outubro 31, 2010

Centenário da República em Espinho: as memórias de um verdadeiro herói das campanhas de África, durante a 1ª Grande Guerra - o ALFERES JOSÉ JACINTO

JOSÉ TEIXEIRA JACINTO: um nome que aprendi agora, mas não esquecerei nunca.
Como não esquecerão todos os que lerem as suas memórias da espantosa aventura que viveu enquanto comandante da 2ª Companhia Indígena da Beira, nos anos de 1917 e 1918.
Do desastre que constituiu, em Moçambique como na Europa, a participação portuguesa nessa guerra - um dos factores que reconhecidamente pesou no fim prematuro da 1ª República - a mais fantástica das excepções terá sido protagonizada pelo Alferes Jacinto. Um herói, ao tempo, improvável, um herói que permaneceu desconhecido até nossos dias, mas um heroi verdadeiro. O comandante - que como Alferes não o era à partida, mas em que se tornou por doença do capitão... - da única companhia invicta, resistente, do 1º ao último dia, não só a inimigos, como à doença, ao clima, à falta de meios e de apoios, ao isolamento em que se viu, cortadas que foram todas as comunicações com o Corpo Expecicionário do Exército Português. Tudo isto num périplo de longos meses, numa travessia de centenas de quilómetros em território desconhecido, inóspito e por desbravar, que se estendia até ao Lago Niassa e à fronteira de Tanganica...
No fim, apenas uma forma imperfeita de recompensa: a atribuição da mais alta condecoração portuguesa, o colar da Torre e Espada, com palma, que, porém, lhe não foi entregue em vida e que a viúva receberia, com mais de duas décadas de atraso, em cerimónia solene, realizada na Câmara de Espinho, a terra onde ele residiu e onde morreu.

Porquê a publicação do seu "diário de campanha" 98 anos depois da data em que acabou de ser escrito? Porquê só agora?

Porque essas páginas, cuidadosamente manuscritas na sua letra clara e elegante, sobre as folhas longas de papel amarelecido, ficaram guardadas, intocadas, por décadas e décadas. Até que o neto, também ele militar, um dia, há pouco e por acaso, as encontrou.
Já nem sei como surgiu, em conversa, a referência do Coronel Jacinto ao precioso manuscrito de seu Avô e, muito sinteticamente, à "coluna do Lago Niassa", a uma guerra longínqua e dormente na memória colectiva.
Surgiu...
E eu, absolutamente fascinada com o achado, com a revelação que continha, quis saber o destino que lhe seria dado. O Coronel Jacinto aceitou a ideia de que fosse publicado, de imediato, no quadro deste centenário da República em Espinho.
E assim se fez, num ápice!
O lançamento do livro, organizado pelo Coronel Armando Jacinto, com o título "A coluna do Lago Niassa - 1ª Grande Guerra em Moçambique", uma edição da Câmara Municipal de Espinho, aconteceu na tarde do dia 30 de Outubro.

Vim directamente para casa. E comecei a ler, com muita curiosidade e expectativa, essa publicação. Pela noite fora li, sem fazer uma pausa, as suas 127 páginas.
Tinha a certeza da importância de um relato desta natureza para o conhecimento da nossa história, nesse período decisivo da 1ª República. Tinha a certeza de que a edição seria um contributo singular no quadro das comemorações do "centenário", pelo simples mérito de nos revelar factos novos, contados por alguém absolutamente credibilizado, distinguido pela mais alta condecoração militar do Estado.
Mas, do ponto de vista literário, humano, antropológico, não sabia ao certo o que iria encontrar.
Que surpresa!

Comparo este relato de campanha do Comandante da 2ª Companhia Indígena da Beira ao que de melhor nos deixaram os cronistas de quinhentos... Em termos de simplicidade de linguagem, de intuição da relevância relativa das coisas, dos factos, dos costumes, das pessoas. Sempre contido, sereno e lúcido, sem sombra de vaidade ou deslumbramento.
Uma narração objectiva e impressionante de acontecimentos dramáticos e épicos, feita por quem nela se retrata, com modéstia exemplar, sem conseguir, por força da verdade dos factos relatados, esconder uma grande estatura como militar e como homem!

4 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

O lançamente do livro, que se fica a dever inteiramente ao neto, o Coronel Armando Jacinto, também ele, décadas mais tarde, combatente na mesma região do norte de Moçambique, foi um evento a não perder!
O Coronel Jacinto deu uma autêntica lição de história militar, traçando o quadro em que iria decorrer a acção, objecto da impressionante narrativa.
Mas sobre esta nada disse, para nos despertar a vontade de a ler - no que foi igualmente muito bem sucedido.
Por mim falo!

Maria Manuela Aguiar disse...

pena foi que, à mesma hora do lançamente, a alguns kms. de distância, nos arredores de Espinho, estivesse a decorrer uma "tertúlia" organizada pelo PSD local, para comemorar a vitória nas eleições autárquicas, em 2009.
Disso não tive eu conhecimento prévio, ou teria, é claro, proposto ao senhor Coronel o adiamento da sessão por uma semana...

Maria Manuela Aguiar disse...

É certo que a presença dos militantes do partido teria levantado um problema de espaço, pois, mesmo sem eles, a sala do Multimeios estava mais do que repleta, com pesoas de pé!
De qualquer forma foi notada e muito apreciada a vinda do Dr. Luís Montenegro, que não quis perder a ocasião de dar um abraço ao amigo.

Maria Manuela Aguiar disse...

Nesse dia, que foi o "dia de Moçambique", nas nossas comemorações, encerraram as duas exposições "moçambicanas": a de pintura de São Passos e a de fotografia de Valentim.
Com pena as vimos partir...
Por feliz coincidência, algumas das belíssima fotos retratavam precisamente os povos daquelas remotas regiões atravessadas pela Coluna do Lago Niassa!!!