novembro 12, 2019

SORBONNE
Mesa redonda Emigração Portuguesa que perspectivas?

1974--2014 EMIGRAÇÃO PORTUGUESA depois da REVOLUÇÃO

Maria Manuela Aguiar

Em 2014, a AEMM propõe, na sua programação um olhar sobre a Revolução de Abril de 1974 e sobre o seu significado na área das migrações. À revolução ligamos, naturalmente, uma palavra: liberdade!
Liberdade para todos os portugueses, mulheres e homens, liberdade para os emigrantes, os que já o eram e os que o queriam ser - uma realidade nova, em rotura definitiva com o passado, porque, de facto, a saída do país nunca fora, ao longo de mais de quinhentos anos, inteiramente livre. As mais antigas e persistentes políticas neste domínio iam todas no sentido de condicionar ou proibir um êxodo continuado em sucessivos ciclos, quase sempre visto como excessivo, sobretudo quando envolvia mulheres ou famílias inteiras.
A Constituição de 1976 ao proclamar a liberdade de circulação através das fronteiras do país, expressamente englobando o direito de partir e o direito de regressar, estabeleceu um precedente histórico, numa história multissecular. (1) Precedente constitucional de igual alcance é o reconhecimento de direitos políticos e a imposição ao Estado de obrigações para com os portugueses do exterior, no articulado da CRP de 1976 ao garantir que" os cidadãos portugueses que se encontram ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência".(2)
A interpretação jurídica do conceito de "incompatibilidade" foi evoluindo no sentido do alargamento de direitos, ao ritmo dos compromissos político-partidários possíveis. Os obstáculos não eram de natureza técnico-jurídica, visto que o direito comparado oferecia já, no que a sufrágio nos diversos processos eleitorais respeita, modelos muito concretos do seu exercício. Em Portugal, depois de aceite o voto dos emigrantes para a AR em1976 (3) foi preciso esperar 23 anos pelo direito de voto para o Presidente da República. Do mesmo modo, após a adesão do País à CEE em 1985, houve que aguardar quase duas décadas para que os portugueses, na sua qualidade cidadãos europeus não residentes na Europa da União pudessem participar na eleição do Parlamento Europeu (uma opção que é deixada pelos Tratados aos Estados membros...).
Delongas semelhantes retardaram a restituição automática da nacionalidade com efeitos retroactivos -no período que vai da entrada em vigor  da Lei nº 73/81 à entrada em vigor da Lei  nº 1/ 2004...
Estava, apesar de tudo isto, adquirida, ao nível dos princípios a ideia da igualdade de direitos entre os portugueses, dentro e fora do País. Ao Estado, desde 1976, incumbe desenvolver políticas de protecção dos cidadãos no espaço transnacional, assegurando,
designadamente, o acesso ao ensino e à cultura, à informação, ao acompanhamento jurídico e assistencial.
A democracia passara a ser concebida à dimensão nacional, e iria sendo aprofundada na transição do "paradigma territorialista" para o "paradigma personalista", centrado na pessoa, nos cidadãos, com direitos individuais, no seio de uma comunidade nacional que extravasa
fronteiras. Foi o fim de um dogma que se impusera, com carácter absoluto, em nome da soberania territorial do Estado. Subsistiam e subsistem, condicionalismos restritivos, continuamos aquém de exemplos dados, em especial, pelos países do sul da Europa, com os quais temos mais afinidades – mas há, de facto, um "antes" e um "depois" do 25 de
Abril: antes, os emigrantes sofriam uma verdadeira "capitis diminutio", perdendo, ao fixar residência no estrangeiro, os direitos políticos, a nacionalidade, se adoptassem voluntariamente a de outro país (no caso das mulheres, automaticamente, pelo casamento
com estrangeiros), assim como os direitos sociais e culturais depois, os emigrantes são reconhecidos como cidadãos, agentes da cultura e da história portuguesas, na geografia universal.

 OS DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Com o progressivo alargamento de direitos políticos se vai construindo uma " cidadania de iguais", nas comunidades do interior e do exterior, prenunciada na letra da CRP de 1976, ao proclamar que "todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção
dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos". (4)
Os emigrantes passam a votar para a AR, porém, não ainda com um “voto igual”, visto que a aplicação do sistema proporcional é reservada aos círculos territoriais, permitindo fixar, na lei eleitoral, um tecto de apenas quatro representantes em dois círculos da emigração, europeia e·transoceânica (5)  - correspondendo a menos de 2% do total de dos deputados, para uma população que se estima em 30%.
Para as eleições do PR (6) e das Autarquias locais (7), a CRP de 1976 exige a residência no território nacional. Não assim para as regiões autónomas, onde o voto pode ser atribuído, nos respectivos estatutos político – administrativos, mas até à data ainda não o foi (8)
 O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, no meio de públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na revisão Constitucional de 1997, com a especial exigência de comprovação da,"existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional". (9) Defendi, então, que o acto voluntário de recenseamento é a mais tangível prova da subsistência desses laços (10). Todos os outros critérios, que foram sendo aventados, se revelaram de tal modo desajustados e parciais, que, ao fim de anos de adiamentos e de debates, se acordou no requisito único de uma inscrição voluntária nos cadernos eleitorais…
Mais restritiva é, ainda, a norma, que prevê a participação dos não residentes nos
"referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito” (11). Até hoje, a AR, decidiu, invariavelmente, por maioria, exclui-los dos processos referendários realizados.
Finalmente, em 2004, por iniciativa da AR, foi consagrado o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu fora do espaço da EU, quase duas décadas de uma proposta de lei do
Governo, votada por maioria na AR, após a adesão à CEE, em 1985, ter sido objecto de declaração de inconstitucionalidade, suscitada pelo PR (12 )
 Não irei alongar-me sobre as vicissitudes destes processos, em que tive intervenção ao longo de mais de 20 anos, em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional, autonómico e autárquico, com base no direito comparado, em particular o ordenamento jurídico espanhol, que atribui aos emigrantes direitos a nível nacional, autonómico e local. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, os responsáveis pelos partidos actuaram, regra geral, de acordo com as suas expectativas sobre o sentido de voto dos
emigrantes. Os que se viam como menos favorecidos, desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado do estrangeiro, artificialmente engendrada pelos partidos mais votados nos círculos da emigração. Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam dúvidas sobre o irrealismo do prognóstico: no estrangeiro o universo eleitoral
é reduzido e estável - cerca de 260.000 recenseados (13) A meu ver, o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora", que aumentou a partir da aprovação da Lei nº 73/81,  popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade", ficou-se a dever a confusão entre emigração recente, de nacionais com passaporte português, e as várias gerações de descendentes de portugueses -  a Diáspora, neste sentido, em que o conceito  entrou na
linguagem corrente - cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não evidentemente pela política.

O Conselhos da Comunidades Portugueses (CCP)

O “Conselho” é um órgão consultivo de representação específica dos portugueses do estrangeiro, que, de algum modo, num quadro ainda discriminatório, compensa o défice de intervenção política, embora não seja esse o seu principal objectivo. Foi uma instituição criada para a audição das comunidades, em matérias que respeitam à sua particular situação e pretendia ser um instrumento de relacionamento democrático entre Estado e sociedade
civil, apelando à co-participação nas políticas destinadas ao um universo vasto e heterogéneo, composto pela emigração antiga, com a força das suas aspirações e projectos culturais e pela mais recente, com os seus problemas laborais e sociais, económicos. Esta última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, dificultando os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre o terreno de uma solidária partilha das raízes matriciais – colocando o enfoque nos problemas do quotidiano, e, inevitavelmente, em divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Exemplo de vivência
democrática, o Conselho deu de si, desde o início, nas reuniões plenárias e regionais - quando não nos Conselhos de País, que formavam a base mais homogénea da pirâmide -  uma imagem mediática de conflitualidade, que teve correspondência na realidade, mas foi sempre mais salientada do que os consensos alcançados em matérias fundamentais (14)
 Essa imagem de radicalismo terá certamente influenciado a decisão do Governo, tomada em 1988, de suspender a convocação das sessões plenárias, para, seguidamente, o substituir por um novo “Conselho” policêntrico, com vários colégios eleitorais, que não chegaram verdadeiramente a funcionar (15)·.
 Em 1997, o CCP ressurgiu em figurino completamente diverso. Passou a ser eleito por sufrágio directo e universal, isto é, restrito aos emigrantes com nacionalidade portuguesa, e perdeu as suas raízes associativas, tal como a organização vertical, isto é, as estruturas a nível de comunidades, por área consular, e as reuniões por grandes regiões. (16)
O Conselho teve, pois, uma vida feita de várias vidas entrecortadas, num percurso mais acidentado do que outros organismos semelhantes existentes na Europa. Mas resistiu, como grande forum democrático, ou "assembleia" dos portugueses do estrangeiro (Assemblée foi título que passou a assumir, na última reforma o antigo "Conséil" francês).
A hipótese de o CCP ser integrado na arquitectura constitucional, com esse perfil de segunda Câmara, consultiva, foi debatida na AR, em 2004, por iniciativa da Sub- comissão das
Comunidades Portuguesas (17), mas, ao longo da última década, a ideia não foi retomada. Em discussão está, na AR, uma nova reforma legislativa, que retoma o molde da organização do Conselho por país - áreas consulares - e por regiões.
Uma última observação sobre mecanismos deste tipo, para salientar que são comuns em países de emigração, da Suiça e França, à Espanha, Itália e Grécia e têm sido objecto de atenção, a nível internacional, nomeadamente no Conselho da Europa - aqui no plano da maturação de projectos transnacionais, que é importante ir pensando, não para que aconteçam de imediato, mas para que possam germinar no futuro. No nosso caso, o mais óbvio é o da
criação ou recriação de uma união de instituições da Diáspora, de índole essencialmente cultural. Da nossa Diáspora ou, mais latamente, das diásporas da CPLP..

OLHAR RETROSPECTIVO SOBRE QUATRO DÉCADAS DE MIGRAÇÕES

 As políticas desenvolvidas em quatro décadas de democracia enquadram-se no que chamamos o "paradigma personalista", tanto as que emergem da intervenção do legislador, como as que se consumam a nível da administração pública. E procuraram como veremos, nesta sintética referência a ajustar-se a novas, e não raras vezes, inesperadas situações.

1 - A década de 70 - as políticas de apoio à emigração e ao regresso

A criação, logo depois do 25 de Abril de 1974, da Secretaria de Estado da Emigração é um sinal claro da vontade de colocar na agenda dos governos provisórios a defesa dos emigrantes portugueses (  ).
Contudo, neste como em outros sectores da administração pública, não se partia do zero. Ao Secretariado Nacional da Emigração (SNE) se ficaram a dever, desde 1970, as primeiras medidas de acompanhamento das comunidades no estrangeiro, de negociação de acordos bilaterais, de protecção social, de apoio às actividades das associações de emigrantes. O regime democrático iria enquadrar e aprofundar conceitualização de políticas para a emigração portuguesa nas sucessivas fases do ciclo migratório que, nuns casos, se fecha com o regresso e noutros com a definitiva integração em sociedades estrangeiras. É uma livre opção dos cidadãos, que decorre da Constituição, da liberdade de partir e regressar, a todo o tempo.
Impunha-se, assim, aos governos uma actuação com meios adequados a cada uma das alternativas.
Na segunda meia década de 70 e em 80, por efeito da crise económica europeia e mundial, as saídas quase só eram permitidas para reagrupamento familiar, com um largo predomínio de mulheres (fala-se apropriadamente de "feminização da emigração"), enquanto as intenções
de regresso, sobretudo da Europa, se anunciavam e começavam a acontecer. Neste contexto, a Europa ocupou o lugar central na atenção dos governantes e o regresso em converteu-se em prioridade – poucos anos decorridos sobre a grande vaga de retorno de África ( com características radicalmente diversas, como sabemos). A França e a Alemanha absorviam a quase totalidade dos apoios concedidos em matéria de ensino da língua, de formação de núcleos de assistência social, nas delegações externas da SEE, nos programas de televisão produzidos pela RTP (subsidiados pela SEE e emitidos em canais de televisão daqueles países), no suporte às actividades culturais das associativas (  ). Era também oriunda do nosso continente, a maioria dos que beneficiam dos incentivos ao regresso - as contas de "poupança -crédito", que garantiam empréstimos a juro bonificado para investimento, isenções de impostos, isenções alfandegárias. Medidas que serviam, de imediato, também o propósito de captação de remessas. que chegavam, correspondendo às expectativas.
A SEE foi inicialmente integrada no Ministério do Trabalho – uma inserção orgânica no Executivo, semelhante à do SNE no Ministério das Corporações e Segurança Social, reveladora do primado das questões sócio-laborais. (anteriormente a Junta de Emigração funcionara, partir de 1947/8 no Ministério do Interior, claramente denunciando, apesar da sua
composição inter ministerial, o objectivo primário de controlo e limitação dos movimentos migratórios). A posterior transição da SEE para o MNE não se deveu a uma mudança de perspectiva, mas à procura de uma melhor articulação das acções externas com os consulados.
Todavia, qualquer que seja a sede do pelouro da emigração no organigrama do Governo,  é sempre indispensável a ligação ao conjunto dos serviços da administração pública, muitos dos quais não têm conhecimento preciso da realidade da vida dos cidadãos e das comunidades no estrangeiro. Assim, o que os responsáveis pelos departamentos da emigração não podem resolver directamente (  ) deve ser por eles acompanhado num trabalho incessante de esclarecimento e sensibilização.
Os serviços dependentes da SEE foram, durante as décadas de 70 e 80, objecto de um esforço de recrutamento e formação de técnicos altamente especializados e de aperfeiçoamento das estruturas, ainda que através de um movimento pendular, ora dando
forma a novas unidades especializadas,  um Instituto autónomo, para além de uma Direcção Geral, ora privilegiando a unificação das suas componentes, as de perfil mais burocrático – regulamentação jurídica, estatística, informação sobre condições de saída e retorno, acompanhamento de situações concretas, negociação de acordos -  e as mais inovadoras, voltadas para a acção cultural, que foi ganhando espaço, gradualmente e, sobretudo a partir da década seguinte..

2 - A década de 80 -  O ciclo das comunidades

O VI Governo Constitucional, empossado em Janeiro de 1980, alterou a Secretaria de Estado, acrescentando à Emigração a vertente das Comunidades Portuguesas. Sem descurar
o acompanhamento da evolução das migrações, dentro e fora da Europa, o governo colocava, assim, igualmente, o enfoque nas comunidades antigas e na Diáspora, ou seja, na componente cultural. As comunidades transoceânicas foram chamadas à participação no CCP  e à colaboração regular com o governo, estreitando-se, em simultâneo, o relacionamento entre governo central e governos regionais dos Açores e da Madeira, que têm as suas populações, há séculos, espalhadas, maioritariamente, pelas Américas e pela África
Em Lisboa, a Direcção Geral da Emigração e o Instituto da Emigração, dotado de autonomia administrativa e financeira, foram, nesse ano, fundidos no Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas (16), que, seguidamente, desconcentrou competências em delegações no estrangeiro, junto dos consulados, e no país, através de protocolos com Câmaras ou Governos Civis.
No que respeita a movimentos migratórios, este foi um período em que se acentuaram as tendências da década antecedente - um escasso volume de saídas e regressos em massa -  regressos temidos pela opinião pública, de que os media se faziam eco, insistentemente. Afinal, a vinda de mais de meio milhão de pessoas só até 1984 (prosseguindo ao ritmo de cerca de 30.000 por ano até inícios de 90), não foi um novo retorno súbito e desordenado, como o que resultou da descolonização de Angola e Moçambique, mas um movimento dirigido essencialmente, às terras de origem, com a reintegração bem sucedida da maioria, ajudando
a recuperação económica de terras despovoadas pelo êxodo de 60.
A partir de 1983, durante o IX Governo Constitucional, o IAECP instalou na delegação do Porto um "Centro de Estudos (que funcionava por projectos, a desenvolver em parceria com centros de investigação externos) e a coordenação de uma comissão interdepartamental para apoio ao regresso, assim como o "Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas" e a sua linha editorial, vistos como um primeiro passo para a organização de um museu da emigração.
 A adesão à CEE, em 1985, não veio alterar este estado de coisas. Embora o estatuto de cidadania europeia tivesse, a partir de então, facilitado a integração de muitos portugueses, nomeadamente através do direito de estabelecimento, não permitiu, numa conjuntura económica desfavorável, novas correntes migratórias significativas.
Em 1985, realizou-se, em Viana do Castelo, o 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo – em cumprimento de uma recomendação do CCP. Era o início das políticas de género na emigração. Em 1987, estava prevista a constituição de uma conferência periódica para audição das mulheres migrantes, a funcionar na órbita do CCP, que não se concretizaria, durante o XI Governo Constitucional., que dissolveu esse órgão consultivo.

3 -A década de 90 - um novo discurso sobre emigração/imigração

Após anos de laboriosa construção de uma arquitectura institucional para sustentar as políticas de emigração, assistiu-se, na passagem da década de 80 para a de 90, à sua “desconstrução”, norteada pela tese de que Portugal deixara de ser um País de emigração e se convertera em destino de imigração. O IAECP foi extinto, e os seus serviços integrados na Direcção-Geral de Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP), o que teve como consequência
imediata a perda definitiva da autonomia administrativa e financeira, de algumas das suas valências e a gradual substituição, nos cargos de topo, de funcionários do seu próprio quadro, altamente especializados, por diplomatas, em serviço sempre transitório.
O discurso oficial sobre a inversão dos movimentos de emigração/imigração era duplamente desajustado à realidade. De facto, em matéria de emigração, apesar do abrandamento dos fluxos de saída, cerca de um terço da população permanecia no estrangeiro, em condições semelhantes às do passado próximo, e muitos portugueses continuavam a sair do país, ainda que, maioritariamente com contratos temporários. No que respeita à imigração, o aumento foi diminuto até quase ao fim do século, só então se dando a entrada em massa de imigrantes, no mercado de trabalho, sobretudo europeus de leste e brasileiros
A desvalorização dos problemas sociais da emigração recente não prejudicou, antes pelo contrário, o enfoque na "diáspora" e na lusofonia – como evidencia a criação da RTPI, um grande investimento estratégico feito pelo Ministério da Comunicação Social na aproximação aos PALOPs e às comunidades portuguesas em todo o mundo
Em 1996, com o XIII Governo Constitucional, um CCP foi relançado, através de uma eleição por sufrágio directo e universal e manteve-se, desde então, em actividade, mais ou menos regular. Uma das suas principais reivindicações, a assistência social a emigrantes idosos em situação de carência (ASIC) veio a ser equacionado, em fim de mandato deste governo.

4 - O século XXI e o recomeço da emigração em massa

 O Direito dos Expatriados regista, no começo do século XXI, alguns dos maiores avanços – a recuperação automática da nacionalidade portuguesa, com efeitos retroactivos, o alargamento do direitos de voto, com a definição do critério mais lato para a votação no PR, o sufrágio generalizado para o Parlamento Europeu, a não discriminação das comunidades no acesso ao ensino da língua, as iniciativas para a igualdade entre mulheres e homens e para o reforço dos laços dos jovens com o nosso país, - em que o Dr José Cesário se tem empenhado enormemente . Gostaria de realçar, também, as actuais políticas de cooperação com universidades para o estudo das migrações, ou de parcerias com organizações da sociedade civil na via do “congressismo" – que são meios eficazes na mobilização da juventude
ou de outros grupos marginalizados, como as mulheres, ou os mais idosos. Estes últimos permanecem como o núcleo mais esquecido. Têm sido considerados quase exclusivamente no aspecto assistencial
Pensando na interrogação que este colóquio nos dirige “Que perspectivas?” eu terminaria, dando conta de algumas das preocupações que me suscita a situação actual: Perante uma realidade de emigração desmesurada, quantitativamente próxima da dos anos 60 – sobre a qual se vai pronunciar, em detalhe e com todo o conhecimento de causa, o Dr Victor Gil - , perante o desmantelamento de meios institucionais, má herança da início da década de 90, perante o declínio do movimento associativo, ao menos nos seus moldes tradicionais, o que fazer?
Numa área, em que é fundamental a especialização, a experiência, a actuação no terreno, o contacto com as instituições das comunidades., o que não se deve fazer é a reforma de que se fala: avançar para uma estrutura comum de execução das políticas de emigração e imigração.
 Depois da perda de autonomia dos serviços próprios da emigração num grande ministério (apesar da crescente abertura da diplomacia portuguesa a vários domínios, outrora menos centrais, do económico ao social…), uma segunda diluição, numa unidade destinada, em simultâneo, a desenvolver políticas de base territorial – como são as da imigração – e políticas de actuação externa, direccionadas à ccoperação com autoridades estrangeiras, com
comunidades muito distintas, em termos de organização própria, de problemas e solicitações seria um contra senso, em prejuízo geral
 Na verdade, o ACIDI vem ganhando funcionalidade e prestígio e a SECP precisa apenas de um reforço de meios, exigidos pelas novas circunstâncias. Deveria recuperar recursos que perdeu, serviços especializados que provaram a sua eficácia no passado ainda próximo - delegações a funcionar junto de consulados, núcleos de assistentes sociais…Nas Embaixadas dos principais países de destino da emigração actual o ideal seria preencher os lugares de adidos ou conselheiros sociais, que uma austeridade cega extinguiu recentemente…O processo das migrações em curso, pela sua heterogeneidade, envolvendo mulheres e homens, com qualificações, idades, projectos muito diversos é demasiado complexo para prescindir de novas estruturas.
Há que prosseguir as políticas de modernização da rede consular e de informatização, as “permanências consulares”, que são um dos mais positivos sinais dos tempos…Há que desenvolver a investigação sobre o fenómeno migratório, a mobilização do movimento associativismo e dos media das comunidades – incentivando, como disse, e não é demais
repetir, a inclusão dos grupos mais marginalizados, e, até por isso, mais capazes de “fazerem a diferença” - as mulheres, os mais jovens, os mais idosos, mas não menos capazes de exercício do voluntariado. Há que nivelar, por cima, em todos os continentes, o acesso ao ensino e à cultura. Há que promover o encontro entre a nova e a antiga emigração. Há que relançar o CCP. É, talvez, a hora de convocar um congresso mundial das comunidades do século XXI. É, sem dúvida, a hora de providenciar meios práticos para atingir fins, reforçando, no interior do Governo, o papel de um SECP, com larga experiência e capacidade de mediação. Para Portugal é um domínio onde se joga o futuro e não só o de centenas de milhares de novos emigrantes, mas o futuro da língua, da cultura, de uma Nação convivente no espaço universal


NOTAS
(1)Nº 1 do art.44
(2)Art. 14
(3) Nº 2 do art 152
(4) Nº 1 do art. 46
(5) Art.124
(6) Nº 1 do art. 246 e art. 252, no que concerne, respectivamente, à eleição de freguesias e de municípios
(7) Nº 2 do art.121
(8) Nº2 do art. 115
(9) A Galiza, face a Portugal, tem quase o dobro de eleitores e uma taxa de abstenção muitíssimo mais baixa

(10) Nos termos da alínea J) do art. 74 o Estado deve “assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa” – uma obrigação cumprida de forma imperfeita e irregular nas diferentes comunidades da Europa e de fora da Europa…

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