agosto 14, 2012

Para a Academia de Bacalhau de Paris

O modelo associativo das Academias do Bacalhau é, no panorama da Diáspora Portuguesa, um caso absolutamente singular, por muitas e boas razões. Parte de objectivos fundamentais, que são comuns a uma maioria de organizações das nossas comunidades, tais como a vontade de convívio e o impulso à solidariedade, mas encontrou para os prosseguir uma via inteiramente nova. Um almoço de amigos, repetido, com regular frequência, num intervalo de trabalho, passou, por decisão de um pequeno núcleo de fundadores, a ser enquadrado em regras e rituais inspirados nas nossas antigas praxes académicas, num regimento interno que favorecia a ampla angariação de fundos, destinados, na íntegra, a fins de beneficência.
Esta combinação de um lado perfeitamente lúdico, com um outro exemplarmente solidário é, como fórmula de raíz, um "achado", uma ideia de génio. Todavia, para ganhar existência real e para fazer a história que hoje conhecemos e celebramos. a ideia teve de ser servida por grandes executantes.
E foi - e é!
O meu primeiro contacto com este fascinante paradigma associativo bem português aconteceu, há mais de três décadas, na Academia matriz de Joanesburgo. Foi-me apresentado pelo próprio fundador Dr. Durval Marques, como uma obra de fiéis amigos, verdadeiros "compadres", que, num ambiente de camaradagem, de festa e de alegria, não esqueciam os problemas e as necessidades da sua comunidade e procuravam dar-lhes solução.
Ao tempo já as realizações eram notáveis, a começar pela Sociedade de Beneficência de Joanesburgo - uma das maiores do mundo português. E, por isso, me tornei uma declarada admiradora das Academias e tive a honra de ser uma das primeiras mulheres admitida na Academia do Bacalhau de Joanesburgo.
Não me surpreendia o facto de, nessa época, serem exclusivamente (ou quase exclusivamente) homens os membros efectivos, os "Compadres" das Academias - porque estas nasceram de uma realidade de convívio, ela própria masculina. As comadres eram as suas mulheres, convidadas para festas especiais. E que o propósito não era discriminar, provava-o a cooptação de algumas senhoras, a começar, se me não engano, por Amália Rodrigues.
Sempre aceitei o associativismo, tal como o concebiam e o fomentavam os seus criadores e participantes, e, consequentemente, colaborava na nossa Diáspora, com organizações femininas, masculinas ou mistas, por igual, embora considerasse que estas últimas haveriam de prevalecer de uma forma crescente e dominante.
As Academias são, aliás, actualmente o melhor exemplo de evolução neste sentido - e a Academia de Bacalhau do Porto é uma das que conta com várias influente Comadres na sua direcção


As Academias precisam de todos , mas não precisam para funcionar de sedes de pedra e cal - elas estão onde está a sua gente, actuante e dinâmica, pronta a reunir em encontros que podem acontecer em qualquer lugar - à imagem do próprio país, que é mais a sua Cultura, a coesão de um projecto nacional, o seu Povo, a sua Diáspora, do que o seu pequeno território...
Achando o esquema perfeito, não podia, porém, nessa época, adivinhar o crescimento e a dimensão universal que este paradigma associativo assumiria no futuro. Uma feliz evolução, que se iniciou, de uma forma espontânea e natural, quando emigrantes regressados da África do Sul trouxeram consigo a boa tradição convivial e benemerente das Academias, que logo se espalharam pelo País. E, nesse "élan", não pararam nas nossas fronteiras geográficas, depressa chegaram às comunidades da Diáspora. E aqui assumiram um papel singular e verdadeiramente único no domínio do movimento associativo português, que é forte por todo o lado, grandioso, mesmo, em vários países e continentes, mas ao qual faltava, o que existe nos outros países europeus de emigração: a vertente de diálogo e de ligação internacional entre comunidades dispersas no mundo inteiro.
Hoje, os Congressos das Academias do Bacalhau são verdadeiros congressos universais de Portugalidade, de afirmação da cultura e da solidariedade.
Que fantástica história de sucesso!
E como mostra virtualidades de responder aos desafios dos novos tempos, em França, na Europa e em outros continentes, agora que emerge uma emigração portuguesa tão diferente da que marcou o século XX! Uma emigração inesperada (pelo menos para alguns, para os mais desatentos) nas características, no volume, na forma de de relacionar com a sociedade de destino e com a terra de origem.
O associativismo tradicional tem o seu lugar, com um património histórico e uma capacidade demonstrada de estruturação da vivência colectiva de muitos, mas novas fórmulas são essenciais para trazer outros, também muitos e cada vez mais, para a vida comunitária. A Academia da Bacalhau de Paris está numa verdadeira "linha da frente" para atrair e congregar uma nova geração de mulheres e homens, capazes de grandes empreendimentos pessoais e, também, colectivos, se tiverem ao dispor os instrumentos adequados.
Foram momentos inesquecíveis, os que passei, com os Compadres e Comadres da Academia de Paris numa dessas belas Associações, que chamo "tradicionais", em Puteaux, e espero que encontros nas "casas portuguesas" da Diáspora possam, assim, prosseguir - em boa harmonia e cooperação.
Agradeço essa oportunidade de convívio inesquecível, e também, a de lhes poder dar a minha visão pessoal da importância de todas as "Academias" e da de Paris em particular.
Celebrar alegria de viver, num círculo de amigos, e fazer beneficência e progresso no círculo alargado dos que de nós precisam, é um belo projecto, que convosco partilho.

Maria Manuela Aguiar
Comadre da Academia do Porto

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