maio 05, 2016
2014 - 40º ano em Liberdade
ABRIL, LIBERDADE, CIDADANIA
Neste ano de 2014 a programação da AEMM propõe um olhar retrospetivo
e prospetivo sobre a Revolução de Abril de 1974, sobre o seu
significado e virtualidades na área específica das migrações. À
revolução ligamos, naturalmente, uma palavra: liberdade!
Liberdade para todos os portugueses, mulheres e homens, liberdade
para os emigrantes - os que já o eram e os que o queriam ser no
futuro. Para a emigração portuguesa é uma realidade admiravelmente
nova, em rotura definitiva com o passado, porque, de facto, a saída do
país nunca fora, ao longo de mais de quinhentos anos, inteiramente
livre. As mais antigas e persistentes políticas neste domínio iam
todas no sentido de condicionar ou proibir um êxodo continuado em
sucessivos ciclos, quase sempre visto como excessivo, sobretudo quando
envolvia mulheres ou famílias inteiras.
A Constituição de 1976 ao garantir no nº 1 do art. 44 a liberdade de
circulação através das fronteiras do país - expressamente englobando o
direito de partir e o direito de regressar - estabeleceu um precedente
histórico, numa história multissecular.
De igual alcance foi o precedente criado na Constituição com a
imposição ao Estado de obrigações para com os portugueses do exterior,
na qual se vai fundamentar o emergente estatuto de direitos dos
expatriados. Um estatuto em evolução, que começa na concessão do
direito de voto para a AR em círculos não territoriais, implicitamente
previstos no nº 2 do art. 152 .
Segundo o art. 14: "Os cidadãos portugueses que se encontram ou
residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício
dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência".
Os direitos dos emigrantes vão progredir neste quadro jurídico,
através da interpretação mais e mais restritiva da "incompatibilidade
com a ausência" em matéria de exercício dos direitos de cidadania. Um
exemplo: o sufrágio na eleição para o PR, que inicialmente cabia nessa
exceção ou reserva admitida na Constituição em 1976, passa a ser
considerada compatível com a ausência na Constituição revista em 1997
(23 longos anos depois...)
s
Ma a regra, mesmo com exceções já é a da igualdade de direitos entre
todos os portugueses, no país e no exterior. A regra é a de que
incumbe ao Estado desenvolver políticas de proteção dos cidadãos num
espaço transnacional, aonde quer que haja portugueses. A democracia é,
pela primeira vez, concebida à dimensão nacional, e vai ser
aprofundada na transição do "paradigma territorialista" para o
"paradigma personalista", centrado na pessoa, nos seus direitos
individuais, na sua pertença a uma comunidade que ultrapassa as
fronteiras. É o fim de um dogma que se impunha com caráter absoluto,
em nome da soberania territorial do Estado. - muito embora, como fiz
notar, a ausência continue a ser fonte de algumas discriminações para
os expatriados, nomeadamente no campo da participação política, ou em
matéria de direitos à prestações sociais, por velhice ou doença, fora
dos casos excecionais de pobreza extrema. Por isso me parece adequado
falar de transição, de processo evolutivo, inacabado, aquém de bons
exemplos de direito comparado, como o de Espanha.
Compreendo a insatisfação de muitos portugueses com o "status quo",
mas considero da máxima importância realçar o "tabu" que foi varrido
das leis, com um valor antes de mais simbólico, mas também real e
visível, contido num conceito de cidadania em aprofundamento. Não há
volta atrás, ainda que se caminha e par e passo...
Não é de surpreender que assim seja; o que se consegue no ímpeto de
uma revolução é sempre mais fácil do que a mudança gradual pela via do
reformismo, quando tem de se conformar com o ritmo lento das mudanças
de mentalidade, de preconceitos e interesses instalados,
Inegável é que há, de facto, um "antes" e um "depois" do 25 de Abril:
antes, os emigrantes sofriam uma verdadeira "capitis diminutio",
perdendo, ao fixar residência no estrangeiro, todos os direitos
políticos, a nacionalidade, se adotassem voluntariamente a de outro
país (no caso das mulheres, automaticamente, pelo casamento com
estrangeiros), assim como direitos sociais e culturais, “maxime”, o
direito ao ensino da língua; depois daquele Abril, os emigrantes são
reconhecidos como sujeitos da comunidade, da cultura e da história
portuguesas, que se desenvolvem num espaço verdadeiramente universal e
não só dentro de fronteiras.
OS NOVOS DIREITOS
Passo a enuncia-los, de uma forma breve, para, seguidamente, podermos
no tempo de debate olhar o que precisamos de fazer em favor de uma
"cidadania de iguais", dentro e fora das fronteiras geográficas,
erradicando, de vez, o "paradigma territorialista"-
O nº 1do art. 46º da Constituição de 1976 estabelece que "Todos os
cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção
dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de
representantes livremente eleitos".
Os portugueses emigrados conquistam, assim, o direito de voto para
Assembleia da República. Porém, não ainda com um “voto igual”…. De
facto, o nº 2 do art. 152º, restringe a aplicação do sistema
proporcional aos círculos territoriais e o regime de excepção vai
servir para impor, na lei eleitoral, um teto de apenas quatro
representantes em dois círculos próprios da emigração, europeia e
transoceânica (menos de 2% do total de dos membros da Assembleia, para
uma população que se estima em 30%, embora, há que reconhece-lo, sejam
muito menos de 30% de potenciais recenseados no estrangeiro...).
Nos outros atos eleitorais a Constituição de 1976 exige a residência
no território nacional (art. 124 para o PR) ou na área territorial da
autarquia (art. 246º nº1 para as freguesias e art. 252º para os
municípios). Nas regiões autónomas, na ausência de estatuição
semelhante, os respetivos estatutos político administrativos podem
regular o "modus faciendi" para o exercício do direito. Podem fazer
propostas, mas a deliberação cabe à AR (aí está certamente a razão do
impasse de 40 anos, com o exemplo do sucesso da participação
autonómica dos emigrantes aqui ao lado, na Galiza e nas outras
Autonomias).
O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, entre
públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na
revisão Constitucional de 1997, com especiais exigências, nos termos
do nº2 do art. 121: "A lei regula o exercício do direito de voto dos
cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a
existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional". Mais
restritiva é ainda a norma (o nº2 do artº 115), que prevê a sua
participação nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria
que lhes diga também especificamente respeito. Até hoje, o legislador
ainda não quis reconhecer que fosse esse o caso nos processos
referendários havidos...
Não poderei alongar-me, aqui, sobre as vicissitudes destes processos,
em que tive intervenção ao longo de mais de 20 anos, sempre, em favor
do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional,
autonómico e autárquico, com base em exemplos do direito comparado -
como o espanhol, que atribui aos seus expatriados o direito de voto a
todos os níveis. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós,
os partidos actuaram, regra geral, de acordo com as expectativas sobre
o sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam menos
favorecidos por ele desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão
do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos partidos
mais interessados nesse voto. Alguns talvez até acreditassem na
profecia…Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam
dúvidas sobre o seu irrealismo: no estrangeiro o universo eleitoral é
reduzido e estável - cerca de 260.000 recenseados e cada vez menos
votantes.. Na Espanha,, só a Galiza tem quase o dobro de eleitores no
estrangeiro, e uma baixa taxa de abstenção...
Creio que o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora",
que, aliás, redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, a
popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade", se ficou a dever a
confusão entre emigração recente - a que, tendo passaporte português,
pode recensear-se voluntariamente e, em larga maioria, note-se, não o
faz... - e Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e
pela intervenção cultural, não pela política.. A meu ver, é excelente
que se deixe os próprios emigrantes e seus descendentes a escolha das
formas de "ser português"...
AS NOVAS POLÍTICAS, OS NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS
A preocupação com as questões da emigração revela-se, na cronologia
das iniciativas nesta área, antes de mais, na criação, em 1974, da
Secretaria de Estado da Emigração, que integra os serviços
preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos
quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as
primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do
estrangeiro, sobretudo na Europa. Com o novo regime, essas políticas
embrionárias vão conhecer um seguro desenvolvimento, nomeadamente no
que respeita:
- À representação política e à aceitação da dupla nacionalidade:
- À defesa activa dos direitos dos portugueses e à negociação de
acordos bilaterais .emigração e segurança social. de que havia raros
exemplos, antes de 1974
~À atenção dada ao associativismo - às instituições que criaram um
espaço extra-territorial de vivência portuguesa, e que, dentro dele,
desde sempre, se substituíram ao Estado ausente. Quando este decidiu
intervir olhou-as, naturalmente, como parceiras em todas as vertentes
das políticas para a emigração e a Diáspora, em que elas possuem
experiência e meios operacionais.. Com isso ganharam elas , porventura
alguma coisa, e potenciou o Governo a sua ação enormemente...
- Ao ensino da língua, que, depois da revisão constitucional de
1982, se converte em obrigação constitucional do Estado ("assegurar
aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à
cultura portuguesa, estatui a alínea i do artº 74 a que os governos
têm dado um cumprimento parcial e desigual em diversos países e
continentes);
- À informação - informação sobre as condições de emigração e de
regresso e, também, sobre o país, devendo neste domínio realçar-se o
lançamento, na década de noventa, da RTPI, uma grande aposta ainda
hoje subaproveitada
- Ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de conjunto de
benefícios fiscais, empréstimos a juros bonificados. para aquisição de
casa própria ou par lançar empreendimentos no sector da agricultura ou
outros, cuja eficácia se viria a comprovar nos anos seguintes. A
reinserção de centenas de milhares de portugueses, vindos, sobretudo,
de França e de outros países do nosso continente foi por eles, em
regra, bem planeada, no quadro dessas medidas, a ponto de se poder
falar de "regressos invisíveis”, como me lembro de ter feito, no
período alto desses movimentos.`
- Ao apoio social, em casos de extrema pobreza, na velhice e na
doença, tornado imprescindível em muitos países sem sistemas públicos
de saúde e segurança social. São ainda esquemas incipientes, como o
ASEC e o ASIC, que não configuram verdadeiras pensões sociais, como as
que existem em outros países europeus de grande emigração:
-Às medidas para a promoção da igualdade de género, que é, hoje, de
acordo com um novo inciso introduzido na revisão de 1997 - artº 109
- um dever do Estado, que os governos do século XXI souberam tornar
extensivo às comunidades do exterior, dando, 20 anos depois, sequência
a um 1º encontro mundial de mulheres no associativismo e no
jornalismo, realizado em 1985 (em termos europeus, uma iniciativa
inédita). A audição das mulheres e o impulso à sua participação cívica
foi retomada com os "encontros para a cidadania" (2005 2009), dos
quais a AEMM foi um dos principais co-organizadores, por parte da
sociedade civil. Foi e continua a se-lo, no quadro das realizações do
atual governo, que, no mesmo espírito têm sido desenvolvidas
fundamentalmente em diálogo com ONG's.
- As iniciativas para a juventude, muitas das quais seguem,
igualmente, uma estratégia de aproximação e sensibilização, que passa
por encontros no e com o país, na linha que poderemos chamar de
"congressismo", assim como por ações de formação e incentivo a novas
formas de associativismo.
Poderemos no debate fazer o balanço destas e de outras medidas
tomadas, em concreto, por sucessivos governos, poderemos ter, sobre o
seu grau de execução e de sucesso, diferentes opiniões, assim como
sobre as políticas que se impõem, precisamente agora, em tempo de um
êxodo tremendo, que parece não ter fim.
É, porém, um facto incontornável, o progresso que representa a
assunção pelo Estado das suas responsabilidades para com os
expatriados, mesmo que ainda lhes não dê, eventualmente, no terreno um
perfeito cumprimento.
Ficam para trás, e eu creio que para sempre, quinhentos anos de
políticas que se limitavam a tentar o controlo dos fluxos migratórios
e a fechar ou abrir as fronteiras conforme as conveniências ou, quando
muito, como aconteceu após a criação da Junta da Emigração, em 1948, a
acompanhar a vicissitudes da viagem transoceânica até ao ponto de
chegada, aí deixando os portugueses entregues a si próprios em terra
estranha. Maria Beatriz Rocha Trindade designa-as, expressivamente,
por "políticas de trajeto de ida", propugnando a adoção de "políticas
de ciclo completo", que são hoje, a meu ver, impostas pela Lei
Fundamental: a resposta, com as medidas adequadas, aos problemas
específicos de cada fase do ciclo migratório, quer este termine no
regresso, ou na integração no exterior - o que eu sempre referia como
as políticas de "apoio à dupla opção", opção livre que não cabe ao
estado influenciar, mas, na minha perspetiva, apoiar, qualquer que
seja.
MEIOS INSTITUCIONAIS
Os governos foram criando, novos departamentos ou serviços, para
melhor poderem levar a cabo as multifacetadas políticas neste domínio.
A SEE integrava uma direção -geral de emigração, por onde corriam os
processos burocráticos, informação, negociação com serviços do
estrangeiro, recrutamento, assistência saída e também um departamento
mais voltado para o apoio ao associativismo e, de um modo geral, para
as atividades culturais. As primeiras delegações de serviços no
estrangeiro surgiram ainda antes da revolução de abril, mas é depois,
que vamos assistir à sua multiplicação, junto das principais
comunidades. E, mais tarde, à abertura de lugares de adidos ou
conselheiros sociais nas Embaixadas.
É um esforço importante, porque é importante dispor de funcionalidades
para atingir os objetivos das políticas, mas não basta compor um
organigrama para que as coisas marchem melhor - também é necessária
competência, coordenação e meios materiais.
Na década de 70 e início de 80, houve como que uma oscilação entre a
vontade de especializar serviços e de sem prejuízo dessa
especialização os unificar, para melhor coordenação.
Na AR, satisfazendo a primeira alternativa, foram instituídos um
Instituto de Apoio ao Regresso e o Fundo de Apoio às Comunidades, que
nunca chegaram a ter existência real (e cujas competências não
faltavam aos serviços existentes).
Em 1980, o governo entendeu preferível integrar a Direção-Geral e o
Instituto de Emigração num único organismo dotado de autonomia
administrativa e financeira: o IAECP, um instrumento com que se que
pretendia melhor coordenar as ações de resposta às solicitações ou de
proteção dos cidadãos ao longo de todo o ciclo migratório.
Nesse mesmo ano, foi instituído um órgão que não tinha tradição nem
entre nós, nem na maioria dos países do mundo: o Conselho das
Comunidades Portuguesas
Um órgão criado na confluência destes diferentes moldes de afirmação
nacional foi o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), no
paradigma original proposto pelo DL nº 373/80. Nele tinham assento
representantes eleitos das associações, independentemente de serem ou
não de nacionalidade portuguesa. Servia, assim, tanto a emigração como
a Diáspora. Era um órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE (de
facto, uma presidência delegada no Secretário de Estado das
Comunidades Portuguesas). Uma plataforma de encontro e articulação de
acções entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre
si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo plural na
sua essência. Um Conselho pensado para as duas vertentes, para a
emigração antiga, com a força das suas aspirações e projectos
culturais e para a mais jovem, com os seus problemas laborais e
sociais. Nem sempre foi fácil a reunião de ambas e teria sido talvez
preferível, como sempre propugna Adriano Moreira, a instituição de
estruturas próprias para cada uma delas.
No CCP, a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz,
dificultando os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre,
por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes
matriciais - e focando sobretudo as questões sociais e políticas do
quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como
dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Em qualquer
caso, foi uma esplêndida vivência democrática, que, assim, pois, desde
a primeira hora, deu do Conselho a imagem mediática da conflitualidade
mais do que pela da cooperação e solidariedade, que, por sinal, em
matérias fundamentais, sempre existiram. Foi, com certeza essa imagem
de marca que, a partir de 1987/1988, levou um novo governo a suspender
as suas reuniões, a silencia-lo, antes de o substituir por uma
organização composta de múltiplos colégios eleitorais, que, como era
previsível, não funcionou.
Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino – numa eleição por sufrágio
directo e universal, isto é, restrito aos emigrantes com nacionalidade
portuguesa
O Conselho teve, pois, uma vida feita de várias vidas entrecortadas,
num percurso mais acidentado do que outros organismos existentes na
Europa`. Mas resistiu, e será hoje mais fácil do que já foi impor-se
como grande forum democrático da emigração.
É importante dar-lhe um lugar privilegiado, a pensar as políticas que
os novos tempos reclamam
Vejo o Conselho como uma espécie de 2ª Câmara, de carácter consultivo
e representativo, uma "assembleia" da emigração - título que passou a
assumir o antigo "Conséil" francês. Um órgão que deveria ser
consagrado na arquitectura da Constituição, ao abrigo do poder
discricionário de um qualquer governo - tema que foi discutido na AR,
em 2004, por iniciativa da Sub comissão das Comunidades Portuguesas, a
que eu, então, presidia .
A ideia ainda não vingou, mas não é impossível que um dia faça a sua
entrada na Lei Fundamental. No domínio das políticas da emigração e da
diáspora avança-se a par e passo.
No início de 1987, foi criada a Comissão Interministerial para
Comunidades Portuguesas, fundamentalmente para coordenar as políticas
de emigração que são prosseguidas em praticamente todos os
departamentos ministeriais - da educação e cultura à economia, e
finanças, da comunicação social às questões de género e da
juventude... Sendo o CCP uma instituição de crucial importância na
análise das problemáticas da emigração e da Diáspora, de reflexão e
aconselhamento para o delinear de políticas e estratégias para as
comunidades o funcionamento da Comissão Interministerial foi,
naturalmente, articulado com as suas reuniões mundiais. Era, nos
termos da lei, convocado antes dessa reunião para sua preparação, com
a entrega das respostas oficiais às recomendações anteriormente
apresentadas pelo Conselho
Esta ligação perdeu-se na reformulação da Comissão, contemporânea do
desaparecimento do 1º CCP.
Também o IAECP teve uma vida breve. Com a sua extinção, em noventa, os
seus serviços e funcionários foram integrados na DGACCP. Perdeu-se,
assim, a autonomia administrativa e financeira do Instituto e pode
perguntar-se não se perdeu, simultaneamente, bastante mais do que
isso, a própria autonomia do setor da emigração, no universo do MNE –
pois se perderam chefias próprias, com especialização e vocação e
experiência nas complexas matérias que o integram
Mais recentemente é de assinalar a passagem do Instituto Camões, do
ME para o MNE – e, com ele, da responsabilidade d ensino de português
a todos os níveis daquele para este ministério
NOVOS DIREITOS
Passo a enuncia-los, de uma forma breve, para, seguidamente, podermos
no tempo de debate olhar o que precisamos de fazer em favor de
uma"cidadania de iguais", dentro e fora das fronteiras geográficas,
erradicando, de vez, o "paradigma territorialista"-
O nº 1do art. 46º da Constituição de 1976 estabelece que "Todos os
cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção
dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de
representantes livremente eleitos".
Os portugueses emigrados conquistam, assim, o direito de voto para
Assembleia da República. Porém, não ainda com um “voto igual”…. De
facto, o nº 2 do art. 152º, restringe a aplicação do sistema
proporcional aos círculos territoriais e o regime de excepção vai
servir para impor, na lei eleitoral, um teto de apenas quatro
representantes em dois círculos próprios da emigração, europeia e
transoceânica (menos de 2% do total de dos membros da Assembleia, para
uma população que se estima em 30%, embora, há que reconhece-lo, sejam
muito menos de 30% de potenciais recenseados no estrangeiro...).
Nos outros atos eleitorais a Constituição de 1976 exige a residência
no território nacional (art. 124 para o PR) ou na área territorial da
autarquia (art. 246º nº1 para as freguesias e art. 252º para os
municípios). Nas regiões autónomas, na ausência de estatuição
semelhante, os respetivos estatutos político administrativos podem
regular o "modus faciendi" para o exercício do direito.
O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, entre
públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na
revisão Constitucional de 1997, com especiais exigências, nos termos
do nº2 do art. 121: "A lei regula o exercício do direito de voto dos
cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a
existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional". Mais
restritiva é ainda a norma (o nº2 do artº 115), que prevê a sua
participação nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria
que lhes diga também especificamente respeito. Até hoje, o legislador
ainda não quis reconhecer que fosse esse o caso nos processos
referendários havidos...
Não poderei alongar-me, aqui, sobre as vicissitudes destes processos,
em que tive intervenção ao longo de mais de 20 anos, sempre, em favor
do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional,
autonómico e autárquico, com base em exemplos do direito comparado -
como o espanhol, que atribui aos seus expatriados o direito de voto a
todos os níveis. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós,
os partidos actuaram, regra geral, de acordo com as expectativas sobre
o sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam menos
favorecidos por ele desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão
do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos partidos
mais interessados nesse voto. Alguns talvez até acreditassem na
profecia…Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam
dúvidas sobre o seu irrealismo: no estrangeiro o universo eleitoral é
reduzido e estável - cerca de 260.000 recenseados e cada vez menos
votantes.. Na Espanha,, só a Galiza tem quase o dobro de eleitores no
estrangeiro, e uma baixa taxa de abstenção...
Creio que o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora",
que, aliás, redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, a
popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade", se ficou a dever a
confusão entre emigração recente - a que, tendo passaporte português,
pode recensear-se voluntariamente e, em larga maioria, note-se, não o
faz... - e Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e
pela intervenção cultural, não pela política.. A meu ver, é excelente
que se deixe os próprios emigrantes e seus descendentes a escolha das
formas de "ser português".
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