outubro 23, 2009

Quotas e apelidos

As Mulheres e o Poder
Quotas e Apelidos


1 – As mulheres não têm ainda – com excepção dos países do norte da Europa e poucos mais – uma parte igual de influência, de intervenção na esfera politica, que persiste como um universo essencialmente masculino.
Portugal é um paradigma neste quadro geral de exclusão: onde estão as portuguesas nos órgãos de soberania, na chefia do Estado, no Governo, no Parlamento (em lugares representativos não há uma única vice-presidente entre os quatro vices – e teríamos de recuar às décadas e oitenta e noventa para encontrar as duas mulheres que ocuparam esse cargo, Leonor Beleza e eu própria… - no Conselho de Estado, nos governos regionais, nas autarquias
Se examinarmos o elenco de presidentes de partidos políticos também não achamos nomes femininos. E nas comissões politicas ou nos comités centrais a sua presença é insignificante, ao menos no que respeita aos partidos de poder. Pior ainda é perguntar quais as mulheres que, no futuro próximo, terão previsivelmente um papel de relevo em qualquer das instâncias referidas e não obter eco de resposta positiva.
É certo que vem aí não sei se um vento de mudança, se um bom imbróglio para os que se sentem confortáveis neste estado de coisas: a aplicação do sistema de quotas já nas eleições de 2009 para a Assembleia, os municípios e o parlamento europeu. Quotas para o sexo sub representado em modesta percentagem (1/3) mas, note-se, precludindo a solução habilidosa de colocar todas as mulheres no fundo da lista de candidatos, sem perspectivas de elegibilidade.
Esta legislação teve honras de veto presidencial, aliás o primeiro, a evitar que o seu não cumprimento determinasse a não aceitação da lista inteira…
Não sei se os diferentes partidos políticos se preparam para aplicar a lei, ou se vão preferir, como podem, pagar o preço do seu incumprimento (em Euros que saem, ou não entram, nos cofres dos partidos prevaricadores). Na primeira hipótese, têm pouco mais do que um ano para preparar as listas eleitorais, ditas paritárias, e seria avisado ir fazendo uma pesquisa sobre candidatas que possam trazer à política mais espontaneidade, mais seriedade, menos carreirismo, mais proximidade e atenção aos problemas reais das populações.
Para os que defendem, como eu, este sistema, um dos argumentos a favor é precisamente o de permitir a renovação de pessoas, com pessoas que queiram servir o interesse colectivo com maior independência face aos aparelhos. Para além de prosseguir, como é óbvio, os objectivos de abrir o circulo fechado do poder, de alargar o campo de recrutamento de novos valores, de fazer justiça em matéria de participação dos géneros.
2 – Foi com imposição de quotas, desde há muitas décadas que os países pioneiros, Suécia, Noruega, alcançaram os melhores níveis de equilíbrio e igualdade de género no mundo, sem que jamais se agitasse o estúpido temor de promover incompetentes. É claro que subjaz às escolhas de homens e mulheres, através desta metodologia, uma mesma exigência de qualidade.
O mais recente caso de sucesso na aplicação de quotas, neste domínio, é o da Espanha, aqui ao lado… Não seria mau que os nossos responsáveis partidários lá fossem ver, em diálogo com os seus congéneres, como as regras foram executadas...
3 – Há uma outra via de promoção das mulheres que também poderia ser considerada artificial mas que, curiosamente, não tem levantado polémica semelhante à das quotas, talvez porque tem acontecido longe, em sociedades vistas como exóticas ou, pelo menos, diferentes.
Refiro-me às herdeiras do poder, ao poder herdado, à sucessão dentro de uma linhagem política.
Uma realidade próxima ou aparentada com a que se vive em regime monárquico, mas em plena republica. E não falo de ditaduras – de Cuba à Coreia do Norte – mas de democracias, de escolhas livres, pelo voto do povo (após a indigitação, que essa não é feita pelo povo…).
A importância de um apelido (a exprimir uma vocação dinástica…) tem sido um factor tão eficaz quanto o das quotas na promoção das mulheres a altos cargos do Estado…
Indira, filha de Jawaharlal Nehru, uma grande estadista numa das mais populosas democracias de mundo, numa das mais antigas e mais ricas civilizações.
Benazir Bhutto, a filha de Zulfikar Ali Buhto, primeira mulher primeira-ministra de um país muçulmano, uma das personalidades mais fascinantes do nosso tempo, democrata num país onde a democracia precisou dela para se afirmar, durante um breve período, e onde parece absolutamente impossível sem ela! (haverá um outro politico contemporâneo de quem se possa dizer o mesmo?).
As senhoras Bandaranaika, mãe e filha.
Corazón, a mulher de Aquino, herói trágico e popular, primeira Presidente das Filipinas.
A presidente chilena Michelle Bachelet filha do General Alberto Bachelet.
Cristina, mulher do ex-presidente Kirschner, a primeira mulher presidente eleita da Republica da Argentina, sucedendo ao marido (como Isabel Perón, após a morte de Perón, sem que todavia fosse eleita), todos trilhando os caminhos cimentados pelo carisma de Evita.
O mandato de proveniência dinástica, que favoreceu o percurso político destas mulheres não afecta o mérito com que exerceram as funções. Pelo contrário, mostra como as mulheres são capazes de se revelar, se a oportunidade lhes for concedida, qualquer que seja o processo que as conduz ao poder.
Afinal, os aparelhos partidários, na fabricação em série de actores políticos, quase sempre do mesmo sexo (actores em sentido sociológico, sem esquecer que alguns o são também em outro sentido…), estão a privar a sociedade e a politica de algumas das suas melhores protagonistas potenciais.
4 – Não gostaria de terminar sem uma referência a mulheres que tiveram de lutar num contexto de desigualdade e conseguiram converter-se em excepções à regra.
Uma das mais extraordinárias, quer se goste ou não das suas ideias e das suas reformas (eu, de uma maneira geral, sobretudo no plano interno, não gosto!), foi, sem dúvida, Margareth Thatcher, a primeira mulher primeira-ministra na Europa. Conseguiu esse feito num dos mais improváveis países do continente, a Grã-Bretanha, e no mais improvável dos partidos, o partido conservador britânico.
Tinha tudo contra si, incluindo o facto de ser filha de um desconhecido e modesto comerciante. Uma verdadeira self-made-women!
A nível internacional, o mínimo que se pode dizer é que, com ela, a Grã-Bretanha recuperou praticamente o estatuto de potência mundial no diálogo entre todos os continentes, da África à América do senhor Reagan, passando pela União Soviética do senhor Gorbachev. Como um parceiro igual, que Blair nunca conseguiria de Bush ser e Brown de Obama, ainda menos.
Ângela Merkel é outro fenómeno de afirmação pessoal, na Alemanha e no plano internacional, mas ainda é cedo para saber se será um dos líderes mais proeminentes e duradouros na EU.
Mary Robinson, primeira presidente da Republica da Irlanda, Gro Bruntland, primeira-ministra do mais paritário dos governos, são também mulheres que fizeram o seu próprio nome ou apelido, ainda que o apelido possa ser o de um anónimo marido.
5 – E Hillary? Fará ela história nos Estados Unidos da América?
Citei mulheres da Europa, da Ásia e da América Latina. Poderia acrescentar a África, que regista já nos seus anais uma primeira presidente da república eleita democraticamente. A América, pátria de notáveis pioneiras e de grandes movimentos feministas, percursora dos “gender studies”, continua longe do ranking de lideranças femininas.
Teve uma a ocasião de se redimir , elegendo Hillary Rodham Clinton.
Eu votaria nela, mas sempre tive sérias dúvidas de que a América votasse. É um país impreparado para aceitar, a esse nível, a igualdade entre mulheres e homens.
Hillary era a mais brilhante, o mais experiente dos candidatos – mas eramulher…E o seu apelido não ajudava… Na óptica americana, ou na minha óptica sobre a óptica americana, uma first lady é, para sempre, uma ex first lady. É para estar elegantemente ao lado do marido e não poderosamente no centro dos acontecimentos.
Por isso, mesmo que continuasse a ter de ultrapassar preconceitos do tamanho dos Himalaias, as coisas seriam sempre menos complicadas para Hillary Rodham do que para Hillary Clinton.
Como todo o mundo - ou quase todo - acabei por me converter a Obama, mas sempre com a esperança que a agora brilhante Secretary of State - a MNE americana - chegue, por reconhecido mérito, à Casa Branca.
Maria Manuela Aguiar

Sem comentários: