janeiro 03, 2009

AMÁLIA ausente num "soap" vulgar...

Fui ver o filme, sem grandes expectativas.

Uma Mulher tão grande, mais do que grande, genial, e, para além de genial, mítica, uma Mulher que foi o verdadeiro rosto feminino de Portugal no séculoXX, que o mundo inteiro admirava como símbolo da nossa cultura, da nossa diferença , merecia ser retratada nos ecrãs com um máximo de qualidade artística - e, na pior das hipóteses, com um mínimo de centelha e de verosimelhança. Tinha as minhas dúvidas de que este mínimo fosse atingido, e considero que não foi.
Não falo da precisão histórica, porque sobre os mesmos factos e os mesmos gestos ou palavras, há sempre espaço para a interpretação subjectiva. Obviamente, também, sobre os sentimentos e estados de alma.
Por isso, estava preparada para aceitar erros menores, desde que a essência da fascinante individualidade de Amália perpassasse na tela...
Sabia que a voz era mesmo a sua voz - pelo menos o som seria genuino e encantatório. E que a actriz é bonita e até faz, realmente, lembrar, quanto baste, a jovem Amália. A banda sonora, a beleza da intérprete e alguns "maneirismos" em que se sai bem, são tudo o que de positivo se pode dizer sobre o empreendimento ou o atrevimento, de que falamos.

Não encontrei mais nada da Amália, que conheci , por acaso, na altura em que começa a narrativa - ou melhor, logo a seguir, quando já estava recuperada da doença, ainda muito lembrada . E é certo que contava, com enorme franqueza e simplicidade, quanto os musicais de Fred Astaire a tinham ajudado a superar uma das piores fases da sua vida. Mas não estava demasiadamente traumatizada por isso.

O filme principia com as soturnas imagens da vedeta, envelhecidíssima, feíssima, fantasmagórica, sozinha num hotel de Nova York. E com a sua tentativa, não consumada, de suicídio. A acção decorre em "flash back". Ela vai lembrando o seu passado, desde a infância de pobreza e infelicidade até ao tempo dramático que está a viver.
É uma história que toda a gente conhece - ou pode conhecer, lendo o que há escrito... Só vale a pena contá-la, se fôr bem contada.

Este "Amália" é um aproveitamento do nome, de registos sonoros, de factos ou de boatos do domínio público, em estilo puramente "soap". Ainda por cima, com uma selecção pouco criteriosa entre o importante e o acessório, diminuindo, talvez mais por inépcia do que intencionalmente, o percurso profissional, o ascendente cultural, a inteligência, a alma e a capacidade de expressão, a graça e o carisma - para além de uma voz incomparável - de alguém que se tornou muito mais do que uma cantora de renome internacional ( a avaliar pelo que nos é mostrado, limitada ao país, ao Brasil e a Paris de França!...).

A Amália, que eu encontrei, pela primeira vez, como disse, depois do "check out" daquele hotel (em 1984), em que é figurada no ecrã, era, ainda, e foi sempre bonita. Envelheceu bem.


Amália em Agosto de 1987(num jantar no "Clube dos Empresários")















Amália na Assembleia da República (1990?)






E era uma Senhora! Sabia conversar, sabia estar. Tinha imensa vida, imensa graça. Dava resposta pronta e directa, acutilante. Não parecia, porém, uma celebridade. Parecia uma senhora culta e inteligente, e muito simpática. Era espontânea, natural. Eu nem acreditava que estava diante de Amália Rodrigues. Era um jantar de família - da família Seabra - e eu a única "outsider". Mas logo me senti em família. O marido, o Engº Seabra não tinha qualquer sotaque brasileiro e dizem-me os primos (meus amigos há muitos anos), que nunca teve... Entendiam-se bem. Ele era muito tranquilo, muito simpático também. A sua morte, anos mais tarde, deixou Amália irremediavelmente só.
A partir de 1984, encontrei-a, muitas vezes, até no estrangeiro: em Connecticut, em casa dos primos Seabra da Veiga, numa longa viagem transoceânica de Lisboa para o Rio (cidade, onde a vi e ouvi cantar, num espectáculo fabuloso no "Canecão); em Newark, nas festas do 10 de Junho, quando foi "Grand marshall" da Parada. E muitas vezes, em Lisboa. E a última vez, inesperadamente num restaurante da Foz. Estava eu em campanha autárquica, com o General Carlos Azeredo e o Prof. Marcelo Rebelo se Sousa
Era uma espantosa personalidade, como figura pública.
Na convivência pessoal, era uma Senhora.
Dizia Simone de Beauvoir: On ne naît pas femme, on le deviant".
Num sentido um pouco diferente, podemos bem dizer: "Não é o berço, que faz uma Senhora. É a cultura, a cultura interiorizada.

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