junho 19, 2016

PORTUGAL NO MUNDO
 

1 - Portugal nasceu num território. A sua defesa, tanto quanto a organização da vida pública, dentro de fronteiras que se alargaram para sul até ao mar - e se mantêm a té hoje - foram determinantes na transformação de um senhorio feudal num Reino independente. e, gradualmente, num Estado moderno. Mas quando esse Reino. com mais de 3 séculos de vida, e umas décadas decorridas sobre a revolução de 1383-85, garantiu as condições de estabilidade e paz no quadro peninsular, logo se lançou no que chamamos "a aventura da expansão", primeiro com as expedições ao norte de África, depois com as navegações, as descobertas de rotas marítimas, dos contornos desconhecidos da terra inteira, com a criação de um império ... estranho destino para um pequeno reino periférico na Europa, com cerca de um milhão de habitantes, que escolheu um papel central no mundo e encontrou sempre portugueses em número suficiente para o cumprir... Desde então o seu Povo vive dentro e fora do território, que não deixou de ser a sede tangível do Poder, nem objecto de um sentimento de pertença e de apego. Não houve uma "desterritorialização" desse sentimento, mas houve uma uma definitiva, uma universal desterritorialização" da presença, no que de mais notável se alcançou historicamente. Acho que foi reconhecendo isto que Agostinho da Silva disse, lapidarmente: O verdadeiro Portugal emigrou e não deixou mais de emigrar

 .

 

 

 2 - Para um pequeno e sólido reino europeu, fazendo um percurso semelhante ao de reinos peninsulares seus vizinhos não pareceria provável o passo seguinte, a súbita viragem do seu destino, e do seu papel na história universal

Projecto de Estado... aparentemente desmesurado... Uma vertigem de movimento.  Uma aventura de conhecimento, das ciências, do comércio, da conquista de posições estratégicas e de possessões ~imensas, um império que em configurações diversas, duraria cerca de 5 séculos

  Um povo de 1 milhão de pessoas apenas, um empreendimento estatal, para o qual não havia paradigma, não havia lições a aprender... tudo a inventar, ou a usar em moldes inteiramente novos... O risco enorme de perder o certo pelo incerto...

O mais inimaginável de todos os aspectos extraordinários da opção de viver um projecto gigantesco, fora da plataforma territorial - indo cada vez mais longe, dominando um universo cada vez mais vasto.... - é, com certeza, o de não ter faltado para o serviço desta ambição dos príncipes o povo, em massa. Pelo contrário, parece que foram sempre mais do que os necessários, aqueles que queriam partir - uma constatação que se prolonga através de séculos, até hoje...

 A expatriação atingiu, logo no século XVI, cerca de um terço da população total. Segundo Vitorino Magalhães Godinho, mais de 280.000 homens - uma média de 3,5 milhares por ano, que sobe no século seguinte

para cerca de 8.000/ano, no século XVIII para  40.000... Estamos . tudo somado, a falar já de números, na ordem de milhões. Para o esforço de comércio, de guerra, de estabelecimento, de povoamento...mas o fenómeno cada vez mais assume o caracter de aventura individual. As leis que se conhecem para regular as saídas vão todas no sentido de restringir, de condicionar. As Ordenações Filipinas contêm medidas de proibição da partida. 

O êxodo atinge em oitocentos e novecentos, quando só podemos já falar de emigração em sentido estrito, sobretudo para o Brasil Império, depois para o Brasil República, a sua expressão máxima. Emygdio da Silva, nas vésperas da 1ª Grande guerra, em 2012-2013 fala de "emigração delirante"- -nesses  2 anos, o total de 166.000, incluindo uma participação crescente de mulheres foi sempre proibida ou fortemente limitada, desde a época quinhentista...

A partir de meados do século XX, as estatísticas não diminuem - atingem novos máximos, apenas mudam os destinos - ao Brasil sucedendo a Europa, e novos pólos de atracção intercontinental, da Venezuela e Canadá. a África austral, a Oceânia...

Um movimento incessante feito de uma cultura de expatriação, um traço identitário...

Talvez por isso os estudiosos da emigração portuguesa, em muitos casos, não resistam a historiar de 500 anos e não de 150 ou 200 anos de migrações em sentido estrito e não consigam traçar, com rigorosa precisão, (porque não é possível) os limites do período de transição entre uma e outra das realidades.

JÉ o caso de Joel Serrão, que refere, no sec XVII  4 sucessivas medidas legislativas "destinadas a restringir uma tendência emigratória que, de colonizadora, gradualmente assumiado carácter de fenómeno puramente emigratório".

 

 

4 - O longo ciclo colonial só terminará com a revolução de 25 de Abril de 1974 - tornando esta revolução um dos grandes marcos da história de Portugal . Pelo contrário o ciclo infindo da expatriação dos portugueses, começado em quinhentos, está longe do seu termo, com bem sabemos , num tempo de novo êxodo tremendo, que parece votado a bater todos os máximos históricos.

São incontáveis os estudos sobre a emigração portuguesa, quase sempre muito centrados na sua vertente económica suas causas, vantagens e inconvenientes para o país. As estatísticas das partidas dos homens, juntam-se as do retorno das remessas. e, por trás dessa densa cortina de números, mal se adivinham outras consequências, outras formas de apoio, de presença dos ausentes na vida do país, que não se direccionam directamente à terra de origem, às famílias, que nela permanecem, às comunidades locais, à economia nacional. A Diáspora, as formas de presença que representou. ao longo da História  são praticamente  ignoradas pelos tratadistas e investigadores das migrações.

Na verdade, os estudos sobre a Diáspora - ou até mesmo uns breves parágrafos sobre a presença de comunidades portuguesas, de comunidades organizadas -  são praticamente uma raridade até meados do século XX.

Vamos encontra-las, em curtas mas interessantes passagens, em obras de Afonso Costa ou Emygdio a Silva, no início de novecentos - mas vêm nelas o simples convívio e solidariedade entre portugueses desenraizados, que permitem atenuar os efeitos do abandono da terra. A emigração é aceite ou valorizada como fenómeno temporário, atingindo a plenitude dos seus efeitos positivos no regresso a prazo, em melhor situação material e enquanto dura, no envio de poupanças para a família - daí os obstáculos postos à saída das mulheres (que A Costa não hesita em taxar como "uma depreciação o fenómeno migratório"). As organizações dos emigrantes são naturalmente vistas como construção efémera, tão transitórias quanto as estadas dos seus fundadores.

O que os Homens de Estado e a "inteligentzia" nacional visaram, em primeira linha, com os projectos de expatriação - a animação das « redes de comércio, o povoamento de possessões da Coroa, os ingressos financeiros - teve o seu tempo e findou. O que resiste é a aus componente mais imaterial

 

 

5 - Uma das razões de um tão absoluto descaso com as comunidades oriundas da emigração, com a Diáspora e com o incomensurável espaço da luso filia, no que está intimamente ligado àquelas realidades, pode bem ter sido a própria sobrevivência anacrónica de um império colonial até ao último quartel do século XX

 

A LÍNGUA

A língua falada em todos os continentes, é muito mais uma consequência da expatriação em massa do que dos poderes soberanos que se exerceram historicamente sobre territórios muito diversos. Inicialmente pode a colonização ter, em alguns deles, aliás, mais do que em outros, sido bem planeada pelo Estado, mas para o seu verdadeiro enraizamento e continuidade, findo o período colonial, contribuiu decisivamente o êxodo ininterrupto, que era visto como "excesso" e, como tal, proibido ou limitado, incluindo para o Brasil, cuja componente cultural portuguesa, incorporada a par de outras, se lhes fica a dever...

Penso, em primeira linha, no Brasil, que, depois da independência, continuou a atrair a imigração portuguesa, em percentagens da total, que alguns estimam em cerca de 90%. Em vão, se procurou canalizar essas correntes migratórias para as colónias de África. As medidas não surtiram efeitos - porque o povo não as acatou, mas deram azo a muito polémicas, entre os que achavam que a prioridade era o povoamento de domínios portugueses e os que não viam para isso criadas as condições e apostavam no futuro da língua e da presença no Brasil, então aberto as migrações de toda a Europa, em especial a partir de 1888.

Muito expressiva desta visão das coisas o alerta de Afonso Costa, nos começos do século XX:

"Não cometamos o crime de lesa pátria de embaraçar a emigração para o Brasil ou de ali nos deixarmos vencer por qualquer outro povo migrante".

Certo! Inteiramente certo.

As riquezas materiais foram do domínio do efémero, como a própria ideia do império do domínio e do lucro, destinada a um fim, ainda que se pudesse mal ou bem retardar esse desenlace.

O que ficou para sempre é do domínio cultural

Uma ideia que subjaz a intervenções de dois ilustre vultos de oitocentos, um brasileiro, outro português, em absoluta consonância com a essência da relação luso brasileira, Para além dos ditâmes de qualquer Estado, ou de um relacionamento que se centre ao seu nível.

Joaquim Nabuco discursava no Gabinete de Leitura do RJ no 4º centenário camoneano (em 1880), profetizando sobre a língua de Camões:

“A tua glória não precisa mais dos homens.

Portugal pode desaparecer, dentro de séculos, submergido pela vaga europeia, ela terá em 100 milhões de brasileiros a mesma vibração luminosa e sonora…”

António Cândido, no 4º centenário da Descoberta do Brasil, celebrado a 19 de Maio no Teatro de São João, do Porto dizia:

“Temos uma longa vida nacional. Não nos escasseiam meios de a nutrir, não no falece a coragem para a defender. Mas, se, por fatalidade acabássemos, se (…) uma terrível catástrofe geológica submergisse esta parte do continente europeu (…) lá ficariam no Brasil para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua… E não em mudos monumentos ou em silenciosos arquivos mas na perene e irradiante expansão de uma vida fundamentalmente idêntica à que foi a nossa, variada e progressiva no indefinido tempo e no ilimitado espaço”.

E, noutro passo: “Poderá a história ser esquecida, poderá o interesse volver-se contrário: resistirá a tudo a afinidade espiritual, a aliança pela língua será eterna.”

Língua europeia, americana, africana, universal. Herança de milhões de expatriados do passado. Língua policêntrica, de muitas culturas, d muitos povos. Língua integrada em outros idiomas, ou dialectos do Oriente, da África, das Antilhas. Herança de migrantes, de convívios antigos. Viva neles, como também na diáspora

 

AS COMUNIDADES PORTUGUESAS DA EMIGRAÇÃO

Como disse, para tantos os estudos sobre a emigração, tão poucos há sobre as comunidades orgânicas, que sobrevivem por gerações, criando em outros países verdadeiros espaço de presença portuguesa – mantendo a língua e as tradições, as instituições de ensino de solidariedade, criando e recriando as artes, as letras, a dança, a música…

Comunidades inteiramente construídas pelos cidadãos, sem apoio e sem reconhecimento do Estado…

Porquê um tão longo silêncio, um tão absoluto e generalizado descaso? Na verdade à indiferença dos políticos, soma-se a da comunidade científica.

A visão economicista da emigração, quando muito temperada por preocupações sociais e jurídicas (defesa da legalidade e da justiça dos contratos de trabalho) impôs-se em todas as épocas, foi partilhada por todos os autores…

Uma visão territorialista do Estado e das suas possessões…

O fim do império coincide com uma atenção nova e generalizada dada a estas comunidades (antes apenas poderemos excepcionar os dois admiráveis Congressos das comunidades de Cultura portuguesa, da iniciativa da Sociedade de geografia, presidida pelo Prof Adriano Moreira).

A descoberta destas comunidades é feita em diversos quadrantes políticos, em simultâneo… Descoberta tardia. Também aqui se pode dizer que a realidade precede o conceito (como se diz do Estado moderno, o da Nação…)

Vitorino M Godinho afirma um 10 de Junho Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses – onde quer que vivam

Sá carneiro faz igualmente a ligação entre o ocaso colonial e redimensionamento de um Portugal que não cabe mais no território

“Foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação populacional, uma Nação de povo.. Ou, como tamb+e a define “uma Nação de Comunidades.

“É uma cultura, mais do que uma organização rígida”

5 – Os estudos sobre a emigração portuguesa são muito focados nos fluxos migratórios, nos fluxos de ingressos financeiros, na situação laboral, no emigrante como indivíduo. A marginalização da presença dos portugueses como colectivo fundado em organizações é, como disse uma constante. Um movimento fortíssimo dentro das fronteiras de cada país, passou ao longo das várias épocas despercebido. Um movimento tão forte, que encontrou, no seu interior, sem qualquer incentivo ou apoio significativo do Estado, os meios de manter as prestações culturais e sociais a toda a comunidade, que assim colmatavam a completa ausência de políticas que o próprio Estado devia prosseguir.

Esta a principal razão porque a realidade da nossa Diáspora precede, em séculos, o seu conceito, o seu reconhecimento.

O movimento associativo é a mais visível forma de presença portuguesa, e alcançar essa visibilidade para Portugal, para a sua cultura, é um objectivo  primordial das instituições a que dá corpo.

O caso do Brasil é o paradigma máximo dessa ambição: com os Gabinetes de Leitura, que são instituições do maior prestígio (o do RJ é anterior à criação da Academia Brasileira de Letras e foi a sua primeira sede), com as Beneficências e os seus hospitais, que estão entre os maiores e melhores do país , do RJ e SP à Amazónia, com os lares de idosos, os grandes  clubes recreativos, uns mais elitistas, outros mais populares – e até, também, grandes clubes desportivos. 

Mas, por todo o lado onde de fixaram, mal se fixaram em definitivo, deram longa vida a organizações semelhantes, naquelas 3 áreas (cultura, apoio social, tradições de convívio) – entidades de “bandeira”, espantosamente idênticos nos seus propósitos e modos de funcionamento, apesar das comunidades se desconhecerem entre si (semelhança que se deverá ao facto de terem como inspiração modelos nacionais – caso evidente das Beneficências da Brasil, que são novas Santas Casas de Misericórdia). Na América do Norte, na Argentina, no Hawai, como, mais tarde, na Europa, na Venezuela, no sul de África, na Austrália…

Desconhecidas entre si, desconhecidas em Portugal… Entre as singularidades da Diáspora portuguesa conta - se, não só  a proliferação e o dinamismo das associações, que excedem, em regra, a de todos os outros ovos com quem convivem, mas também este enquadramento de fronteira, sem nunca terem, espontaneamente, procurado estabelecer contactos entre si, ao contrário do que aconteceu com quase toas as emigrações europeias – da Bélgica, da Suiça, da França, da Itália, da Alemanha…

Porquê? Parece que os Portugueses vivem intensamente uma relação entre dois países – o de origem e o de residência, que também consideram seu. E nele se concentram… Uma relação marcada pelo território – por dois territórios.

O conceito de nação de comunidades, de uma diáspora convivente a nível universal, não substituiu os velhos paradigmas territorialistas. O impulso à criação de uma plataforma de cooperação entre as partes fragmentadas da Nação dispersa, não surgiu em nenhuma delas. Veio de Portugal, da Sociedade civil, não do Estado.

Foi a Sociedade de Geografia, presidida pelo Prof Adriano Moreira, que convocou, pela primeira vez, os representantes das comunidades de cultura portuguesa em todo o mundo para um grande congresso, que as trouxe a Portugal, em 1964. Do reconhecimento mútuo, logo nasceu a vontade de institucionalizar formas de cooperação constante, dando à Diáspora a consciência da sua dimensão e da capacidade de acção conjunta:

A União das Comunidades de Cultura Portuguesa, com o seu caracter interassociativo e a Academia Internacional de Cultura Portuguesa, forum de estudo, reflexão e partilha entre académicos da lusofonia.

Esta iniciativa pioneira, do mais alto interesse nacional, foi seguida de um segundo congresso mundial em Moçambique, em 1967, mas não teve, por razões alheias ao seu sucesso e às esperanças que trazia (por razões de política partidária), a continuidade, que teria certamente permitido um nivel de coesão das partes da Diáspora, que ainda hoje não está alcançada.

Deixou um legado, de alguma forma, inspirador do CCP de 1980 e, mais tarde da própria  CPLP.
Mas a fórmula de Adriano Moreira era a única que procurava,  como ele explicaria numa audição parlamentar, em 2004, sobre o futuro do CCP, "uma espécie de sistematização do que era a presença portuguesa no mundo, do ponto de vista das comunidades", destacando as diferenças, a reclamarem tratamento diferenciado.  Para tal, o Professor Adriano define 3 conceitos operacionais: as comunidades de 1ª geração: as comunidades de descendentes de portugueses enraizadas em novas sociedades, mas mantendo a ligação às raízes: as comunidades filiadas na cultura portuguesa, por variadas razões, muitas das quais oriundas de história antiga., e persistentes em países hoje esquecidos por Portugal
O importante era procurar para todas elas um denominador comum, que foi naturalmente encontrado na cultura. É o domínio em que todos os lusófonos ou simplesmente lusófilos se pode entender. A fronteira geográfica é muito mais estreita do que a fronteira cultural
Para Adriano a cultura é a trave mestra que liga toda a espécie de comunidades - enquanto a comunidade política nacional trata restritamente de cidadãos portugueses (caso da actual CCP, onde só podem participar portugueses de passaporte

 
Os congressos da Sociedade de Geografia são, ainda hoje,  uma herança á espera de herdeiros... A realidade a que se dirigia e que pretendia congregar, essa existe, tão forte como era, mas sem elos de ligação que operacionalizem formas de projecção colectiva no País e no Mundo. Como direi brevemente todas as tentativas de criação de novos mecanismos de interacção ficam aquém da arquitectura que então se esboçava, quer o CCP associativo dos anos 80 (de criação governamental  com as limitações que esse gesto tutelar implica...), quer iniciativas da sociedade civil, muito meritórias, mas de âmbito bem mais restrito, como a Confederação Mundial dos Empresários, da década de 90, ou grupos activos nas redes sociais ou o chamado "Conselho da Diáspora", recém criado, sob a égide do PR, que reúne individualidades do mundo económico, em larga maioria, creio, e também alguns nomes do mundo das letras, das artes e das universidades. Conselho sobre cujo funcionamento concreto não tenho dados que me permitam prognósticos de futuro.
Nos Congressos de 60 houve visão estratégica, houve, é preciso dize-lo, claramente, liderança e preparação de verdadeiras estruturas operacionais . Em 2004,o Prof Adriano Moreira foi convidado a falar sobre eles numa audição parlamentar sobre o futuro do CCP

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