setembro 27, 2023
QUESTÕES DE GÉNERO NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO
Manuela Aguiar1
INTRODUÇÃO
As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo no domínio da emigração vão, como regra
geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins
de reunificação familiar. Só após 1974 as mulheres viram reconhecido o direito de emigrar
livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro.
A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as
especificidades da sua situação, padronizando-se neste quadro jurídico e fático, a emigração
portuguesa no masculino.
A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização
de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entre
o Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior
consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs
do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade”, em 2007 às eleições para o Conselho das
Comunidades Portuguesas, constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da
participação das migrantes na vida coletiva das comunidades.
A aprovação da Resolução n.º 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das
propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma
nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração.
I- AFLORAMENTOS DA "QUESTÃO DE GÉNERO" NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO.
Medidas discriminatórias, proibitivas ou limitativas.
Tradicionalmente, emigrar era uma "aventura masculina". As Portuguesas viram-se, desde os
séculos XVI e XVII, especialmente limitadas no que hoje diríamos o seu direito à emigração ou à
reunificação familiar. E se até ao regime nascido no 25 de Abril de 1974 nunca foi verdadeiramente
livre para todos a saída do país, o certo é que os obstáculos foram sempre maiores para as mulheres.
No período da "expansão", nem para acompanhar os maridos isso lhes era, em princípio,
permitido, só a título excecional e por favor régio. Política diametralmente oposta foi, por exemplo,
Jurista, foi docente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e da Faculdade de Direito da 1
Universidade de Coimbra. Árdua defensora dos direitos das Mulheres e das Políticas da Emigração, atividades que
desempenhou nos anos em que esteve à frente da Secretaria de Estado para a Emigração e Comunidades Portuguesas,
na qualidade de deputada na Assembléia da República, e na presidência da Comissão Parlamentar das Mulheres. _____________________________
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seguida em Castela, que sempre privilegiou a emigração de casais para as colónias da América do
Sul. (Boxer, 1977, p. 34). No nosso caso, houve sim algumas exceções determinadas pela vontade
de promover o enraizamento de populações europeias em determinadas regiões do Império. Com
essa finalidade, saíram para a África e o Oriente as chamadas "Órfãs d’El-Rei”, jovens recolhidas
em orfanatos que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante
um determinado dote, nomeadamente terras de cultivo ou empregos públicos. Também o
povoamento por casais foi promovido em casos contados, ao longo de diferentes épocas, mas nunca
de forma generalizada e sistemática. (Boxer, 1977, pp. 78-84)
Mais tarde, no século XIX, em contexto puramente migratório, poderemos apontar um caso
particularmente bem documentado de emigração familiar para as antigas Ilhas Sandwich,
enquadrada num acordo bilateral entre os reinos de Portugal e do Havai. A partir da Madeira e dos
Açores aportaram nessas ilhas do Pacífico, muitas mulheres e homens, que quase sempre levavam
consigo uma prole numerosa e deixavam a terra sem esperança de voltar. (Felix, 1978, pp. 28-30)
Porém, à margem de qualquer incitamento ou facilitação do processo, grande número de
mulheres iam juntar-se a maridos e familiares por sua vontade, contrariando estratégias, leis e
determinações das autoridades. Em oitocentos e no início do século seguinte, acentuou-se a
tendência para o aumento das que assim reagiam à solidão em que se viam, partindo ao encontro
dos homens, em regra, depois de eles estarem integrados na nova sociedade, o que era causa de
desmedida preocupação dos especialistas neste domínio, tanto de académicos como de decisores e
responsáveis pela execução das políticas de emigração . 2
São representativas do pensamento da época as opiniões de investigadores como Afonso
Costa e Emygdio da Silva. Para o primeiro, a emigração feminina é mesmo considerada uma
"depreciação do fenómeno migratório", o que tem de se compreender na lógica de considerar o
emigrante essencialmente como fonte de divisas. Nas suas próprias palavras: "[...] é quando a
família fica na Pátria que ele envia mais regularmente as suas economias". (Costa, 1913, p. 182).
Para o segundo, o êxodo das portuguesas era "uma constatação tremenda". Reportando-se a este
fenómeno no início do século XX, entre 1906 e 1913, um período em que se regista um crescimento
de 127% das saídas de mulheres, os perigos para que aponta são, antes de mais, a
"desnacionalização" e a "cessação de remessas". (Silva, 1917, p.132).
Não surpreende, assim, que a discriminação entre os sexos fosse evidenciada na própria
definição de emigrante: o passageiro homem que viajava na 3ª classe dos navios e a mulher que
seguisse desacompanhada, qualquer que fosse a classe escolhida para o transporte, ficando sujeita a
O Estado, de um modo geral, privilegiou, de jure e de facto, a emigração de homens sós, assim como a miscigenação 2
consentida ou encorajada nas colónias a fim de reter no Reino as mulheres. E terá sido à atitude de desafio destas
“viúvas” de maridos vivos, que decidiram partir ao encontro dos ausentes, que se ficou, fundamentalmente a dever a
matriz cultural portuguesa dessas colónias de povoamento. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa terá sido, geralmente,
mais permissiva no que respeita à saída de mulheres para o Brasil do que para África ou o Oriente. _____________________________
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todas as restrições que a qualificação implicava. Essa diferença de tratamento denunciava a clara
consciência da "questão de género", a constatação da influência da presença da mulher no curso do
projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma opção pela integração e
pelo não retorno a suscitar a intervenção autoritária, vertida em medidas jurídicas e práticas
administrativas. De facto, a emigração familiar reforçava, como ainda hoje indubitavelmente
reforça, a tendência para a fixação definitiva no país de acolhimento. E não se perspetivava outro
tipo de ganho que pode ser maior e mais duradouro do que a entrada de divisas para equilibrar as
contas com o exterior. Por exemplo, a criação de comunidades portuguesas pela cultura e pelo afeto,
(indissociáveis de uma forte componente feminina), que eram, então, pouco mais do que ignoradas
ou depreciadas como meros “guetos” transitórios onde se enclausurava, por escolha própria, a
primeira geração de emigrantes.
Haveria também, já, o assomo de alguma preocupação com a situação de especial
vulnerabilidade das mulheres, pelo receio de que sós, em terra estranha, pudessem ser vítimas de
exploração no trabalho. O que obviamente não havia ainda, era a ideia de que as mulheres, tal como
os homens, têm direitos, e muito menos a aceitação de que pudessem ter, neste como noutros
domínios, direitos absolutamente iguais.
II- DA IGUALDADE NA LEI ÀS DESIGUALDADES DE FACTO
Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, a liberdade de circulação dentro e para fora do
território nacional é restabelecida (ou melhor, estabelecida) e vem a ser consagrada na Constituição
de 1976. Esse foi um tempo de tão assertiva afirmação de princípios, que levou a uma natural
sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se as leis vanguardistas tivessem, de per si, o
poder de transformar ditames em factos do quotidiano. Assistimos, por isso, a uma diluição da
problemática feminina perante leis que as não discriminavam, com o que isso representava de
positivo face ao passado, mas também com a faceta negativa de ser "padronizado” no masculino
todo e qualquer trajeto migratório, assim se tornando opaco e permanecendo desconhecido o que
especificamente dizia respeito às mulheres migrantes.
No "país do território" sentiu-se a necessidade de ir abrindo caminho à igualdade efetiva entre
os sexos para além da mera proclamação de princípios, dando às políticas uma base operacional
própria em serviços ou departamentos com competências genéricas ou sectoriais (a "Comissão para
a Igualdade", cuja designação foi variando sem verdadeiras ruturas na sua atuação, exemplifica
aquela primeira categoria; a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego - CITE - a
segunda). Pelo contrário, no "Portugal da Diáspora" a atitude foi de descaso das autoridades
nacionais no respeitante à situação das portuguesas no estrangeiro e às eventuais singularidades da
sua integração no mercado de trabalho e na comunidade de destino, não obstante a Constituição, no
art.º 9.º/h, a partir da revisão de 1997, e também no art.º 109.º, impor ao Estado a tarefa de
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promover a igualdade entre os sexos no que respeita à participação cívica e política, sem restringir
essa incumbência ao território nacional. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as
emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e
como estrangeiras, ainda por cima, numa conjuntura em que se acentuava a “feminização” da
emigração devido à crise económica que viera interromper a chamada de trabalhadores ativos e
apenas tolerava movimentos migratórios para efeito de reagrupamento familiar.
A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro
aproximava-se da dos homens. E, apesar das restrições que inicialmente, um pouco por todo o lado,
se colocavam à sua atividade profissional, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao
mercado de trabalho, ainda que não normalmente no mesmo tipo de emprego. Em qualquer caso, a
possibilidade de profissionalização, logo aproveitada maciçamente, converteu-se numa autêntica via
de emancipação dessas mulheres dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e
cultural, e, do mesmo passo, independência e igualdade, quando não supremacia dentro da família.
Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior
prosperidade económica como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995, p.
51). E mesmo em relação aos homens emigrados nem sempre perdiam no confronto .3
A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência. Se existe, sob diversas
formas, acaba sendo frequentemente superada. Conclusão a que se chega quando se perspetiva a
vida das emigrantes ao longo de décadas, como realidade complexa e dinâmica, e quando se entra
em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008, p.1257).
Em boa verdade, o sucesso no longo prazo da geração de 60 e 70, a do "salto" para a Europa, não é
só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998, p. 22). E às próprias mulheres se
fica a dever, não ao sustentáculo moral e material ou a quaisquer formas de ajuda do seu país . 4
No aspeto legislativo, é de salientar que na década de 80, subsistia ainda contra a letra e o
espírito da Constituição de 1976, uma capitis diminutio das mulheres portuguesas, na maioria
mulheres emigrantes, embora não pelo facto de o serem, mas sim pelo de residirem num lugar
geográfico mais propício ao convívio com não nacionais: refiro-me à lei que retirava a
nacionalidade portuguesa automaticamente às cidadãs que casassem com estrangeiros. A Lei n.º
37/81 veio permitir-lhes não só conservarem a nacionalidade, independentemente da do cônjuge,
como transmiti-la em igualdade de condições à sua descendência, e recuperar o estatuto de
cidadania portuguesa perdido "ex lege". No entanto, note-se que a reaquisição desse estatuto
Maria Engrácia Leandro foi uma das primeiras investigadoras a evidenciar formas desta insuspeitada realidade, tendo 3
centrando os seus estudos nas comunidades portuguesas da região parisiense
É certo que algumas medidas pontuais se podem destacar. Um exemplo: aquando da adesão de Portugal à CEE, no 4
âmbito das comparticipações comunitárias, a SECP organizou diversas ações no domínio da formação profissional
destinadas a mulheres, o que constituiu uma diligência pioneira, ainda que desenvolvida num universo limitado, e, por
isso, sem decisivo impacte na vida da generalidade das portuguesas. _____________________________
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facilitada e com eficácia retroativa só viria a ser assegurada pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro, ou
seja, cerca de trinta anos depois da revolução do 25 de Abril . 5
Olhámos a emigração do passado, mas tratando-se de um movimento que nunca cessou, e
reassumiu, sobretudo na última década, uma desmesurada dimensão, convém igualmente consideralo no presente. Embora isso não tenha ainda reconhecimento bastante, há de facto um
recrudescimento das vagas migratórias, no conjunto menos dramáticas, menos visíveis do que as
das décadas de 60 e 70, e, também, mais difíceis de quantificar na sua exata extensão, porque se
dirigem em larga medida a um espaço europeu de liberdade de circulação. As mulheres estão
envolvidas no processo por vontade e direito próprio, autonomamente, e tal como os homens, são
cada vez mais qualificadas. Segundo o sociólogo Eduardo Victor Rodrigues "[...] já não
correspondem ao paradigma da mulher da aldeia que sai para acompanhar o marido; são bastante
escolarizadas e procuram melhores condições de vida" . É um êxodo, também no feminino, que 6
escapa ao paradigma tradicional e que é necessário conhecer melhor e apoiar, como reivindica a
Assembleia da República numa Resolução aprovada no primeiro trimestre deste ano que irei expor
adiante.
Alguns estudos têm sido desenvolvidos nesta área por cientistas, a título individual, em
projetos de centros de investigação, e também em comunicações e debates de congressos,
encontros, seminários, como é o caso do que aqui nos reúne. Fala-se em “congressismo”, para
englobar este último tipo de iniciativas. É uma palavra que não encontraremos em muitos
dicionários, mas que permite classificar expressivamente um instrumento que tem tido influência
basilar na elucidação e na procura de respostas para a "questão de género” em Portugal, no nosso
século, tal como noutros países e noutros tempos, pelo menos desde que Elizabeth Cady Stanton fez
história do feminismo nos lendários encontros de Seneca Falls.
Nos anais da luta feminista, como nos da luta pela valorização do papel da Mulher no
universo da emigração, o “congressismo", assim entendido, tem podido concertar a vertente
académica com a da partilha de experiências vivenciais visando a ação concreta e a mudança. Em
Portugal, no presente, através dele se tem vindo a executar uma parte do programa de governo para
as comunidades portuguesas do estrangeiro, em matéria de género. (Aguiar, 2009, p. 41). Os
A Lei n.º37/81 de 3 de Outubro foi, a meu ver, descaracterizada pela via da regulamentação que admitia inclusive a 5
oposição do Estado em processo de reaquisição da nacionalidade pela mulher casada com estrangeiro. A Lei Orgânica
n.º1/2004 de 15 de janeiro, no art. 30.º veio permitir a recuperação da nacionalidade, por mera declaração. Na parte final
do n.º 2.º do mesmo artigo estipula-se que a reaquisição "[…] produz efeitos desde a data do casamento".
Afirmações do sociólogo Eduardo Victor Rodrigues, proferidas no encerramento do Encontro “Cidadãs da Diáspora”, 6
em Espinho, tiveram eco nos media das comunidades, nomeadamente no Canadá. Citamos um artigo de 9 de março de
2009 do jornal "Voice", intitulado justamente "Mudanças nos Hábitos dos Emigrantes Portugueses". _____________________________
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“Encontros para a Cidadania foram anunciados e efetuados nesse preciso enquadramento, a partir de
2005 .7
Um parêntesis, para salientar a absoluta necessidade de recorrer ao conhecimento científico a
fim de fundamentar novas políticas de emigração. É uma evidência nem sempre vista como tal. Em
largos períodos do passado recente, governo e universidades viveram dissociados, com os efeitos
que se conhecem, em particular a tardia reação das autoridades perante inesperados reinícios de
surtos migratórios e, muitas vezes, também perante casos graves de exploração dos expatriados, dos
quais a opinião pública e o governo tomam conhecimento, em simultâneo, pela imprensa. Por isso
se regista como positiva a retoma de colaboração que, previsivelmente, permitirá inspirar e delinear
decisões e medidas de pronto e atento acompanhamento de movimentos emergentes. Exemplo de
uma relação mais estreita entre estes dois mundos, o académico e o político, é o estabelecimento da
parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e um centro de investigação
universitário (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE), para levar a
cabo um projeto de análise e caracterização do fenómeno migratório, através do "Observatório da
Emigração” . 8
Resta saber em que medida se preocupará o “Observatório” com a problemática de género, e
tornará mais ou menos dispensável a recomendação, repetidamente feita ao governo, de criar um
observatório das migrações femininas . 9
III- AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE AUDIÇÃO DE MULHERES EMIGRADAS
Como vemos, foi regra geral até data recente a indiferença dos Governos por tudo o que respeita às
particularidades da integração das emigrantes no sector profissional e no universo associativo, este,
dirigido e representado, nunca é demais salientá-lo, quase em exclusivo por homens, no período que
se seguiu à proclamação jurídica da igualdade plena entre os sexos, nomeadamente no Conselho das
Comunidades Portuguesas (CCP), desde 1981.
Dos grupos que tradicionalmente viam, pela especificidade das suas situações, supostamente
no seu próprio interesse, dificultada a saída do país, de mulheres e jovens, só estes últimos têm
estado no centro da atenção dos políticos, antes de mais, através da organização de programas de
No primeiro comunicado de imprensa sobre os "Encontros para a Cidadania" dizia-se, expressamente, que um dos 7
seus objetivos era "o cumprimento do programa do XVII Governo (capítulo V, ponto 7) "
Não é nova a preocupação de estimar e analisar, de forma sistemática, os movimentos migratórios nacionais. Portugal 8
participou, ativamente, desde os tempos do "Secretariado Nacional da Emigração", no Serviço de Observação
Permanente das Migrações - SOPEMI - da OCDE – colaboração a que, na década de 80, era ainda dada uma grande
importância.
Nos "Encontros Para A Cidadania", sobretudo nos de Buenos Aires e de Estocolmo, foi insistentemente avançada essa 9
recomendação. Tendo sido em data posterior criado o Observatório da Emigração para evitar dispersão de esforços, o
mais razoável parece ser agora uma insistência para que nele se venha a incluir o estudo das particularidades das
migrações femininas. Objetivo necessário para desocultar de disparidades e injustiças, se poderá desencadear a
alteração de mentalidades e atitudes. _____________________________
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ensino da língua e cultura portuguesas, mas também de ações de intercâmbio, estágios de formação
profissional, encontros, debates, do que designamos por "congressismo".
Na última reestruturação do CCP – Lei n.º 66-A/2007 de 11 de dezembro – o legislador foi
mais longe com a instituição de um “Conselho Consultivo da Juventude”, com competência “nas
questões relativas à política da juventude para as comunidades portuguesas”, e nas “questões
relacionadas com a participação cívica e integração social e económica dos jovens emigrantes e
luso-descendentes nos países de acolhimento”. Nada de comparável está previsto para o
associativismo feminino. Alguns responsáveis políticos justificarão esta diferença com a opção pela
"paridade" de género no CCP, nos termos que adiante explicitaremos, em alternativa a esta outra
forma de dar representação específica a determinados segmentos ou grupos das comunidades. Julgo
porém válido contra-argumentar que a verdadeira paridade é um objetivo a prazo incerto,
provavelmente a longo prazo, pelo que, no imediato, a metade feminina da emigração ficará longe
de ter a metade dos assentos do Conselho.
Por outro lado, a vertente de "género" não tem sequer sido valorada, e deveria sê-lo, nos
critérios de concessão de apoios do Estado às iniciativas de instituições da "Diáspora", parecendo
contar pouco o facto de o crescimento da rede de clubes e centros culturais em que se estruturam as
comunidades se dever, em muito, à participação de famílias inteiras, com as mulheres a assumirem
funções simétricas no círculo estreito do lar e no círculo alargado na coletividade, neste
permanecendo quase sempre uma discreta "dona da casa" que se encarrega da arte da culinária, da
decoração, da organização dos bastidores da festa e do convívio quotidiano, fatores insubstituíveis
de agregação e de desenvolvimento. Um papel vital, mas redutor, de que se vai libertando, para
exercer, alternativa ou cumulativamente, quaisquer outros, para já, mais em determinados países do
que na generalidade do universo da Diáspora portuguesa.
Estamos num domínio da vida em sociedade em que, segundo a opinião dos que defendem em
absoluto o princípio da não interferência, o Estado não deve intrometer-se. Todavia, não é disso que
se trata, trata-se não de condicionar ilegitimamente a independência das instituições, mas de velar
pela aplicação de direitos fundamentais que nenhuma tradição ou costume que invoque pode
subverter. Há que incentivar boas práticas dentro de cada associação portuguesa do estrangeiro,
apelando à vivência igualitária da cidadania, como de resto quer o próprio legislador constitucional.
A verdade é que, com recurso aos mais variados pretextos, sucessivos governos no pós 25 de Abril
de 1974 descuraram a prossecução do objetivo da igualdade de acesso a atividades cívicas e
políticas no espaço da emigração.
A vontade de romper este quadro de inércia foi divulgada, logo no início de funções, pelo
Secretário de Estado António Braga no 1º Encontro da Cidadania, em novembro de 2005, ao falar
do “desígnio”, que presidia a essa reunião de " [...] retomar da questão de género, que tem andado
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esquecida ao longo dos anos […]", e ao admitir que "Portugal não tem tratado do papel da mulher
nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política" . 10
Era, de facto, um "retomar" a questão de género que havia tido apenas um momento breve de
afirmação na meia década de 80. No arranque desta primeira fase está uma recomendação do CCP,
que se fica a dever à visão e sensibilidade de uma das raras mulheres que nele tinha voz. O
Conselho, criado pelo Decreto-lei n.º 373/80 de 12 de setembro, órgão consultivo do governo, era
eleito de entre os líderes das associações e formado, como disse, na sua quase totalidade, por
homens, à imagem do próprio dirigismo associativo de então. Maria Alice Ribeiro, "mulherexceção", na qualidade de representante dos media do Canadá no CCP, obteve, em fins de 1984, na
reunião regional desse órgão, realizada em Danbury, Connecticut, consenso para a sua proposta de
convocação de um congresso mundial de portuguesas emigradas . 11
A Secretaria de Estado da Emigração aceitou o desafio e o “1.º Encontro de Mulheres no
Associativismo e no Jornalismo" aconteceu no ano seguinte. Trinta e seis portuguesas dos cinco
continentes foram convidadas, através das embaixadas e consulados de Portugal, a apresentar
comunicações: jornalistas, professoras, investigadoras, sindicalistas, empresárias, estudantes,
dirigentes de coletividade. Mulheres de formação muito diversa, todas elas ativas das suas
comunidades, no ensino, na ação social, no teatro, na dança, na música, no desporto . A seleção 12
desse grupo de personalidades convidadas não teve tanto a preocupação de assegurar um equilíbrio
regional entre as grandes concentrações de emigrantes, como de refletir a participação das
mulheres, tal como à época se verificava, em comunidades com origem, idade e tradições de
organização e ação femininas muito diversas. Assim, com uma representação mais em qualidade do
que em quantidade, tendo como interlocutores vários membros do governo da República e dos
governos regionais dos Açores e da Madeira e também, da sociedade civil, se realizou, em junho de
1985, em Viana do Castelo, a reunião matricial.
1985 era o ano de encerramento da "Década" das Nações Unidas dedicada à Mulher, facto que
não havia sido determinante na recomendação do CCP, embora a coincidência tenha contribuído, a
par do carácter inédito da iniciativa portuguesa, para que o "Encontro" tivesse o alto patrocínio da
UNESCO. Não havia, realmente, memória de organização, por parte do governo de um país de
Declarações de António Braga em entrevista transcrita na publicação sobre o "Congresso online", promovido em 10
2009 pela “Mulher Migrante”. Um quarto de século antes, eu própria, encerrei o Encontro de Viana com um discurso
semelhante, notando, no que às mulheres respeita, "[...] ausência de participação, de voz, de reconhecimento, de poder,
ao menos de poder formal, nas instituições [...]" Posições concordantes, separadas por um longo hiato de duas décadas
de inação política, neste campo.
A génese dos Encontros para a Igualdade vem sumariada num artigo com esse título, na edição sobre "O Congresso 11
on line".
"Jornalismo" considerado no seu sentido mais amplo, incluindo profissionais, correspondentes de meios de 12
comunicação de âmbito europeu, (“BBC”, “Radio France Internacional”, quotidianos parisienses), ou americano
(“CBS”), a par de produtoras ou diretoras e colaboradoras de programas "étnicos". As trinta e seis participantes - das
quais 14 jornalistas - procediam de dez países, dos cinco continentes, com predominância das do norte da América,
Canadá e EUA, sobretudo, da Califórnia, onde o associativismo feminino tem uma existência quase centenária. _____________________________
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diáspora, de um fórum semelhante, apesar de, na altura, alguns, poucos, já disporem de mecanismos
para audição geral dos seus expatriados.
A menção do Conselho das Comunidades torna-se incontornável no historial deste congresso,
não só por lhe pertencer a autoria da proposta da convocatória, mas também porque o desenrolar
dos trabalhos se inspirou nos seus moldes de debate e decisão, contou com parceiros oficiais do
mesmo nível e fez apelo ao envolvimento do associativismo e dos media (precisamente como
sucedia no próprio "Conselho"). Assim, as "conselheiras", a título informal, puderam dialogar com
os mais altos responsáveis pelas políticas para a emigração, transmitir-lhes os seus pontos de vista
e, seguidamente, deliberar, entre si, conclusões e recomendações. Nas conclusões gerais, realçaram,
como António Braga haveria de fazer duas décadas depois, sinal da longa paragem do processo
então encetado, " […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro".
E, naturalmente, no final dos trabalhos quiseram enfatizar " […] o entusiasmo e a expectativa
gerada pelo Encontro" . Para audição futura, e para a chamada das mulheres à intervenção cívica, 13
propunham a criação de uma associação internacional própria.
Na escolha de temas para debate, no modo de historiar o passado e olhar o presente, e nas
recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes
objetivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu
futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel
na família, na vida coletiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à
execução de projetos de mudança.
Nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam não viria a
formar-se por falta de assunção da liderança, decerto por causa da dispersão, da distância, das
dificuldades de contacto. Mais pragmática e fácil de implementar teria sido a proposta de inclusão
da problemática feminina na agenda do CCP para convocatória de novas reuniões. Em 1987,
perante o impasse em que se caíra, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas enveredou
por essa via, no contexto de uma reestruturação do CCP. Previa-se a organização, não na orgânica,
mas na órbita do “Conselho”, por simples despacho do presidente do CCP que era, então, um
membro do Governo, de várias "conferências" temáticas em áreas prioritárias, entre elas, uma
"Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro” . 14
Nas conclusões, in fine as participantes quiseram marcar esse carácter pioneiro, ao destacarem o seguinte: " […] Não 13
se tem conhecimento que algum país de emigração tenha alguma vez organizado um Encontro deste tipo. As mulheres
portuguesas no estrangeiro tiveram voz, usaram-na e partiram animadas por uma nova vontade de fazer. Em Portugal
ficou o eco do que disseram". Na verdade, nem governo nem as convidadas para o "Encontro" tinham modelo
estrangeiro em que pudessem inspirar-se - salvo em iniciativas padronizadas no homem migrante.
Uma breve referência às conferências é feita na publicação "Mulher Migrante - O Congresso on line" (p.8). 14
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A queda e substituição desse Executivo, no verão de 87, implicaram a marginalização
imediata do CCP, enquanto organismo de consulta, e as "conferências" não foram nunca
convocadas, tal como os plenários do “Conselho".
Cerca de uma década depois, a memória das expectativas geradas em 1985 e a convicção de
que seria ainda necessário e possível satisfaze-las, levou um pequeno número de participantes do
"Encontro" de Viana, a constituir uma associação que reclamou a herança desse projeto em
demorada hibernação: a "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Solidariedade e Cooperação".
(Gomes, 2007, p. 99).
A "Mulher Migrante" manifestou, desde logo, uma vontade de cooperação com governo e
com ONG’s interessadas na promoção de estudos e de reuniões ou Congressos periódicos, a fim de
fazer o ponto da situação das mulheres migrantes e de abrir caminhos para a igualdade. De algum
modo, ainda que sem uma base institucional no seu modo de funcionamento, inspira-se no modelo
do CCP originário, que tinha raízes na comunidade (em sentido orgânico) e se inseria numa
estratégia de cooperação "Estado-Sociedade Civil". Não será de todo excessivo ver, não na "Mulher
Migrante" em si, mas na "plataforma de diálogo" que com o governo e instituições ou
personalidades das comunidades do estrangeiro foi sendo mantida, essa vocação de se converter
numa espécie de "Conselho" no feminino, pelo menos no período em que decorreram os "Encontros
Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens" . 15
IV- OS "ENCONTROS PARA A CIDADANIA", PARADIGMA DE MOBILIZAÇÃO PARA
A IGUALDADE ENTRE MULHERES E HOMENS" (2005-2009)
Em 2005, por altura do 20º aniversário do "Encontro" de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao
Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas uma proposta de comemoração da efeméride,
através da retoma de audições sistemáticas das emigrantes, inseridas numa estratégia de
mobilização para a intervenção cívica. Proposta que ele aceitou, patrocinando de uma forma
sistemática campanhas com esse escopo nas maiores comunidades da Diáspora, numa acção
conjunta com ONG´s de Portugal e das comunidades que foram levadas a cabo nos referidos
"Encontros" realizados, sucessivamente, na América do Sul, em Buenos Aires (2005), na Europa,
em Estocolmo (2006), no Canadá, em Toronto (2006), na África do Sul, em Joanesburgo (2008) e
nos EUA, Berkeley (2008).
A "Associação Mulher Migrante", converteu-se, desde a meia década de 90, num parceiro preferencial de vários 15
departamentos governamentais, nomeadamente da "comissão para igualdade", a da SECP. _____________________________
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O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, a alto nível político - pelo Secretário
de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a
"Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão . 16
A Jorge Lacão coube, na "Conferência para a Igualdade" em Toronto, fazer uma ampla
explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração. Na abertura dessa
Conferência, assegurou, com meridiana clareza, que “[…] as tarefas fundamentais do Estado
Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos
portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem
para dúvidas ao não excepcionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no
Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a
participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a
Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a
Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi
ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres
migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma
dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades
portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo certamente buscava, marcando
presença e tomando a palavra naquele "Encontro" com um discurso muito assertivo. Em perfeita
consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas de
igualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da
estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra
morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do
chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma
bem urdida estratégia.
Lacão foi ao cerne da questão ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do
governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos
movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos
em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vida
associativa e na das comunidades, ideia chave para a “paridade", como essencial aos objetivos do
próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens no
movimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é
Na organização dos “Encontros”, a par da "Mulher Migrante" estiveram a Fundação Pro Dignitate, através da 16
Doutora Maria Barroso, Presidente de Honra dos "Encontros", a Universidade Aberta, o "CEMRI", a "Rede Jovem para
a Igualdade" e, em cada comunidade, uma ou várias ONG's responsáveis pela implementação do projecto: na América
do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina; na Europa, a federação "PIKO", com sede na Suécia:
no Canadá, a "Working Women" e outras, com particular envolvimento da Cônsul Geral de Portugal; na África, a "Liga
da Mulher Portuguesa"; nos EUA, o departamento de português da Universidade de Berkeley. _____________________________
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condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas
necessidades". (Lacão, 2009, p.11)
A palavra ganhou, ali, de facto, força num ato de diálogo no interior de uma das maiores
comunidades do estrangeiro, com mulheres e homens representativos do movimento associativo,
onde estas teses praticamente nunca haviam sido afloradas, nem de uma forma espontânea, nem por
parte do governo. Foi bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres para
garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa
dos direitos e interesses individuais e coletivos.
Neste e nos demais "Encontros " se pretendeu levar a efeito um levantamento o mais
abrangente possível do posicionamento e da atuação cívica das portuguesas no mundo, com um
propósito de estimular a mudança. Isto é, não apenas de constatar, mas de agir, ou interagir. O
Secretário de Estado das Comunidades acentuaria, em Joanesburgo, ao anunciar a preparação de um
novo congresso mundial de mulheres emigradas, que "[...] estas iniciativas são um claro sinal da
firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...] pela importância que
atribui à necessidade de reforçar os laços com Portugal". (Braga, 2009, p.132)
A partir desse Congresso terão, ou não, continuidade estas formas de audição, regionais ou
mundiais, ensaiadas entre 2005 a 2009? E passarão pelo movimento associativo, pela colaboração
com as ONG's, como se viu neste quadriénio? Não é de modo algum seguro antecipar que sim. O
programa do atual Governo, no ponto referente a Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas
e Cooperação, ao contrário do que acontecia com o anterior, é omisso no que respeita à
problemática da igualdade de género e às iniciativas, havidas ou a haver, na área das
"Comunidades" e na relevância genérica de parcerias com as ONG's, neste domínio . Ou será antes 17
pelo CCP, que passará o eixo central das políticas com a componente de género?
Só a resposta a estas perguntas, a obter dentro dos próximos anos, permitirá concluir se
estamos, ou não, no limiar de uma estratégia para as comunidades portuguesas do estrangeiro,
assente na chamada das mulheres à participação cívica igualitária.
V - MEDIDAS JURÍDICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE NO SÈCULO XXI
A norma que determina a aplicação do princípio da paridade, imposto nas eleições legislativa e
autárquicas, à eleição do CCP (o n.º 4 do art.º 11.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 37.º da Lei n.º 66-A/
207) é, no plano jurídico-político, uma medida excecional de promoção da igualdade de género na
história da emigração portuguesa, dando cumprimento da letra e do espírito da Constituição da
República. O anúncio da sua (então) próxima entrada em vigor foi feito na Conferência de Toronto
A omissão contrasta com a relevância que é dada a parcerias com as ONG's em sede de Cooperação, (Programa 17
do XXVIII Governo, p. 127). _____________________________
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por Jorge Lacão, como prova da vontade do governo de garantir a audição efetiva das mulheres
num órgão onde sempre haviam sido uma pequeníssima minoria, e, na prática, sem acesso à sua
instância de cúpula, o "Conselho Permanente". As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de
2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os atos
eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou
por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas bem-sucedido, pois redundou no
aumento, que era previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão
ao Conselho Permanente. A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na
instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de
uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de
ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, diretamente, do uso que as
eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do
"Conselho", e, indiretamente, do papel que venha a ser o desta instituição que tem tido, como
afirmei, um percurso acidentado e irregular, enquanto fórum de consulta do Governo e de
representação dos emigrantes.
Posterior à legislação que impõe a recomposição mais igualitária do CCP, bem como ao termo
dos "Encontros para a cidadania", é uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a
"problemática da mulher emigrante", em forma de resolução - a Resolução n.º 32/2010, de 19 de
Março - que visa os mesmos resultados das referidas estratégias e ações governamentais. Muito
embora não lhes faça qualquer alusão, parece querer dar-lhes seguimento, no futuro imediato, ao
definir um conjunto de medidas “destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres
portuguesas do estrangeiro" e ao prever a utilização de instrumentos e metodologias idênticas,
apontando para a efetivação de "seminários, campanhas de sensibilização, ações formativas e
informativas junto das comunidades, incentivos a estudos e investigações. Na Resolução n.º
31/2010, aprovada na mesma data, os parlamentares recomendam ao Governo que " […] proceda ao
estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa do mundo.” E fazem sua uma ideia
chave do Programa do XVII Governo: preparar as medidas da sua política externa, em concertação
com outros ministérios, “[…] no sentido de revelar uma mudança de paradigma face a esta nova
diáspora portuguesa, colocando-a no centro das suas ações, fazendo dela uma verdadeira linha
avançada da nossa diplomacia um pouco por todo o mundo”.
Por seu lado, a Resolução destina-se a contribuir para “o desenvolvimento da cidadania das
mulheres portuguesas residentes no estrangeiro”, visando “Promover a igualdade efetiva entre
homens e mulheres no universo das comunidades portuguesas no Mundo; Combater situações de
violência de género; Desenvolver modalidades de inserção profissional das mulheres portuguesas
no estrangeiro”. (Ponto 2, alíneas a), b) e c). Objetivos, todos eles, traçados no programa do atual
governo, no capítulo respeitante às políticas sociais de igualdade de género, porém, sem qualquer
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referência expressa ao caso das mulheres expatriadas, pelo que não será desapropriado concluir que
a "Resolução" procura transpor o conteúdo das medidas ali delineadas, em termos gerais, para a
situação particular das emigrantes. A Resolução não é, evidentemente, muito inovadora pelo que
recomenda. É-o pelo facto de ser a primeira vez que os Deputados chamam a atenção para os
deveres do Estado na consecução da igualdade de mulheres e homens, para além das fronteiras
territoriais, como manda o art.º 109.º da Constituição. Se a resposta do Executivo for o
relançamento, de uma forma constante e consistente, do trajeto de diálogo e cooperação já
empreendido sem que tenha ainda atingido a generalização e a eficácia plenas, a exigir esforço
incessante, sem fim à vista, estaremos no limiar de efetivação de políticas de emigração com a
componente de género.
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