fevereiro 13, 2018

RECENSEAMENTO GERAL NA EMIGRAÇÃO (POR UM UNIVERSO DE VOTANTES OU DE ABSTENCIONISTAS'?) 1 - A anunciada proposta do governo socialista de promover em larga escala o recenseamento eleitoral dos portugueses do estrangeiro é de saudar, entusiasticamente. Antes de mais, porque significa um corte com o passado, uma espécie de estrada de Damasco do PS neste domínio - um artido que, não sendo monolítico, sempre teve militantes tão "sufragistas" como eu, no que respeita aos direitos políticos dos emigrantes, por sinal e não por acaso, os mais conhecedores da Diáspora, como José Lello ou o ex-deputado Carlos Luíz. Porém, embora ocupassem importantes lugares institucionais, eram uma irremediável minoria,e, como diz o ditado popular "uma andorinha não faz a primavera".. . Em 1980, quando o governo da AD, a que eu pertencia como estreante na pasta da emigração, fez uma primeira tentativa - modesta! - de alargar de 30 para 60 dias o prazo de recenseamento no estrangeiro, viu a sua proposta de lei chumbado por PS e PCP, A maioria da AD era tão diminuta que bastou a ausência de 2 ou 3 deputados retardatários, para sofrer no hemiclo, a sua única derrota, num mandato de 12 meses..Para o processo de recenseamento, que estava a ser organizado no meu gabinete, foi a pior das surpresas...Mesmo assim, o número de inscritos aumentara em 80% num só mês, ultrapassando a barreira dos 100.000 inscritos. 2 - A questão estava partidarizada, por demais! PS e PCP temiam o voto dos emigrantes que consideravam irremediavelmente "reacionário", acusando o PSD e CDS de tentarem crescer à custa dessa "clientela". Um preconceito que já vinha de trás e limitara, na Constituição de 1976, a participação política dos expatriados à eleição dos seus deputados (em círculos próprios. com um teto baixíssimo de 4 representantes em 250, que constituía, e constitui, a única exceção ao princípio constitucional da proporcionalidade pelo método de Hont. As propostas do PSD no sentido de consagrar o direito de voto dos emigrantes na eleição presidencial não fizeram vencimento nas revisões constitucionais de 1982 e de 1989, por oposição dos adversários do costume. Em 1996, o PSD foi mais longe e, pela voz de Marques Mendes, condicionou toda a negociação para o acordo do "bloco central", indispensável para garantir os necessários dois terços para a revisão constitucional, ao reconhecimento desse direito, assim como do direito à participação nos processos referendários. Foi uma vitória histórica, mas incompleta, porque, num compromisso muito "à portuguesa" acabou por ceder à exigência socialista de restringir a capacidade eleitoral dos expatriados àqueles, condicionando-a à comprovação da existência de laços de ligação efetiva a Portugal (fórmula vaga, cuja interpretação se remeteu para as leis eleitorais, onde, naturalment,e o acalorado dissenso prosseguiria por longos anos). .3. Quase 40 anos depois, os recenseados são cerca de 300.000. A "comunidade política nacional" no estrangeiro é, pois, diminuta, quando se compara com os cerca de cinco milhões das "comunidades portuguesas" e continua excluída das eleições autárquicas e autonómicas, e, em termos práticos, dos referenda, também. Na Espanha, só a Galiza tem muito mais inscritos e, note-se, com taxas de abstenção muitíssimo mais baixas, tanto nas eleições regionais como nacionais, Entre nós, os votantes têm sido aproximadamente 30.000 nas legislativas (voto por correspondência) e 10.00 a 12.000 nas prsidenciais (voto presencial). A abstenção ronda os 90% no sufrágio postal, e sobe para cerca de 96% quando implica deslocação (em muitos casos de dezenas ou centenas de quilómetros...) às mesas de voto. Situação escandalosa!´Pode imaginar-se, em democracia, coisa pior? Pode: o recenseamento automático, como por um golpe de mágica, de mais um milhão de inscritos nos consulados, que, assim, passam diretamente, sem serem ouvidos nem achados, para os cadernos eleitorais... Os não recenseados não são, previsivelmente, os cidadãos mais zelosos do cumprimento do dever cívico de votar, pelo que é de antever um dramático aumento das taxas de abstenção. na verdade, apesar da boa intenção que preside à iniciativa governamental a solução parece mais própria para criar um dilatado universo de abstencionistas do que de votantes... Mas e boa intenção não pode ser desperdiçada - este é o momento certo para os partidos se reencontrarem no diálogo, assegurando o aprofundamento do estatuto de direitos políticos dos emigrantes (voto, em condições de igualdade nos "referenda", nas autárquicas e regionais, aplicação do sistema da proporcionalidade ou aumento do número de deputados dos círculos de emigração, revisão das modalidades de voto (livre opção individual pelo voto em urna ou por correspondência, utilização de novas tecnologias), reforma do Conselho das Comunidades, como órgão de representação específica dos expatriados. Dar conteúdo ao estatuto de direitos será requisito essencial de mobilização dos emigrantes para a participação no quadro de um recenseamento tão facilitado quanto possível. Este é o tempo em que ter mais de um mihão de emigrantes nos cadernos eleitorais deixou de ser uma utopia!

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