junho 14, 2016

MIGRAÇÕES E CIDADANIA - Universidade Aberta, 2 de junho

I A divisa da AEMM - :"Nenhuma pessoa é estrangeiro numa sociedade que vive os direitos humanos". - .é uma utopia, mas também uma ideia-força, que vai fazendo caminho, na progressiva consolidação de um "Estatuto de Direitos dos Expatriados", como emigrantes/ imigrantes, face a duas sociedades, a dois ordenamentos jurídicos - o do país de origem e o país de destino – assim como em convenções e tratados internacionais. Um Direito novo, que se vem criando, desde o último quartel do século XX e que coloca no centro os interesses das pessoas, dos cidadãos, e não o dos Estados, A dupla nacionalidade, a dupla participação política são conceitos que começam a generalizar-se, bem como o sufrágio dos imigrantes em eleições locais - em alguns países, como o nosso, ainda sob condição de reciprocidade, limitação infundada dos direitos dos imigrantes, que, na cidade onde moram, na sua cidade, devem ser tratados como iguais, face a face aos poderes públicos. Contudo, ter direitos e poder exercê-los não é a mesma coisa, como nos ensina a saga das mulheres na reivindicação da igualdade de facto. A proclamação formal e a prática dos direitos raras vezes aconteceram simultaneamente. As mulheres foram, (ou são ainda) em muitas partes do mundo, "estrangeiras no seu próprio país”, para além de serem, quando o deixam, estrangeiras no estrangeiro… Vamos falar hoje, aqui, de cidadania e migrações, com acento na sua componente de género. Vamos lembrar o mais perfeito exemplo de "Mulher - cidadã" que nos deu a sociedade portuguesa do nosso tempo: Maria Barroso! Recordaremos, o seu pensamento e a sua ação num dos domínios em que é, porventura, menos conhecida a importância do seu papel: o da luta pela afirmação cívica e política das mulheres nas comunidades portuguesas da emigração, A Dr.ª Maria Barroso foi a principal dinamizadora do projeto que representou uma viragem nas políticas públicas para a igualdade – os ”Encontros para a cidadania”, que decorreram nos quatro cantos do mundo, entre 2005 e 2009. Foi uma grande aventura contra o descaso, a marginalização das migrações femininas - tão esquecidas, até data recente, nas investigações académicas, na literatura, no jornalismo, na opinião pública, como o haviam sido nas políticas do Estado e até no movimento feminista de novecentos.. No que respeita a definição de políticas, podemos, em Portugal, distinguir três períodos: - o das políticas proibitivas, que começa na Expansão e vai até 1974, com o objetivo dominante de confinar as mulheres dentro de fronteiras soberanas, em consonância com costumes ancestrais que, praticamente, as emparedavam dentro de suas casas, por vontade de pais ou maridos - o das políticas de indiferença, que se estende por três décadas, a partir da revolução de 1974, depois de reconhecida a liberdade de emigrar e a igualdade de direitos entre os sexos, sem todavia a promover fora dos limites do território, pouco atentando nas especificidades das migrações femininas, padronizando-as, globalmente, em estereótipos masculinos – e isto, apesar da "feminização da emigração", que, nessa época, era já um fenómeno omnipresente (visto que, após a crise petrolífera de 1973/74, os países de imigração apenas permitiam o ingresso de estrangeiros a título de reagrupamento familiar). - o das políticas de emigração com a componente de género, que, têm pouco mais de uma década de existência e se vêm desenvolvendo em parcerias entre os poderes públicos e a "sociedade civil", através de instituições com sede no pais, como a AEMM e a Fundação Pro Dignitate, e do associativismo da Diáspora, sobretudo do associativismo feminino. Uma primeira tentativa de implementar um programa para uma maior participação cívica feminina acontecera em 1985, com a convocação pela Secretaria de Estado da Emigração, de um encontro mundial de mulheres do associativismo e do jornalismo. gesto absolutamente pioneiro, a nível europeu e universal - surpreendente num país com uma antiga tradição de discriminar, em função do sexo, especialmente neste domínio Todavia, a sua prossecução, através de audições periódicas em Conferências, organizadas na órbita do Conselho das Comunidades Portuguesas (órgão, quase exclusivamente constituído por homens...) foi interrompida pelos governos seguintes. Historicamente do domínio do efémero, deixou, porém, um rasto de memórias que levou a AEMM, precisamente vinte anos depois, a propor à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas um novo Encontro Mundial,, não tanto para celebrar o passado, como para antecipar o progresso que tardava O SECP António Braga foi além da proposta, avançou, em moldes completamente inovadores, para os "Encontros para a cidadania - a igualdade entre homens e mulheres", convocados, sucessivamente, na América do Sul, Europa, América do Norte e África e finalizadas por um encontro internacional no nosso país. A Drª Maria Barroso foi o rosto simbólico desse ambicioso programa de mudança. Tinha mais de 80 anos, mas não hesitou em o fazer seu, contribuindo poderosamente, com a força da sua convicção, do seu entusiasmo. do seu carisma, para a exata compreensão da importância da chamada das mulheres a uma intervenção maior - importância para elas próprias, como cidadãs, mas também para um movimento associativo em fatal declínio, se não souber promover a inclusão de género e de geração. No Encontro internacional de 2009, em que se procedia à avaliação de todo o projeto , a Drª Maria Barroso afirmou: "A meu ver, são duas as condições "sine qua non" para o "empowerment" das mulheres, em geral, e das mulheres migrantes, em particular, A primeira é a sua integração no mercado de trabalho, que as conduz a uma progressiva independência económica e lhes permite o acesso, seu e dos filhos, aos bens fundamentais, como a educação e a saúde.. A segunda é a sua participação nos vários órgãos do poder, central e local, nomeadamente as legislativas, onde se tomam a decisões, que também a elas dizem respeito, e nas associações, onde têm dado provas de enorme sucesso na dinamização das comunidades e na reclamação dos direitos coletivos das mulheres". A tónica nestes dois pontos ajuda a sublinhar, justamente, a diversa trajetória das mulheres nas sociedades de acolhimento e no mundo aparte, que são a nossas as comunidades, enquanto espaço de extraterritorialidade de língua, de cultura, de costumes portugueses. O acesso a um trabalho remunerado, essencial à melhoria do nível de vida da família e à educação dos filhos, tornou a emigração uma via para a emancipação das portuguesas, que elas, efetivamente, trilharam em massa. Em França, onde o fenómeno está melhor estudado, a investigação científica veio evidenciar que o emprego, regra geral. no setor dos serviços, lhes facilitou a aprendizagem da língua, os contactos sociais, a vivência de um novo relacionamento mais igualitário dentro da família, o sucesso social e profissional. A mulher tornou-se, contra as expetativas e o mito da vulnerabilidade e de uma acrescida dificuldade de integração, o principal agente de mudança e de acesso à modernidade. É, a partir de uma infinidade de casos concretos, o sucesso de toda uma geração de mulheres migrantes, que não se deve a políticas de Estado - talvez sim, em parte, à cumplicidade das mulheres francesas, ao apoio e recetividade da própria família, numa abertura comum à aceitação de paradigmas de modernidade. Oposta é. porém, a sua situação nas comunidades portuguesas, onde, quase sempre, são (ou eram até data muito recente) forçadas a regredir para papéis tradicionais, porque o coletivo reproduz ainda largamente uma divisão de trabalho entre os sexos inspirada no viver de pequenas aldeias rurais. Os desfasamentos na evolução do estatuto das emigrantes portuguesas nestes espaços divergentes foram claramente denunciados no 1º Encontro Mundial em 1985, e, porque o "status quo" em quase todo o lado se mantivera, com poucos ou nenhuns progressos, insistentemente, referidos nos Encontros para a Cidadania, e nos Congressos mundiais, que os prosseguiram, em 2011 e 2013, com o SECP José Cesário. Tal constatação torna mais evidente a premência de o Governo Português tomar medidas, dando cumprimento à tarefa fundamental, de que o incumbe a Constituição, no artº 109, tanto fora como dentro do país. Por duas razões principais: - primeiramente, porque, como vimos, é naquela esfera comunitária que mais se sente a discriminação das mulheres, com ostensivos obstáculos à sua natural ocupação de lugares diretivos, ao acesso ao poder formal, que, aliás, se repercutem, por exemplo, na baixa proporção feminina no órgão representativo e consultivo do governo, que é o CCP - mesmo depois de lhe serem aplicadas as disposições da Lei da Paridade. - em segundo lugar, porque é nesse âmbito que o Governo nacional mais e melhor pode usar a sua capacidade de influência para a tomada de consciência das desigualdades - e não tanto, como é óbvio, no mercado de trabalho ou nas formas de relacionamento social ou profissional num outro país. Em apenas uma década de ativa defesa da igualdade, por governos de diferentes quadrantes, muita coisa mudou, sem ter ainda mudado radicalmente um "estado de coisas" . Os "encontros para a cidadania" estimularam a expansão de um associativismo feminino, que, não rompendo com as tradicionais vertentes da beneficência e cultura, assumiu, crescentemente, o carater de reivindicação de direitos e de intervenção na "res publica" . Não deixa de ser significativo que as presidentes de ONG's nascidas por inspiração da "Mulher Migrante" se tenham candidatado e vencido às eleições para o CCP. na Argentina e na Venezuela e que mais de metade das Conselheiras pertençam a este novo tipo de associativismo. De destacar, também, o facto de o atual SECP, Dr José Luís Carneiro , numa decisão inédita, ter levado a debate, no bastião masculino que continua a ser o "Conselho" as questões de género, pela voz da Secretária de Estado da Igualdade e Cidadania, cuja presença aí, como hoje, entre nós assume um significado especial. A meu ver, num país de emigração e Diáspora como Portugal, o Governo deve agir, num esforço global, através de uma estreita cooperação entre departamentos, sobretudo entre a SEI e a SECP, que tutela a rede consular e junto da qual funciona aquele importante representativo e consultivo, que é o CCP,. Devo salientá-lo, porque é coisa inteiramnete nova e muito promissora. Uma palavra final para dizer que a história que, com Maria Barroso, se fez nos "Encontros para a cidadania" na emigração é um "acquis", qualquer que seja a sua sequência .O seu exemplo, a sua voz na defesa da liberdade e da justiça, tornaram as emigrantes "mais portuguesas, mais cidadãs". Esses Encontros tiveram uma data, são passado, mas como paradigma, são, sobretudo, futuro,. Como a memória da vida da Drª Maria Barroso.

Sem comentários: