entronizou Biden! Ele não hesitou em arriscar a perda de impacto eleitoral e de mobilização e de votos, para dar à América e ao mundo uma lição de civismo, de respeito pela vida e saúde dos cidadãos. Uma convenção com total ausência de público é como o 10 de junho de Marcelo, ou como o futebol à porta fechada....desprovida da energia, do entusiasmo e do calor humano, a que estamos habituados. A Convenção, com cada orador a falar sozinho foi morna e monótona e nem grandes oradores, como Hillary e Bill Clinton, ou Barack Obama conseguiram brilhar, por muito pertinentes que fossem os seus corajosos discursos. A excepção foi, para além da centelha da carismática Michelle Obama e da suave Kamala Harris, justamente, uma mesa redonda, de poucos minutos mas diálogo vivo, entre os ex- candidatos à corrida democrata... Por fim, sozinhos no palco, com muito mais bandeiras do que personagens, Joe e Kamala, e os seus cônjuges, todos de máscara e respeitando distâncias. "O poder do exemplo, não o exemplo de poder", nas palavras de Biden. Uma grande lição! Bem pode aprender com ela o nosso Governo, que, tão demagogicamente, insiste em estabelecer, para situações de igual perigo de contágio, regras variáveis, conforme os fins a que se destinam os ajuntamento, privilegiando os políticos - em comícios, desfiles e, até, em festivais de música... E o mesmo se digna de todos os partidos e políticos que usam e abusam do privilégio.

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