dezembro 29, 2009

Projectos para o centenario da Republica em Espinho

Confesso que erguer um mastro de 100 metros para anunciar o centenário da República, nele hasteando uma bandeira gigante, não é propriamente o meu ideal de celebração seja do que for, incluindo os festejos de um novo regime instalado, a partir de Lisboa, numa Pátria dez vezes mais antiga.
Mais importante do que celebrar, assim, me parece o pensar a mutação que aconteceu em 5 de Outubro de 1910 e fazer, nos aspectos que mais pertinentes são para o futuro da democracia portuguesa, o balanco do século.
Ja nem digo que realmente democrático e interessante seria lançar, em Portugal, finalmente, à semelhança do que o Brasil soube empreender, sem complexos, um referendo sobre essa mudanca de regime, que nunca foi legitimada pelo voto, e deveria ter sido, ou ser, qualquer que fosse o sentido do voto.
Ou, pelo menos, retirar da Constituição a "clausula pétrea" que proibe a consulta popular sobre a "questão de regime", que, hoje, deveria ser encarada com respeito e confiança na decisão soberana dos eleitores.
Herdeira, na familia materna e paterna das duas tradições, monárquica e republicana, olho 2010 como o ano para recordar, em especial, a vida, a luta e os ideais dos tios republicanos - tios-avós ou tios-bisavós, naturalmente.
Pela suas ideias foram perseguidos, passaram pelo Aljube, um deles, o Tio António, também pelo exilio em Africa (temporário,é certo), outro o Tio José, viu-se, ainda novo, compulsivamente aposentado do Supremo Tribunal de Justiça...
E há, ainda, nesta galeria de memórias, o Tio bisavô Manuel Guedes (o irmão da bisavó Carolina), que não chegou a ver o dia 5 de Outubro de 1910, mas teve o seu nome, postumamente, até hoje, dado a praça do municipio, em Gondomar.
Não, eu não sou republicana, como eles foram, mas acho que teria sido, se vivesse nesse início do século XX - porque, como feminista, teria posto na ruptura com o regime a esperança de uma igualdade de género e de outras formas de igualdade consagradas na Constituição e nas leis. E é porque a República frustrou essa esperança, e porque as monarquias modernas são dela as melhoras portadoras, no norte da Europa, sobretudo, que eu não deslumbro com a chamada ética republicana, nem com a sua suposta mas inexistente superioridade face à democracia das monarquias exemplares, que conhecemos no sec. XXI.
Em qualquer caso, a data não é para esquecer, não deve ser para dividir (mas para isso se impõe que não haja tabus alguns...). Deve ser para reflectir, para relembrar, para homenagear todos os que sonharam com mais igualdade, mais justiça e mais progresso.
Para recordar um tempo, um Portugal, num momento singular da sua história.
Por sorte, ou ironia do destino, encontro-me, neste começo de 2010 a exercer, pela primeira vez um cargo em que posso, conforme decida, dar curso as comemorações do centenário: através do pelouro da cultura da Câmara de Espinho.
E vou faze-lo! Sem gastos sumptuários, mas, espero, com verdade e dignidade.

dezembro 13, 2009

Entrevista - Maré Viva

Um mês após a tomada de posse como vereadora da Cultura, Biblioteca, Arquivo municipal e Relações Exteriores e geminações, que balanço é-lhe possível fazer dos seus pelouros?

Ao longo dos 4 anos em estive na Câmara como vereadora sem pelouro não tive praticamente qualquer contacto directo com estes serviços, à axcepção da Biblioteca. Já tinha da Drª Isabel Sousa e da sua equipa uma imagem de eficácia e simpatia, pela forma como colaboraram num Encontro de Mulheres Migrantes, que organizei em Espinho, no passado mês de Março. Dos outros, Dr Fonseca, Drª Idalina Sousa, Dr Armando Bouçon , Drª Beatriz Matos Fernandes, não podia dizer o mesmo. Hoje posso!
Foi uma óptima surpresa - todos os dirigentes com os quais trabalho me impressionaram pela competência, pela vontade e facilidade de contacto com o que se costuma chamar organizações da s "sociedade civil", e, também, pela criatividade, que é essencial neste domínio.
Acho que é possível desenvolver com eles os mais audaciosos projectos para Espinho, desde que haja meios materiais para tanto.


Quando se reuniu com os agentes culturais da cidade, na passada quarta-feira, estiveram presentes os responsáveis pelos departamentos da Cultura, Arquivo Municipal e História. É sua imntenção criar sinergias entre os diversos departamentos?


Sim , é claro! Foi um primeiro sinal que passou para o exterior e que corresponde a um propósito e a uma maneira de trabalhar, que sempre foi a minha. A nível dos colaboradores de dentro como a nível dos nossos interlocutores - os cidadãos e as colectividades. Acredito no trabalho partilhado, na coordenação de tarefas, no estímulo e no entusiasmo acrescido que o conhecimento de todos os aspectos de um projecto global dá a cada um. Tenciono mesmo institucionalizar reuniões conjuntas, com periodicidade regular, para além das do dia a dia. Estou sempre, evidentemente, disponível para falar sobre qualquer assunto de serviço, quando entenderem que é necessário, tal como eu faço em relação a eles, sempre que surge uma ideia nova, uma solicitação de fora ou a nacessidade de esclarecimento.


Os responsáveis pelos departamentos abrangidos pelos seus pelouros dão-lhe todas as garantias?

Sem dúvida! Do ponto de vista do planeamento e execução dos programas, para além de serem pessoas muito interessantes, com quem é agradável conviver. São interessantes e interessados no que têm em mãos. Um empenhamento e uma dedicação visíveis.
Um dos meus defeitos, que reconheço, é a impaciência. Quero tudo executado na hora, tal como eu despacho no próprio dia tudo o que vem devidamente informado e não oferece dúvidas, isto é, a esmagadora maioria dos processos. Pois bem! Até neste aspecto estes dirigentes são como que a resposta a uma prece.

Estará no horizonte a criação de uma empresa municipal responsável pela cultura, à semelhança das existentes nos concelhos vizinhos de Gaia e Feira?

Não no imediato, mas espero poder trocar ideias e experiências com os vereadores da cultura dos municípios vizinhos, justamente para avaliar os melhores meios de cconsecução de fins idênticos e para articular acções, sabendo, porém, que os orçamentos para a cultura, nomeadamente nos casos que refere, não são semelhantes...

CULTURA

O número de agentes culturais que apareceram à reunião de quarta-feira surpreendeu-a? Ou já tinha essa percepção?

Fiquei muito satisfeita, quer pelo número elevadíssimo de participantes, quer pelo teor das intervenções, embora necessariamente muito sintéticas. Para o objectivo de desenvolver programas em concertação com eles foi uma certeza de que os agentes culturais, que já vêm colaborando com a Câmara, estão prontos a continuar, ou mesmo a fazer mais. É o que desejamos!
Mas surpresa não tive, não por mérito meu, pela minha própria percepção, mas pela boa informação previamente dada pelos serviços...


As queixas mais comuns dos produtores de cultura espinhense prendem-se, essencialmente, com a falta de espaço e com a falta e financiamento...

Há carências, sobretudo de espaço, que poderemos resolver, por exemplo, no FACE, ainda largamente sub-aproveitado. O Dr. Armando Bouçon está sempre disponível para encontrar as soluções viáveis. O espaço tem de ser bem gerido e rentabilizado. Um ante-projecto de regulamento para esse efeito já está em apreciação.
Todavia, enquanto não há pretendentes à sua ocupação remunerada, como deve ser, para ter sustentabilidade económica, parece-me óbvia a vantagem de lhes dar vida através de cedência às colectividades, com a contrapartida da sua própria colaboração nos programas culturais do município.
E, no futuro, mesmo se os espaços forem diminuindo, sempre sobrará o que tem de se reservar ao apoio que as instituições merecem, de acordo com as suas caraterísticas.


Túcátúlá, de Par em Par, Homens Estátuas... Estes eventos são para continuar, nos mesmos moldes? Há espaço para surgir outros projectos?

É evidente que são para continuar, como eventos de reconhecido interesse, que prestigiam Espinho. Julgo que uma primeira preocupação é a de melhor as divulgar, dentro e fora do concelho. Reequacionar a elaboração da "agenda cultural", de outras publicações, assim como melhorar o site da Câmara e recorrer a outras formas de lhes dar mais impacto mediático, de atrair mais públicos.
E há necessidade de novos projectos, muitos deles gizados a partir do diálogo com a realidade associativa espinhense - felizmente tão rica. O primeiro passo foi a reunião de 9 de Dezembro.
Das iniciativas em si, prefiro falar depois de elaborado o programa de acção para 2010, sendo certo que só limitações orçamentais poderão provocar o adiamento de alguns novos projectos de vulto. Apesar de alguns serviços estarem subdimensionados, capacidade e imaginação para os realizar, como disse, não me parecem faltar!


Ainda na reunião, teve uma frase curiosa: "Espinho precisa de mais beach parties". Definitivamente, espinho tem de olhar para a sua prais de outra forma?

Eu sempre vi Espinho, desde criança, como uma cidade cheia de vida e animação à beira mar. Foi-a perdendo... e è preciso que a saiba recuperar. Temos de repensar as formas de reviver essas tradições, agora, adaptadas ao século XXI. Espectáculos de rua, na esplanada, envolvendo as esplêndidas e múltiplas escolas de formação artística, musical, a juventude, "beach parties", como disse, infra-estruturas de fácil implantação para o desporto na praia, para a animação infantil, são iniciativas a encarar de frente, e já. Pela Câmara, pela Junta - tanto faz, o que importa é que Espinho volte a ser o que foi.
Em todos os casos, aliás, a boa articulação com as Juntas e a descentralização de acções estão nos nossos objectivos.

INFRAESTRUTURAS

Em termos de equipqmentos, Espinho é capaz de ser um dos concelhos mais bem servidos, tendo em conta a sua dimensão. Que projectos tem para eles?

É verdade que há muitas infra-estruturas e que temos de tirar partido delas, fazendo a diferença na vida da cidade e das pessoas.
Mas não é tarefa muito fácil, porque não estão necessariamente adaptadas ao que as pessoas e as colectividades precisam. Em alguns casos, modernizar ou profissionalizar a gestão, repensar a vocação dos equipamentos, proceder porventura a adaptações é coisa que se impõe, quanto antes.
Um exemplo: a Academia de Música teve de construir a seu próprio auditório, porque nenhum dos existentes tem as características requeridas para grandes concertos , espectáculos de dança ou teatro profissionais. E entretanto, o do Multimeios, vocacionado para o cinema, está quase sempre deserto. O auditório do FACE tem capacidade para 135 pessoas e foi pensado essencialmente para conferências ou palestras, não para espectáculos de música, cinema ou teatro...
Mas nem tudo é negativo, não quero dar essa ideia, que não é verdadeira. Posso destacar, pela positiva, por ex., o Museu, as magníficas galerias de exposições do FACE. Mais de 1000 m2 , belíssimas do ponto de vista arquitectónico e com janela panorâmica para o mar!
Uma delas estava ocupada por uma empresa, que, em diálogo com o novo executivo, se disponibilizou a mudar para outra localização, dentro da Casa, assim nos permitindo restituir aquele espaço à sua vocação.
A semana passada, duas representantes do Museu de Serralves visitaram as galerias e ficaram encantadas.
Uma das galerias está reservada a exposições temporárias, a outra, quando a exposição temporária não exigir esse prolongamento, será ocupada com exposições sobre Espinho, já existentes no acervo do Museu.


Como encarou a inauguração da Biblioteca, sem aquilo que lhe é essencial, os livros? Está para breve a abertura desse espaço aos espinhenses?

Biblioteca inaugurada sem livros... Pior ainda: sem equipamento, sem mobiliário, sem contrato de instalação electrica com a EDP! É costume inaugurar a 1ª pedra de um edifício. Neste caso, diremos que se tratou da "inauguração da última pedra" do edifício, não da Biblioteca!
Se o problema fosse apenas a desinfestação e transporte dos livros, poderiamos assegurar uma data muito próxima para a abertura ao público.
Nestas condições, não! Há que abrir previamente concurso para aquisição de equipamentos, há que obter decisões não só do executivo, mas da Assembleia Municipal, vistos do Tribunal de Contas... E também abrir concurso para admissão de pessoal. Burocracias imprescindíveis, delongas, das tais que se não coadunam com a minha impaciência. Mas é mesmo assim que tem de ser.


É possível à cidade reaver edifícios tão emblemáticos como o Teatro São Pedro ou o Palácio da Pena?

Pertenço àquela escola de pensamento que priveligia a salvaguarda do património existente, em vez de avançar para obra nova.
Há meses,ouvi o Presidente da Câmara de Chaves dizer que, com ele, enquanto houver um edifício antigo pertencente ao município, é lá que se instalam os serviços camarários! Tem a minha concordância plena.
O que se passa com o Palácio Rosa Pena è uma dor de alma!
O que se passou com o derrube do velho Cine Teatro São Pedro e de outros marcos arquitectónicos desta cidade foi lamentável. Perdas irreparáveis...
Quanto ao novo auditório que o substituiu, mal, mas que, apesar disso, era uma sala agradável, estava desaproveitado e ao abandono e teve o destino que se sabe.
No imediato, não creio que seja financeiramente possível uma intervenção da Câmara.
Mas espero que venha a ser feita, sobretudo no caso do Palácio!

GEMINAÇÕES

Que objectivos vão reger a política de geminações?

As geminações podem e devem ser um instrumento de aproximação de culturas, de internacionalização da imagem da terra ou do país, de valorização da sua história e realidade, de intercâmbios económicos e de toda a ordem, de criação de oportunidades para os jovens.
Ou não, quando depois da assinatura do protocolo de geminação, depois das visitas oficiais, não há sequência prática...


Pretende reforçar os laços europeus de Espinho, em detrimento de outros sul americanos?

Espinho tem muitas geminações, mas, na maioria, em estado de hibernação. O que pretendemos é reavivá-las a todas, se houver resposta dos nossos parceiros. São acções a preparar a nível bilateral, contando com potencialidades e respostas muito diversas.
É atendendo a elas que teremos de interagir.
A mais activa é hoje a mais recente, com Limoeiro do Norte, no Brasil. Teve um excelente começo, com um grande impacto na cidade, no Estado do Ceará e, até, nos media nacionais brasileiros. É claro que, da nossa parte, estamos muito empenhados em prosseguir o caminho encetado. Sempre assim fiz - não me custa nada continuar o trabalho de outros.
Comecei as diligências por Brunoy, porque encontrei a maior receptividade num primeiro encontro que tive na Câmara, com a espinhense D. Maria Ferreira
do Comité de Jumelage com essa cidade. De seguida, fui lá pessoalmente, de um dia para o outro, e contactei todo o Executivo, associações, alunos e professores de português... Julgo que temos condições de desenvolver muitas acções, incluindo a nível do intercâmbio de jovens.
Ora diligências semelhantes, uma espécie de "visita preparatória", rápida, acessível, económica, não é simplesmente viável nas geminações transoceânicas.
É o que justifica a diferença de procedimento.
Inspirada no exemplo de Brunoy, vou constituir na próxima semana um grupo de trabalho para dinamizar as geminações. Como seria previsível, constituído pelos responsáveis das diferentes áreas que temos vindo a referir. Para já, um grupo de trabalho. Mais tarde, espero, uma verdadeira ONG, como em França.

dezembro 10, 2009

Arquivo Aberto

Enquanto munícipe confesso que não me apercebi do excelente trabalho que a responsável pelo Arquivo Municipal de Espinho, Drª Beatriz Fernandes vem fazendo, no campo da acção educativa, abrindo aos mais jovens os arquivos e dando-lhes a possibilidade de a partir deles desvendarem a história e realidade de factos e instituições.
Hoje, em reunião, várias iniciativas futuras foram equacionadas, desde a colaboração a prestar às mais antigas colectividades de Espinho, aceitando, em depósito, os seus arquivos e dando-lhes o devido tratamento - assim preservando e aumentando o património da terra e das instituições! - até novas accções no campo educativo, a partir dos arquivos. Tema para o ano de 1910: Monarquia Constitucional e República.
Várias exposições em preparação. Aceitação de uma importante doação. Talvez algumas primeiras publicações. E em perspectiva, também, já, um trabalho que se impõe sobre as migrações para a Venezuela. Os arquivos são uma fonte insubstituível de conhecimento exacto sobre esse passado!

Colóquio na Pro Dignitate

Fui representar a Câmara de Espinho no Colóquio com que a Fundação Pro Dignitate lembrou os direitos da criança.
Com a presença da Ministra da Educação, a Dra Maria Barroso fez o lançamento de um concurso sobre esta temática dos Direitos da Criança.
O formato da iniciativa é muito interessante: apresentar o concurso, chamar a atenção para situações concretas, para os problemas da escola e da família, através de um debate, com introdução a cargo de vários antigos Ministros da Educação, que fizeram brilhantes intervenções (Veiga Simão, Oliveira Martins e Júlio Pedrosa), suscitando intervenções também muito esclarecedoras da parte da assistência.
Se conseguirmos concretizar a ideia de promover um concurso sobre a história de Espinho, destinado a crianças e a jovens, valeria a pena adoptar procedimento semelhante - com o tema do concurso no centro do debate.
Um momento de particular interesse foi, para mim, o da informação dada pelo Professor Doutor Júlio Pedrosa sobre os resultados de uma linha de investigação desenvolvida na Universidade de Aveiro sobre as formas de conseguir um maior envolvimento das famílias na escola ("A escola em casa"), levando pais e filhos a ganhar o hábito de falar sobre tópicos discutidos na sala de aula.
Resultados extremamente positivos, nas turmas que participaram no projecto.
Sem os financiamentos de que a investigação beneficiou nos municípios que nela foram abrangidos, a sua extensão a outros estabelecimentos de ensino teria custos elevados. Porém, algumas Câmaras pediram e obtiveram apoio metodológico para fazerem, por sua iniciativa, o mesmo tipo de experiência.
A Universidade está aberta a facilitar essa metodologia.

dezembro 09, 2009

Deslocação a Brunoy

A breve deslocação de dois dias que fiz a Brunoy, a 30 de Novembro e 1 de Dezembro, teve por objectivo relançar a geminação com a cidade de Espinho.
Em tempos recentes, as atenções, pela nossa parte, têm estado mais voltadas para o outro lado do oceano.
Sem descurar o que de bom aí se possa alcançar, parece-nos importante retomar os contactos e intercâmbios com a única cidade europeia com a qual estabelecemos um protocolo de geminação - aliás, o primeiro, uma iniciativa do Presidente Romeu Vitó, a pedido de emigrantes daqui originários.
Constatamos a ausência de referências a Espinho no programa já estabelecido em Brunoy para 2009, ao contrário do que acontece com as duas outras geminações activas (com a Alemanha e a Inglaterra).
A vontade de reatar os contactos connosco é muito grande, como se tornou muito óbvio. A simpatia e hospitalidade com que fui recebida foram inexcedíveis! Por parte da vereadora responsável pelas geminações, Mme Geneviève Finel (também responsável pelo pelouro da Economia), pelo Sénateur-Maire Beteille, por todos os membros do Executivo e pelos membros da Comissão de Portugal no "Comité de Jumelage" (uma ONG).
Vários projectos concretos foram, de imediato, hipotizados. Por exemplo: intercâmbios com a Universidade Sénior, com as escolas (alunos de português num país e de francês no outro); participação de jovens dos 12 aos 16 anos num torneio quadrangular de futebol, a realizar durante as férias de Páscoa; uma conferência sobre o centenário da implantação da República em Portugal; exposições, que sejam facilmente transportáveis; concertos de orgão na belíssima Igreja barroca de Brunoy.
Pelo "Maire" foi-me transmitido um convite, que vai ser formalizado, para o Presidente da Câmara de Espinho visitar a cidade por altura da calebração do 14 de Julho - ao qual nós podemos corresponder com um convite para as festas da cidade.
Convém, todavia, que mesmo estes tradicionais e protocolares contactos sejam acompanhados da organização de acções como as que foram referidas. Nessas áreas ou em quaisquer outras, em se possa dar o contributo positivo da uma experiência - caso do ambiente, ou do urbanismo, ou da desburocratização, ou informação ou audição dos cidadãos.
A revista mensal do município de Brunoy é muito bem elaborada, cobre aspectos diversos da vida comunitária, sem sobrevalorizar nunca a imagem e o discurso dos políticos, como é prática corrente entre nós.
O "Comité de Jumelage" edita a sua própria informação, um simples e despretensioso boletim periódico, com o curioso título de "Jourmelage". Eis uma forma a que podíamos recorrer no diálogo e na divulgação da realidade das cidadas connosco geminadas, todas, com excepção de Brunoy, de países de língua portuguesa. Um jornal que apelasse à colaboração, nomeadamente, dos jovens e que poderia ser, igualmente, editado na "net".
Não é possível, em relação a cidades distantes proceder ao contacto directo que é fácil com a França, mas nada nos impede de trabalhar em conjunto por diferentes vias.
Em Limoeiro do Norte, Brasil, era importante não deixar perder a dinâmica que está criada. No que respeita às demais, no Brasil, em Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola e Moçambique, há que recomeçar, se se encontrar receptividade.
É o que nos propomos fazer. E, se a resposta for positiva, deveremos procurar envolver os cidadãos, e não só os políticos, no relacionamento das cidades. O paradigma do "Comité de Jumelage" não pode ser transposto sem adaptações, mas é uma fonte de inspiração, pois o "voluntariado" é, certamente, de encorajar neste domínio.
Para já, a nível interno, será constituido um grupo de trabalho responsável pela implementação de programas de intercâmbio.

Em Brunoy, pude ainda assitir a uma aula de português, na Casa da Cultura, e dialogar com o professor e alunos. E aí encontrei também uma dirigente do CCPF (Conselho das Comunidades Portuguesas de França), Marie Heléne Aeuvrard, que me apresentou o projecto de realização, em Espinho, na primeira semana de Agosto do próximo ano, do 13º Encontro de Jovens Europeus Luso-descendentes (cerca de meia centena de rapazes e raparigas). Acolhemos, naturalmente, com entusiasmo, esse projecto de visita cultural, que vem sendo fortemente apoiado pelo Instituto Português da Juventude e pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (DGACCP).
Pela mesma dirigente associativa foi solicitada colaboração para as comemorações do 25 de abril, em Brunoy - acção que pode integrar-se no desenvolvimento do processo de geminação.

dezembro 08, 2009

Natal na minha terra

Por esta altura nunca a amiga Dona Benvinda se esquece de mim - e sempre me convida a enviar mensagens de Natal, para o jornal Portugal em Foco e para o número especial da revista.
Esta, a mais longa, é dirigida ao jornal:


Este ano, o meu Natal, ganhou, como há muito não acontecia, uma dimensão comunitária, por causa das funções que passei a desempenhar, desde Novembro, no executivo municípal em Espinho, com o pelouro da Cultura. Como nos tempos do trabalho na emigração, que aliás nunca esqueço, muito em especial nesta época do ano. Trabalho que, subjectivamente, encarei sempre mais como "voluntariado" do que como carreira política. Agora, aqui, mesmo de um ponto de vista muito objectivo, este recente e inesperado envolvimento não pode ter outra leitura, pois como "carreira política", não faria sentido... Mas sempre faz sentido, como é evidente, trabalhar pela comunidade onde nos integramos.
E, assim, depois de ter partilhado estas celebrações um pouco por todo o mundo, no grande universo institucional, bem estruturado e generoso de que se fazem as comunidades da Diáspora, chegou a vez de viver, da mesma forma, o Natal na minha urbe tão pequena em território e em população, mas muito cheia de uma dinâmica de solidariedade e de afirmação colectiva das suas gentes, conscientes de que devem transpor para o futuro o destino de um nome mítico, como é o de Espinho.
E ao comparar a experiência do espaço associativo da emigração com este em que procuro interagir, encontro, sobretudo, semelhanças naquilo que mais importa: a vontade das pessoas e das colectividades de servir, de consolidar, de projectar a comunidade. Aqui, agora, descubro realidades novas mas familiares e não posso deixar de as comparar com as da emigração, que, devo confessar, aprendi a conhecer primeiro...
E, por isso, lanço um olhar, também ele novo, sobre as pessoas e as coisas que me rodeiam.
Espinho, como quase todo o Portugal, exibe já, desde o início de Dezembro, o que poderemos chamar, com o devido apreço, "os sinais exteriores do Natal".
Não ainda nas casas particulares, embora se comece a ver, excepcionalmente, num ou outro jardim, as árvores enfeitadas com as tradicionais esferas coloridas, em algumas varandas, o Pai Natal, com o seu saco branco carregado de presentes imaginários ou, simplesmente, fileiras de luzes cintilantes. Menos comum, num apartamento junto ao mar, um original e chamativo pinheirinho azul, a combinar tão bem com a parede branca.
Estamos, de qualquer modo, ainda muito longe de atingir o nível da mais notável das excepções - a daquele português dos EUA, que veio de férias e engalanou a casa, os portões, os muros, as árvores do jardim com o fulgor de 70.000 lâmpadas - trazidas de lá! Uma feérica transposição de um modelo de celebração "à americana", que ofereceu aos vizinhos e à terra, como presente de Natal, e que teve direito a reportagem nas televisões.
Acredito que, ainda que sem essa grandiosidade e faceta de dádiva extravagante, que não está ao alcance de uma maioria, pouco a pouco, se irão criando costumes, inspirados em terras, de onde vêm passar as festas, com a família, muitos dos emigrantes das Américas, da Europa.
Caso de Brunoy (onde estive de passagem, há pouco, com o intuito de relançar intercâmbios e reforçar laços de amizade, pois é uma cidade dos arredores de Paris geminada com Espinho), que decidiu mesmo promover um concurso para eleger as casas melhor decoradas com motivos natalícios. Talvez (quem sabe?) no quadro da troca de ideias e de experiências, no próximo ano, Espinho siga este exemplo.
Para já, é nas ruas principais de comércio (como é sabido, todas numeradas como em Manhatten!) que os símbolos da época enchem as vitrinas ou montras das lojas e as iluminações em arco, nas alturas, clareiam as noites, com a magia da cor e da mensagens mais ou menos elaboradas no desenho. As bolinhas assimétricas, círculos e estrelas douradas, na Rua 19, e, na rua 23, o azul intenso de globos terrestres, onde se recorta, a verde, o perfil de uns alegres pinheirinhos.
Sucederam-se, na Igreja Matriz e nas salas de espectáculo, os concertos de Natal, pois em Espinho abundam bandas, orquestras, escolas de formação, grupos e talentos musicais.
O Museu abriu-se às crianças que, aos milhares, aí tiveram, ainda antes do festa habitual da sua escola, um convívio diferente, com um programa lúdico muito concorrido e variado. Algumas centenas de entre elas participaram numa "Oficina" de prendas, onde por suas mãos puderam preparar algo de especial para os pais e amigos.
Também a Câmara Municipal organizou um jantar para funcionários e suas famílias. E no átrio, recebe os munícipes em ambiente mais caloroso, graças à árvore da Natal e ao presépio com as lindíssimas imagens da Sagrada Familía.
A fachada do edifício está recoberta de largos e imensos laços de luzes brancas, e, em frente, junto ao espelho de água, quatro estátuas de anjos estilizados, com três metros de altura, semelhantes aos que, segundo me foi dito, brilharam, o ano passado, numa praça londrina.
Assim se revela, aqui, como por todo o lado, o espírito de Natal.
Imprescindível é que a uma construção colectiva de um ambiente exterior alegre e festivo corresponda, também, a vivência de cada um de nós, de cada família, comunidade ou País, para que este tempo de cor e de música, de troca de palavras e gestos de amizade ajude à mudança e ao progresso, à criação de um mundo de boa vontade e de preocupação com os outros, que corresponda à interiorização de princípios religiosos, que valem para todos - mesmo para os não cristãos, como valores verdadeiramente humanistas.
Permitam-me que termine, com um desejo bem expresso nas palavras de um poeta local, dedicadas à Mãe do Menino Jesus, à "miraculosa raínha dos céus", ( estrofes de um poema que foi musicado pelo grande compositor espinhense Fausto Neves):

"...Faz com que a guerra
Se acabe na terra
E haja entre os homens
A paz de Jesus.

Para a Dona Benvinda, com muita admiração e amizade, para os colaboradores do Portugal em Foco e os seus leitores, para tantos amigos, portugueses e brasileiros, que sempre recordo com saudades, os meus votos de um Feliz Natal.

Maria Manuela Aguiar

novembro 28, 2009

Padre José Manuel Fernandes

A maioria dos seus 50 anos de sacerdócio passou-os o Padre José Manuel Ribeiro Fernandes fora do País, junto dos portugueses da "diáspora".
Conheci-o há quase trinta anos em Caracas e depressa aprendi a admirá-lo não só como sacerdote, mas também como cidadão atento aos problemas sociais e culturais de uma comunidade à procura de integração em terra estrangeira, empenhado nos seus projectos de desenvolvimento e de entreajuda, que, com ele, ganhavam uma dinâmica imparável! Homem de causas, de princípios, Homem de acção muito concreta e eficaz.
Excepcional nessas duas vertentes em que se constroi uma sociedade mais tolerante, mais capaz de praticar as virtudes cristãs e de com elas tentar a renovação das mentalidades, das políticas e das estruturas de que a emigração tanto necessita.
Penso, por exemplo, no extraordinário papel que desempenhou como representante da Venezuela no Conselho das Comunidades Portuguesas, um importante orgão de consulta e um forum associativo de reflexão e debate sobre as migrações. Foi aí uma das vozes mais esclarecidas e influentes, porque falava, reconhecidamente, com um saber de experiência feito, com um pragmático idealismo, como, ao longo de vários anos, pude testemunhar.
Em contextos e situações tão diversas, nas paróquias de Aveiro ou nas das nossas comunidades da América Latina e da América do Norte, o Padre José Manuel foi sempre igual a si próprio - revelando a mesma facilidade de comprender as realidades e as pessoas, de lhes dar apoio, de as incitar ao voluntariado, e de assim levar a cabo iniciativas e obras de grande vulto e de grande mérito. A arte de fazer amigos, de criar com eles um círculo de solidariedade e de empreendimento, era revelada já pelo muito jovem pároco de há quatro ou cinco décadas e continua hoje em dia.
A sua simpatia e alegria de viver, indissociáveis do seu sentido de missão como sacerdote, tornam-no um "emigrante entre emigrantes". Um líder natural, próximo do seu próximo.
Bem-haja, Senhor Padre José Manuel, por ser como é, por continuar verdadeiramente jovem de espírito, dinâmico, moderno, bem informado e à vontade neste novo século, adepto declarado das novas tecnologias, da música, do teatro ou do desporto!
São palavras muito sinceras, que aqui deixo, entre muitas mais que ficam por dizer, nesta data tão especial.

Com a maior estima e admiração,

Manuela Aguiar

novembro 14, 2009

Primeiro acto

oficial, depois da tomada de posse na Câmara Municipal de Espinho. Foi esta tarde, na Biblioteca Municipal. Lançamento do 4º número da revista Nova Águia - dedicado a Pascoaes.

novembro 13, 2009

Uma ausência pouco mais do que irrelevante

A de Cristiano Ronaldo na selecção nacional, amanhã, no 1º jogo do "play-off" com a Bósnia.
Se ele não "fez a diferença" durante a fase de grupo, com que fundamento vamos agora invocar uma dependência do colectivo em relação ao celebrado "melhor jogador do mundo" nas suas sucessivas equipas, que, porém, na de Portugal, nunca é sequer um dos melhores em campo?
Fatal seria, por exemplo, a falta da magia do Deco (que só se esbate quando ele não está, de facto, em boa forma física...).
Verdade seja dita, mesmo quando não está em pleno na equipa do seu clube, parece renascer com a camisola de Portugal.
Ao contrário de Ronaldo, Deco costuma ser dar o seu melhor na selecção.

novembro 08, 2009

Cimeira luso-espanhola sobre migrações

É um projecto antigo, que nunca consegui levar a cabo. Estava, naturalmente, na agenda da Subcomissão das Comunidades Portuguesas a que presidia, quando caiu o Governo Santana Lopes.
Digo naturalmente porque é óbvio que eu proporia essa iniciativa, como fiz, e ninguém a recusaria.
Entretanto a própria Subcomissão desapareceu e da agenda e da prioridade nem é bom falar...
Parto na 3ª feira para Léon, onde professores, investigadores e especialistas se vão debruçar sobre a interessante temática das migrações ibéricas. Fui convidada a apresentar uma comunicação.
O enfoque não será o mesmo de uma audição parlamentar, mas vou com muita expectativa.

novembro 04, 2009

É tudo serviço!

Em tempos, no meu gabinete da SECP- MNE, tive um motorista, que, habitualmente, não era o que me levava aqui e ali, mas ao qual recorria, de longe a longe, quando o nº 1 estava indisponível. Embora conduzisse abaixo da alta velocidade a que preferia deslocar-me na cidade ou na estrada, era muito simpático, bem educado, prestável.
E um dia em que passou horas e horas á espera que saísse de uma qualquer reunião e lhe pedi desculpa, lamentando que tivesse estado ali, sem poder fazer nada de mais útil, respondeu com um grande sorriso:
"Náo há problema nenhum, Srª Drª, é tudo serviço".
Hoje, no dia em que iniciei funções como vereadora com pelouro (futuro) na Càmara Municipal de Espinho, lembrei-me muito dessa expressão de sabedoria popular.
Não porque haja qualquer paralelismo nas situações, mas porque se alguma coisa firmemente recusei, até agora, foi o envolvimento, a este nível, na política local. Por três vezes, que me recorde, fui convidada a ser candidata à presidência de uma Câmara e das três vezes me escusei.
Vejo-me agora vereadora, a meio tempo, é certo, mas com pelouro... Felizmente, numa terra que bem precisa de mudanças, e que me diz muito. O que estiver ao meu alcance farei com gosto, com o sentimento de um dever a cumprir.
É tudo serviço!

novembro 03, 2009

50 anos de jornalismo

Para o Fernando Cruz Gomes umas palavras breves como forma de estar presente aí, neste dia, vencendo a distância que separa Espinho de Toronto.
50 anos de grande jornalismo, repartido entre a África, Europa e Américas exigem a homenagem que todos os seus amigos e admiradores lhe prestam, num gesto de estima e de reconhecimento do que é uma verdadeira vocação, acompanhada de empenhamento cívico, servida por inteligência e por talento, expressão de uma cidadania intensamente vivida no País da geografia e no país da diáspora. E através de uma escrita que nos encanta pelo rigor, pela acutilância, muitas vezes também pela graça e, sempre, pela arte de bem escrever!
O meu voto é que continue, por muitos anos ainda, a ser, como tem sido, intérprete da história do nosso tempo e visionário do nosso futuro, de um Portugal que as migrações fazem melhor e maior.

Bem-haja!
Um abraço da

Maria Manuela Aguiar

outubro 29, 2009

CV ACIDENTAL

CV ACIDENTAL

Acidental no sentido de involuntário, imprevisível, ocasional, irregular, porventura ilógico, a espaços, atraente, divertido, fundamentalmente, pelo movimento e diversidade ...
Há de tudo um pouco, aquém ou além do razoável, sem ser, ainda por cima, um grande curriculum, porque não foi ascencional (nem direccionado à ascensão. Talvez por isso se ficou muito aquém do esforço e da canseira, em termos de resultados, com algumas excepções.
Pouco foi o que aconteceu à medida dos desejos, ainda menos o que foi planeado,
caso do curriculum académico:

1 - O curso do liceu, feito como aluna aplicada qb, primeiro no Colégio do Sardão, depois, por escolha própria e muito insistente, no Liceu Rainha Santa Isabel, do Porto. Média de 18, Prémio Nacional. Meios utilizados correctamente para atingir o objectivo!
2 - Idem, no curso de Direito da Universidade de Coimbra, concluido com 17 e média geral de 16. Prémio Beleza dos Santos de Direito Criminal.
3 - Diplôme Supérieur d'Études et de Recherche en Droit (Instituto Católico de Paris, Faculdade Livre de Direito e Ciências Económicas). 17 no curso de Sociologia do Direito, 15 em Filosofia de Direito, desaguisado e classificação "assim assim" em Sociologia das Instituições (salvo erro - nem do nome do padre que regia o curso, muito afamado, aliás, nem do curso, nem da nota me lembro muito bem - memória selectiva...). Estávamos no pós Maio de 68, Paris, como diria Hemingway, era uma festa!

Até certo ponto, também quis o que consegui no início da vida profissional:
enveredar por uma carreira jurídica, estável e não muito competitiva.
Assistente de um Centro de Estudos de Direito de Trabalho, que dava aso a bolsas de estudo e estágios no estrangeiro, a trabalho de investigação em gabinete, sem horário, a convívio com colegas inteligentes e interessantes, a par de "chefes" amigos, civilizados, bem dispostos e bem educados, primeiro o dr. Cortez Pinto, depois um génio e um fenómeno de sapiência e simpatia, o queridíssimo Dr António da Silva Leal.
O meu "paraíso juslaboral" da Praça de Londres, onde passei anos felizes - desde Janeiro de 1967 até pouco depois do 25 de Abril de 1974.
Por estranho que pareça, na política o único cargo que ambicionei e alcancei, no outono de 1991 (e do que tinha sido a minha carreira política de 2ª classe...) como as coisas se alcançam na política (dizendo "quero aquilo" a um amigo influente) foi o seguinte:
Representante de Portugal no forum de Direitos Humanos, que é a APCE, com sede em Estrasburgo e "sub-sede" em Paris - à qual parece que De Gaulle se referia como "aquele parlamento que dorme nas margens do Reno", pelo que se vê que não sou propriamente "Gaullista" .
Isto após um longo hiato, preenchido pelo exercício involuntário de diversos ofícios profissionais e políticos indesejados, quando não indesejáveis.
Fui eleita pelo Plenário da AR, mas em boa verdade "designada" pelo meu Grupo Parlamentar, pois não há memória de alguém ter sido vetado numa destas votações.
Não confundir a APCE, Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa com o Parlamento Europeu (PE) - erro muito comum.
Do PE nunca fiz parte - nem nunca pretendi fazer parte.
Os lugares de deputado europeu, dando ocasião a colher altos proveitos são, em Portugal, os mais disputados no interior dos partidos, mas a APCE, não dando rendimento algum, dá viagens e, por isso, também é demasiado apetecível.
Não foi fácil conseguir a "indigitação", para a qual contei com um decisiva intervenção de Ângelo Correia (a quem tinha dado conta dessa minha aspiração) junto do Duarte Lima, lider da bancada.
Ângelo é o único social-democrata a quem devo um agradecimento!...
Ajudou o facto de eu ter deixado, justamente então, na "rentrée" de 1991, o cargo de Vice-Presidente da AR, e de não saberem o que haviam de fazer comigo. Quanto mais tempo andasse por longe, melhor para eles - e para mim, também...
Fui membro da APCE entre 1992 e 2005, até deixar a AR.
Ponto final neste capítulo.


DEPOIS DAS EXCEPÇÕES, A REGRA.

Muitos casos, dos que compõem o curriculum genuinamente acidental, detalhados à medida que vêm à memória...

1 - Teria gostado de ter sido convidada para ficar na Faculdade de Direito, no final do curso, mas havia então uma reconhecida relutância em aceitar mulheres no corpo docente.
Os meus colegas-homens foram chamados a esse Olimpo 100% masculino, eu não.
Foi-me simpaticamente oferecida (pelo Prof Afonso Queiró) uma bolsa de estudos, que, mais tarde, devolvi por inteiro, ao desistir de apresentar o trabalho, para seguir outra vida. Quando me tornei assistente do Centro de Estudos, em Lisboa, desisti de vez de um hipotética carreira académica em Coimbra.
Mas uma espécie de carreira académica acidental e intermitente veio ao meu encontro, quando nada a fazia prever... E deixou boas memórias.

Um dia, telefonou-me um Sociólogo, doutorado em Espanha, que não conhecia de lado nenhum: o Prof Àlvaro de Sousa. E reciprocamente. O meu nome fora-lhe indicado pelo Carlos Branco, um colega de gabinete da Praça de Londres. O primeiro convidado para reger a cadeira de sociologia na Univ. Católica de Lisboa, Carlos Branco, um investigador nato, um sábio demasiado tímido para se expor numa sala de aula, declinou e indicou o amigo para o substituir e ao amigo, sem me prevenir, aconselhou a minha pessoa.
Álvaro de Sousa aceitou de bom grado o lugar e a sugestão de me recrutar como assistente. Fez-me, então, o tal espantoso telefonema.
Eu, não sendo sábia e sendo mais tímida e insegura do que aparentava, comecei por dizer "nâo", mas ele insistiu num encontro, e ao encontro eu disse "sim", evidentemente. A urgência devia ser grande! Era sábado, o Carlos Branco não estava na capital e o prof queria a reunião de imediato. Não tinhamos quem nos apresentasse. O desconhecido do outro lado da linha tinha uma voz tão bonita e parecia tão acessível que, de brincadeira, aventei a hipótese de ele levar um cravo na lapela, mas a sugestão não o entusiasmou. Por isso, sugeri que nos descrevessemos, tal como nos víamos. Ele "forte", muito moreno, cabelo escuro e encaracolado. Eu, 1,68 de altura, cabelo comprido, liso e claro, óculos, "tailleur" castanho.
Parecia o bastante. Local de encontro: Café Londres, às 3.00 da tarde.
Fui mais cedo, comprei "A Bola", pedi o meu cafézinho, instalei-me. Um ambiente muito do meu agrado.
A certa altura entrou um senhor que correspondia à descrição. Olhei para ele, olhou para mim e seguiu em frente para uma mesa no centro da sala. Esperei... Esperei, para além da hora, até que decidi chamar o empregado e disse-lhe: Não se importa de ir àquela mesa perguntar ao Senhor que ali está se se chama Álvaro de Sousa?
O homem era um "atado"... Arregalou os olhos, como se o pedido fosse ofensivo, ou pura gozação, e não se mostrava nada disposto a condescender. Porém, o senhor forte e moreno, que seguia discretamente a cena, apercebeu-se do que estava em questão, levantou-se e veio perguntar-me se era a Manuela Aguiar.
Razão de me não ter reconhecido: a cor do fato. Do ponto de vista feminino era castanho. Do ponto de vista masculino, sendo um "tweed" mesclado em tons de castanho e beige, não era castanho, não era mesmo castanho de modo algum...
Depois desse diferendo, não houve mais nenhum! Acabei a trabalhar como sua assistente - com os bons autores ainda frescos na memória de uma aprendiz de sociólogo no pós Maio 68 parisiense, o que para o efeito, na altura, fazia curriculum... - e garanto que não há á face da terra "patron" académico mais gentil, mais colaborante do que ele. Uma pessoa muito inteligente, muito descomplexado e muito sabedor.
Os estudantes adoravam-no, e eu também.
Tudo o que eu não gostava de fazer, tal como vigiar exames a horas demasiado matutinas, ele oferecia-se para fazer! Nunca vi nenhum número um tão simpático com a, ou o, número dois...
E não somente gostei do professor - gostei também, humanamente, na convivência quotidiana, dos alunos. Foi uma relação feliz que me deu o à vontade de falar para largas e exigentes audiências - que não pensava possível!
Esse estágio restituiu-me a confiança em mim que me levou, 2 anos depois, relutantemente embora, a reger um curso na Faculdade de Direito de Coimbra, e seis anos mais tarde, ao Governo da República.
Disso não duvido, porque haveria, de outro modo, barreiras psicológicas demasiado fortes a me impedir-me de ceder, como fui cedendo, por incapacidade de pronunciar a palavra "não".
Passo a passo se desenhava o caminho em que não queria realmente caminhar...



(continua...)

outubro 26, 2009

O CV Resumido.

O que eu mais uso é, evidentemente, o CV resumido, mais ou menos resumido, conforme os fins a que se destina.
CV daqueles longos e detalhados nunca fiz e é obra difícil de completar, porque tendo sempre a esquecer alguma coisa, independentemente da sua relativa relevância...
Pensei então, em alternativa, enveredar por um caminho mais fácil, que é o de enumerar actividades e factos soltos, compondo o que chamei o CV acidental (será a próxima "entrada" do blogue).

CV RESUMIDO
Maria Manuela Aguiar (nome também resumido...)
ou: foi Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Licenciatura em Direito pela Universidade de Coimbra (pode ou não precisar-se que o curso foi concluido com a classificação de 17 valores - ou com média geral, matemática, de 16 valores, "Bom, com distinção" - aqui o mais importante é a data, muito anterior ao processo de Bolonha e outras "facititações").
"Diplôme Supérieur d'Études et de Recherche en Droit" pela Universidade Católica de Paris (mais precisamente pela "Faculté Libre de Droit et Sciences Économiques" do "Institut Catholique" de Paris), em 1970.

Trabalho Profissional

Advogada(1067/1972)
Assistente do Centro de Estudos de Ministério das Corporações e Segurança Social
(1967-1974)
Assistente da Universidade Católica de Lisboa - Faculdade de Ciências Humanas, Sociologia (1971/72)
Assistente da Universidade de Coimbra - Faculdade de Economia (1973/74)e Faculdade de Direito (1974/75 e 1975/76). Regeu o curso de "Introdução ao Estudo do Direito".
Assessora no Gabinete do Ministro dos Assuntos Sociais (1974/1976).
Assessora do Provedor de Justiça (1976/2002). Aposentada em 2002.
Docente da Universidade Aberta - Mestrado de Relações Interculturais (1991/92, !992/93, 1993/94). Regeu o curso de "Políticas e Estratégias para as comunidades Portuguesas".

Trabalho Político

Governo

Secretária de Estado do Trabalho (1978/79)
Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas(1980/81)
Idem (1981/82)
Secretária de Estado da Emigração (1983/85)
Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (1985/87)
Chefia da Delegação Portuguesa à Conferência da meia década da ONU para a Igualdade da Mulher (Copenhague, 1980)
Chefia da Delegação Portuguesa à 1ª Reunião de Ministros do Conselho da Europa para a Igualdade (Estrasburgo, 1984)
Vice-Presidente da 2ª Conferência de Ministros do Conselho da Europa para as Migrações (Roma,1983)
Presidente da 3ª Conferência de Ministros do Conselho da Europa para as Migrações (Porto, 1987)

AR

Deputada à Assembleia da República eleita, em mandatos sucessivos, entre 1980 e 2005.
Vice-Presidente da Assembleia da República (1987/1991).
Presidente do Conselho de Administração da AR (por inerência).
Presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina (1987/89)
Presidente da Subcomissão das Comunidades Portuguesas (2002/05).
Membro da Comissão de Negócios Estrangeiros e da Comissão para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste.
Vice-Presidente da Comissão para a História do Parlamento.
Foi Presidente dos Grupos Parlamentares de Amizade Portugal-Japão, Portugal- Suécia, Portugal-Israel e Portugal-Canadá.

Delegações Internacionais da AR

Membro das Delegações da AR à APCE (Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa) e à UEO (Assembleia da União da Europa Ocidental)- (1993/2005)
Presidente da Subcomissão das Migrações da APCE (1994/1995)
Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia da APCE (1995/97)
Vice-Presidente do Grupo Liberal na APCE, desde 1993.
Vice-Presidente do Grupo PPE na APCE - após a adesão do PSD ao PPE (2002/2005)
Vice Presidente da Assembleia da UEO (2002/2005)
Vice-Presidente da Comissão para a Igualdade (2003/05)
Presidente da Subcomissão para a Igualdade (2004/05)
Membro honorário da APCE e da Assembleia da UEO (2005)


Autarquias

Candidata à Assembleia Municipal do Porto (cabeça de lista), em 1997.
Membro da Assembleia Municipal do Porto (1997/2001)
Vereadora na Câmara Municipal de Espinho (2005/09)


Legislação, criação e reforma de organismos, que impulsionou:

Comissão para a Igualdade no Trabalho e Empresa (CITE), 1979;
Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas (IAECP), 1980;
Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), 1980;
Lei da Nacionalidade, 1981;
Centro de Estudo do IAECP e "Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas" (1984);
"Regionalização" do CCP (1984);
Comissão Interministerial para as Comunidades Portuguesas (1987).
Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros (reciprocidade), 1989-2001;
Lei da Nacionalidade (recuperação automática), 2004;
Direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu (fora do espaço da UE), 2004


Actividade Partidária

Membro do PSD, desde 1980.
Membro Fundador e membro dos Orgãos Sociais do IPSD até 2005.
Membro do Conselho Nacional do PSD, nos anos 80.
Membro da Comissão Política do PSD (1992/1995).
Coordenadora das "Mulheres Social-Democratas" (1993/1995)
Membro do "Gabinete Sombra" de Durão Barroso (2000/2002) - Comunidades Portuguesas


Publicações

Políticas para a Emigração e Comunidades Portuguesas(1986); Emigration policies and the Portuguese Communities (1987); Portugal, País das Migrações sem fim (1999); Círculo de Emigração (2002); Mulheres Portuguesas Emigrantes, Rio de Janeiro, coord. (2004); ComunidadesPortuguesas - Os Direitos e os Afectos (2005); Migrações - Iniciativas para a Igualdade de Género, coord (2007); Problemas Sociais da Nova Imigração, coord (2009)
Relatórios apresentados na Asembleia Parlamentar do Conselho da Europa (colectânea em preparação); Cidadãs da Diáspora - Encontro em Espinho, coord(colectânea em preparação).
Numerosos artigos publicados em revistas dae especialidade sobre Direito do Trabalho (Acidentes "in itinere" trabalho domiciliário), Migrações, Igualdade de Direitos, Direitos Humanos.
Colaboração regular em jornais nesses e outros domínios.

Condecorações
Nacional
Grã-Cruz da Ordem do Infnte Dom Henrique

Estrangeiras
Grã-Cruz da Ordem do cruzeiro do Sul (Brasil)
Grã-cruz da Ordem do Império Britânico (OBE)
Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco (Brasil)
Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Iália)
Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Alemanha)
Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Luxemburgo)
Grã-Cruz da Ordem de Leopold II (Bélgica)
G~ra-Cruz da Ordem Fenix (Grécia)
Grã-Cruz da Ordem Francisco Miranda (Venezuela)
Grande Oficial da Ordem da Estrela Polar (Suécia)
Grande Oficial da Ordem de Mérito (França)

Outros Títulos e Prémios
Prémio Nacional, Liceu Rainha Santa Isabel, Porto, em 1960
Prémio Beleza dos Santos (Direito Criminal). Universidade de Coimbra, em 1965
Cidadã do Rio de Janeiro, em 1990
Ordem Tiradentes (Rio de Janeiro),em 2000.

outubro 23, 2009

CCP - Boas Práticas

Quando a Doutora Beatriz Padilha me convidou a participar numa edição especial sobre migrações, com um apontamento sobre boas práticas, acabei por me decidir sobre o CCP, sua criação e desenvolvimento num quotidiano diálogo entre Estado e ONG's.
Foi, nesta perspectiva uma instituição única e peradigmática - enquanto durou o diálogo, ainda que este não fosse necessariamente pacífico...
Houve várias versões, devido à necessidade de encurtar o texto.
Já não sei qual esta é. É provavelmente a penúltima - o que quer dizer um das mais sintéticas.
De qualquer modo, não a publiquei até à saída da revista!

1 - O CCP é um orgão consultivo do Governo, em matéria de emigração - e, mais do que isso, é também um orgão representativo dos portugueses do estrangeiro.
Este caráter de representação - que , numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso, como adiante veremos... - valoriza substancialmente o significado da própria audição.
Instituído por decreto-lei em 1980, com início de actividade efectiva no 1º semestre de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", surgido após a Grande Guerra - e que tem a particularidade de escolher os representantes da emigração ao Senado , ou seja, os "Senadores da Emigração".
É de realçar esta atribuição, porque embora nenhuma dos organismos que, em vários países da Europa, a partir da década de 80, nele encontraram uma fonte de inspiração, vá tão longe, a todos eles me parece que subjaz o propósito de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou Assembleias de Emigrantes. Em qualquer caso, sem dúvida, mecanismos específicos para a sua representação.
Em França, uma alteração recente do antigo "Conséil" dá-lhe precisamente a designação de "Assemblée".
Em Portugal, a idéia de integrar o CCP numa segunda Câmara, no contexto de um futuro Senado, ou, pelo menos, de o "constitucionalizar", de per si, isto é, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes...), foi, e é, um projecto caro aos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Sub-comissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004, (o último dos quais com a participação dos eminentes juristas e constitucionalistas Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia).
O mais antigo "Conselho" desta natureza é o suiço, que, porém, se distingue de todos os demais por ser um puro organismo associativo privado, embora conte com fortes apoios governamentais em determinadas áreas estratégicas de actuação, caso do ensino das línguas do país ou da informação para os emigrantes. Uma fórmula de sucesso, uma parceria pragmática, baseada no interesse e no respeito mútuo, mas muito suiça, difícil de copiar ou emular ao nível outros povos migrantes e de outros Executivos...
Foi, pois, o modelo francês - instância de audição governamental , primeiramente eleita por um colégio associativo, e, a partir de 1984, por sufrágio directo e universal, que serviu de paradigma ao "Conselho" português e, mais tarde, ao italiano e ao espanhol, e a outros.

O CCP tem um historial interessante, do ponto de vista em que vamos analisá-lo, que é o das vicissitudes do seu nascimento, do moldar de uma instituição nova e original, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo.
Não quer isto dizer que tenha tido vida fácil e um percurso ascensional, porque não teve - bem pelo contrário. Tem conhecido inúmeros bloqueios e longos hiatos de funcionamento efectivo, afrontamentos com o Governo , ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais, anulação de actos eleitorais para os orgãos de cúpula... Em boa verdade, talvez não devamos, sequer, falar de um único "Conselho", mas de vários, ou de várias "vidas" de uma mesma instituição.
Ao longo de quase três décadas, só o nome original se mantem, ainda hoje, e, de uma perspectiva jurídica, a "continuidade na descontinuidade" de soluções, traduzida na norma que revoga, globalmente, toda a a legislação anterior...
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP, manteve um funcionamento regular, salvo a não convocatória da sua reunião mundial, em 1982, por um novo Secretário de Estado, a pretexto de uma modificação legislativa, que não chegaria a concretizar-se, com a sua saída do cargo, logo no governo seguinte (atravessávamos um período de instabilidade política com governos de curta duração...).
A partir de 1988 e até 1995, ao longo de dois governos de maioria, de legislatura completa, o CCP entra no seu mais prolongado "eclipse" - uma "não existência". Desactivado, de facto, desde aquele ano de 88, é descaracterizado num diploma aprovado pela Assembleia da República, no início da década de 90, prevendo a eleição ou nomeação de membros numa multiplicidade de colégios eleitorais, de natureza associativa ou corporativa, que, como era, porventura, intenção do "legislador" o paralisaram, por completo... Não há nada mais eficaz para conduzir à inércia, do que um esquema impraticável, em razão da extrema complexidade...
O CCP ressurgiu, na sua terceira vida em 1996, através de um diploma, apresentado pelo Governo, que a Assembleia da República, por uma vez, desmentindo a habitual lentidão dos seus processos, recebeu e tratou, de forma exemplarmente pronta, primeiro num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, em ambiente de uma grande "cumplicidade" , de um grande empenho daqueles parlamentares em concreto, todos conhecedores das realidades da emigração portuguesa, e, depois, em plenário, através de um agendamento célere. O acordo que permitiu este resultado não se estendia, em boa verdade, a muitas das soluções encontradas - que foram, fundamentalmente, as que constavam da proposta de lei, pouco se tendo acolhido de projectos tão diversos, entre si e da referida proposta, como os que haviam sido, anteriormente, apresentados, em projectos de lei próprios, pelo PSD e pelo PCP. Acordo, pois, quanto à urgente necessidade de relançar um orgão de fundamental importância "democrática", que permanecia, há cerca de 10 anos, em estado de dormência profunda. Todos se mostraram, assim, dispostos a sacrificar o que era, face a este imperativo, de considerar "acessório". Bom senso e boas práticas, na Assembleia da República...
Uma das mutações qualitativas do novo sistema era a eleição dos conselheiros através do sufrágio directo e universal, por todos os cidadãos inscritos nos consulados, o que tem a evidente vantagem de lhe conferir uma legitimidade alargada, mas, por outro lado, duas consequências de monta, ambas, a meu ver, negativas: o "desenraízamento" do CCP da sua matriz associativa, e a exclusão de todos os luso descendentes, que, embora estejam, dedicadamente, entre os construtores e líderes desse mundo associativo, já não tenham nacionalidade portuguesa.
A tal óbice souberam responder os italianos com um sistema misto, semelhante ao delineado no projecto de lei que subscrevi, prevendo dois colégios eleitorais: um, consagrando o sufrágio universal, para os recenseados nos cadernos eleitorais dos círculos de emigração; outro composto pelos representantes das associações voluntariamente inscritas para participar.

2 -Após traçar, desta forma abreviadíssima, a linha de evolução do Conselho até à actualidade, retorno ao período primordial, à sua génese - à fase mais esquecida, mas, na perspectiva em que me vou situar, a mais interessante.
O Conselho começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscritao no programa da AD (Aliança Democrática), uma coligação de dois partidos e um movimento de independentes, que se apresentou a sufrágio em 1979, venceu e formou governo.
Havia que dar cumprimento à promessa. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca soube quem a tinha formulado, e ainda hoje nem sequer sei a qual dos partidos se deve...
A proposta constituia uma primeira e a mais atractiva das tarefas.
Sendo de autor desconhecido, não estava limitada pela sua intencionalidade subjectiva, não tinha qualquer tradição entre nós, não havia figurino estrangeiro a escolher entre muitos, para além do francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional radicalmente diversos.
Era, numa democracia ainda tão recente, mas já tão rica de experimentações e de experiências de intervenção política e social, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um forum de audição, um convite ao diálogo, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas.
Uso a palavra "experimentação" de caso pensado, pois o CCP foi, desde o seu início, foi visto como um verdadeiro "laboratório", onde, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, para a aprendizagem de métodos, para "moldar" a própria instituição.
Não havia idéias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um projecto com rosto de lei, a rever, naturalmente, um caminho próprio que, como diz o Poeta, se abriria, " ao caminhar".
Falo do decreto-lei do Governo, que, em 1980, ao fim de pouco mais de dois meses, tinha instituído o CCP, e que o PR manteria na gaveta durante cinco meses, só o promulgando em Setembro desse ano, na véspera de eleições ( os chamados "vetos de bolso", conflitos de época, agora já mal lembrados).
A opção fora tomada, antes do mais, para apressar o processo... Uma lei da AR dar-lhe-ia - na concepção de escola de muitos juristas ... - maior dignidade formal, e, também, maior impacte mediático e mais oportunidade de discussão pública, mas correndo o risco de delongas. Além disso, mais do que discuti-la com os políticos do país - quase sempre tão alheados das questões da emigração nacional - queríamos analisá-la e modificá-la, livremente, de acordo com a visão e o sentir dos próprios emigrantes.
Eis uma primeira singularidade:
uma lei do governo que, "ab initio", o próprio governo aceita questionar;
um organismo que se destina a iniciar um estreito relacionamento entre o Estado e a Comunidades do estrangeiro e que o Estado pretende ver moldado, também pela vontade dos seus destinatários e não só pela sua.
Assim, de entre as secções constituidas para uma primeira reunião mundial, em Abril de 1981, uma destina-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros , mas por iniciativa d Governo. Poderemos acrescentar que essa secção foi, sempre, a mais participada, e a mais polémica, tendo, apesar disso, permitido alguns consensos, e uma reformulação do diploma, em 1984, a consagrar, ao lado das reuniões mundiais, reuniões por grandes regiões do mundo (Europa, África e Oceania, América do Norte, América do Sul), isto é, a "regionalização" do CCP.
O Conselho representava, em primeira linha, o movimento associativo, que, localmente, criava os "conselhos de país", com os seus próprios regulamentos, em matéria de composição, competências ou programas e, através deles, elegia os membros a que cada país tinha direito no conselho mundial.
Porquê este ênfase no associativismo? Não era apenas porque não havia, então, em direito comparado, outros modelos a considerar, mas porque se reconhecia, em Portugal, como na Suiça, ou na França, que as comunidades se organizam, desenvolvem pelo associativismo, e que lhe devem a sua existência, enquanto verdadeiras comunidades orgânicas, capazes de manterem viva a língua, a cultura, os modos de estar de assegurar a preservação da sua identidade. Aliás, sem prejuízo de promover, como na nossa integração é bem claro, activamente, a integração dos seus membros na sociedade de acolhimento. Parceiros ideais e insubstituíveis do governo de ambos os países - o de origem e o de destino!
E, no caso português, organizações que, efectivamente, ao longo de séculos, se substituíram ao papel e aos deveres de Governos sem políticas culturais ou sociais de apoio à emigração e às comunidades que esta foi gerando. De facto, até tempos recentes, o Governo não ía além do acompanhamento das viagens de saida, na emigração legal, e de uma protecção consular limitada a aspectos burocráticos e, em situações dramáticas, a repatriamentos.
A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é enorme e a dimensão da sua obra extraordinária. Tudo erguido sem contributo do Estado, a ponto de podermos afirmar, sem margemm para dúvida, que , nem uma só dessas grandes obras existiria. se tivesse dependido do Estado. As comunidades são 100% sociedade civil - razão de sobra para que o Estado, numa relação de cooperação se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando, sempre, os projectos próprios dessas entidades, e das comunidades como um todo.
Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", encetados no CCP.
Olhando o associativismo português no mundo, comparando-o com o de outros povos migrantes da Europa - italianos, polacos, franceses, alemães, suiços, belgas... - não ficamos a perder para nenhum, salvo num aspecto: o da "internacionalização" ou federalização do movimento, fora das fronteiras de um determinado país, e, muitas vezes, até fora do perímetro de uma cidade ou região. Porquê? Não tenho uma boa explicação para o fenómeno, por demais evidente em 1980, e que perdura, apesar do aumento do número e importância de organismos federativos, uniões ou alinças de clubes e centros comunitários, em alguns países.
A única tentativa de instituir uma "União" de âmbito mundial aconteceu nos anos 60 e foi um projecto accionado a partir de Lisboa, pela Sociedade de Geografia, então presidida pelo Prof. Adriano Moreira.
O legislador do CCP, deixava claro que não pretendendo impôr directrizes ao movimento associativo, lhe oferecia este organismo como "plataforma de encontro" - que até então faltava, aos líderes associativos do inteiro "mundo português" para conhecimento mútuo, troca de experiências, e concertação formas de trabalho conjunto. Entre si e com o Estado, também.
Uma prova mais da prevalência da vontade dos membros eleitos (havia, como haveria nos conselhos espanhol ou italiano, ainda, membros "por inerência" - por exemplo, o Secretário de Estado, que presidia, representantes das Regiões Autónomas ou do Parlamento - e nomeados - representantes de sindicatos ou entidades patronais, e peritos - que tinham voz, mas não eram parte nas recomendações) foi o "desvio" das prioridades do CCP, idealizado, essencialmente, para a defesa de valores culturais, nas comunidades antigas, para questões sociais (e políticas), mais características de núcleos de migrações recentes. Nem mesmo pode ser evitada uma certa) e, "politização" do Conselho, muito mais notória na Europa do que nos outros continentes. O que, não sendo nada de estranhável, até por não haver outra instância, onde se pudesse marcar essas posições, acabou por dividir os próprios conselheiros ( a minoria "europeia" e todos os outros, ideologicamente mais próximos dos governantes...), e, bastante pior do que isso, por construir uma imagem mediática, globalmente muito injusta, deste órgão, como "contestatário" e turbulento. Imagem, a meu ver, determinante, para a sua posterior extinção, de facto, a partir de 1988.
O CCP associativo não voltaria a ressurgir, perdendo-se com ele. a vertente de colaboração institucional entre o Governo e as "Comunidades Portuguesas" , em sentido sociológico. Perdendo-se, igualmente, a força e autonomia do Conselho, na medida em que essa força e autonomia lhe vinha de ONG´s que nada devem ao Estado e não dependem dele.
Um Conselho eleito pelos cidadãos espalhados pelo universo é bem mais vulnerável a um simples corte do seu orçamento de funcionamento - como, ao longo de anos recentes, se tem visto, de vez em quando... E, tendo embora funções consultivas, pode ser muito pouco consultado, como também se tem visto...
Pelo contrário, o primeiro CCP, quando o Governo Português, quis silencia-lo para, depois, o extinguir, manteve-se, em plena actividade, onde desempenhava o tal papel federador, como era sua vocação originária: por exemplo, em contextos tão diversos como os da França, do Brasil, da Argentina...
Da sua existência histórica, enquanto órgão consultivo, ficam muitas lições que deixou sobre as formas possíveis de viver uma ideia, ou uma lei - e a vivência, pela vontade das pessoas é o mais importante, porque é com elas que se ganha, se transforma, ou se perde...
A igualdade de tratamento entre os portugueses residentes no país e no estrangeiro passa por direitos políticos, culturais e sociais, reconhecidos a nível individual, mas passa, também, pela igualdade de tratamento dos organizações em que prosseguem os seus fins colectivos - sobretudo os de entreajuda e solidariedade e os de preservação das suas tradições e da sua língua.
Ao CCP, a SECP apresentava, anualmente, muito antes que isso se tivesse tornado prática, o seu programa de actividades, o "programa cultural" decalcado ou inspirado nos programas das associações e nos seus pedidos de apoio e colaboração , assim como o orçamento de suporte dessas acções (programas que não me lembro de ter sido, por uma só vez que fosse, posto em causa...). Como apresentava um relatório sobre as recomendações do Conselho, com a justificação de eventuais razões de não cumprimento ou de atrasos... Em 1987, foi criada uma Comissão Interminuisterial , que tinha , entre a suas competências a de preparar a reunião anual do CCP, com resposta de cada departamento às recomendações recebidas ou das consultas a formular. E em preparação estava, para consulta, a criação , na órbita do CCP, de várias Conferências especializadas por matérias (Ensino, Assuntos Económicos, Juventude, Participação Cìvica das Mulheres)...
Esquemas que, com aqueda desse governo, minoritário, e a sua substituiçaão por outro, do mesmo Primeiro -Ministro, com uma confortável maioria, se perderiam todos, inesperadamente, como o prórpio CCP.

Formas de presença e ausência do emigração portuguesa - resumo

Tradicionalmente os emigrantes portugueses eram considerados como ausentes da vida do País, enquanto durava a sua estada no estrangeiro.
A "ausência" implicava, nesta forma de conceber o relacionamento entre os emigrantes e as instituições da terra de origem, uma ruptura de laços do ponto de vista jurídico-constitucional, uma "capitis diminutio", a perda do estatuto de direitos políticos, ou da própria nacionalidade, e, mais latamente, de direitos à protecção social e de acesso a prestações culturais.
Era, assim, segregada uma parte substancial do Povo Português - mais ou menos um terço da totalidade.
Apesar da constatação das múltiplas formas de "presença", da sua efectiva e muito visível participação na vida do País e no desenvolvimento das comunidades locais, apesar do peso financeiro extraordinário de incessantes remessas, de investimentos vultosos, de grandes obras de solidariedade e beneficência, nunca, até ao nosso tempo, esses dados de facto se traduziram, no plano jurídico, em restituição de direitos perdidos ou em execução de medidas ou políticas de apoio.
Ainda menos conhecido e reconhecido foi, ao longo dos séculos XIX e XX, o carácter expansivo dado à língua e à cultura portuguesa pela existência de comunidades de emigrantes - comunidades em sentido sociológico, fundadas, mantidas e transmitidas, de geração para geração, por movimentos associativos de grande dimensão e representatividade. Ou seja, uma outra forma de vencer o distanciamento do território pátrio.

2 - As primeiras e tardias políticas de protecção social dos "ausentes", que, por tantos meios se fazem "presentes" na vida nacional - para além dos apoios limitados ao acompanhamento das viagens de partida ou ao repatriamento, em casos extremos de pobreza - têm início no final dos anos 60.
A viragem acontece em 1974, de súbito, com a restauração da democracia e a proclamação da igualdade entre todos os portugueses, onde quer que residam (Constituição de 1976, com as emendas introduzidas nos sucessivos processos revisionais).
As referidas formas de "presença" dos emigrantes", como parte integrante da Nação - cerca de 10 milhões de residentes no território e de 5 milhões em "diáspora" - obrigaram o Estado democrático a reestruturar as suas instituições e as suas leis para corresponder a esta realidade nacional.
A partir da Constituição, das Leis Eleitorais, da Lei da Nacionalidade e de normativos jurídicos que equacionam, em favor dos emigrantes, a regra da igualdade em todos os domínios da vida nacional se procura alcançar a "prática da igualdade", a igualdade real - apesar de grandes avanços, nem sempre lineares, ainda uma utopia...
A meta é o pleno reconhecimento de uma Nação populacional, que na sua verdadeira dimensão, largamente extravaza o território, e que, nos 5 continentes do mundo, a Portugal se liga por formas diversas, que é preciso saber integrar nos nas leis e nos projectos nacionais, para que sejam verdadeiramente nacionais - conjugando o que alguns chamam a "a comunidade política nacional" (convertida num círculo muito restrito de cidadãos eleitores, por força da lei e por outros factores, também, tais como o desinteresse das próprias pessoas e o descaso dos governos) com a "comunidade nacional" incondicionalmente aberta a todas as formas de ser e sentir Portugal.
É um desafio bem actual. Ao sistema falta eficiência e até, desde a última reforma legislativa, coerência interna. Os emigrantes votam nas eleições legislativas, em dois círculos próprios, com apenas 4 representantes em 230 - única excepção à regra geral da proporcionalidade - e nas eleições europeias, através da livre inscrição nos cadernos eleitorais. Já na eleição para o Presidente da República, reconhecido desde 1997, são, agora, várias a condicionantes que vedam o acesso ao universo eleitoral. Nas eleições municipais e na das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas é excluída toda e qualquer participação.
Completa o sistema de representação dos expatriados um orgão consultivo, o Conselho das Comunidades Portuguesas, eleito por sufrágio directo e universal, com base no recenceamento para a eleição parlamentar.
A comparação com as soluções mais abertas e bem sucedidas, encontradas na ordem jurídica espanhola, e na sua prática administrativa, poderá ajudar o legislador e os políticos portugueses a repensarem um sistema que conhece, actualmente, retrocessos na lei, tal como nos níveis de participação, de facto.

Emigrantes - Imigrantes: a dupla pertença

Emigrantes e Imigrantes - A Dupla Pertença



1. Os expatriados têm sempre esta dupla condição de emigrantes/imigrantes, no relacionamento com um e outro dos países que marginam o seu percurso de vaivém, percurso geográfico, cultural, afectivo…
Todos sabemos que os migrantes são, em determinado condicionalismo, levados a dar sinais exteriores da sua pertença a uma outra entidade nacional, da sua etnicidade, enquanto em outros contextos, se esforçam por diluir ou esconder quaisquer diversidades de conduta ou aparência, que os distingam no mainstream, na nova sociedade.
Pensando em comunidades portuguesas dos cinco continentes, tendo a considerar que a decisão de não assumir, publicamente, essa pertença não se explica nem por um menor sentimento patriótico, nem pela quebra de laços afectivos ou de adesão aos valores de que se entretece a entidade nacional. É obviamente outra a explicação das diversas opções individuais, opções opostas tomadas, por vezes, pelas mesmas pessoas nas sucessivas fases do ciclo migratório. Ou na veste de imigrante (quando na sociedade de destino oculta a origem, a ascendência, a alteridade) e de emigrante (quando, no seu país de naturalidade ostenta as marcas da experiência de vida e de trabalho no estrangeiro – maneirismos de fala ou de traje, bons carros, a casa grande, que conta na pedra, no azulejo, na estatuária, no exotismo dos jardins, uma história de sucesso em países distantes).
A meu ver, é determinante da avaliação da imagem, mais ou menos prestigiante, do seu grupo minoritário, o olhar dos outros, o conceito da maioria. Ou melhor, a percepção subjectiva desse conceito, que pode, ou não, ser realista…
Assim, por exemplo, na Argentina, país cosmopolita e europeísta, os jovens de segunda e terceira geração assumem a ascendência portuguesa com grande à vontade. De igual modo, em nações nascidas de um mosaico de imigrações, como o Canadá e Estados Unidos, abertas ao interculturalismo, como componente essencial da sua sedimentação, igualitárias para os estrangeiros, fica mais facilitada a vivência das tradições de cada grupo, dos valores e dos direitos da nacionalidade de cada um.
Já num pano de fundo de rejeição larvada ou explicita das diversidades, com a prossecução de politicas de assimilação de imigrantes e suas culturas, se torna expectável que deixem na sombra, como que dormentes, os direitos da sua cidadania – dormentes, mas não voluntariamente perdidos, mesmo quando adquirem a do outro país, através de laços de natureza semelhante.
2. Sou partidária, sem reservas, da dupla nacionalidade – por nós aceite em 1981, antes da maioria dos Estados da União Europeia actual, muitos dos quais se mostram ainda incapazes de a consagrar.
O reconhecimento da dupla cidadania, na ordem jurídica interna, é uma mensagem clara do legislador, cujo sentido os imigrantes logo captam. Que os estimula a serem como são – parte do seu país de origem – e a transformarem-se no que querem ser: parte, igualmente, do país que os acolhe, sem complexos, sem desconfiança, sem pressão de ordem jurídica ou, simplesmente, psicológica. Sem receio de discriminação ou exclusão.
O receio é o que os pode levar, num contexto ressentido como adverso (e a existência de politicas e imigração radicalmente assimilacionistas, como as que se desenham na Europa da União não pode ter outra leitura, feita pelos imigrantes ou por meros observadores como eu…) a restringir a extroversão de hábitos, de tradições e costumes próprios, limitando-a a um círculo restrito, à intimidade da família e do grupo étnico.
Ou, pelo contrário, à revolta, exibindo a sua diversidade como um desafio, ou uma coroa de glória…
Uma reacção deste tipo terá sido desencadeada pela controversa medida da proibição do véu islâmico em França, na França laica e republicana, onde nunca se viu tantas mulheres veladas…
Sotainas, hábitos religiosos, tranças pretas de judeus ortodoxos, saris de asiáticas, saia preta e avental de mulheres ciganas – nada disso me incomoda particularmente…
A intervenção do Estado impõe-se só quando estejam em causa princípios e direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo, obviamente, a questão de igualdade de género.
Aí, não podemos transigir! Em tudo o mais, sim, podemos e devemos.
3. O que acontece a nível individual passa-se, do mesmo modo e pelas mesmas razões, a nível colectivo, isto é, repercute, fortemente, no movimento associativo dos imigrantes.
De início, a actividade associativa é discreta, circunscrita ao âmbito do grupo, a um pequeno mundo fechado e marginal. É, de facto, o gueto de que sempre se fala, quando se fala de diásporas organizadas.
Estas reservas de estrangeiros são comummente combatidas por serem consideradas barreiras à integração dos imigrantes e seus descendentes.
Recordo que foi este o entendimento, largamente maioritário, dos participantes na 6ª Conferência de Ministros Responsáveis pelas Questões das Migrações do Conselho da Europa, que à questão deu grande importância.
Presente na reunião, na qualidade de observadora, em representação da Comissão das Migrações da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, fui das poucas vozes criticas desta visão das coisas. E apontei para contradizer a corrente dominante, casos de associativismo português, que sendo verdadeiros paradigmas de capacidade de integração, não são singulares ou raros, antes se assemelham aos de outros povos europeus, e também de muitos não europeus.
Na minha óptica, o associativismo segue a senda original da introversão ou evolui para uma crescente abertura ao exterior como reflexo da integração dos seus membros na nova sociedade.
É evidente que nem sempre assim é. O associativismo pode também servir um projecto estratégico de resistência à integração, mas convém precisar as razões e circunstâncias em que isso ocorre, sem cair na tentação de generalizar.
No que respeita à imigração portuguesa, creio que maioria das associações são, em simultâneo, um factor de preservação de um espaço cultural português – ao qual se dá tanto maior visibilidade quanto maior é a autoconfiança dos imigrantes, enquanto imigrantes bem inseridos no meio social e profissional – e um factor de adaptação à sociedade de acolhimento, isto é, de integração.
Foi assim no Brasil, nos Estados Unidos e na Argentina, há mais de um século. Assim é actualmente em França e em outros Estados europeus, no Canadá, na Venezuela na RAS, na Austrália – por todo o lado onde há comunidades nossas…
Em muitos clubes e associações se organizaram e organizam cursos de português para os mais jovens, mas também cursos da língua local, serviços de informação sobre leis, práticas, oportunidades de emprego, iniciativas de formação profissional, mediação junto de entidades públicas, troca de experiências e saberes para uma mais rápida penetração e ascensão no novo meio de todos os seus membros.
E à medida que os naturais do país entram no seu círculo de amizade e convívio quotidianos, tanto vão à casa de cada um como à casa comum, que é o clube ou um centro cultural português.
4. Os responsáveis pelas políticas de imigração nos países europeus deviam dialogar com os seus homólogos do chamado Novo Mundo, que têm mais passado e mais experiência neste domínio.
Com eles aprenderiam esta verdade simples e inelutável: não se pode neutralizar a pertença dos imigrantes à cultura de origem. Seria como separar o seu corpo e a sua alma…
O que é realmente importante é ganhar os imigrantes para a nova sociedade, criar as condições para a sua pertença afectiva ao país de acolhimento. O que passa por aceitar, naturalmente, a dupla pertença.


Espinho, 19 de Fevereiro de 2008

Maria Manuela Aguiar

Quotas e apelidos

As Mulheres e o Poder
Quotas e Apelidos


1 – As mulheres não têm ainda – com excepção dos países do norte da Europa e poucos mais – uma parte igual de influência, de intervenção na esfera politica, que persiste como um universo essencialmente masculino.
Portugal é um paradigma neste quadro geral de exclusão: onde estão as portuguesas nos órgãos de soberania, na chefia do Estado, no Governo, no Parlamento (em lugares representativos não há uma única vice-presidente entre os quatro vices – e teríamos de recuar às décadas e oitenta e noventa para encontrar as duas mulheres que ocuparam esse cargo, Leonor Beleza e eu própria… - no Conselho de Estado, nos governos regionais, nas autarquias
Se examinarmos o elenco de presidentes de partidos políticos também não achamos nomes femininos. E nas comissões politicas ou nos comités centrais a sua presença é insignificante, ao menos no que respeita aos partidos de poder. Pior ainda é perguntar quais as mulheres que, no futuro próximo, terão previsivelmente um papel de relevo em qualquer das instâncias referidas e não obter eco de resposta positiva.
É certo que vem aí não sei se um vento de mudança, se um bom imbróglio para os que se sentem confortáveis neste estado de coisas: a aplicação do sistema de quotas já nas eleições de 2009 para a Assembleia, os municípios e o parlamento europeu. Quotas para o sexo sub representado em modesta percentagem (1/3) mas, note-se, precludindo a solução habilidosa de colocar todas as mulheres no fundo da lista de candidatos, sem perspectivas de elegibilidade.
Esta legislação teve honras de veto presidencial, aliás o primeiro, a evitar que o seu não cumprimento determinasse a não aceitação da lista inteira…
Não sei se os diferentes partidos políticos se preparam para aplicar a lei, ou se vão preferir, como podem, pagar o preço do seu incumprimento (em Euros que saem, ou não entram, nos cofres dos partidos prevaricadores). Na primeira hipótese, têm pouco mais do que um ano para preparar as listas eleitorais, ditas paritárias, e seria avisado ir fazendo uma pesquisa sobre candidatas que possam trazer à política mais espontaneidade, mais seriedade, menos carreirismo, mais proximidade e atenção aos problemas reais das populações.
Para os que defendem, como eu, este sistema, um dos argumentos a favor é precisamente o de permitir a renovação de pessoas, com pessoas que queiram servir o interesse colectivo com maior independência face aos aparelhos. Para além de prosseguir, como é óbvio, os objectivos de abrir o circulo fechado do poder, de alargar o campo de recrutamento de novos valores, de fazer justiça em matéria de participação dos géneros.
2 – Foi com imposição de quotas, desde há muitas décadas que os países pioneiros, Suécia, Noruega, alcançaram os melhores níveis de equilíbrio e igualdade de género no mundo, sem que jamais se agitasse o estúpido temor de promover incompetentes. É claro que subjaz às escolhas de homens e mulheres, através desta metodologia, uma mesma exigência de qualidade.
O mais recente caso de sucesso na aplicação de quotas, neste domínio, é o da Espanha, aqui ao lado… Não seria mau que os nossos responsáveis partidários lá fossem ver, em diálogo com os seus congéneres, como as regras foram executadas...
3 – Há uma outra via de promoção das mulheres que também poderia ser considerada artificial mas que, curiosamente, não tem levantado polémica semelhante à das quotas, talvez porque tem acontecido longe, em sociedades vistas como exóticas ou, pelo menos, diferentes.
Refiro-me às herdeiras do poder, ao poder herdado, à sucessão dentro de uma linhagem política.
Uma realidade próxima ou aparentada com a que se vive em regime monárquico, mas em plena republica. E não falo de ditaduras – de Cuba à Coreia do Norte – mas de democracias, de escolhas livres, pelo voto do povo (após a indigitação, que essa não é feita pelo povo…).
A importância de um apelido (a exprimir uma vocação dinástica…) tem sido um factor tão eficaz quanto o das quotas na promoção das mulheres a altos cargos do Estado…
Indira, filha de Jawaharlal Nehru, uma grande estadista numa das mais populosas democracias de mundo, numa das mais antigas e mais ricas civilizações.
Benazir Bhutto, a filha de Zulfikar Ali Buhto, primeira mulher primeira-ministra de um país muçulmano, uma das personalidades mais fascinantes do nosso tempo, democrata num país onde a democracia precisou dela para se afirmar, durante um breve período, e onde parece absolutamente impossível sem ela! (haverá um outro politico contemporâneo de quem se possa dizer o mesmo?).
As senhoras Bandaranaika, mãe e filha.
Corazón, a mulher de Aquino, herói trágico e popular, primeira Presidente das Filipinas.
A presidente chilena Michelle Bachelet filha do General Alberto Bachelet.
Cristina, mulher do ex-presidente Kirschner, a primeira mulher presidente eleita da Republica da Argentina, sucedendo ao marido (como Isabel Perón, após a morte de Perón, sem que todavia fosse eleita), todos trilhando os caminhos cimentados pelo carisma de Evita.
O mandato de proveniência dinástica, que favoreceu o percurso político destas mulheres não afecta o mérito com que exerceram as funções. Pelo contrário, mostra como as mulheres são capazes de se revelar, se a oportunidade lhes for concedida, qualquer que seja o processo que as conduz ao poder.
Afinal, os aparelhos partidários, na fabricação em série de actores políticos, quase sempre do mesmo sexo (actores em sentido sociológico, sem esquecer que alguns o são também em outro sentido…), estão a privar a sociedade e a politica de algumas das suas melhores protagonistas potenciais.
4 – Não gostaria de terminar sem uma referência a mulheres que tiveram de lutar num contexto de desigualdade e conseguiram converter-se em excepções à regra.
Uma das mais extraordinárias, quer se goste ou não das suas ideias e das suas reformas (eu, de uma maneira geral, sobretudo no plano interno, não gosto!), foi, sem dúvida, Margareth Thatcher, a primeira mulher primeira-ministra na Europa. Conseguiu esse feito num dos mais improváveis países do continente, a Grã-Bretanha, e no mais improvável dos partidos, o partido conservador britânico.
Tinha tudo contra si, incluindo o facto de ser filha de um desconhecido e modesto comerciante. Uma verdadeira self-made-women!
A nível internacional, o mínimo que se pode dizer é que, com ela, a Grã-Bretanha recuperou praticamente o estatuto de potência mundial no diálogo entre todos os continentes, da África à América do senhor Reagan, passando pela União Soviética do senhor Gorbachev. Como um parceiro igual, que Blair nunca conseguiria de Bush ser e Brown de Obama, ainda menos.
Ângela Merkel é outro fenómeno de afirmação pessoal, na Alemanha e no plano internacional, mas ainda é cedo para saber se será um dos líderes mais proeminentes e duradouros na EU.
Mary Robinson, primeira presidente da Republica da Irlanda, Gro Bruntland, primeira-ministra do mais paritário dos governos, são também mulheres que fizeram o seu próprio nome ou apelido, ainda que o apelido possa ser o de um anónimo marido.
5 – E Hillary? Fará ela história nos Estados Unidos da América?
Citei mulheres da Europa, da Ásia e da América Latina. Poderia acrescentar a África, que regista já nos seus anais uma primeira presidente da república eleita democraticamente. A América, pátria de notáveis pioneiras e de grandes movimentos feministas, percursora dos “gender studies”, continua longe do ranking de lideranças femininas.
Teve uma a ocasião de se redimir , elegendo Hillary Rodham Clinton.
Eu votaria nela, mas sempre tive sérias dúvidas de que a América votasse. É um país impreparado para aceitar, a esse nível, a igualdade entre mulheres e homens.
Hillary era a mais brilhante, o mais experiente dos candidatos – mas eramulher…E o seu apelido não ajudava… Na óptica americana, ou na minha óptica sobre a óptica americana, uma first lady é, para sempre, uma ex first lady. É para estar elegantemente ao lado do marido e não poderosamente no centro dos acontecimentos.
Por isso, mesmo que continuasse a ter de ultrapassar preconceitos do tamanho dos Himalaias, as coisas seriam sempre menos complicadas para Hillary Rodham do que para Hillary Clinton.
Como todo o mundo - ou quase todo - acabei por me converter a Obama, mas sempre com a esperança que a agora brilhante Secretary of State - a MNE americana - chegue, por reconhecido mérito, à Casa Branca.
Maria Manuela Aguiar

O CCP e a representação de emigrantes

O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes
Título em inglês
Maria Manuela Aguiar*


Resumo O Conselho das Comunidades Portuguesas de 1980 foi, historicamente, a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora. Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes. Sendo uma experiência inteiramente nova, teve de fazer o seu próprio caminho, conhecendo rupturas, hiatos de funcionamento e mudanças radicais de feição e natureza, nas décadas seguintes.

Palavras-chave emigração, Portugal, representação, comunidades portuguesas, conselho

Abstract
The Bureau of the Portuguese Communities of 1980 was, historically, the first experience of institutional listening and dialogue between the Portuguese government and its emigration and diaspora. This Bureau was a consultative body of the government, constituted by representatives elected by the emigrant associations, thus it was based on the appellative force and central role that associations have in the construction and preservation of the emigrant communities. As an entirely new experience, it had to walk its own way, facing ruptures and breaks in its functioning, as well as radical changes in its configuration, nature, during the following decades.

Key-words emigration, Portugal, representation, Portuguese communities, Bureau

Resumen
El Consejo de las Comunidades Portuguesas de 1980 fue, históricamente, la primera experiencia de audición y diálogo institucional entre el gobierno portugués, su emigración y diáspora. Era un órgano consultivo del gobierno, constituido por representantes elegidos del mundo asociativo, apelando a la fuerza y al papel central que las asociaciones tienen en la construcción y preservación de las comunidades emigrantes. Siendo una experiencia totalmente nueva, tuvo que hacer su propio camino, conociendo rupturas, hiatos de funcionamiento y cambios radicales de forma y naturaleza en las décadas siguientes.
Palabras claves emigración, Portugal, representación, comunidades portuguesas, consejo

* Jurista
Ex-Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas

Resumo O Conselho das Comunidades Portuguesas de 1980 foi, historicamente, a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora. Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes. Sendo uma experiência inteiramente nova, teve de fazer o seu próprio caminho, conhecendo rupturas, hiatos de funcionamento e mudanças radicais de feição e natureza, nas décadas seguintes.
Palavras-chave emigração, Portugal, representação, comunidades portuguesas, conselho

Abstract
The Bureau of the Portuguese Communities of 1980 was, historically, the first experience of institutional listening and dialogue between the Portuguese government and its emigration and diaspora. This Bureau was a consultative body of the government, constituted by representatives elected by the emigrant associations, thus it was based on the appellative force and central role that associations have in the construction and preservation of the emigrant communities. As an entirely new experience, it had to walk its own way, facing ruptures and breaks in its functioning, as well as radical changes in its configuration, nature, during the following decades.
Key-words emigration, Portugal, representation, Portuguese communities, Bureau

Resumen
El Consejo de las Comunidades Portuguesas de 1980 fue, históricamente, la primera experiencia de audición y diálogo institucional entre el gobierno portugués, su emigración y diáspora. Era un órgano consultivo del gobierno, constituido por representantes elegidos del mundo asociativo, apelando a la fuerza y al papel central que las asociaciones tienen en la construcción y preservación de las comunidades emigrantes. Siendo una experiencia totalmente nueva, tuvo que hacer su propio camino, conociendo rupturas, hiatos de funcionamiento y cambios radicales de forma y naturaleza en las décadas siguientes.
Palabras claves emigración, Portugal, representación, comunidades portuguesas, consejo

O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes

1 - O CCP é um órgão consultivo do Governo, em matéria de emigração - e, mais do que isso, é também um órgão representativo dos portugueses do estrangeiro. Este carácter de representação - que , numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso... - valoriza substancialmente o significado da própria audição. Instituído pelo Decreto-lei nº 373/80 de 12 de Setembro em 1980, com início de actividade efectiva em Abril de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", que escolhia os representantes da emigração ao Senado.
A todos os Conselhos que, na década de 80, nele se inspiraram me parece que subjaz o propósito de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou “Assembleias” de Emigrantes. Em Portugal, a ideia de integrar o CCP numa segunda Câmara, se ela vier a existir, ou, pelo menos, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes...), é defendida por muitos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004.
O CCP tem um historial interessante, sobretudo no período em que vamos considerá-lo: o momento do seu nascimento, visto como acto de criação colectiva de uma instituição inteiramente nova, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo. Um percurso, aliás, acidentado por bloqueios e hiatos de funcionamento, afrontamentos com o Governo, ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais... Em boa verdade, não deverá falar-se de um único "Conselho", mas de vários, ou de várias "vidas" de uma mesma instituição.
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP "fez-se, "e fez-se com as pessoas, ganhou, com elas, um lugar central no debate das políticas para as migrações, manteve um funcionamento activo e regular. A partir de 1988 foi desactivado, de facto, e, no início da década seguinte, descaracterizado,"de jure", por uma lei aprovada, por maioria, na Assembleia da República, cuja complexidade e dificuldade de implementação - intencional ou não - o deixou paralisado.
O CCP ressurgiu, em 1996. A proposta de lei do Governo teve, na Assembleia da República – coisa rara - tratamento exemplarmente expedito num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, conscientes da importância do renascimento do Conselho, prioridade à qual alguns sacrificaram discordâncias de monta sobre o normativo. Seguiu-se um imediato agendamento do debate e votação, em plenário, e, em 1997, as eleições e a reunião mundial, 10 anos depois da anterior…
No actual sistema os conselheiros são eleitos por sufrágio directo e universal, pelos cidadãos inscritos nos consulados – uma fonte de legitimidade, aparentemente mais “democrática”, mas que rompe com a sua matriz associativa, a força e autonomia que daí lhe advinha, e exclui os luso descendentes, se já não tiverem nacionalidade portuguesa. A tal óbice se responde em Itália com um sistema misto, como eu própria propus - numa fórmula diversa, prevendo dois colégios eleitorais, o de sufrágio universal, a par de outro, de natureza associativa.

2 – Voltemos à fase primordial do Conselho. Começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscrito no programa da AD (Aliança Democrática), coligação, que se apresentou a sufrágio venceu e formou governo, no início de 1980. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca se soube quem a tinha formulado…Sendo de autor desconhecido, não estávamos limitados por quaisquer directrizes. Não havia figurino estrangeiro à nossa medida - apenas o francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional diversa. Era, no pós 1974, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um "forum" de audição, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas. Com a liberdade de procurar e experimentar o “modus faciendi”. Um verdadeiro "laboratório"! Aí, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, e, em simultâneo, se forjava um molde organizacional para um projecto de longa duração. Não havia ideias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um texto provisório, a repensar. Falo do decreto-lei aprovado, a 1 de Abril de 1980, em Conselho de Ministros. Fora preterida a via parlamentar, por ser, previsivelmente, mais morosa, mas o Presidente da República reteve o diploma durante cerca de 5 meses… De qualquer modo, nesta fase, mais do que discutir um perfil de “Conselho” com os representantes da “Nação” o que se pretendia era “consultar” os próprios emigrantes.
Assim, de entre as secções organizadas para a condução dos trabalhos da reunião mundial, uma destinava-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros, mas por iniciativa do Governo. Secção que perdurou e era a mais participada e também a mais polémica, num país com as divergências partidárias ainda muito à “flor da pele” “ , Apesar disso, souberam trabalhar em comum e conseguir convergências no fundamental, por exemplo, sobre:
- a sua própria orgânica - com a proposta de uma comissão permanente, prontamente implementada, como instância de coordenação e gestão;
- o acompanhamento das recomendações dirigidas aos mais diversos departamentos da administração pública, pela via de uma “comissão interministerial”. A "Comissão" veio a ser constituída em 1987, e tinha, como pretendiam, o encargo de preparar as respostas ao CCP, sector por sector, sendo convocada, obrigatoriamente, para esse fim, antes da reunião mundial deste Órgão
. a reformulação pontual, em 1994, da lei do CCP para permitir a sua “regionalização” com a convocatória periódica de reuniões restritas dos representantes de cada uma das grandes regiões do mundo - Europa, África e Oceânia, América do Norte, América do Sul - o patamar que entendiam faltar, entre o conselho mundial e os "conselhos de país” - cuja composição, repartição geográfica, regulamento e actividades as estruturas locais decidiam autonomamente.
-a elaboração de um ambicioso anteprojecto de reformulação global do CCP, que o Governo, adoptou, como seu, apresentando-o, como Proposta de Lei, à Assembleia da República, em 1986.
Aí se previa já a eleição por sufrágio universal, a par da eleição por um colégio interassociativo semelhante ao então existente.
Porquê tal ênfase no movimento associativo? A meu ver, porque se reconhecia, o seu papel central na organização e desenvolvimento das Comunidades, na sua capacidade de preservar a língua, a cultura, os modos de estar e tradições nacionais, aliás, sem prejuízo de promover, como se reconhece, a integração na sociedade de acolhimento. Tudo feito e mantido, sem apoios dos sucessivos governos de Portugal: 100% sociedade civil! Razão de sobra para que o Governo, numa relação de parceria, se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando, sempre, os projectos próprios dessas entidades, e das Comunidades como um todo.
Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", no interior do CCP.
O associativismo português no mundo, quando comparado com o de outros povos migrantes da Europa só fica a perder pelo facto de não ter procurado formas de unificação em federações ou alianças de nível internacional. Historicamente, a única tentativa de agregar, numa "União", representantes da Diáspora aconteceu nos anos 60 e foi uma iniciativa que partiu da Sociedade de Geografia, presidida pelo Prof. Adriano Moreira, não da Diáspora.
O legislador do CCP deixava claro, logo no preâmbulo do Decreto-Lei nº 373/80, que não pretendendo impor orientações ao movimento associativo no sentido da sua "internacionalização", lhe oferecia uma "plataforma de encontro" de âmbito mundial, para conhecimento mútuo e trabalho em comum. Objectivo conseguido, sem dúvida, enquanto o Conselho teve natureza associativa.
Muitas foram as recomendações substantivas deste órgão consultivo, e amplamente consultado, nomeadamente em matéria de ensino, medidas de protecção social, reestruturação de serviço no estrangeiro, apoio ao regresso e reinserção ou intercâmbio de jovens, como mostra uma publicação dos serviços da emigração sobre o estado das recomendações do CCP entre 1981 e 1985. O primeiro Encontro Mundial de Jornalistas (1981), e o de "Mulheres Migrantes no Associativismo e no Jornalismo" (1985) ficam também a dever-se a recomendações do CCP.
Outra prática precursora: a apresentação, para conhecimento e debate, do orçamento da Secretaria de Estado destinada a acções junto das comunidades, e as modalidades de colaboração oferecidas no "Programa Cultural", que era decalcado nas solicitações recorrentes da rede associativa.
Não vou comparar, aqui e agora, os dois Conselhos, o primeiro e o actual, mas esse é um exercício que vivamente recomendo.
Do primeiro direi, a finalizar, que foi, simplesmente o que quis ser, a aventura de "inventar" e sedimentar uma instituição bem portuguesa e original, na qual os membros eleitos imprimiram as marcas do seu pensamento e das aspirações colectivas, num dado tempo - um retrato seu, e, igualmente, um retrato de época.