janeiro 29, 2014

O outro Portugal, os outros portugueses

Falar de comunidades portuguesas tornou-se, entre nós, uma outra maneira de dizer emigração, num mero sentido estatístico - a comunidade portuguesa de França ronda um milhão de portugueses, a do Canadá meio milhão, etc. etc.. Assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos deixaram o país. Os cerca de cinco milhões dos registos oficiais ficam, certamente, aquém da realidade e poucos são os responsáveis políticos que resistem à tentação de subvalorizar o êxodo, quando este ultrapassa o limite do razoável. Neste aspeto, o atual Secretário de Estado é uma exceção, pois não hesita em apontar para 120.000 novos emigrantes, ano após ano, desde o início da "Crise" (com letra grande…).
Todavia, para a avaliação do fenómeno migratório na sua inteira dimensão, mais importante do que as cifras, é a perceção de um universo cultural em expansão, através de segundas e terceiras gerações. O mais importante é, pois, tomar consciência das infinitas possibilidades de alargar este universo, pelo reforço das ligações a Portugal de novos portugueses, que não saem do país por uma fronteira geográfica, mas entram nas nossas comunidades pela via sua ascendência assumida afetivamente. As famílias, as associações têm tido, neste domínio, o papel essencial, como se constata no paradigma da emigração mais antiga: a da Califórnia, onde, há décadas cessaram significativos surtos migratórios, mas onde mais de um milhão de cidadãos se reconhecem como portugueses ou de origem portuguesa; a do Brasil, em tudo singular, desafiando qualquer tentativa de contabilização, antes de mais, porque muitos dos recém chegados não se registavam nos consulados e, por isso, nas nossas estatísticas nunca existiram….Emigração antiga, imersa numa nação que partilha uma mesma língua e em cuja sociedade se move com à vontade, torna praticamente impossível determinar onde se quebra a cadeia geracional. Podemos contar milhões… Todavia, a superfície bem visível desse "iceberg" lusitano é formada, por aqueles que se integram na vida das instituições portuguesas.
Razão bastante para reafirmarmos que a incerteza dos números não é preocupante quando pensamos a presença no mundo, porque esta se deve muito mais a factores qualitativos do que os quantitativos.As comunidades” (não “a comunidade portuguesa”, quadro estatístico, massa anónima, mas as comunidades muito concretas) existem, como a expressão dessa mais valia qualitativa, que é a organização, a rede de instituições culturais e sociais, que criam e animam um verdadeiro espaço português extra territorial. O que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara nunca, para o encontro com este outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, nas palavras do Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos". Tudo se deve não às correntes migratórias – em si mesmas, agentes de dispersão – mas sim a um poderoso movimento associativo, que se converteu em força de agregação..
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas, algumas monumentais, teria conseguido erguer-se. Bem poderemos parafrasear o Presidente Kennedy, usando o tempo pretérito: “não perguntem o que o País fez por eles, perguntem o que eles fizeram pelo País”.
 
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. Deve – se, em grande parte, à reconversão de um tradicional êxodo de homens sós em emigração familiar, com a sua metade feminina – ainda pouco visível na direção das maiores instituições, mas determinante no que respeita tanto à integração na sociedade estrangeira, como à corporização das comunidades, neste sentido orgânico, em que as consideramos. Essas instituições foram sempre encontrando lideranças à altura das expetativas, contudo, de há alguns anos a esta parte, vem-se questionando, o seu futuro, pelo envelhecimento dos seus dirigentes, num quadro de “fim dos tempos" da emigração – fim esse muito propagandeado pelos nossos políticos desde à adesão à CEE , como símbolo de desenvolvimento. A pobreza,  profetizavam, era coisa do passado...
Ora a pobreza está, agora, de volta a Portugal. O Governo não hesita em levar a cabo, um programa de austeridade seletiva, que pesa, essencialmente, sobre as classes médias, destruindo-as. No generalizado empobrecimento e, sobretudo, no desânimo e na revolta se gera  outro ciclo de emigração, descomunal, tremendo, como aquele que há precisamente um século, o Prof. Emygdio da Silva denunciava, falando em “emigração delirante”.
Abalam todos os que podem... qualificados ou não, mais e menos jovens, homens e mulheres (ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente, com ambições profissionais).
Serão elas e eles a solução para a segunda vida do associativismo e das comunidades da Diáspora, num maior equilíbrio de género e geração, inovando, modernizando? É a grande questão, para a qual não há que esperar resposta: há que busca-la! Este é o tempo ideal para equacionar políticas e tomar medidas que possam influenciar respostas afirmativas.

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