junho 24, 2009

DUAS EM UMA: ELEIÇÃO E SONDAGEM

Novo "record" de abstenção foi batido nos círculos da emigração, nestas eleições para o Parlamento Europeu (PE) - mais de 97%.

Nada de muito surpreendente, porque os partidos concorrentes se "abstiveram", por seu lado, totalmente, de fazer campanha no estrangeiro. E, a tanto desinteresse, só pode um eleitorado assim completamente marginalizado responder com o mesmo desinteresse. Estamos caídos num círculo vicioso...

O declínio acentua-se, como as estatísticas o demonstram, no modo de votação presencial - caso das "presidenciais" e das "europeias". Ao que julgo, por ser maior a dificuldade prática de a exercer, provocada pelas distâncias a que muitos portugueses se encontram dos consulados, sobretudo nas comunidades transoceânicas. Mas não só: também pela indiferença dos candidatos. Particularmente chocante nas "presidenciais", porque alguém que aspira a ser PR devia dar exemplos de solidariedade e de vontade de aproximação a todos os concidadãos, por igual. Até hoje, bem vistas as coisas, nenhum o soube ou o quis fazer.
Nas primeiras eleições, foi o descaso total. Nem contacto pessoal, nem "mailing", nem sequer nomeação de mandatários, na maioria das áreas consulares.
Nas segundas, houve candidatos que realizaram viagens-relâmpago a duas ou três comunidades, das mais concentradas, vistas, porventura, como as mais rentáveis, em termos de apoios. Foi escasso esforço...
Do lado dos partidos, idêntica atitude, não tanto nas "legislativas", mas , como está à vista de todos, nestas "europeias": não se investe, onde se considera que não vale a pena. É a pura e simples "caça ao voto", sem o espírito cívico e a componente idealista, que deviam estar, e não estão, no centro da vida pública.
Só na escolha de deputados, que pode, eventualmente, fazer ou desfazer uma maioria parlamentar, julgam útil preparar informação, com um propósito mobilizador (pelo menos um colorido desdobravel, com princípios programáticos, meia dúzia de promessas e de compromissos, as fotos dos líderes e dos cabeças de lista - mensagens, que enviam, pelo correio, aos cidadãos constantes dos cadernos eleitorais). Custa uns milhares largos de euros, mas é uma obrigação que os maiores partidos vão cumprindo, conscientes de que não há alternativa de comunicação eficaz com a generalidade dos portugueses dispersos pelo mundo afora.
E não há mesmo, muito embora outras formas de esclarecimento e incentivo a possam complementar. Recordo, por exemplo, as palestras, e os debates promovidos, aquando das primeiras participações dos portugueses residentes em França nas "autárquicas" desse país, pelo José Machado, como conselheiro do CCP e dirigente federativo, assim como os cartazes e panfletos, amplamentente difundidos pelas associações, a incitar ao exercócio da cidadania. Eu própria, ao tempo, deputada, estive lá, em muitas dessas reuniões.
Quem pode, agora, afirmar que procedeu do mesmo modo?
Fica, sim, a sensação de que se as listas concorrentes ao PE "abandonaram" a emigração, e, que, pelo seu lado, as nossas autoridades, o CCP, o movimento associativo não contribuiram suficientemente para colmatar a lacuna.


II - Era esta a primeira vez que os emigrantes do círculo "Fora da Europa" votavam, na qualidade de "cidadãos europeus", que são e sempre foram, desde a adesão de Portugal, ainda que muitos o ignorem - com o mesmo estatuto e as mesmas prerrogativas dos que vivem no território da "União", no que respeita a livre circulação, a criação de empresas, à procura de emprego ou à fixação de residência no território de qualquer dos Estados membros e, a partir de agora, com o direito de voto no PE.
Pena que não os tenham, suficientemente, informado do significado e importância do acto, depois de mais de duas décadas de exclusão - devida, afinal, a um veto do PR, com envio para o Tribunal Constitucional do diploma com que o Governo (de Cavaco Silva), logo após a adesão à CEE, procurou dar-lhes a plena cidadania europeia .
A declaração de inconstitucionalidade foi aprovada por maioria, com este argumento principal: a Constitutição só concederia aos emigrantes, a título de excepção, um "voto de menor peso", sem aplicação do princípio geral da proporcionalidade, pelo método de Hondt (e para eleger apenas quatro deputados, divididos por dois círculos próprios).
A meu ver, fraco argumento, que caiu por terra no preciso momento em que foi reconhecido aos emigrantes, em 1997, o sufrágio na eleição presidencial, em círculo único, pelo método de Hondt...
A questão, entre nós, foi sempre mais política do que jurídica.
Do ponto de vista do Direito, a razão porque o Tratado constitutivo da CEE deixou a atribuição do voto nas "europeias" ao arbítrio dos Estados membros foi a do respeito pela coerência interna das diversas ordens jurídicas - há países que a encaram diferentemente, permitindo ou vedando a participação política dos expatriados, face à realidade histórica e actual da sua "diáspora", em alguns muito forte e com grandes ligações à terra de origem, ao contrário do que em outros se verifica.
Todavia, em regra, ou a aceitam em eleições nacionais e europeias e nacionais, como é comum , da Espanha à França ou Alemanha, ou a rejeitam em ambos os casos, como é tradição nórdica.
O que não fazia sentido era a originalidade portuguesa de consentir o "mais", o sufrágio para os nossos orgãos de soberania, e proibir o "menos", a eleição dos representantes numa instituição, que ainda nem sequer é, apesar do progressivo aumento das suas competências, um verdadeiro parlamento.
Faltava, pois, em absoluto, coerência ao sistema eleitoral português.
Há muito que eu vinha propondo que o PSD retomasse a sua proposta inicial, dos anos 80, e, em 2004, no recomeço dos trabalhos em São Bento, , a direcção do grupo parlamentar, agendou, finalmente, esse meu velho projecto .
Pelas reacções imediatas, logo se percebeu que as velhas fracturas ideológicas, aliás mais de natureza cultural e e histórica do que decorrentes de um moderno confronto ideológico entre esquerda e direita, resistiam ao passar do tempo.
O debate - não podia adivinhar que uma inesperada antecipação de eleições o converteria no meu último debate na AR ... - colocou, de um lado, a favor, o PSD, o CDS e o BE (Bloco de Esquerda), e, do outro, contra, o PS e o PCP.
Porém, os fundamentos invocados por socialistas e comunistas, soando como o eco da discussão havida, no mesmo lugar, 18 anos antes, estavam gastos e desactualizados.
O socialista Oliveira Martins tinha pela frente não apenas, à sua direita "geográfica" no hemiciclo, os aguerridos adversários de sempre, mas também, à esquerda, um Francisco Louçã, em grande forma, a deixa-lo só, na companhia de um aliado antigo, que se tornara mais incómodo... E, por isso, após constantes diatribes contra a iniciativa em apreço, a sua última frase foi mais enigmática do que assertiva, e, no dia da votação, o PS deu um "sim" ao projecto de lei.
O PCP, definitivamente isolado, acabou numa discreta abstenção, e ainda por cima, depois de alegar, no essencial, o descaso dos emigrantes não europeus pela questão da Europa e de congeminar um "paradigma de desinteresse" que o futuro se encarregou de desmentir... Cito o deputado António Filipe:
"Um cidadão português que vive na Argentina estará muito mais preocupado com a evolução do Mercosul, que o afecta directamente, do que propriamente com a evolução do processo de integração europeia...".
Ora, de facto, os portugueses da Argentina, com quase 12% de presenças, ultrapassaram largamente, por exemplo, os portugueses de França, com menos de 1% (um por cento!), da Alemanha, com 3,69% ,ou do Reino Unido, com 3,4% ...
Mas a Argentina não é caso único. A Europa, nestas eleições "europeias"
teve piores resultados percentuais, e até em número de eleitores (2.120 no total de 5.550), do que as comunidades transoceânicas. Surpreendentemente.
E assim, uma vez mais, se viu que quem se opõe à dupla cidadania, com dupla participação política, é quem não compreende que os nossos emigrantes sabem dar, por exemplo, à Argentina e ao Mercosul, o que é da Argentina e do Mercosul, e a Portugal e à UE, o que é de Portugal e da UE...


III - O fenómeno da abstenção nestas eleições foi, globalmente, o desastre previsível. Um fracasso monumental.
Mas constituiu, simultaneamente, uma formidável sondagem!
5.500 votos entrados em urna, nos consulados, pela mão de um eleitorado, ao que se julga, ainda não "viciado" na tentação do "voto de protesto" - sobretudo fora da Europa, onde previamente só haviam escolhido uma sucessão de deputados e dois presidentes , ou seja, aquelas escolhas que desaconselham tão sofisticada manifestação de desagrado... - constituem a mais credível das sondagens.
Salvo imprevistos de peso, embora expresso em números muito superiores- esperemos que sim! - o sentido de voto deverá manter-se...
Na Europa (onde, há quatro anos, o PS só não conseguiu os dois deputados, por meia dúzia de votos) a previsão é de um equilíbrio maior face ao PSD: registou agora apenas 30,9% , contra os 28,51% do (quase sempre) segundo.
Porém, nestas "europeias", nesta circunscrição, assistiu-se, não tanto ao crescimento do PSD, mas ao fraccionamento de voto à esquerda, com a subida do PCP (para 17,31%) e, em menor grau , do BE (9.8%). Em países como a Alemanha, Luxemburgo, Holanda ou Suécia, os comunistas ultrapassaram os 20%!
Será que o mecanismo do "voto útil" - esse outro ínvio instrumento de perturbação de previsões - vai jogar em favor dos socialistas? Jogar, joga, com toda a probabilidade, a diminuição da abstenção em França, o maior colégio eleitoral, onde o PS está acostumado aos seus êxitos mais expressivos.
Fora da Europa, o PSD parece destinado a alcançar nova e robusta maioria, e até por margem superior à de 2005, garantindo o pleno de deputados. Tal como o PS na Europa, pode, aqui, recuperar ainda, algum terreno, entrando nos domínios do CDS, pela via do "voto útil", como acontece, sistematicamente, desde que a dissolução da AD (antes, o CDS elegia, não o esqueçamos, o 2º deputado neste círculo...)
Agora foi primeiro no Zimbabwe (com participação diminuta, é certo), o segundo na África do Sul (o maior colégio eleitoral do continente) e atingiu os 10% no Canadá e na Austrália , mas pode não repetir o feito nas legislativas. De facto, apesar destes progressos dos "centristas", parece manter-se, nos continentes que compõem o círculo Fora da Europa, a tendência para uma bipolarização PSD-PS, com amplíssima vantagem para o primeiro (83.05% na RAS, 73,1% na Argentina, 71,02% no Brasil, 71,37 na Venezuela, mais de 50% nos EUA, no Canadá, na Austrália, em Angola, em Moçambique...)
Em breve, já em Setembro, vamos poder comparar, números e percentagens das duas eleições, continente a continente, país a país, consulado a consulado. E testar o valor da mais isenta e objectiva das sondagens!

Maria Manuela Aguiar

Sem comentários: