julho 01, 2009

Ciclos das nossas migrações sem fim

1 - O semanário "O emigrante - Mundo Português" está a celebrar o seu 40º aniversário, contando a história das nossas migrações, segundo as notícias e os comentários contidos nas suas páginas. Através de um interessante trabalho de síntese jornalística.
Acabo de receber o "Mundo" desta semana, que recorda os tempos do governo do "bloco central" , alicerçado no bom entendimento de Mário Soares e de Mota Pinto e na necessidade de equilibrar as contas públicas. Problema recorrente, não? Com uma diferença: é que, então, com Hernani Lopes nas Finanças conseguimos, realmente, atingir o objectivo...
No que respeita à emigração, refere-se a proximidade da adesão à CEE, o regresso crescente dos portugueses da Europa e a actividade do Conselho das Comunidades (CCP).
Se tivesse de escolher, entre os possíveis, aqueles temas que dominaram esses anos, os últimos em que estive no Governo, com o pelouro das comunidades portuguesas, não escolheria outros - ou pelo menos, mesmo que lhes juntasse mais algum, mante-los-ia, sempre, no topo da minha selecção pessoal...
O regresso, porque constituia, uma realidade, complexa, multifacetada, imparável, embora globalmente, útil para o país e para a grande maioria dos próprios retornados, e, em simultâneo, a memória, o mito ou o medo de um outro regresso, ainda recente, maciço, dramático, traumatizante, para os portugueses que vieram e para os que estavam: a fuga de África, um imenso desperdício dos bens e empreendimentos que ficaram lá, sem aproveitar a ninguém.
Impossível imaginar dois movimentos mais diversos, ainda que na mesma direcção geográfica, este pequeno rectângulo continental!
Difícil, talvez por isso, explicar a diferença, olhar as pessoas envolvidas, conhecer os seus propósitos, e, com isso, serenar os ânimos de políticos e de cidadãos. Claro que a "media" (a genérica, a nacional, não, como é evidente, a mais sensível às questões da emigração, alimentou o "fantasma" no imaginário colectivo, não ajudou nada ao esclarecimento das especificidades do que estava a acontecer e até do que já tinha acontecido (o regresso que tinha acontecido, como a prosa , que o Sr. Jourdain fazia, sem saber). Salvo raras excepções, então como agora, a emigração é assunto que só lhes interessa em caso de desastre ou de escândalo - sendo bastante úteis, quando o desastre e o escândalo são verídicos.
Ora o regresso da Europa, nos anos 80, era praticamente desprovido, em absoluto, desse colorido, e houve que o "fabricar" !
Não encontro outra razão para a incapacidade de compreenderem o que, por mim e por alguns outros, lhes era, constantemente, explicado. Foi a consultar as minhas pastas de "recortes" de imprensa, que me dei conta do fenómeno: das perguntas repetitivas, das respostas que era preciso dar incontáveis vezes. Entrevistas. Comunicados. Desmentidos. Desconfiança. Críticas.
Eu sei que, normalmente não se acredita nos políticos, sobretudo quando o seu discurso é positivo. Há até boas razões para a desconfiança.
Mas neste caso, o que eu estava a dizer era a pura da verdade (verdade, essa palavra "fétiche" do actual PSD "manuelino", da Manuela Ferreira Leite).
Verdade verdadeira!
Essa geração de portugueses preparou a volta a casa, com cuidado, paulatinamente. Passava as férias por cá, mantinha o contacto com a terra e a vizinhança, enviava as remessas, comprava campos e negócios. Sabia ao que vinha. Vinha quando queria, não quando queriam os governos do país de origem ou do país de acolhimento.
Os incentivos oferecidos por alguns destes países foram muito bem aproveitados. Permitiram antecipar a decisão já tomada, ou concretiza-la, no prazo previsto, com mais fundos ao dispôr.
Preocupante foi, sim, o caso especial da Alemanha onde, antes do período da adesão à CEE, se tornou possível levantar as contribuições da segurança social (apenas a parte descontada pelo trabalhador...), com perda do direito a pensão de reforma. Era um bom negócio só para a Segurança Social alemã, mas como convencer disso os interessados em receber uma substancial soma de marcos, que lhes parecia caída do céu? Em todo o caso, comecei a aperceber-me, nos contactos pessoais, de que, numa família, normalmente, apenas um dos cônjuges pedia o reembolso das contribuições e o outro conservava o direito à pensão futura. Do mal, o menos...
E foi, sobretudo, por causa disto que os emigrantes da Alemanha regressaram, em peso, antes da data da adesão portuguesa à Comunidade Europeia, que, obviamente, impossibilitava esta prática aberrante.
De França, nesta altura, a maioria dos retornos já estava concluida. Há muito era esse o meu "feeling", mas, em 1984, os estudos da equipa da Prof.ª Manuela Silva vieram comprová-lo, com a força de números impressionantes (meio milhão de regressos no passado próximo, previsão de mais 400.00 até à década de 90). Corroborados por outro grupo de investigadores, coordenados pelo Prof. Sousa Ferreira (com números ainda mais dilatados)...
2 - A entrada do País na Comunidade era vista como o meio ideal de consolidar o estatuto dos emigrantes, com os novos direitos de cidadania europeia, e de garantir a liberdade de circulação.
E foi bem preparada, julgo eu, dentro das possibilidades de que dispunhamos, dos orçamentos exíguos que nos estavam destinados - contra os quais eu protestei sempre, conseguindo, com isso, ser corrida do governo uma vez (do governo Balsemão), ou, talvez, duas (junte-se-lhe, com um ponto de interrogação, o governo Cavaco - dúvida decorrente do facto de eu me ter recusado a continuar na área da emigração, até como deputada, inviabilizando qualquer futuro convite para me manter na SECP, sem ter, porém, ideia sobre se quereriam, ou não, renovar convite nesse sentido...).
A livre circulação não serviu de muito, nos tempos que se seguiram. Mas tem servido, e de que maneira, desde fins do século passado e início do actual. Ainda que sem visibilidade - porque sem drama, nem escândalo, de que se constroi a notícia... - o novo êxodo é, atrevo-me a afima-lo, quantitativamente, do ordem de grandeza da "emigração a salto", nos anos 60.
3 - O CCP era, para mim, de uma importância crucial, para abrir as comunidades a uma co-participação nas políticas que lhs são dirigidas.
Em nenhum outro sector ou segmento de população faz tanto sentido ouvir e seguir as pessoas, porque as comunidades do estrangeiro se construiram com a vontade e o esforço delas, sem apoio significativo do Estado. São "Nação", sem "Estado"...
E bem deve o Estado, que em nada contribuiu para a sua existência, ir agora (então, e agora), ao seu encontro, potenciando a sua própria acção, assim como a acção delas (das comunidades organizadas, com as sua instituições, projectos, dinamismo, portuguesismo).
Esse primeiro CCP era, nesta perspectiva, naturalmente, de natureza associativa. Eleito, mas dentro de um "colégio eleitoral"formado por ONGs. Incluindo a "media".
4 - Inesperada, mas nem por isso descabida, a referência, às declarações do Bispo de Bragança, que disse, muito claramente, a um auditório de emigrantes e férias, não sei se por estas ou outras palavras, igualmente inequívocas: "Mandar dinheiro para Portugal é o mesmo que pô-lo em saco roto".
Por mim, eu não tinha respondido. Mas fui mandatada pelo governo para responder...
Eu conto, proximamente, com mais pormenor, em forma de comentário...

4 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

As delegações espalhadas pelo norte, centro e Algarve tinham, nesse tempo, uma importância que haveriam de perder.
Para mim, eram uma prioridade. Com José Vitorino, regionalista como eu, também. Suponho que até se mantiveram, ainda, com o Correia de Jesus. Depois, a dada altura, sumiram como tudo o resto (quero dizer, todos os serviços com peso e autonomia dentro da SECP).
Estava, pois, em funções aqui no Porto, quando recebi um telefonema da presidência do Conselho de Ministros, a incumbir-me de dar uma resposta dura às citadas declarações do Senhor Bispo.
Ripostei, de imediato, que não me considerava a pessoa indicada para me pronunciar sobre a diatribe episcopal. Na verdade, nada, absolutamente nada, do seu conteúdo respeitava às políticas de emigração, mas sim à política global do Governo, sobretudo à parte económica.
O Bispo podia ter-se dirigido com o mesmo discurso a qualquer outro sector da população: a administradores de sociedades multinacionais, a empresários de hotelaria, a potenciais investidores estrangeiros, a jogadores de futebol...
Por acaso, os que estavam mais à mão, para ouvir a sua palavra, naquele dia, eram emigrantes. Calhou bem, porque eram dos que tinham alternativa mais fácil quanto à colocação ou retenção do dinheiro no estrangeiro...
Por isso. eu sugeria que uma resposta, ao mais alto nível, fosse dada pelo Primeiro Ministro.
"Nem pensar", era a opinião do interlocutor.
Tentei, então endossar o encargo ao Ministro das Finanças, já que a questão era eminentemente do seu pelouro (o "saco roto", ou o saco com fundo sólido, era da responsabilidade dele, não minha).
Foi-me então dito, de novo, que não: o Conselho de Ministros, em reunião ali ao lado, tinha tomado a decisão definitiva e cabia-me a mim a missão. Ponto final.
Não tendo nada a ver com uma matéria em que sou pouco entendida, como avisadamente prevenira, e não desempenhando o papel por gosto (achava que o Bispo era livre de dizer coisas excessivas ou até erradas, sem daí vir mal ao mundo, e que nenhuns, ou muito poucos, se é que alguns, emigrantes seguiriam, na prática, o seu conselho), tratei de iludir o assunto central (a existência do "saco roto") e de recentrar a polémica em algo que tivesse a ver com o meu domínio. Nada melhor do que uma referência ao caracter voluntário do regresso e à capacidade de discernimento das pessoas em relação a isso - tal com em relação às remessas, das quais, porém, nem falei...
Foi uma solução minimalista, é claro .
No governo, nâo caíu lá muito bem.
No Senhor Bispo, não sei.
Mas eu penso que não agi mal. Consegui o que queria: acabar com a polémica. Não houve mais episódios.

Maria Manuela Aguiar disse...

Nada se revelaria mais difícil do que explicar a política do governo em matéria de regresso!
Até parecia que eu falava uma língua ou linguagem desconhecida.
Sempre defendi o princípio de respeitar a livre opção das pessoas. E, naturalmente, como decorre desse princípio, políticas de apoio quer à opção-regresso, quer à opção-integraçao definitiva no outro país.
Com medidas específicas, que , cada um utilizava a seu modo. Contas de poupança crédito, informação sobre a viabilidade de investimentos (reconhecendo que o papel essencial era desempenhado , ou devia ser, pela banca), ajuda aos jovens na escola, acesso facititado à universidade, etc.
Para o opção integraçao lá fora: ensino da língua, da cultura, incentivo às actividades culturais e sociais do associativismo, acompanhamento pelos consulados, diálogo com os governos desses países, programas específicos para as segundas gerações, lei da dupla nacionalidade, direitos políticos, etc.
Mas a imprensa, os jornalistas, a opinião píblica achavam que não: para todos eles,aparentemente, só havia verdadeira política se o Governo optasse, pelos cidadãos, ordenando o que era mais conveniente, o retorno ou o não retorno - e, na altura, pendiam, claro para o "não", porque temiam a vinda em massa do povo de fora...
O discurso da SECP não os convencia.
Era uma batalha diária!

Maria Manuela Aguiar disse...

Dar a liberdade de escolha às pessoas era, assim, visto, como uma neutralidade passiva, uma ausência de posição.
Pouco importava acrescentar que os portugueses expatriados nos anos 60 e 70 se dividiam, de facto, quase igualmente,pelas duas alternativas. E, ainda por cima, com sucesso, numa ou na outra. Pelo menos, em termos de média estastística. E de maioria efectiva.
Por exemplo, o estudo da equipa de Manuela Silva apontava para mais de 85% de regressos com êxito!
O relativo fracasso, rondaria os 10%, não muito mais. E, desses ex-emigrantes, julgo eu, havia ainda os que reemigravam.
No estrangeiro, situação semelhante: ao fim de alguns anos, a integração era realidade, raros eram os casos em que os indivíduos viviam pior do que antes de terem saído da sua terra.
Mereciam, pois, que o Estado confiasse no seu senso e critério, limitando-se a dar-lhes informação relevante e a providenciar serviços para cada uma das suas escolhas concretas.
Deixei, definitivamente, a SECP em 1987 (15 de Agosto), e, no início dos anos 90, a convite da Maria Beatriz Rocha Trindade, comecei a dar, na Universidade Aberta, no mestrado de "Relações Interculturais", uma cadeira de "Políticas e Estratégias para as Comunidades Portuguesas".
Foi uma experiência que gostosamente prolonguei por 3 anos, salvo erro - até ser eleita para a delegação à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, em 1993. (o tempo não chegava para acumular tanta actividade...).
E se refiro isto aqui, é para dar conta da minha imensa surpresa ao ver que os estudantes do Mestrado não tiveram a menor dificuldade em compreender e aceitar, como boa, a política governamental da livre opção do regresso. Para eles, como para mim, era uma evidência.
Surpresa e alívio!
O problema de essa estratégia não ter sido, em 80, entendida pelos "media" não era provocada por qualquer barreira da língua, ou incapacidade minha de expressão.
Era outra coisa - chamem-lhe bloquemento mental, ou psicológico, apego ao sensacionalismo fácil, má vontade, má fé ou oposição política encapotada.
Deve ter havido um pouco de tudo.
Nenhum dos meus alunos de boa memória - todos estão nesta categoria! -sofria dessas subjectivas limitações ...

Maria Manuela Aguiar disse...

Uma personalidade que também percebeu a realismo desta política que eu apelidava da "dupla opção" foi o próprio Presidente da Répública.
Ele fez,durante o governo do "bloco central", creio que em Estrasburgo, um apelo ao não regresso dos emigrantes, e eu, na oportunidade que tive de falar com ele, algum tempo depois, desenvolvi a minha argumentação no sentido de se fazer, simplesmente, uma chamada de atenção para a necessidade de planear bem o regresso, condição de sucesso para eles e para o País.
Mencionei os resultados das investigações conhecidas, a provar que centenas de milhares já tinham regressado, sem se ter dado por isso.
Tinham repovoado muitas aldeias, vilas e cidades do interior, dinamizado a vida local, contribuido para o investimento, a modernização, o maior consumo e o maior emprego em regiões problemáticas.
É que, por sorte nossa e deles, não vinham, regra geral, para o litoral, para as maiores cidades, onde poderiam aumentar a pressão no mercado de trbalho, o desemprego, mas para as suas terras de origem, que tanto precisavam deles.
E, por irem para lá, para onde os "media" não olham é que ninguém, na capital, os tinha detectado, até que foram "descobertos", numa linha de investigação universitária!
O Presidente dialogou comigo, abertamente sobre isto, sem os complexos e temores, que outros políticos e interlocutores menores continuaram a demonstrar, para minha frustração...