outubro 23, 2009

CCP - Boas Práticas

Quando a Doutora Beatriz Padilha me convidou a participar numa edição especial sobre migrações, com um apontamento sobre boas práticas, acabei por me decidir sobre o CCP, sua criação e desenvolvimento num quotidiano diálogo entre Estado e ONG's.
Foi, nesta perspectiva uma instituição única e peradigmática - enquanto durou o diálogo, ainda que este não fosse necessariamente pacífico...
Houve várias versões, devido à necessidade de encurtar o texto.
Já não sei qual esta é. É provavelmente a penúltima - o que quer dizer um das mais sintéticas.
De qualquer modo, não a publiquei até à saída da revista!

1 - O CCP é um orgão consultivo do Governo, em matéria de emigração - e, mais do que isso, é também um orgão representativo dos portugueses do estrangeiro.
Este caráter de representação - que , numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso, como adiante veremos... - valoriza substancialmente o significado da própria audição.
Instituído por decreto-lei em 1980, com início de actividade efectiva no 1º semestre de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", surgido após a Grande Guerra - e que tem a particularidade de escolher os representantes da emigração ao Senado , ou seja, os "Senadores da Emigração".
É de realçar esta atribuição, porque embora nenhuma dos organismos que, em vários países da Europa, a partir da década de 80, nele encontraram uma fonte de inspiração, vá tão longe, a todos eles me parece que subjaz o propósito de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou Assembleias de Emigrantes. Em qualquer caso, sem dúvida, mecanismos específicos para a sua representação.
Em França, uma alteração recente do antigo "Conséil" dá-lhe precisamente a designação de "Assemblée".
Em Portugal, a idéia de integrar o CCP numa segunda Câmara, no contexto de um futuro Senado, ou, pelo menos, de o "constitucionalizar", de per si, isto é, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes...), foi, e é, um projecto caro aos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Sub-comissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004, (o último dos quais com a participação dos eminentes juristas e constitucionalistas Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia).
O mais antigo "Conselho" desta natureza é o suiço, que, porém, se distingue de todos os demais por ser um puro organismo associativo privado, embora conte com fortes apoios governamentais em determinadas áreas estratégicas de actuação, caso do ensino das línguas do país ou da informação para os emigrantes. Uma fórmula de sucesso, uma parceria pragmática, baseada no interesse e no respeito mútuo, mas muito suiça, difícil de copiar ou emular ao nível outros povos migrantes e de outros Executivos...
Foi, pois, o modelo francês - instância de audição governamental , primeiramente eleita por um colégio associativo, e, a partir de 1984, por sufrágio directo e universal, que serviu de paradigma ao "Conselho" português e, mais tarde, ao italiano e ao espanhol, e a outros.

O CCP tem um historial interessante, do ponto de vista em que vamos analisá-lo, que é o das vicissitudes do seu nascimento, do moldar de uma instituição nova e original, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo.
Não quer isto dizer que tenha tido vida fácil e um percurso ascensional, porque não teve - bem pelo contrário. Tem conhecido inúmeros bloqueios e longos hiatos de funcionamento efectivo, afrontamentos com o Governo , ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais, anulação de actos eleitorais para os orgãos de cúpula... Em boa verdade, talvez não devamos, sequer, falar de um único "Conselho", mas de vários, ou de várias "vidas" de uma mesma instituição.
Ao longo de quase três décadas, só o nome original se mantem, ainda hoje, e, de uma perspectiva jurídica, a "continuidade na descontinuidade" de soluções, traduzida na norma que revoga, globalmente, toda a a legislação anterior...
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP, manteve um funcionamento regular, salvo a não convocatória da sua reunião mundial, em 1982, por um novo Secretário de Estado, a pretexto de uma modificação legislativa, que não chegaria a concretizar-se, com a sua saída do cargo, logo no governo seguinte (atravessávamos um período de instabilidade política com governos de curta duração...).
A partir de 1988 e até 1995, ao longo de dois governos de maioria, de legislatura completa, o CCP entra no seu mais prolongado "eclipse" - uma "não existência". Desactivado, de facto, desde aquele ano de 88, é descaracterizado num diploma aprovado pela Assembleia da República, no início da década de 90, prevendo a eleição ou nomeação de membros numa multiplicidade de colégios eleitorais, de natureza associativa ou corporativa, que, como era, porventura, intenção do "legislador" o paralisaram, por completo... Não há nada mais eficaz para conduzir à inércia, do que um esquema impraticável, em razão da extrema complexidade...
O CCP ressurgiu, na sua terceira vida em 1996, através de um diploma, apresentado pelo Governo, que a Assembleia da República, por uma vez, desmentindo a habitual lentidão dos seus processos, recebeu e tratou, de forma exemplarmente pronta, primeiro num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, em ambiente de uma grande "cumplicidade" , de um grande empenho daqueles parlamentares em concreto, todos conhecedores das realidades da emigração portuguesa, e, depois, em plenário, através de um agendamento célere. O acordo que permitiu este resultado não se estendia, em boa verdade, a muitas das soluções encontradas - que foram, fundamentalmente, as que constavam da proposta de lei, pouco se tendo acolhido de projectos tão diversos, entre si e da referida proposta, como os que haviam sido, anteriormente, apresentados, em projectos de lei próprios, pelo PSD e pelo PCP. Acordo, pois, quanto à urgente necessidade de relançar um orgão de fundamental importância "democrática", que permanecia, há cerca de 10 anos, em estado de dormência profunda. Todos se mostraram, assim, dispostos a sacrificar o que era, face a este imperativo, de considerar "acessório". Bom senso e boas práticas, na Assembleia da República...
Uma das mutações qualitativas do novo sistema era a eleição dos conselheiros através do sufrágio directo e universal, por todos os cidadãos inscritos nos consulados, o que tem a evidente vantagem de lhe conferir uma legitimidade alargada, mas, por outro lado, duas consequências de monta, ambas, a meu ver, negativas: o "desenraízamento" do CCP da sua matriz associativa, e a exclusão de todos os luso descendentes, que, embora estejam, dedicadamente, entre os construtores e líderes desse mundo associativo, já não tenham nacionalidade portuguesa.
A tal óbice souberam responder os italianos com um sistema misto, semelhante ao delineado no projecto de lei que subscrevi, prevendo dois colégios eleitorais: um, consagrando o sufrágio universal, para os recenseados nos cadernos eleitorais dos círculos de emigração; outro composto pelos representantes das associações voluntariamente inscritas para participar.

2 -Após traçar, desta forma abreviadíssima, a linha de evolução do Conselho até à actualidade, retorno ao período primordial, à sua génese - à fase mais esquecida, mas, na perspectiva em que me vou situar, a mais interessante.
O Conselho começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscritao no programa da AD (Aliança Democrática), uma coligação de dois partidos e um movimento de independentes, que se apresentou a sufrágio em 1979, venceu e formou governo.
Havia que dar cumprimento à promessa. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca soube quem a tinha formulado, e ainda hoje nem sequer sei a qual dos partidos se deve...
A proposta constituia uma primeira e a mais atractiva das tarefas.
Sendo de autor desconhecido, não estava limitada pela sua intencionalidade subjectiva, não tinha qualquer tradição entre nós, não havia figurino estrangeiro a escolher entre muitos, para além do francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional radicalmente diversos.
Era, numa democracia ainda tão recente, mas já tão rica de experimentações e de experiências de intervenção política e social, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um forum de audição, um convite ao diálogo, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas.
Uso a palavra "experimentação" de caso pensado, pois o CCP foi, desde o seu início, foi visto como um verdadeiro "laboratório", onde, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, para a aprendizagem de métodos, para "moldar" a própria instituição.
Não havia idéias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um projecto com rosto de lei, a rever, naturalmente, um caminho próprio que, como diz o Poeta, se abriria, " ao caminhar".
Falo do decreto-lei do Governo, que, em 1980, ao fim de pouco mais de dois meses, tinha instituído o CCP, e que o PR manteria na gaveta durante cinco meses, só o promulgando em Setembro desse ano, na véspera de eleições ( os chamados "vetos de bolso", conflitos de época, agora já mal lembrados).
A opção fora tomada, antes do mais, para apressar o processo... Uma lei da AR dar-lhe-ia - na concepção de escola de muitos juristas ... - maior dignidade formal, e, também, maior impacte mediático e mais oportunidade de discussão pública, mas correndo o risco de delongas. Além disso, mais do que discuti-la com os políticos do país - quase sempre tão alheados das questões da emigração nacional - queríamos analisá-la e modificá-la, livremente, de acordo com a visão e o sentir dos próprios emigrantes.
Eis uma primeira singularidade:
uma lei do governo que, "ab initio", o próprio governo aceita questionar;
um organismo que se destina a iniciar um estreito relacionamento entre o Estado e a Comunidades do estrangeiro e que o Estado pretende ver moldado, também pela vontade dos seus destinatários e não só pela sua.
Assim, de entre as secções constituidas para uma primeira reunião mundial, em Abril de 1981, uma destina-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros , mas por iniciativa d Governo. Poderemos acrescentar que essa secção foi, sempre, a mais participada, e a mais polémica, tendo, apesar disso, permitido alguns consensos, e uma reformulação do diploma, em 1984, a consagrar, ao lado das reuniões mundiais, reuniões por grandes regiões do mundo (Europa, África e Oceania, América do Norte, América do Sul), isto é, a "regionalização" do CCP.
O Conselho representava, em primeira linha, o movimento associativo, que, localmente, criava os "conselhos de país", com os seus próprios regulamentos, em matéria de composição, competências ou programas e, através deles, elegia os membros a que cada país tinha direito no conselho mundial.
Porquê este ênfase no associativismo? Não era apenas porque não havia, então, em direito comparado, outros modelos a considerar, mas porque se reconhecia, em Portugal, como na Suiça, ou na França, que as comunidades se organizam, desenvolvem pelo associativismo, e que lhe devem a sua existência, enquanto verdadeiras comunidades orgânicas, capazes de manterem viva a língua, a cultura, os modos de estar de assegurar a preservação da sua identidade. Aliás, sem prejuízo de promover, como na nossa integração é bem claro, activamente, a integração dos seus membros na sociedade de acolhimento. Parceiros ideais e insubstituíveis do governo de ambos os países - o de origem e o de destino!
E, no caso português, organizações que, efectivamente, ao longo de séculos, se substituíram ao papel e aos deveres de Governos sem políticas culturais ou sociais de apoio à emigração e às comunidades que esta foi gerando. De facto, até tempos recentes, o Governo não ía além do acompanhamento das viagens de saida, na emigração legal, e de uma protecção consular limitada a aspectos burocráticos e, em situações dramáticas, a repatriamentos.
A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é enorme e a dimensão da sua obra extraordinária. Tudo erguido sem contributo do Estado, a ponto de podermos afirmar, sem margemm para dúvida, que , nem uma só dessas grandes obras existiria. se tivesse dependido do Estado. As comunidades são 100% sociedade civil - razão de sobra para que o Estado, numa relação de cooperação se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando, sempre, os projectos próprios dessas entidades, e das comunidades como um todo.
Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", encetados no CCP.
Olhando o associativismo português no mundo, comparando-o com o de outros povos migrantes da Europa - italianos, polacos, franceses, alemães, suiços, belgas... - não ficamos a perder para nenhum, salvo num aspecto: o da "internacionalização" ou federalização do movimento, fora das fronteiras de um determinado país, e, muitas vezes, até fora do perímetro de uma cidade ou região. Porquê? Não tenho uma boa explicação para o fenómeno, por demais evidente em 1980, e que perdura, apesar do aumento do número e importância de organismos federativos, uniões ou alinças de clubes e centros comunitários, em alguns países.
A única tentativa de instituir uma "União" de âmbito mundial aconteceu nos anos 60 e foi um projecto accionado a partir de Lisboa, pela Sociedade de Geografia, então presidida pelo Prof. Adriano Moreira.
O legislador do CCP, deixava claro que não pretendendo impôr directrizes ao movimento associativo, lhe oferecia este organismo como "plataforma de encontro" - que até então faltava, aos líderes associativos do inteiro "mundo português" para conhecimento mútuo, troca de experiências, e concertação formas de trabalho conjunto. Entre si e com o Estado, também.
Uma prova mais da prevalência da vontade dos membros eleitos (havia, como haveria nos conselhos espanhol ou italiano, ainda, membros "por inerência" - por exemplo, o Secretário de Estado, que presidia, representantes das Regiões Autónomas ou do Parlamento - e nomeados - representantes de sindicatos ou entidades patronais, e peritos - que tinham voz, mas não eram parte nas recomendações) foi o "desvio" das prioridades do CCP, idealizado, essencialmente, para a defesa de valores culturais, nas comunidades antigas, para questões sociais (e políticas), mais características de núcleos de migrações recentes. Nem mesmo pode ser evitada uma certa) e, "politização" do Conselho, muito mais notória na Europa do que nos outros continentes. O que, não sendo nada de estranhável, até por não haver outra instância, onde se pudesse marcar essas posições, acabou por dividir os próprios conselheiros ( a minoria "europeia" e todos os outros, ideologicamente mais próximos dos governantes...), e, bastante pior do que isso, por construir uma imagem mediática, globalmente muito injusta, deste órgão, como "contestatário" e turbulento. Imagem, a meu ver, determinante, para a sua posterior extinção, de facto, a partir de 1988.
O CCP associativo não voltaria a ressurgir, perdendo-se com ele. a vertente de colaboração institucional entre o Governo e as "Comunidades Portuguesas" , em sentido sociológico. Perdendo-se, igualmente, a força e autonomia do Conselho, na medida em que essa força e autonomia lhe vinha de ONG´s que nada devem ao Estado e não dependem dele.
Um Conselho eleito pelos cidadãos espalhados pelo universo é bem mais vulnerável a um simples corte do seu orçamento de funcionamento - como, ao longo de anos recentes, se tem visto, de vez em quando... E, tendo embora funções consultivas, pode ser muito pouco consultado, como também se tem visto...
Pelo contrário, o primeiro CCP, quando o Governo Português, quis silencia-lo para, depois, o extinguir, manteve-se, em plena actividade, onde desempenhava o tal papel federador, como era sua vocação originária: por exemplo, em contextos tão diversos como os da França, do Brasil, da Argentina...
Da sua existência histórica, enquanto órgão consultivo, ficam muitas lições que deixou sobre as formas possíveis de viver uma ideia, ou uma lei - e a vivência, pela vontade das pessoas é o mais importante, porque é com elas que se ganha, se transforma, ou se perde...
A igualdade de tratamento entre os portugueses residentes no país e no estrangeiro passa por direitos políticos, culturais e sociais, reconhecidos a nível individual, mas passa, também, pela igualdade de tratamento dos organizações em que prosseguem os seus fins colectivos - sobretudo os de entreajuda e solidariedade e os de preservação das suas tradições e da sua língua.
Ao CCP, a SECP apresentava, anualmente, muito antes que isso se tivesse tornado prática, o seu programa de actividades, o "programa cultural" decalcado ou inspirado nos programas das associações e nos seus pedidos de apoio e colaboração , assim como o orçamento de suporte dessas acções (programas que não me lembro de ter sido, por uma só vez que fosse, posto em causa...). Como apresentava um relatório sobre as recomendações do Conselho, com a justificação de eventuais razões de não cumprimento ou de atrasos... Em 1987, foi criada uma Comissão Interminuisterial , que tinha , entre a suas competências a de preparar a reunião anual do CCP, com resposta de cada departamento às recomendações recebidas ou das consultas a formular. E em preparação estava, para consulta, a criação , na órbita do CCP, de várias Conferências especializadas por matérias (Ensino, Assuntos Económicos, Juventude, Participação Cìvica das Mulheres)...
Esquemas que, com aqueda desse governo, minoritário, e a sua substituiçaão por outro, do mesmo Primeiro -Ministro, com uma confortável maioria, se perderiam todos, inesperadamente, como o prórpio CCP.

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