agosto 11, 2016

DUAS CONVENÇÕES, DUAS AMÉRICAS

Cleveland e Filadélfia - duas convenções, duas Américas 1 - O processo de eleição de um novo presidente dos EUA entrou na fase final, com a nomeação dos candidatos nas convenções dos partidos Democrático e Republicano. Só os cidadãos americanos votarão neste sufrágio, mas a sua decisão pode afetar-nos, tanto ou mais do que as que acontecem no nosso território ou no da UE. A partir do momento em que Trump se impôs no partido Republicano, isso tornou-se particularmente evidente. Fenómenos de radicalismo e de populismo criptofascista, também têm irrompido na Europa, mas só a ameaça que se desenha na América é verdadeiramente planetária. O discurso brutal de Donald Trump, antes, durante e depois da Convenção de Cleveland, promete erguer muros contra a imigração, fechar o país ao mundo, dividi-lo em razão das crenças, das etnias, do género, da orientação sexual, de diferenças de toda a ordem... Nunca antes se vira um candidato ao mais alto cargo do mais poderoso Estado da Terra ridicularizar, num palco, por gestos e palavras, um jornalista com deficiência física, ou elogiar ditadores de várias latitudes, da Rússia à Coreia do Norte! 2 - Nós não podemos influir nesta escolha crucial, mas pudemos seguir, a par e passo, em direto, pela televisão, os trabalhos das convenções. Cleveland foi um "one man show", movido tanto pelo egocentrismo de Trump, o homem que usa, a propósito e a despropósito, a primeira pessoa do singular, como pelo facto de todos os "notáveis" do partido Republicano (incluindo o ex-presidente Bush, que, por comparação, até parece menos mau) se terem mantido longe daquele cenário dantesco de diatribes contra muçulmanos, hispânicos, imigrantes, mulheres, veteranos de guerra, juízes... Filadélfia foi, uma semana depois, a resposta democrata, dada sempre no plural: na esteira do "yes, we can" de Barack Obama, o “juntos somos mais fortes" de Hillary Clinton, com o sentido de comunidade, que, há anos, a levou a escrever "It takes a village". Nunca, numa eleição presidencial nos EUA, os contrastes foram tão gritantes, porque está em causa muito mais do que o civilizado confronto de ideias e de projetos situados no espaço comum da democracia. E, obviamente, muito mais do que o carater histórico do pioneiro afrontamento entre uma mulher e um homem. Uma mulher com um longo e insuspeito curriculum de luta pelos direitos humanos, pela educação e serviços de saúde para todos, que se iniciou bem antes de atingir o patamar da celebridade nacional e universal. Um homem, que, tendo herdado uma enorme fortuna, passou a vida a pensar em si e nos seus negócios, que, aliás, deixaram um rasto de processos judiciais de antigos parceiros e trabalhadores. Na verdade, mais do que duas personalidades são duas Américas inconciliáveis que estão em combate. Só uma vencerá. A América da inclusão ou a da dissidência e preconceito. A dos direitos humanos ou a dos ódios, da xenofobia e do racismo, que, mais de meio século depois das leis integracionistas do Presidente Kennedy e no fim do brilhante mandato do primeiro presidente negro, mostra ter ainda um paladino e numerosos prosélitos anónimos. 3 - Passei horas e horas a seguir, na CNN, a convenção de Filadélfia. Fascinada, porque nunca vi um "meeting" político tão perfeitamente organizado e com semelhante nível de intervenções - algumas correspondendo, exatamente, às expetativas (elevadas), como a do Presidente Obama ou da própria Hillary, outras surpreendentes pela força emotiva da mensagem, como foi o caso de uma formidável Michele Obama (que metamorfose, em quase 8 anos de Casa Branca!) e de um eternamente jovem Bill Clinton, a traçar, com a simplicidade dos oradores predestinados, com o rigor dos factos, sem negar os afetos, uma biografia da mulher, da mãe, da cidadã Hillary Rodham, desde o dia feliz em que a conheceu até ao presente. "In the spring of 71 I met a girl"... (na primavera de 71 conheci uma rapariga...). Em síntese: para Bill, Hillary é a maior construtora de mudança real (change maker) que ele jamais viu ; para Obama, nunca houve na história dos EUA ninguém, homem ou mulher, tão bem preparado para ser presidente como ela. Michele, por seu lado, num jogo inteligente e subtil de luzes e de sombras, contrapõe Hillary a Trump, sem nunca pronunciar o nome dele. E faz perguntas decisivas, como estas: quem escolheríamos para ter ao alcance do dedo o botão com que se desencadeia um ataque nuclear? Quem escolheríamos como "role model", com o poder de moldar o carater e a conduta de toda uma geração de crianças e jovens americanos, ao longo dos próximos quatro (ou oito) anos? Antes que acabe o ano de 2016, saberemos se a América elegeu a política de rosto humano ou se quer enveredar por uma espiral de fanatismo e violência, de segregação interna e de agressividade internacional

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