agosto 24, 2018

 APOSENTAÇÃO COMPULSIVA AOS 70 ANOS. UM CASO DE INCONSTITUCIONALIDADE? 1- Vejo a aposentação compulsiva dos servidores do Estado, (em sentido lato), como uma espécie de sentença de "morte profissional" aos 70 anos, e considero a sua imediata abolição uma forma de restituir a plena dignidade humana aos trabalhadores do setor público. Nunca compreendi o "porquê" deste regime excecional e discriminatório, que contrasta, em absoluto, com a regra da liberdade de trabalho, sem limite etário, aceite tanto no setor privado, como na política, não obstante a sua natureza de serviço público. É, a meu ver, uma limitação atentatória do princípio de igualdade entre todos os cidadãos, consagrado no nº 1 do artº13º da Constituição da República, em tudo semelhante ás que vêm expressamente mencionadas no seu nº 2 (ascendência, sexo, raça, instrução, condição social, etc, etc ). Bom bom seria que, em próximo processo revisional em São Bento , o fator de discriminação "idade" fosse acrescentado a essa enumeração.. Só a falta de capacidade física e mental para o exercício do cargo pode ser fundamento da cessação do vínculo laboral pois, como sabemos, a presunção de incapacidade aos 70 anos choca com a verdade da vida e da ciência! E não se invoque o argumento da necessidade de renovação geracional, pois esse valeria, do mesmo modo, para a política, aos vários níveis, e para o setor privado.. A renovação é precisa, mas acontece, naturalmente, como comprovam estes dois domínios. 2 - Não estamos a falar, como alguns com grosseira demagogia têm insinuado, de aumento da idade de reforma/aposentação. O prolongamento forçado ( sublinho, "forçado") da vida ativa vem sendo imposto por motivos essencialmente economicistas, para retardar a passagem dos contribuintes a beneficiários do sistema de pensões, como expediente para assegurar a sustentabilidade, ao que dizem posta em causa, do edifício da segurança social, e, com ele, do futuro das pensões dos atuais contribuintes, A questão que nos ocupa não é do foro da economia ou da contabilidade - para a qual a opção de continuar para além dos 70 será até positiva . É, sim, uma questão de princípio, de fundo humanista, personalista e libertário, que recoloca a pessoa no centro da decisão, dando-lhe a escolha de retardar a data do fim da carreira. Para tal, bastará revogar uma medida, que foi instituída há cerca de um século, quando a esperança média de vida era, de facto, inferior à da barreira estabelecida. Uma atualização para o equivalente a essa média, no presente, elevaria a fasquia da aposentação compulsiva, em cerca de uma década, ao menos no nosso país. Não é o que propomos, em nome dos direitos de cidadania dos seniores. A mera dilatação do prazo continuaria a corporizar o mal de uma imposição arbitrária, desde logo, porque o processo de envelhecimento não é uniforme. Nada há de mais relativo do que o peso da idade no declínio efetivo de faculdades de pensamento e de ação. O prematuro "abate" ao ativo de funcionários, ainda pujantes de sabedoria e experiência, é um perfeito paradigma de desperdício. 3 - Há, ainda os que invocam como decisivo para, sem mais discussão, se manter o "status quo" a simples constatação de serem poucos, (três ou quatro centenas em muitos milhares), os que, atualmente, permanecem em funções até ao preciso momento de "expulsão" do serviço público. Expulsão - não tenhamos medo de palavras tão contundentes quanto verdadeiras! Ora, o número é coisa totalmente irrelevante, quando se trata de fazer justiça. Reconheçamos que uma esmagadora maioria tem pressa de ir para casa, ou porque sente o fardo da idade ou do labor em si mesmo, ou do ambiente em que é exercido. Admitamos, também, que a maioria dessa maioria é facilmente substituível por uma nova vaga, e que muitos dos que a integram, teriam gostado de se retirar aos 40 ou 50 anos. Não é desses que curamos, é dos outros - para lhes garantir a livre opção por saída mais tardia. Só dela aproveita quem quer. Serão, sobretudo, elites académicas, professores, cientistas, diplomatas, médicos... Médicos! Talvez esta iniciativa do governo tenha sido desencadeada pela recente aposentação compulsiva do famoso cirurgião de Coimbra, Doutor Manuel Antunes, que tudo disse e tudo fez para continuar a sua missão e foi obrigado a sair para o setor da medicina privada, certamente, em relutante competição com o serviço público de excelência, que ele próprio criou. Um absurdo, que constituindo drama pessoal, semelhante a outros menos conhecidos, ganhou particular visibilidade

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