janeiro 19, 2009

O alerta do Cardeal

O alerta do Cardeal Patriarca de Lisboa às jovens com quem dialogava, em ambiente descontraído, para que pensassem bem antes de casar com muçulmanos, foi, como é evidente, politicamente incorrecto. Mas, à partida, ser politicamente incorrecto é de bom augúrio.
E é a coisa mais cristã possível, visto que todos os exemplos de vida de Cristo são isso mesmo. Desde a expulsão dos vendilhões do Templo até ao Calvário.

O Cardeal teve de suportar uma grande variedade de críticas, ás quais, que eu saiba, não respondeu - e fez muito bem!
Entre todos, uns , especialmente imbecis, diziam que, para ser justo, também devia ter desaconselhado o casamento dos rapazes com muçulmanas - como se o principal problema não fosse a "capitis diminutio" da mulher perante o homem, e ainda mais, da mulher casada perante o marido - autêntico"dono e senhor" dela e dos filhos nascidos do matrimónio, na ordem jurídica dos países seguidores da lei religiosa (a "sharia"). Para esta escola de pensamento, laicismo, democracia, igualdade de direitos são obrigatórios só no "nosso" mundo. Francamente, acho a complacência, face ao desrespeito daqueles valores em outras culturas, um acabado exemplo de racismo ou coisa semelhante.

Aliás, se o Cardeal tivesse, de facto, combatido, pura e simplesmente a união entre crentes de diferentes religiões, sobretudo entre cristãos e muçulmanos, mostraria, aí, sim, uma faceta nova e menos tolerante da sua personalidade, que nos habituámos a considerar aberta e ecuménica.

Ele estava, na minha óptica, a abordar uma questão actual e pertinente, que os bispos, tal como os políticos portugueses, sempre marginalizaram, e ainda não aprenderam a tratar com a devida seriedade - a questão de "género", na vertente das doutrinas e das práticas religiosas.

Bem mais aceitáveis foram outras linhas de argumentação, entre as quais:

A de que se não deve generalizar, falando, sem mais, de "muçulmanos", como se fossem um todo, coeso e uniforme, quando não são. Nem as pessoas, nem os Países. Há, de facto, no plano individual, muçulmanos que são bons maridos e bons pais, diga o que disser a lei que os rege. E há Estados, como a Síria, a Turquia, ou o Iraque do tempo de Saddam Hussein, que são exemplos de Estados laicos. E há mais!

Ou a de que, também em Portugal, muitas jovens se arriscam a ser vítimas de violência doméstica , até de morrer às mãos dos maridos... (acrescentando que uma generalização apressada levaria uma qualquer autoridade estrangeira a recomendar às raparigas do seu país " muito cuidado antes de casar com um português. "Vejam lá o sarilho em que se metem...". Um português, mais ou menos cristão!
Temos de convir: a probabilidade de uma respeitável esposa ser agredida pelo legítimo cônjuge, em terra de brandos costumes, não é negligenciável!
Esperemos, pois, que, da próxima vez, o nosso simpático Cardeal se não esqueça de lançar um novo alerta às jovens casadoiras, relativo aos seus portuguesíssimos namorados, sabendo, perfeitamente que são católicos, ou cristãos, quase todos. Muçulmanos, neste mercado, é o que mais falta...
Será, com certeza, menos polémico e mais útil para a maioria das interlocutoras.

Embora não tendo muito a ver com esta história, na medida em que não envolve muçulmanos, nem maridos portugueses agressivos, não pude deixar de me lembrar de uma controvérsia, de natureza religiosa acontecida comigo mesma, no ano de 1965.
O ano do meu casamento católico.
O Padre que era o meu confessor, e me conhecia, desde criança, não estava em Portugal na data escolhida para a cerimónia. Houve que convidar outro.
E aqui começaram insuspeitados problemas!
Quando preveni o primeiro "substituto" da primeira escolha - que até era um excelente professor da Faculdade de Direito de Coimbra e parecia muito moderno - de que não queria ouvir a epístola de São Paulo na missa desse dia especial (aquela epístola que manda a mulher obedecer ao seu marido...) ele recusou, prontamente, a pretensão! Seguiu-se uma discussão mais júridica, talvez, do que teológica, acabada quase aos gritos, de parte a parte, comigo a dizer que ele estava parado dois mil anos atrás, no Direito Romano, e ele absolutamente convicto da verdade eterna desse Direito. Desconvidei-o...
O segundo "substituto" do insubstituível Padre, que me compreendia, passava, então, por ser um grande pedagogo, um especialista de questões de juventude, com obra publicada e nome feito. Aparentemente um homem dos novos tempos, de mentalidade "arejada". Era, até certo ponto, todavia não resistiu, ao teste da epístola..
A discussão durou dias e dias. Nem ele me converteu, nem eu o convenci.
Por fim, decidi que o casamento católico não teria missa, para eliminar o "diktat" misógeno...
Eu não tolerava mentir em plena Igreja! Se eu não ía obedecer ao marido - e não ía,de modo algum! - se o próprio futuro marido concordava e acatava a decisão - uma decisão comum - a que propósito se havia ali, na cerimónia, num sacramento em que o padre é testemunha e não parte contratante, de proclamar o contrário, convencional e hipocritamente?
O padre, que era amigo do noivo, acabou por ceder, e disse a Missa, com a epístola do dia...

Apesar de tudo, um "happy end" - tanto para a recalcitrante "feminista" católica de 20 anos, como para o próprio sacerdote...
E, sinal dos tempos, a dita epístola caíu em desuso, há nem sei quantos anos. Muitos...
Agora, é o próprio Cardeal, quem, de algum modo, põe em causa o "dever de obediência" das mulheres aos maridos, em outras religiões!



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