junho 19, 2016

Uma década de mov migratórios (colóquio LX)


Uma década singular de movimentos migratórios - breve caracterização

1 - Os movimentos migratórios neste período não foram directamente influenciados pelo processo revolucionário, com excepção do retorno das colónias de África 

*O grande êxodo dos anos 50 e 60, o maior registado na nossa história, chegava ao fim, com a crise petrolífera europeia e mundial de 73/74

 *a descolonização trouxe, em 74/75, de volta ao País, numa conjuntura económica de grande turbulência, mais de 800.000 pessoas, em situação dramática, com perda dos seus bens nas colónias, e muitas delas, sem raízes em Portugal. No mesmo período, supõe-se que mais de 200.000 terão reemigrado,  sobretudo para a RAS  e para o Brasil - único país incondicionalmente solidário connosco, que abriu as fronteiras a todos os portugueses retornados de África

* Com as novas  saídas praticamente limitada ao reagrupamento familiar, assiste-se à "feminização" da emigração, e os fluxos registam nos anos 80 os números mais baixos do século XX. As mulheres passam a constituir cerca de metade  das comunidades da emigração

*Na mesma década, crescem os regressos, sobretudo da europa, com números próximos dos 30.000/ano. A opinião pública e os "media" temiam novo retorno em massa, caótico ou turbulento, mas o que aconteceu foi o contrário, com uma reinserção voluntária, tão natural que quase se tornou invisível, por ter como destino as  terras de origem mais ou menos desertificadas pelo processo que assim findava onde começara

2 -Revolução e mudança de paradigma : do paradigma "territorialista" ao "personalista"

A revolução do 25 de Abril veio consagrar um direito que os portugueses  nunca tinha conhecido: o direito de emigrar livremente. E se não influiu nos factores que condicionavam os movimentos de saída, em concreto, já o mesmo se não dirá das políticas de emigração, pois trouxe consigo a emergência uma nova maneira de olhar o fenómeno migratório e os seus protagonistas, ou seja de reconhecer a cidadania dos expatriados.
Ao longo de séculos vivemos, como afirma o constitucionalista Bacelar de Gouveia sob o "paradima territorialista" - os direitos de cidadania exerciam-se apenas num quadro territorial, fora dos quais os portugueses sofriam uma verdadeira "capitis diminutio", perdendo todos os direitos políticos, e a própria  nacionalidade (se adoptassem a de outro pais e, no caso das mulheres, se se casassem com estrangeiro), assim como direitos sociais (por exemplo, a pensões não contributivas atribuídas aos portugueses  dentro do país) e direitos culturais (nomeadamente, ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava).
A afirmação de um "Estatuto dos Expatriados", não ainda plenamente igualitário, mas norteado pelo princípio  da igualdade, é um "acquis" da Democracia. Viria a ser consagrada na Constituição de 1976 e aprofundada, progressivamente, em leis ordinárias e nas revisões constitucionais seguintes. Num processo ainda longe de atingir a utopia da igualdade, destacamos:
1 - A elegibilidade em todas as eleições e o direito de voto para a AR, em dois círculos de emigração, com um total de 4 deputados, constituindo, assim, a única excepção ao princípio da representação proporcional. Em 1989 o direito de voto seria alargado à votação no PR e a matérias referendárias -  de uma forma restrita, exigindo prova de laços de ligação efectiva ao país. Em 2004, foi aprovada na AR a extensão do sufrágio para o PE a todos os portugueses, incluindo os que residem fora das fronteiras da UE.

2 - A Lei nº  /81que permite a dupla ou múltipla nacionalidade.  A lei não teve, de imediato, efeitos retroactivos e embora, prevendo a recuperação da nacionalidade por mera declaração do cidadão, acabou por ser desvirtuada numa regulamentação, que implicava demoras, custos e obstáculos. Só em 2001 a lei foi alterada para garantir a reaquisição sem burocracias obstaculizante e a retroacção. 

3 -Criação governamental de um órgão de representação especifica dos expatriados, junto do MNE - o Conselho das Comunidades Portuguesas.  O CCP era essencialmente  composto por representantes eleitos das associações de cultura portuguesa (portugueses ou não) e por membros da imprensa, com estatuto de observadores, sendo uma instância da sociedade civil, plataforma de encontro com o governo e das comunidades entre si e um órgão para a co-participação das politicas para os emigrantes e as comunidades.  O 1º CCP era um instrumento de uma política para a diáspora, não limitado à emigração recente (antes abrangendo, como no projecto de Adriano Moreira e dos primeiros congressos das comunidades de cultura portuguesa, tanto nacionais, como outros lusófonos e lusófilos). A partir de 1996/ 97, o CCP passa a ser eleito por sufrágio universal, e a representar estritamente os emigrantes de nacionalidade portuguesa-

*Na 1ª Reunião Regional do CCP da América do Norte, em  1994,  foi aprovada a recomendação da convocatória de um Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo (as duas principais componentes do próprio CCP), que viria a ser realizado no ano seguinte e a tornar-se o ponto de partida das políticas com a vertente de género na emigração.

Só uma última palavra para lembrar a comemoração da 1ª década do 25 de abril na emigração, que reuniu em Paris, num debate com portugueses, personalidades convidadas pela SEE, entre elas, o Embaixador  José Augusto Seabra ( UNESCO), José Carlos Vasconcelos, Pedro Cid (que nos dá o gosto de estar presente) e José Miguel Júdice. As boas tradições são para continuar, e, por isso, aqui estamos, 40 anos depois daquele Abril 

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