novembro 17, 2016
Sobre Manuela CHAPLIN (2014)
Conheci Manuela da Luz Chaplin em 1980, no meu primeiro encontro com
comunidades portuguesas. Com o seu cabelo revolto, os olhos muito
azuis, uma bela voz forte, que se fazia ouvir em discurso assertivo e
reivindicativo, ousado... Assim a recordo, única voz feminina entre as
dos homens, que eram, então, o rosto invariável de dirigismo
associativo. Uma mulher para se impor, nessa época, em comunidades da
emigração conservadoras e fechadas, precisava de ter qualidades
excepcionais - antes de tudo, tinha de ter coragem e tinha de ter
razão, a primeira, era a condição prévia para tomar a palavra, a
segunda imprescindível para ser respeitada. e seguida.
Os problemas que colocava, com sinceridade e veemência, pedindo
respostas, eram os dos seus concidadãos, os das mulheres, os dos mais
marginalizados. Não eram preocupações consigo, eram causas!
Até no vestir, sempre à vontade, descontraída e simples, se revelava
como alguém para quem o "social" queria dizer solidariedade e não
convívio elitista. Logo nesses momentos iniciais em que a escutei as
suas críticas pertinentes às "políticas de indiferença" dos governos
de Portugal para com os emigrantes da América, incluía-a em numa de
duas ou em duas categorias de militantes que sempre me foram
particularmente simpáticos - os sindicalistas e os missionários! Só
depois vim a saber que, orfã de pai, desde os 3 meses de idade, viveu
os seus anos de infância em Moçambique, numa missão protestante, onde
a mãe era professora de português.
Manuela da Luz estudou em Lisboa, na Lisboa salazarista, onde se
revoltava com a condição da mulher, com a mesquinhes e a misoginia da
ditadura. A palavra submissão feminina não existia no código de
conduta daquela jovem inteligente e radical. Foi essa revolta que e
levou para a América, em 1948. Aí encontrou o que procurava:
liberdade! Liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade
para lutar pelas sua ideias, liberdade para “libertar”outras mulheres
da passividade e da submissão, liberdade para fazer dos imigrantes
portugueses, mulheres e homens, cidadãos da América. Uma cruzada para
o resto da sua vida! Foi, com certeza, porque o seu projecto de
expatriação voluntária tinha essencialmente a ver com estes valores
humanos que escolheu para a capa do um livro seu, sobre as portuguesas
nos EUA, a estátua feminina da Liberdade, de Ellis Island - porta de
entrada no” novo mundo” para tantos milhões de mulheres e homens…
Manuela era ela própria uma emigrante/imigrante exemplar – porque
nunca deixou de ser apaixonadamente portuguesa e tornou-se não menos
apaixonadamente americana.
Soube integrar-se plenamente na vida do novo país, na sua vida
política, social e cultural e sempre quis ajudar os outros portugueses
a alcançarem a mesma alegria e orgulho por serem luso-americanos.
Foi mais nesse segmento em expansão do “luso americanismo” que se
centrou a sua acção, com especial enfoque nas mulheres.
Manuela da Luz Chaplin foi, como não podia deixar de ser, pela
proeminência do seu curriculum comunitário, uma das emigrantes
convidadas para o 1º Encontro das Mulheres Portuguesas no
Associativismo e no Jornalismo – onde entre tantas notáveis, se
destacou, em múltiplas intervenções. Citar algumas das suas
declarações é uma forma de la ter, entre nós, nestas jornadas de
reflexão sobre o 25 de Abril e a projecção que teve, concretamente,
nos EUA, nas nossas comunidades, na participação feminina. Embora não
fale de si, adivinha-se o entusiasmo com que acompanhou o renascimento
da democracia em Portugal e a sua contribuição pessoal para a
repercutir o espírito de Abril no meio português, do outro lado do
Atlântico:
“Após o 25 de Abril, a mulher portuguesa nos EUA demonstrou uma rápida
transformação no conceito social e na realização dos seus direitos
humanos, devido à influência de elementos femininos mais evoluídos”
Também sobre um dos temas que a AEMM trouxe ao debate neste ano de
2014- o retorno de Africa, se pronunciou. Vamos ouvi-la sobre a nova
vaga de emigração dos anos 70, mais urbana, vinda das antigas
colónias, mais qualificada, integrando muitas mulheres “cuja bagagem
intelectual e profissional lhes proporcionou acesso a campos de acção
até aí raramente tocados por mulheres portuguesas emigradas nos EUA. A
este novo elemento juntam-se jovens de 1ª e 2ª geração, que no país
acolhedor obtiveram um nível de cultura ee preparação que as eleva a
posições de destaque e influência…”
Mas logo acrescenta: “…o homem português continua relutante a
adaptar-se a esta evolução e ao reconhecimento da igualdade da
mulher”.
“Raras vezes a mulher é convidada a participar na direcção e na
administração das associações. (…) Todavia, muitas organizações Luso
americanas têm no seu elenco directivo, presidentes e outros elementos
directivos femininos. Nos últimos 19 anos, várias associações não só
são dirigidas, como foram fundadas por elas.
:Do CV de Manuela Chaplin, publicado nas actas do Encontro Mundial
consta que e é licenciada em Direito e em Jornalismo é membro das
seguintes organizações:
- Fundadora e directora executiva do Centro de Cultura Portuguesa de New Jersey
-Presidente e fundadora da Associação Luso-Americana Republicana de New Jersey
- Presidente da Federação das Associações Luso-Americanas
Republicanas da Costa Leste
-Directora e fundadora da Congresso Luso_Americano de New Jersey
-Secretária Executiva dos Grupos Étnicos de New Jersey
-Presidente da Área Regional da Costa Leste da Associação Nacional dos
Grupos Étnicos Republicanos dos EUA
Este impressionante elenco de participações é a prova da sua liderança
não só na comunidade portuguesa, mas nos outros grupos étnicos que
formam o imenso mosaico multicultural do país e na política americana,
como activa militante do Partido Republicano. (Esta intransigente
opositora da ditadura portuguesa era republicana e monárquica, tendo
fundado e presidido, a partir da década de 90 à Real Associação de NJ)
Uma mulher, lutando pelos direitos de todos, em associações mistas,
mas sempre sem esquecer as mulheres. (ao papel que, posteriormente,
viria a ter na Associação MM
se refere, detalhadamente, o testemunho de Rita Gomes)..
As mulheres são as protagonistas de um livro em que retrata muitas
emigrantes: “Retalhos de Portugal dispersos pelos Estados Unidos da
América. Mulheres Migrantes de Descendência Portuguesa
São 30 narrativas de vida, escritas com brilho e com uma intenção
clara de desvendar, a partir de casos individuais, a história feminina
da emigração portuguesa na América, em diferentes épocas e contextos –
a parte mais desconhecida, mais subvalorizada da presença portuguesa.
São todas verdadeiras, singulares, fascinantes… Para muitas a
emigração foi uma oportunidade de se transcenderem, de tomarem em mãos
o seu destino, para outras teve o sabor da adversidade…A sorte e o
azar, o mérito de saber lutar ou a a falência de não poder resistir… A
atracção do novo, a americanização, ou a resistência cultural e
afectiva à perda da identidade. As segundas gerações, para as quais
Portugal é uma realidade remota - ou não
É tudo real, mas lê-se como um romance, feito de muitos capítulos. A
visão da própria Manuela não pretende ser necessariamente neutra. Os
factos estão lá, objetivos, precisos, mas sente-se, muitas vezes, a
simpatia e compreensão da autora e pelas pessoas e pelas
circunstâncias, que nós partilhamos, emocionalmente…
Manuela Chaplin pertence, também, à história que se sedimenta no curso
destas múltiplas experiências de América que relata – e a sua própria
bem merece ser escrita por alguém que tenha o seu talento e
humanidade.
Na nota “Sobre a Autora”, com que abre este livro, Maria Fernanda
Alves Morais diz-nos: “ao longo dos anos em que me tem sido dado o
privilégio da sua amizade, encontrei sempre a sua casa acolhedoramente
aberta a quantos, oriundos de Portugal, procuram o seu auxílio ou o
seu conselho. Dias úteis ou feriados…pacientemente a sua hospitalidade
e solicitude nunca falham. Daí a alcunha que carinhosamente lhe deu
seu marido, Charles Chaplin, de “Nossa Senhora dos Portugueses”
Assim era a mais americana das portuguesas, a mais portuguesa das americanas.
Manuela Chaplin, Mulher de Abril, antes e depois desse 25 Abril, que
comemoramos, homenageando-a, saudosamente..
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