março 13, 2014

QUESTIONÁRIO DR.A LUÍSA DESMET

 
1 – Em que data (ano civil) iniciou a sua profissão nos serviços ligados à
      Emigração? E qual a função que exercia?
2 – Que função desempenhou ou tem vindo a desempenhar?
4 – Qual a natureza e forma que revestia o apoio do Estado Português dado aos Emigrantes na altura em que iniciou as suas funções (a nível individual e a nível das Associações)?
5- Quais os critérios de selecção dos pedidos de apoio e que tipos de apoio eram dados?
 6- Que tipo de apoio é dado actualmente aos Emigrantes (a nível individual a nível das Associações)?
7- Que legislação entrou em vigor durante o tempo que exerceu / em exercício das suas funções que considerou/a ser importante tanto na auscultação do Estado português das necessidades dos Emigrantes, como nos Apoios socioeconómicos que lhes são oferecidos ?
8- Acha que a forma de difusão das informações e/ou da criação de novos serviços destinados aos emigrantes é eficaz junto dos emigrantes?
9 – Trabalham ou trabalhavam Assistentes Sociais nos Consulados?
      (Se respondeu negativamente à questão anterior, responda à questão 9 a)
 9a) - Que técnico executava o trabalho social de apoio aos Emigrantes?
10 – Entende ser necessária a intervenção de um Assistente Social junto das Comunidades de Emigrantes Portugueses? Porquê?
 
 
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Gondomar - Porto
9 de Junho de 1942
 
Antiga Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, ex deputada da emigração pelos círculos de Fora da Europa e da Europa, ex presidente da Comissão de migrações, refugiados e demografia da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Actualmente membro de ONG’s voltadas para as temáticas da emigração – Presidente da Assembleia-geral da Associação de Estudos Mulher Migrante, Membro do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira, membro da Academia do Bacalhau de Joanesburgo e do Porto, Membro do Conselho de Filiais e Delegações do FCP. Sócia honorária de diversas Associações das comunidades portuguesas do estrangeiro. Membro honorário da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa
 
1 - Em 1980, Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas
2 - Membro de quatro Governos Constitucionais nesta pasta (VI, VII, IX e X)
Deputada da emigração Fora da Europa eleita em 1980, 1981, 1983, da Europa, em 1985, (Porto e Aveiro em 1987 e 1991), Fora da Europa em 1995, 1999,1 2002. (até 2005)
3 ? (sem pergunta)
4 - Através dos serviços da SEECP, do IAECP,e suas delegações, dentro e fora do País, eram dadas informações a emigrantes e candidatos à emigração, apoiados processos concreto de emigração (nomeadamente para a Suiça, em negociação com o CIM, depois, OIM),emitidos passaportes, negociados acordos bilaterais de emigração ou segurança social, promovidas reuniões bilaterais para seu acompanhamento, assegurada a participação em organizações internacionais, como o Conselho da Europa ou a OCDE, elaborados os estudos para o SOPEMI, acompanhados os portugueses nas diversas fases do ciclo migratório, apoiado o regresso com facilidades de crédito (juros bonificados  de contas bancárias,, empréstimos para aquisição de casas ou investimentos) e de registo de automóveis com facilidades aduaneiras, repatriamentos...
Por meio de uma parceria com a RTP era assegurada a produção de programas de televisão para os emigrantes na França e Alemanha - programas que, a partir da década de 80, foram igualmente cedidos para os EUA, Canadá outros países onde fossem dadas facilidades de emissão em língua portuguesa. Para os media genericamente passaram a ser enviadas (para terminais de telex ou via telex dos consulados) notícias sobre o País, elaboradas pelas agências noticiosas e postas à disposição de todos gratuitamente.
Os apoios às Associações eram inicialmente dados de preferência a olhar os mais jovens, para actividades desportivas, para o folclore, e para o ensino (nomeadamente com oferta de Pequenas bibliotecas).
Em !980/81 foi criado um Conselho das Comunidades Portuguesas de origem associativa - com funções consultivas, para a co-participação nas políticas de emigração e para a colaboração nos programas sociais e culturais do movimento associativo. - que assim se foi desenvolvendo e abrangendo novas formas de cooperação.
 5 - Os subsídios às associações eram inicialmente canalizados para a emigração europeia - França e Alemanha, em primeira linha - e objecto de parecer de comissões de análise. Centravam-se sobretudo, como disse, no estímulo à actividade de grupos folclóricos e desportivos - oferta de trajes e equipamentos, o que podemos considerar uma política cultural para as comunidades algum tanto  redutora, face ao que deveria ser, em resposta aos próprios anseios e capacidades dos portugueses
A partir de 80, com a institucionalização do CCP, a SECP apresentava ao próprio “Conselho” um "programa cultural", inspirado essencialmente nos pedidos (ou nos programas culturais das Associações), com mais ambição, embora não com meios compatíveis com uma grande mudança de um estado de coisas, isto é, do que poderia ser um investimento mais forte e reprodutivo do Estado em defesa da língua e cultura. De qualquer forma, os governos a que pertenci reconheciam que o associativismo levara a cabo, no domínio cultural, como social, acções com grande capacidade e eficácia, nesse como em anteriores ciclos de emigração, substituindo-se à tradicional indiferença e inércia do Estado português. E se o Estado queria começar a fazer mais e melhor, devia essencialmente, com os meios disponíveis, secundar e potenciar a actividade do movimento associativo e até organizar em colaboração com este movimento aquelas medidas que se destinavam em primeira linha aos indivíduos e não às próprias colectividades. O CCP composto por dirigentes eleitos no universo associativo inseria-se nesta visão do mundo da "Diáspora" e do relacionamento Estado-Sociedade civil. Nesta perspectiva, o CCP era um órgão de enorme importância política, com carácter representativo, embora com funções consultivas. Funcionou regularmente entre 81 e 87/88, apesar de clivagens de ordem política no seu interior (nomeadamente entre Europa e os outros continentes), acabando por ser vítima do seu perfil "reivindicativo", a partir de 1988. O preço dessa postura acabou por se, com governantes menos conhecedores da sua história e percurso, globalmente muito positivos, a extinção pura e simples. Houve, posteriormente, no início de 90, legislação que reformulou o Conselho – mas que não chegou a ser verdadeiramente implementada. Na sua segunda vida, a partir de 96/97, rompeu - se com o modelo associativo original, passando o CCP a ser eleito por sufrágio directo e universal. Perdeu, assim, a força do enraizamento associativo, apesar de ganhar a força de uma nova legitimidade democrática. Poder-se-ia, a meu ver, como acontece no paradigma italiano, combinar as duas formas de legitimidade. Foi a proposta que apresentei na AR, em 1996, mas não teve suporte maioritário, num tempo em que o meu partido era oposição parlamentar.
 
6 - Em anos mais recentes, diminuiu o impacte dos apoios ao regresso (juros bonificados, incentivos ao investimento em casas e negócios).
 Criou-se, na década de 90, a RTP- Internacional  - uma iniciativa de inegável importância estratégica no relacionamento com o mundo lusófono – CPLP e Diáspora -  no aspecto cultural e informativo. –
 No início do século foi instituído o ASIC (Apoio Social a Idosos Carenciados), que, sendo uma medida que ia ao encontro das reivindicações dos portugueses, sobretudo na América do Sul e na África, ficou longe de constituir, como se esperava, uma verdadeira pensão mínima, semelhante à praticada pela Itália e, também, em moldes diferentes, pela Espanha.
Actualmente, encontra-se em fase de reestruturação profunda o sistema de ensino, e os moldes de actuação do Instituto Camões (sedeado no MNE, contrariando o sistema tradicional, que mantinha a condução da política de ensino no ministério da Educação). É cedo ainda para avaliar as vantagens e inconvenientes desta opção.
De salientar, também, pela negativa, a extinção, na década de 90, do IAECP e a integração dos seus serviços na DGACCP - uma irremediável perda de autonomia e  de especialização no tratamento das questões da emigração
 
7 - Entre a legislação mais importante referirei
A criação do IAECP (englobando o Instituto de Emigração e a Direcção Geral da Emigração)
Alteração da Lei da Nacionalidade que permitiu a dupla nacionalidade (1981)
A criação do CCP (lei de 1980, 1ª reunião em 1981)
A convocatória do CCP por regiões
A facilitação do recenseamento eleitoral no estrangeiro
A criação da Comissão Interministerial para a Emigração (1987)
As alterações da revisão constitucional que permitiram a votação na eleição presidencial (sendo Jorge Sampaio o 1º presidente eleito pelos portugueses da emigração)
A criação da RTP Internacional
A criação de Delegações regionais da emigração
A alteração constitucional de 2001 que permitiu o aprofundamento do Tratado de igualdade de direitos e deveres entre Portugueses e brasileiros (estatuto de direitos Políticos) - uma cidadania Luso Brasileira, com um conteúdo de direitos políticos muito mais avançado do que os da cidadania europeia (incluindo votação e eleição para órgãos de soberania)
A concessão de retroactividade à recuperação da nacionalidade portuguesa perdida ex legge antes de 1981
A concessão do direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu fora do espaço da EU
 
Só mais uma referência a reformas ou inovações que não careceram de medidas legislativas para sua execução e que nem por isso terão sido menos relevantes. Por exemplo, a criação, na primeira metade da década de 80, do Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas, de uma linha editorial (com dezenas de publicações de carácter científico, literário, outras menos ambiciosas, de recolha de imagens e outros dados informativos), de um Centro de Estudos (que coordenava linhas de investigação e publicações), de parcerias com universidades, de uma Comissão Interdepartamental para apoio ao regresso de emigrantes, funcionando a nível regional, (que conseguiu excelentes resultados na articulação entre serviços da área económica, empresarial, e social, sobretudo no norte e no centro do País): a descentralização de serviços, em delegações abertas por protocolos com Câmaras municipais ou com sede em Governos civis.
 
8 - As novas tecnologias, se bem aproveitadas, podem introduzir enormes alterações qualitativas na prestação de informação e serviços aos cidadãos do estrangeiro.
Há deste ponto de vista um enorme potencial de melhorias e de progresso - mas não pode ser pretexto para a redução das formas de prestação de serviços tradicional, enquanto não houver condições para a generalidade dos emigrantes aceder a esse novo mundo de informação e relacionamento.
 
9 - As primeiras Delegações para acompanhamento da situação dos portugueses no estrangeiro são anteriores a 1974 - ficam a dever-se ao Secretariado Nacional da Emigração -  e tinham como primeira finalidade o apoio social  Alguns dos funcionários que as compunham eram precisamente assistentes sociais. Depois da democratização do regime, a partir de 1974, e, designadamente, na década de 80, estenderam-se a novos países - como a Suiça, a Venezuela ou a África do Sul - e a novos domínios., reunindo assistentes sociais, animadores culturais, juristas, sociólogos, psicólogos -  isto é, funcionários com formação diversa, mas sempre com declarada "vocação" social.. Junto de várias Embaixadas, foram também colocados Conselheiros Sociais, com esse mesmo perfil. Era toda uma rede bem articulada com a direcção do IAECP, que desempenhou um papel fundamental, para o reconhecimento de problemas e a procura de respostas - num tempo que já não era de grandes movimentos de saída, mas de regresso ao País. Hoje, numa fase de recomeço de um êxodo tremendo, mais se justificaria ainda a sua existência. Todavia há muito que o IAECP foi extinto, e que muitos desses especialistas, incluindo a maioria dos Conselheiros sociais, foram considerados dispensáveis.
 
10 - A nova emigração, de que tanto se fala, identificando-a com um determinado perfil - juventude, mulheres e homens com altas qualificações - é, na verdade muito mais complexa e abrangente. Há trabalhadores com baixa escolarização e formação profissional, como há licenciados, quadros que fogem ao desemprego e vão à aventura, desprotegidos e fragilizados pela crise nos próprios "mercados de trabalho" que procuram, sobretudo na Europa. Há gente de todas as idades, de todas as regiões do País, que se vão, sujeitos a novas formas de exploração...Como há outros que partem com situação garantida e boas perspectivas de carreira.
É correcta a posição que o responsável pela SECP tem tomado, ao assumir a dimensão do fenómeno e ao alertar para os perigos de uma saída sem informação sobre as possibilidades oferecidas pelo país de destino.
 
 Mas é essencial saber o que se passa, nomeadamente com quem já partiu nessas condições e equacionar formas de ajuda, de cooperação com o movimento associativo, que tão activo e solidário foi nos ciclos anteriores.
O papel de assistentes sociais, que possam promover no terreno acções coordenadas com o associativismo, parece-me o melhor paradigma de intervenção na conjuntura que atravessamos, para valer a uma emigração que se assemelha muito - apesar das suas especificidades - à dos momentos mais dramáticos do passado remoto ou recente.
No caso dos novos emigrantes "de sucesso" - que serão muitos - deve preocupar-nos a probabilidade do seu não retorno. Mas aos novos explorados - que são muitos também - é preciso prestar apoio, dar informação no imediato, com serviços de proximidade e através de especialistas – caso justamente dos assistentes sociais
 
 
10 - Está criada hoje na opinião pública a imagem de uma nova emigração de sucesso, composta por jovens, mulheres e homens - numa paridade, também ela facto novo - altamente qualificados. Essa emigração existe, mas é apenas uma parte da realidade inteira. Coexiste com uma emigração muito semelhante à tradicional - formada por portugueses com baixas qualificações e formação profissional, que fogem à pobreza e ao desemprego e caiem em situações de exploração e miséria.
O actual responsável pela SECP veio reconhecer os números, a dimensão do fenómeno e os perigos das partidas sem informação segura sobre a realidade laboral dos países demandados.
Julgo que, mesmo na conjuntura económica e financeira em que Portugal se encontra, é uma verdadeira prioridade nacional recriar uma rede de serviços de apoio social, com poucos mas altamente especializados funcionários, que possam fazer levantamento de situações, dar informação e conselho aos que se encontram ao abandono, e procurar suscitar a solidariedade do movimento associativo, que, nos anteriores ciclos migratórios, desempenhou um papel de primeira importância.

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