abril 14, 2019

Revolução Emigração NOVOS DIREITOS NOVAS POLÍTICAS

 Neste ano de 2014 a programação da AEMM propõe um olhar sobre a Revolução de Abril de 1974, sobre o seu significado e virtualidades na área específica das migrações.
 À revolução ligamos, naturalmente, uma palavra: liberdade!  Liberdade para todos os portugueses, mulheres e homens, liberdade para os emigrantes - os que já o eram e os que o queriam ser. É, assim, uma realidade admiravelmente nova, em rotura definitiva com o passado, porque, de facto, a saída do país nunca fora, ao  longo de mais de quinhentos anos, inteiramente livre. As mais antigas e persistentes políticas neste domínio iam
todas no sentido de condicionar ou proibir um êxodo continuado em sucessivos ciclos, quase sempre visto como excessivo, sobretudo quando envolvia mulheres ou famílias inteiras..
A Constituição de 1976 ao proclamar (no nº 1 do art.. 44) a liberdade de circulação através das fronteiras do país, expressamente englobando o direito de partir e o direito de regressar, estabeleceu um  é precedente histórico, numa história multissecular.
Precedente constitucional de igual alcance é o reconhecimento de direitos políticos e a imposição ao Estado de obrigações para com os portugueses do exterior, na qual se vai fundamentar o emergente estatuto jurídico dos expatriados. Estatuto em evolução, que começa na concessão do direito de voto para a AR em círculos não territoriais ( nº 2 do art. 152).
Direitos e deveres!. Segundo o art. 14:  "Os cidadãos portugueses que se encontram ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência".
A interpretação pelo legislador do conceito de "incompatibilidade" com a ausência, ao reduzir esse domínio, progressivamente, tornou-se o principal instrumento do aprofundamento dos laços de cidadania face ao país de origem.
Um exemplo: o sufrágio na eleição para o PR, excluído  na Constituição em 1976, é aceite na revisão constitucional de1997 - 23 longos anos depois de ser "incompatível" com a ausência do território, deixa de o ser...
 Está, pois, adquirida a regra da igualdade de direitos entre todos os portugueses, no interior ou exterior, incumbindo ao Estado desenvolver políticas de proteção dos cidadãos num espaço transnacional- muito
embora, em determinados aspetos, num quadro de persistência de condicionalismos específicos .
A democracia é, pela primeira vez, concebida à dimensão nacional, e vai sendo aprofundada na transição do "paradigma territorialista"  para o "paradigma personalista", centrado na pessoa, nos seus direitos
individuais, na sua pertença a uma comunidade que extravasa fronteiras. É o fim de um dogma que se impunha com caráter absoluto, em nome da soberania territorial do Estado. - muito embora subsistam certas restrições ,nomeadamente no campo da participação política, ou em matéria de direitos à prestações sociais, por velhice ou doença e até no que respeita ao acesso ao ensino da língua e da cultura.  Por isso me parece adequado
falar de transição, de processo evolutivo, inacabado, aquém de bons exemplos de direito comparado, como o de Espanha.
De qualquer modo, há, de facto, um "antes" e um "depois" do 25 de Abril: antes, os emigrantes sofriam uma verdadeira "capitis diminutio", perdendo, ao fixar residência no estrangeiro, todos os direitos políticos, a nacionalidade, se adotassem voluntariamente a de outro país (no caso das mulheres, automaticamente, pelo casamento com estrangeiros), assim como direitos sociais e culturais, “maxime”, o direito ao ensino da língua; depois daquele Abril, os emigrantes são reconhecidos como sujeitos da comunidade, da cultura e da história
portuguesas, que se desenvolvem num espaço verdadeiramente universal..

 OS NOVOS DIREITOS

Passo a enuncia-los, de uma forma breve, para, seguidamente, podermos no tempo de debate, analisar o que precisamos de fazer em favor de uma "cidadania de iguais", dentro e fora das fronteiras geográficas,
erradicando, de vez, o "paradigma territorialista".
Segundo o nº 1 do art. 46º da Constituição de 1976  "Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos".
Os portugueses emigrados conquistam, assim, o direito de voto para Assembleia da República. Porém, não ainda com um “voto igual”…. De facto, o nº 2 do art. 152º, restringe a aplicação do sistema proporcional aos círculos territoriais e o regime de excepção vai servir para impor, na lei eleitoral, um teto de apenas quatro representantes em dois círculos da emigração, europeia e transoceânica (menos de 2% do total de dos membros da Assembleia, para uma população que se estima em 30%, embora, há que reconhece-lo, sejam muito menos de 30% de potenciais recenseados no estrangeiro...).
Nos outros atos eleitorais a Constituição de 1976 exige a residência no território nacional (art. 124 para o PR) ou na área territorial da autarquia (art. 246º nº1 para as freguesias e art. 252º para os municípios). Nas regiões autónomas, na ausência de estatuição semelhante, os respetivos estatutos político administrativos podem
regular o "modus faciendi" para o exercício do direito. Cabe-lhes fazer propostas, mas a deliberação é da competência da AR (aí está certamente a razão do impasse de 40 anos, que contrasta com o processo de alargada participação dos emigrantes nas eleições na Galiza e nas outras Autonomias).
O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, como referi, entre públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na revisão Constitucional de 1997,  com especiais exigências, nos termos
do nº2 do art. 121: "A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional".
 Mais restritiva é ainda a norma (o nº2 do artº 115), que prevê a sua participação nos   "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito. Até hoje, o legislador ordinário ainda não quis reconhecer que fosse esse o caso em qualquer dos processos referendários havidos...
Não poderei alongar-me, aqui, sobre as vicissitudes destes processos, em que tive intervenção ao longo de mais de 20 anos, sempre, em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional, autonómico e autárquico, com base em exemplos do direito comparado - como o espanhol, que atribui aos seus expatriados o direito de voto a todos os níveis. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós, os partidos actuaram, regra geral, de acordo com as expectativas sobre o sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam menos
favorecidos desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos partidos mais interessados nesse voto. Alguns talvez até acreditassem na profecia…Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam dúvidas sobre o seu irrealismo: no estrangeiro o universo eleitoral éreduzido e estável - cerca de 260.000 recenseados e cada vez menos votantes.. Na Espanha,, só a Galiza tem quase o dobro de eleitores no estrangeiro, e uma taxa de abstenção exemplarmente baixa...
Creio que o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora", que, aliás, redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, a popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade",  se ficou a dever a onfusão entre emigração recente  - a que, tendo passaporte português, pode recensear-se voluntariamente e, em larga maioria, note-se, não o faz... -  e Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não pela política.. A meu ver, é excelente que se deixe os próprios emigrantes e seus descendentes a escolha das formas de "ser português"...

AS NOVAS POLÍTICAS, OS NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS

A preocupação com as questões da emigração revelou-se, na cronologia das iniciativas nesta área, antes de mais, na criação, em 1974, da Secretaria de Estado da Emigração, que integra os serviços
preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do estrangeiro, sobretudo na Europa. Com o novo regime, essas políticas embrionárias vão conhecer um seguro desenvolvimento, nomeadamente no que respeita:
 - À representação política e à aceitação da dupla nacionalidade:
 - À defesa activa dos direitos dos portugueses e  à negociação de acordos bilaterais de emiração e segurança social. de que havia já diversos exemplos, antes de 1974
 - À atenção dada ao associativismo, às instituições que criaram um espaço extra-territorial de vivência portuguesa, e que, dentro dele, desde sempre, se substituíram ao Estado ausente. Quando este decidiu intervir, olhou-as, naturalmente, como parceiras em todas as vertentes das políticas para a emigração e a Diáspora, em que elas possuem experiência e meios operacionais.. Com isso ganharam todos, e o próprio Governo potenciou a sua ação enormemente:
  - Ao ensino  da língua, que, depois da revisão constitucional de 1982, se converte em obrigação constitucional do Estado ("assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa"). Os governos têm dado, porém, um cumprimento parcial e desigual em diversos países e continentes a esta estatuição da alínea i) do art 74;
  - À informação  - informação sobre as condições de emigração e de regresso e, também, sobre o país, devendo neste domínio realçar-se o lançamento, na década de noventa, da RTPI, uma aposta inédita e inteligente, todavia subaproveitada até hoje:
 - Ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de um conjunto de benefícios fiscais, empréstimos a juros bonificados. para aquisição de casa própria ou par lançar empreendimentos, cuja eficácia se viria a comprovar nos anos seguintes. A reinserção de centenas de milhares de portugueses, vindos, sobretudo, de França e de outros países do nosso continente foi por eles, em regra, bem gerida, no quadro dessas medidas, a ponto de se poder
falar de "regressos invisíveis”, como me lembro de ter feito, no período alto desses movimentos.`
 - Ao apoio social, em casos de extrema pobreza, na velhice e na doença, medida imprescindível em muitos países sem sistemas públicos de saúde e segurança social. São ainda esquemas incipientes, como o ASIC, que não configura verdadeira pensões sociais, como as que existem em outros países europeus de emigração:
 - Às medidas para a promoção da igualdade de género, que é, hoje, de acordo com um novo inciso introduzido na revisão de 1997 -  artº 109 -  um dever do Estado, que os governos do século XXI souberam tornar
extensivo às comunidades do exterior, dando, 20 anos depois, sequência a um 1º encontro mundial de mulheres no associativismo e no jornalismo, realizado em 1985 (em termos europeus, uma iniciativa inédita). A audição das mulheres e o impulso à sua participação cívica foi retomada com os "encontros para a cidadania" (2005 2009),  dos
quais a AEMM foi um dos principais co-organizadores, por parte  da sociedade civil. Foi e continua a sê-lo. Com o atual governo, no mesmo espírito têm sido desenvolvidas iniciativas múltiplas para a igualdade, fundamentalmente em diálogo com ONG's.
 - As iniciativas para a juventude, muitas das quais seguem, igualmente, uma estratégia de aproximação e sensibilização, que passa por encontros no e com o país, na linha que poderemos chamar de "congressismo", assim como por ações de formação e incentivo a novas formas de associativismo.
Poderemos, no tempo de debate,  fazer o balanço destas e de outras medidas tomadas, em concreto, por sucessivos governos, poderemos ter, sobre o seu grau de execução e de sucesso, diferentes opiniões, assim como sobre as políticas que se impõem, precisamente agora, em tempo de um êxodo tremendo, que parece não ter fim. É, porém, um facto inegável o progresso que representa a assunção pelo Estado das suas responsabilidades para com os expatriados, mesmo que ainda lhes não dê, eventualmente, no terreno, um
perfeito cumprimento.
Ficam para trás, e creio que para sempre, quinhentos anos de políticas que se limitavam a tentar o controlo dos fluxos migratórios e a fechar ou abrir as fronteiras conforme as conveniências ou, como aconteceu após a criação da Junta da Emigração, em 1948, a acompanhar a vicissitudes da viagem transoceânica até ao ponto de
chegada, aí deixando os portugueses entregues a si próprios em terra estranha.  Maria Beatriz Rocha Trindade designa-as, expressivamente, por "políticas de trajeto de ida", propugnando a adoção de "políticas de ciclo completo", que são hoje, a meu ver, impostas pela Lei em  cada fase do ciclo migratório, quer este termine no
regresso, ou na integração no exterior (o que eu sempre referia como as políticas de "apoio à dupla opção", opção livre que não cabe ao estado influenciar, mas, na minha perspetiva, apoiar, qualquer que seja.

MEIOS INSTITUCIONAIS

Uma nota preliminar sobre o enquadramento institucional das políticas de emigração, para salientar que estas têm sempre de ser desenvolvidas num eixo interministerial, pois as matérias que respeitam aos problemas, aos
interesses e aos direitos dos expatriados, exatamente como as que concernem os residentes no país, só podem, na sua globalidade, ser resolvidas pelo conjunto dos serviços da administração pública,  Num
país com cerca de um terço da população no exterior todos os governantes e todos os funcionários devem lembrar a sua existência nas decisões quotidianas. Contudo, isso não acontece só porque deveria acontecer . a verdade é que a realidade da vida dos cidadãos e das comunidades do estrangeiro é, muitas vezes, esquecida ou mal conhecida.
E, por isso, principal papel dos serviços da emigração (ou, desde 74, do pelouro governamental  que os superintende), é chamar a atenção para essa realidade, é sensibilizar para eventuais especificidades, num trabalho
incessante de coordenação.
Os primeiros organismos criados para este objetivo foram de natureza  semelhante às atuais comissões
interministeriais, embora com outra designação: no primeiro quartel do século XX, sem historial relevante, o
"Comissariado da Emigração", e, em meados do século (1948), com vida ativa mais longa e eficaz, a "Junta de Emigração", sedeada no Ministério do Interior - sede adequada a um organismo que se propunha, antes de mais, o controlo dos movimentos migratórios, o  recrutamento e acompanhamento da saída dos portugueses. Á "Junta" sucedeu o "Secretariado Nacional da Emigração", que já mencionei como organismo propulsor de um início de proteção dos cidadãos no estrangeiro e de apoio às atividades culturais do associativismo.
Depois do 25 de Abril foi criada a Secretaria de Estado da Emigração,  junto do Ministério do Trabalho, transitando, ainda em 74, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a finalidade de melhor interagir com a rede consular. A maioria das  delegações da emigração, constituídas nos anos seguintes, passaram, naturalmente, funcionar na periferia dos consulados, muitas delas mesmo nas suas instalações.
A partir de então assistimos a um movimento pendular ora no sentido de dar forma a mais departamentos especializados, ora no sentido de os unificar, com o expresso propósito de  conseguir melhor articulação
entre as várias  componentes - uma de  perfil mais burocrático - informação, recrutamento, negociação de acordos,
legislação, outra mais voltada para a ação cultural externa, para o apoio ao movimento associativo. A SEE incluía, na década de 70, uma Direção-Geral  da Emigração e um Instituto  de Emigração, dotado de autonomia
administrativa e financeira.
Em 1980, numa altura em que, além da DGE e do IE, existiam de jure, embora não de facto,  mais duas instituições, o Instituto de Apoio ao Regresso e o Fundo de Apoio às Comunidades a opção foi a de caminhar para a unificação, no IAECP, que manteve  a ampla autonomia do IE e reuniu em si todas as competências daquela panóplia de serviços. Seguidamente o IAECP iniciou o processo da sua regionalização, através de delegações abertas através de protocolos com Câmaras ou Governos Civis, nas regiões de maior fluxo de regressos.
A partir de 1985, o IAECP, no âmbito das suas funções, sedeou na Delegação do Porto, um "Centro de Estudos", com enfoque nas migrações de regresso. Em simultâneo, é lançada uma linha editorial e iniciada uma recolha de dados num "Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas", primeiro passo para um futuro  museu da emigração. Assim se prescindia de novas alterações orgânicas, em favor de um experimentalismo com um mínimo de custos. O IAECP foi extinto, na década de 90, e os seus departamentos, integrados na DGACCP. Este englobamento  implicou a perda definitiva da autonomia administrativa e financeira -  situação que se mantém-.
A mais importante alteração posterior foi a centralização no MNE,através do Instituto Camões, do ensino de português no estrangeiro, em todos os seus níveis - exemplo de um centro de decisão que muda de um ministério sectorial. como o da Educação, para o MNE.  Paradigma contrário se pode apontar no domínio da informação,  onde o MNE  não tutela a RDPI ou a RTPI. Uma 3ª via, a decisão conjunta do MNE e de outros ministérios, é a que se impôs em matéria de segurança social (ASIC). Um feixe de soluções diversas, difíceis de harmonizar, que vem das origens dos serviços para a emigração
Uma última palavra para a instituição de um órgão que não se integra propriamente no organigrama da SECP, mas que desempenha um papel insubstituível na elaboração e execução das políticas para a emigração e para a Diáspora: o Conselho das Comunidades Portuguesas
 Um órgão criado na confluência dos diferentes moldes de afirmação nacional da emigração antiga e recente , no
modelo original proposto pelo DL nº 373/80. Nele tinham assento representantes eleitos das associações, independentemente de serem ou não de nacionalidade portuguesa. Servia, assim, tanto a emigração como
a Diáspora. Era um órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE (de facto, uma presidência delegada no Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas). Uma plataforma de encontro e articulação de ações entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo plural na sua essência. Um Conselho pensado para duas vertentes, para a emigração antiga, com a força das suas aspirações e projetos culturais e para a mais jovem, com os seus problemas laborais e sociais. Nem sempre foi fácil a reunião de ambas e teria sido talvez preferível, como sempre propugnou Adriano Moreira, a instituição de estruturas próprias para cada uma delas.
No CCP, a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, dificultando os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre,por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes matriciais - e focando sobretudo as questões sociais e políticas do quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Em qualquercaso, foi uma esplêndida vivência democrática, que,  assim, pois, desde a primeira hora, deu do Conselho a imagem mediática da conflitualidade  mais do que pela da cooperação e solidariedade, que, por sinal, em matérias fundamentais, sempre existiram. Foi, com certeza essa imagem de marca que, a partir de 1987/1988, levou um novo governo a suspender as suas reuniões, a silencia-lo, antes de o substituir por uma organização composta de múltiplos colégios eleitorais, que, como era previsível, não funcionou.
Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino – numa eleição por sufrágio direto e universal, isto é, restrito aos emigrantes com nacionalidade portuguesa
O Conselho teve, pois, uma vida feita de várias vidas entrecortadas, num percurso mais acidentado do que outros organismos existentes na Europa`. Mas resistiu, e será hoje mais fácil do que já foi impor-se como grande forum democrático. Poderá vir a ser, idealmente, uma espécie de 2ª Câmara, de carácter consultivo e representativo, uma "assembleia" dos portugueses do estrangeiro - título que passou a assumir o antigo "Conséil" francês. Um órgão que, a meu ver, deveria ser consagrado na arquitetura da Constituição, ao abrigo do poder discricionário de um qualquer governo. Esta hipótese foi discutida na AR, em 2004, por iniciativa da Sub- comissão das Comunidades Portuguesas, a que eu, então, presidia . Podemos dizer que a ideia já iniciou o seu percurso.
O CCP, ao contrário do IAECP, parece ter futuro e continua a ser incessantemente reequacionado, de facto e "de jure", aguardando-se para breve mais uma reforma legislativa.
O fim do IAECP implicou a perda de uma margem de autonomia essencial no setor das comunidades portuguesas, dentro do universo do MNE ... Com esta afirmação, não é no poder e competências do responsável político que estou a pensar, mas nos meios operacionais de que dispõe, no desaparecimento de  departamentos e de chefias próprias, com especialização, vocação e experiência nas complexas matérias que integram o setor.
Em período de nova emigração, a falta vai sentir-se muito mais e a melhor solução não é certamente, depois de um processo de verdadeira indiferenciação num grande ministério, uma segunda diluição num departamento que se ocupe, em simultâneo (e, com toda a probabilidade, prioritariamente...) da imigração.
A inserção orgânica dos serviços de emigração é, afinal, indiciadora da orientação das prioridades políticas de um Executivo. Em Portugal foram sedeados no Ministério do Interior, quando o primeiro objetivo era o controlo dos movimentos de saída e no Ministério do Trabalho, tal como acontece em Espanha, quando a proteção dos trabalhadores se impôs a quaisquer outras finalidades, só tendo transitado para o MNE, para melhor aproveitar a articulação com os serviços externos do Estado. Na Grácia, integra-se no Ministério da Cultura, a revelar a importância dada aos laços de ligação neste domínio - e, evidentemente, à Diáspora.
A junção, num mesmo pelouro, de políticas de emigração e imigração, que, aparentemente, há quem proponha em Portugal, é, na minha opinião, uma inovação de risco, uma originalidade dispensável, sobretudo na conjuntura que atravessamos.
O que é preciso é  reforçar os meios institucionais da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, recriar Delegações externas, em países, onde os problemas se avolumam, nomear Conselheiros e Adidos Sociais, onde uma austeridade mal direcionada os eliminou dos quadros das Embaixadas. Este é um domínio onde as boas soluções para o futuro se podem inspirar nas lições dos anos que se seguiram à revolução, quando se procurou construir uma democracia inclusiva dos Portugueses do mundo inteiro.  

Numa linguagem simples, límpida, coloquial. que nos prende da primeira à última página, esta narrativa na primeira pessoa do singular não cessa de nos surpreender e encantar, através de uma vertiginosa sucessão de factos, de aventuras, e de encontros com pessoas, no quadro de variadas realidades sócio-culturais, em paragens longínquas..É uma trajetória individual meteórica que acompanhamos, aceitando o convite do Autor para uma longa viagem de memórias, que atravessa épocas, regiões, continentes, desde remotos lugares do Alto Minho, como Cousso, Cubalhão, a Serra da Peneda (onde um menino orfão e desprivilegiado pareceria condenado a crescer e trabalhar num confinamento insuperável), até aos espaços imensos, aos horizontes que alargou, com o seu inconformismo e uma insaciável vontade de conhecimento, caminhando, os pés na terra, de terra em terra, incansavelmente, indo cada vez mais longe - primeiro num Portugal que o discurso do "Estado Novo" concetualizava como uma unidade pátria pluricontinental, que, sob a mesma bandeira, se estendia "do Minho a Timor". O jovem Carlos Lemos vai precisamente do Minho a Timor, cruza os mares, ajuda a desbravar matas virgens, nas margens de rios africanos, a explorar as costas das possessões portuguesas do Indico ao Pacífico, ultrapassa fronteiras, converte-se ao destino tão português da emigração, na lonjura do sul da África e da Oceânia...
"História de uma vida", assim denomina, discretamente, como é seu timbre, tão fascinante encadeamento de relatos, confidências, observações, comentários e ensinamentos do maior interesse histórico, antropológico, político. A primeira tentação de quem a lê é o de lhe acrescentar adjetivos expressivos, como "vida excecional", ou "vida fantástica"!
Desde o princípio, desde a infância, o mais insólito e espantoso é que todas as decisões, afinal tão avisadas, são dele, apenas dele, depois de terminar prematuramente a escola, e de ficar entregue a si mesmo, em trabalhos árduos, trabalhos de adulto, que despertam a sua precocidade e força de ânimo. E, assim, em dificuldades e desafios ilimitados, se forja uma personalidade independente, honesta e tenaz, mas também sensível e gentil.
Num dos seus primeiros empregos urbanos, em Monção, num café bem frequentado, um velho e arguto doutor diz-lhe, a certa altura: "és um perfeito diplomata!". Retive, muito em especial, essa exclamação profética, porque, cerca de quatro décadas decorridas, quando o Dr. Carlos Lemos organizou a minha primeira visita a Melbourne, e o conheci mais de perto, não fiz, mas poderia ter feito idêntica apreciação. Ali estava um diplomata nato, amabilíssimo, hábil e pragmático, qualidades que juntas, em regra, não se encontram. Ali estava um emigrante que prosseguia, apaixonada e eficazmente, a missão de enaltecer a história e os valores eternos da lusofonia, e de defender a imagem e os interesses dos seus compatriotas - antes mesmo de ser nomeado cônsul honorário.
O seu dom natural de se aproximar das pessoas (independentemente da classe social, do estatuto académico, de tendências ideológicas, de origem étnica, de idade...) a par de uma inteligência invulgar explica, o que, por modéstia, nunca explicita: a facilidade com que, rapaz solitário, vindo de um pequeno povoado rural, é aceite nos círculos mais fechados e "snobs" das elites de então, ou nas tertúlias de estudantes, com quem, sem dúvida, aprende a reflectir e debater sobre quaisquer questões
É na sua nova profissão de topógrafo - com formação, em boa hora, adquirida nas Minas da Panasqueira - que conversa, em Cascais, com o Presidente Carmona, e convive com as netas do Presidente, com jovens da alta burguesia. A Póvoa do Varzim é o destino seguinte, e bem marcante, no extenso roteiro que tem pela frente. Faz parte de grupos de estudantes e recém licenciados. É aí que decide retomar os estudo e completa cinco anos do liceu de uma vez só!
Mais tarde, em Moçambique, conta entre os seus íntimos Paulo Vallada, João Maria Tudela e, como eles, pertence ao mais seletivo dos clubes, o Clube de Lourenço Marques. Em Pretória, é amigo de Mary, a filha de Henry Oppenheimer, de Tamara, a ex-toureira, em Durban, de Jonathan, o filho de Alan Paton, do próprio Alan Paton, que o estimava muito, e em casa de quem conhece personalidades como Mandela, Oliver Tambo, Sisulu e Lutuli e tem o privilégio de assistir a inúmeras conversações entre eles -, em Hong Kong do famoso português que, como Presidente da Câmara, projetou a cidade para o apogeu, o Comendador Arnaldo Sales, em Timor, de Ruy Cinatti, a quem admira imensamente, na Austrália de Kenneth McIntyre, cujas teses sobre a descoberta portuguesa deste país defende e apregoa por todo o lado, a começar por Portugal e por Macau (onde, por sua influência, o Museu Marítimo dedica, atualmente, uma secção a esse achamento secreto e onde o texto original inglês veio a ser traduzido para a nossa língua).
Exemplos, entre centenas. de ilustres personalidades que se nos tornam familiares nas páginas deste livro! De destacar ainda, relacionamentos ocasionais e incomuns, caso de Samora Machel (que dele cuida no Hospital de Lourenço Marques!), e, numa conturbada Indonésia, durante umas férias improváveis, da mulher do General Yani, Chefe do Estado-maior das Forças Armadas, e ela própria uma celebridade. A Senhora Yani, logo convida o simpático casal Lemos para animados passeios por lugares turísticos, receções e jantares, e até para uma visita a casa de Sukarno.
Um português de quem, obviamente todos gostam - moçambicanos, timorenses, indonésios, egípcios, sul-africanos, negros e brancos, aborígenes do deserto australiano... artistas, homens de letras e ciências, empresários, embaixadores, políticos de um sem números de países. Uma impressionante rede universal de contactos fraternos, que ficam para sempre, que cultiva e reencontra em intermináveis digressões. Como não olhar, retrospetivamente, séculos de história, e lembrar a velha arte portuguesa de fazer amigos entre gentes de todo o Globo? No século XXI, este português dá-nos a certeza de que somos ainda o mesmo povo, com a ânsia de movimento, de que se teceu o "século de ouro" dos Lusíadas - movimento de caravelas, de homens, de ideias, e, frequentemente, de afetos também…
Em meados do século XX, a um ousado Carlos Lemos, com pouco mais de 20 anos, a especialização em topografia e hidrografia faculta modernos meios técnicos de exploração ou reconhecimento da terra e dos mares, primeiramente ao longo do retângulo continental, depois, em Moçambique, nos vales do Limpopo, do Rio dos Elefantes (já na fronteira norte da RAS) , em Timor, de lés a lés, e, posteriormente, nos desertos da Austrália, onde percorre, em trabalho de campo, 34.000 km, inscrevendo o seu nome como pioneiro em diversos lugares então intocados de território austral.
Ao tentar esta breve apresentação (certamente arbitrária e redutora....) da sua autobiografia, devo acrescentar que a considero uma digna herdeira da literatura de viagens de sabor quinhentista, na medida em que o Autor vai muito além de uma mera menção de ocorrências, de apontamentos sobre lugares de exótica beleza - que também abundam... - para nos dar a sua visão sobre costumes, conflitos sociais e políticos, sobre personalidades que deixaram indeléveis marcas na história. É a mundivisão de um homem culto e cosmopolita, do sociólogo e do observador político, que já era, antes de terminar os estudos universitários nestes domínios (iniciados na África do Sul, onde conhece Molly, sua futura mulher, e concluídos, uns anos depois, em Melbourne). Um incansável "peregrino em terra alheia" (como o definiria Adriano Moreira), disposto a partilhar com o leitor mil e uma experiências vividas, vicissitudes e sentimentos, mais o seu sentido de humor, que irrompe aqui e ali, direcionado de preferência a si próprio, na menção de alguns pequenos desaires, pelos quais se penitencia, com muita graça...
O casamento com Marion Murray, a jovem de origem britânica, doutorada em psicologia, que se lhe junta nessa "ilha do fim do mundo" , Timor , a revelar um simétrico gosto pela aventura e pelo movimento (juntos, levados pelo trabalho de um ou de outro, ou pelo puro prazer do turismo, darão várias voltas ao mundo.....) iria, a breve prazo, ser o início de uma "segunda vida" para ambos - a vida de emigrantes, definitivamente enraizados num novo país. A carreira académica da Professora Marion, centrada na Austrália, será o factor de estabilização. A partir daqui, a autobiografia regista novas profissões exercidas pelo Autor, em Melbourne - professor da universidade, do liceu, agente de bancos comercias, gestor... E revela-nos, também, uma nova faceta: a de líder, de principal construtor de uma comunidade forte e coesa, onde antes só havia portugueses dispersos e ignorados na sociedade de acolhimento... A partir de então, com o seu "ímpeto de Portugal (como diria Pessoa) e capacidade de mobilização, a história dos portugueses em Victoria fica intimamente ligada à sua própria história. Um exemplo que os estudiosos da génese das comunidades da emigração contemporânea e da nossa diáspora precisam de analisar, como um "case study"! Na verdade, muitas famílias portuguesas estavam já radicadas naquele Estado, mas sem qualquer dinâmica de agregação entre si. Tudo muda pela ação e pelo carisma de um "homem de causas". Começa pelo fundamental: cria uma escola de português (em 1972), um programa de rádio em língua portuguesa, do qual é diretor e locutor, uma "Comissão de atividades da comunidade", (a que preside, entre 1976 e 1984). o"Portuguese Community Trust", (1983), cooperativa destinada a angariar fundos para uma sede associativa condigna, projeto que, por obstáculos burocráticos, é reconvertido, dando origem ao famoso "Café Lisboa", restaurante português de alto nível, no centro de Melbourne, que atrai as elites políticas e culturais da cidade e oferece, como era sua vocação inicial, um espaço aberto a iniciativas comunitárias. O Dr. Carlos Lemos vê-se na obrigação de encabeçar o projeto reconvertido, garantindo-lhe um sucesso espetacular. Aí recebe muitas individualidades do mundo lusófono de visita ao país: D Ximenes Belo, o Dr. Ramos Horta, o Dr.Alberto João Jardim, Carlos do Carmo, os escritores da diáspora Vasco Calixto e Marcial Alves, o Secretário de Estado Correia de Jesus, o Governador Rocha Vieira (com quem se inicia uma colaboração estreita com Macau), os sucessivos embaixadores e cônsules de Sydney e tantos outros… A não esquecer o chamativo lançamento de um CD de música para as crianças de Timor, que foi trazido em mão pelo Arcebispo Deacon, depois de aterrar de helicóptero, num terreno contíguo ao Café Lisboa!.
Anteriormente, enquanto dirigente da "Comissão de atividades", promovera as primeiras festas a Nª Sª de Fátima, com uma procissão que circulou nas ruas de Melbourne, e à qual não faltaram o Arcebispo da diocese, o Ministro da Imigração, o Cônsul-Geral de Sidney e outras individualidades (que obviamente aceitaram o convite de um amigo especial...), para além de uma multidão de milhares de portugueses, que, assim, ganham visibilidade na sociedade australiana.
A visibilidade da Pátria - da sua história, das suas tradições e qualidades bem vivas na emigração - é uma causa maior assumida numa ação constante, em que podemos destacar: a divulgação das teses de Kennett McIntyre sobre a descoberta secreta da Austrália pelos navegadores lusos, corroborada pelas investigações de PeterTrickett (sobre o Atlas Vallard de 1547) e do Professor catedrático John Mollony (sobre vocábulos de origem portuguesa entre os aborígenes) e a procura de outros laços de ligação com a Austrália - como o facto do que é considerado o fundador da nação moderna, o Governador Arthur Philip, ter sido oficial da nossa Marinha, ou o enfoque na nacionalidade portuguesa de Artur Loureiro, o grande pintor portuense, porventura, hoje, mais recordado em Melbourne, onde se radicou por uns anos, do que na terra onde nasceu, ou na solidariedade luso - timorense dada a Bernard Collinan, herói australiano, que comandou a "Coluna independente", na resistência ao invasor japonês, durante a grande guerra, e que também foi seu amigo.
Há, porém, um feito que deve ser salientado, como expoente máximo, pois só por si, mais do que justificaria a alta condecoração, que, em 2002, lhe foi entregue pelo Presidente Sampaio: a proposta, bem concretizada, de erguer, em solo australiano, um padrão evocativo dos navegadores portugueses.
Foram muitas e morosas as diligências que permitiram garantir o espaço perfeito, numa belíssima colina sobre o mar agreste, em Warrenambool ( onde, em oitocentos, foram avistados, por inúmeras testemunhas oculares, os vestígios prováveis de uma caravela quinhentista) e, ulteriormente, uma inauguração, com honras de presença dos mais altos representantes do Estado: o Governador Geral, o Embaixador de Portugal, Ministros, deputados, Kenneth McIntyre, uma massa imensa de participantes e, o que não é despiciendo, com uma enorme cobertura dos grandes "media"!
Warrenambool é, doravante, um lugar de culto da história e da presença portuguesa. O “Portuguese Festival”, de periodicidade anual, atrai milhares de turistas ao monumento (entretanto enriquecido com a inauguração das estátuas do Infante D Henrique e de Vasco da Gama, oferecidas, por proposta do Dr Carlos Lemos, pelo último Governador de Macau – evento muito mediático, a colocar Portugal, novamente, no centro das notícias).
Em que outro país ou continente, dos que foram, como sabemos, descobertas secretas de Portugal, conseguiu a nossa diplomacia algo de semelhante? Obviamente, em mais nenhum…
É, assim, uma realização esplêndida e única, a coroar uma consistente trajetória de intervenção, em defesa das pessoas e dos valores nacionais, junto dos Governos, de lá e de cá - intervenção lúcida e corajosa nos domínios da emigração, da lusofonia, da política internacional, com uma participação ativa nos “fora” e congressos mundiais da Diáspora, com uma voz que clama, desassombradamente, contra o negativismo dos historiadores, ao renegarem teses verosímeis, favoráveis à grandeza pátria, contra a mediocridade dos políticos e servidores públicos, contra a injustiça e a intolerância.
Uma palavra final para agradecer ao Dr. Carlos Lemos a sua amizade e a sua preciosa colaboração de décadas, na luta pelos direitos dos emigrantes e dos timorenses e, também, para manifestar ao Homem e ao Português, a minha admiração, pela forma como soube dar um sentido humanista e fraternal ao movimento incessante da sua vida, que muito ainda nos promete.
Manuela Aguiar

Espinho, 12 de Agosto de 2015
A minha divisa é: de exames e chumbos, o menos possível.
Estou, pois, nas antípodas do actual Ministro da Educação, que, ao que parece, acredita na multiplicação dos exames, a todos os níveis, como a grande panaceia para a melhoria do nível do ensino...Acho esta perspectiva completamente errada. Os exames não acrescentam nada a ninguém.
A melhor avaliação é a que os professores fazem de forma continuada, atentos ao progresso dos alunos. A qualidade do ensino é a qualidade das pessoas - de quem ensina e de quem aprende. Os exames nacionais são apenas uma prova de desconfiança nas escolas, nos professores...
E chumbar não pode ser visto como um castigo, mas antes como um privilégio.
Assim se pensava já na Suécia, em finais da década de 60. Na altura, isso para mim foi uma surpresa, porque nunca tinha imaginado que fosse possível criar um sistema em que os chumbos fossem uma anomalia, mas logo aderi àquela escola de pensamento (estava num curso organizado para francófonos pelo Instituto da Informação em Estocolmo - "Connaissance de Suéde"). Um verdadiro achado: só repetia o ano um aluno, que por razões excepcionais, não tivesse conseguido acompanhar os outros - caso em que era obecto de atenção e apoio especial. Era a social democracia, no seu melhor!
 Em Portugal não havia, então, sequer democracia, quanto mais social-democracia... Mas seria o modelo praticável no Portugal depois de 1974? Nunca um Ministro de Educação ousou propô-lo... Parecia-me que não...
De repente, em 2015, um antigo Ministro da Educação e actual Presidente do CNE, veio abrir caminho a considerar esta opção. Já era coisa de causar espanto, neste país conservador, de tradição patriarcal e autoritária! Fantástico descobrir que, na nossa "inteligentsia", ao lado dos Cratos existem Justinos - mesmo que os Cratos sejam muitíssimos e os Justinos poucos...
Porém, mais fantástica ainda é a notícia que vem na 1ª página do Expresso: há uma Escola, o Agruppamento de Carcavelos que aplica este modelo "nórdico", com sucesso, há já 12 anos!
PREFÁCIO
O Diário Provável é uma viagem ao interior do mundo da emigração portuguesa, com alguém que alia a experiência de anos e anos de contacto com situações concretas - difíceis, problemáticas... - a uma grande sensibilidade para o sofrimento de pessoas inadaptadas, marginalizadas, e ao conhecimento das regulamentações jurídicas, das burocracias dos países envolvidos no trajecto migratório, dos contornos sociais de questões, que se colocam, com premência, a exigir soluções. Ao que acresce a arte de bem escrever, o dom de apaixonar o leitor pelas personagens, pelas vicissitudes da sua aventura de procuraram em outras terras, no confronto com outras leis, costumes e formas de estar em sociedade, o que o seu próprio país lhes não garantia - emprego, perspectivas profissionais, ou mesmo, num contexto hoje já ultrapassado, liberdade e democracia.
Ficção ou realidade?
“Diário Provável” é uma expressão tão sugestiva quanto ambígua, no que respeita a essa interrogação. Se percorrêssemos todos os capítulos do livro, deixando para o final o primeiro, intitulado "Vidas em tom menor" - onde a explicação nos é dada, sob a forma de um diálogo do Autor com um amigo, que é também um diálogo connosco -, julgaríamos estar face ao verídico registo de casos anotados, dia a dia, pelo responsável do serviço social do Consulado de Portugal em Bruxelas. É o que parece, mas, em rigor, não é - nem poderia ser, por razões deontológicas. Nomes, datas, frequentemente as circunstâncias, ou até o desfecho efectivo, foram, naturalmente, alterados. Isso é, porém, coisa de somenos. Na essência, estamos perante um impressionante relato de ocorrências, captadas na sua verdade humana, bem presente em todos os textos, através de vibrantes narrações, ora focando um determinado evento, ora sumariando o percurso migratório de mulheres e homens, ao longo de muitos anos.
Sou levada a traçar um paralelo com crónicas de uma “realidade ficcionada” na prosa acutilante de Maria Archer, que previamente confidencia aos leitores: "O meu trabalho neste livro ["Eu e Elas"] foi quase o de um artista plástico. Moldei as obras sobre o modelo vivo". Deparamos aqui com uma outra fascinante aplicação desse paradigma - uma obra rigorosamente moldada sobre “modelo vivo”, gizada, do princípio ao fim, com uma profunda compreensão afectiva, uma simpatia que não exclui ninguém.
Por vezes, tudo quanto os interlocutores querem é falar, falar em português, reencontrando um espaço cultural perdido, pelo tempo de uma conversa amiga - reclusos, que sofrem a perda da liberdade, agravada pelo estatuto de estrangeiros, doentes internados em hospitais, em instituições sócio psiquiátricas... Outras vezes, há que agir - para valer, de imediato, a vítimas de violência doméstica, à menina órfã que precisa de uma nova família, à mulher sequestrada pelo marido, a jovens que chegam "ao Deus dará"... Há que proceder com bom senso e perspicácia, ajudando a que, por si mesmos, encarem novos rumos, porque, como diz, com a sageza aprendida na formação académica e aprofundada na prática profissional, "sempre pensei que as soluções têm de vir das próprias pessoas".
São vivências do quotidiano, a que o "saber contar" dá densidade dramática e emoção, aqui e ali pontuada por um subtil sentido de humor, permitindo-nos partilha-las, ver e sentir o que ele próprio viu e sentiu, no seu gabinete acolhedor. Muitas delas revelam-nos personalidades ou circunstâncias extraordinárias- porque o real rivaliza, quando não ultrapassa, frequentemente, o potencial imaginativo do romanesco...
Penso na jovem reclusa (correio de droga - a tentação fatal do dinheiro fácil...), planeando casar no consulado, logo depois do nascimento do filho, que espera no confinamento da prisão. ( No dia da cerimónia, de Portugal vem o noivo, a mãe, duas filhas pequenas, da penitenciária chega ela, num carro celular. E logo o consulado se converte para eles numa casa de família, aberta para uma festa comovente e inesquecível). Penso no velho mendigo português, que, no centro de Bruxelas, aproveita o segmento lusófono de "mercado", sempre com um sorriso no rosto e conversação jovial - um sem abrigo, que tivera antes muitas profissões, graças às quais, por intervenção do Consulado, vai mudar de estatuto, de mendigo para reformado, com pensão, casa própria e amigos...E em outras excêntricas figuras: o pescador que aparece todos os anos, na primavera, e se faz repatriar para o Porto, ora pelo consulado de Portugal, apresentando o BI, ora pelas autoridades belgas, por quem se deixa prender por vagabundagem, sem qualquer documento de identificação; o tatuador que vem dos Andes e pede repatriamento para os Açores; o portuense que se julga primo do Rei dos Belgas e não quer ser repatriado antes de apresentar cumprimentos na corte...
A religar estes e tantos outros protagonistas existe um só denominador comum: são,todos, numa cidade estrangeira, portugueses cujas vidas, por instantes significativos, se cruzaram com a do Autor, deixando o seu rasto de memórias, umas tristes, muitas outras felizes, porque recordam pontos de viragem, na destino dessas pessoas.
A narração atravessa, assim, o campo da chamada "emigração de sucesso", conduz-nos ao outro lado, o mais esquecido, o das "vidas em tom menor". No vasto fresco da representação das comunidades portuguesas contemporâneas, a geração do "salto", para a Europa, tomou o seu lugar, de início num quadro de exploração generalizada, que gradual e maioritariamente superou, de uma forma corajosa e assertiva. Uma "geração de triunfadores", nas palavras de Eduardo Lourenço, nos anos 80, ao fazer um balanço do processo global. Mas a minoria dos que ficaram para trás - e ainda hoje alguns ficam - é uma parte do todo, que não pode ser abandonada à sua sorte. E não o será, enquanto houver profissionais competentes e dedicados, cuja função é, justamente, a de combater a marginalidade e cooperar na procura de vias e condicionalismos propícios a uma boa integração.
Nesta outra perspectiva, que vai muito para além de um enfoque puramente literário, devemos realçar o valor da publicação como testemunho histórico, como marco das grandes mudanças nas políticas contemporâneas de emigração, que romperam com a atitude de descaso tradicional do Estado para com os expatriados, reconhecendo um novo estatuto de direitos aos nacionais, dentro e fora de fronteiras, no domínio político, social, cultural. A ruptura com um passado de indiferença face à situação dos cidadãos fora do território nacional, tem a sua origem em medidas embrionárias de acompanhamento dos emigrados nas vésperas da revolução de 1974, mas só vem a afirmar-se, definitivamente, nos anos seguintes. A criação de serviços sociais junto dos consulados foi, de facto, o primeiro instrumento eficaz destas políticas de cunho humanista. Um dos muitos méritos do "Diário Provável" é, precisamente, o de nos mostrar, como, a partir das leis, das intenções e declarações oficiais, se passou à prática, dando aos consulados, antes vistos como serviços meramente burocráticos, um rosto mais humano. É, pois, uma incursão até ao cerne dos serviços sociais, revelando a sua enorme importância e constituindo um alerta para que não haja, em nome da austeridade, a tentação de os limitar ou suprimir, precisamente quando explode uma nova vaga imparável de emigração..
Uma palavra final de agradecimento pelo honroso convite para prefaciar este livro e de manifestação do regozijo com que o faço, porque posso dizer que me deu, como dará certamente a todos os leitores, um retrato de época da emigração portuguesa recente, das novas políticas de protecção implementadas, com autonomia e criatividade, pelos executores “no terreno”, e, também - ainda que não fosse obviamenteo esse o seu propósito –, um admirável auto-retrato do Autor, da sua vocação e qualidade profissional, do seu gosto de viver e conviver no universo em expansão das nossas comunidades do estrangeiro.
2015, o ano da morte de Maria Barroso

! - Num tempo propício a festas de família, balanços e prognósticos políticos, estava eu posta perante a dificuldade da escolha de tema para esta coluna, enquanto ouvia, na Antena 1, um programa sobre os factos marcantes de 2015. Primeiro pronunciaram-se comentadores e celebridades, depois a voz do povo, glosando motes: a aliança de esquerda pós eleitoral, o Banif e outros buracos negros, o desaparecimento de três vultos da vida portuguesa, dois cineastas e um poeta…
Reagi, de imediato ao esquecimento em que via deixada uma grande personalidade que, em julho, partira do nosso convívio, a Dr.ª Maria Barroso. Tinha de escrever sobre ela…

2 - Maria Barroso foi um símbolo de excelência em tudo quanto fez durante uma vida longa, em tantas e diversas vestes – jovem e talentosa atriz do Teatro Nacional D Maria II, pedagoga e diretora de um colégio que colocou no topo dos “rankings”, militante da causa da liberdade, que usou o palco do teatro, a expressão artística, a força da poesia na sua voz, como instrumento de luta, mulher que ousou subir ao mundo masculino dos comícios políticos e falar sem medo.
Esteve no centro da sua própria família como esteve no centro da vida pública nacional, com a mesma dedicação e competência. Foi o rosto da cultura, da inteligência e da elegância das mulheres do seu país, na Europa e no mundo. A conversão, sincera e emotiva ao catolicismo, aprofundou o seu sentido de missão, a vontade de viver para os outros, num mundo melhor, que foi o fio condutor do seu percurso, nas Artes, na Política (com letra grande), no Voluntariado. O trabalho que, nas últimas décadas levou a cabo, no campo dos direitos humanos, na Fundação Por Dignitate, foi notabilíssimo, ultrapassou fronteiras, em especial no espaço da Diáspora e da lusofonia (no processo de paz de Moçambique, em Angola, na Guiné), no combate ao tráfico de armas, à intolerância e à violência nos “media” (e sobre todas as formas!), no apelo à participação das mulheres nas suas comunidades - como eu pude testemunhar, durante os chamados “Encontros para a Cidadania”, nos quatro cantos do mundo, admirando, de perto, a sua energia contagiante, uma enorme proximidade das pessoas, feita de compreensão dos problemas e de simpatia, uma rara capacidade de mobilização, pelo discurso e pelo exemplo - ia já nos 80, quase nos 90 anos.
Uma caminhada intensamente vivida em todas as idades, com a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente, com uma espantosa modernidade de pensamento e vontade de ação – até ao seu último dia entre nós!
Maria Barroso foi a maior figura feminina do século XX português, um incomparável exemplo de cidadania, que seu (e nosso) tempo lega ao futuro, um legado verdadeiramente intemporal, como o cinema de Oliveira ou os versos de Helberto Hélder.

3 – Há alguns anos, numa brilhante intervenção na cidade de Joanesburgo, a Dr.ª Maria Barroso lembrava que “apesar da História ter sido tecida por Mulheres e Homens, só a estes é dada relevância”.
 Não deixemos que isso aconteça no seu caso!


Maria Manuela Aguiar
MULHER MIGRANTE


1 - A "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (AMM), criada em 1993, reuniu no ato de fundação mulheres e homens da emigração e de dentro do país, que partilhavam a preocupação com os Direitos Humanos e os Direitos das Mulheres no quadro específico da expatriação. Gente que tinha a vivência dos problemas e se dedicava à sua investigação ou à intervenção no plano cívico e político. 
A AMM não é uma associação feminina. Não tem a origem nem a sede no estrangeiro, mas em Lisboa. Está aberta a todos os que se dedicam ao estudo do fenómeno migratório ou se propõem combater as desigualdades e a exclusão, que atinge, de forma especial, as mulheres migrantes e as minorias étnicas. O seu objetivo é, assim, aprofundar o conhecimento de realidades variáveis de comunidade para comunidade, aproximar as comunidades entre si, e promover as condições para a participação e a cidadania plena.em cada uma delas.
Outra singularidade que distingue a AMM é ter, antes de uma história própria, a sua "pré-história", que faz questão de reconhecer e destacar. De facto, vai buscar a inspiração à tentativa pioneira de instituir uma organização internacional de mulheres, que aconteceu durante o "1º Encontro de Mulheres Portuguesas no Associativismo e no jornalismo", promovido pela Secretaria de Estado da Emigração, em 1985, na cidade de Viana do Castelo. Foi o 1º encontro desta natureza não só em Portugal mas, tanto quanto se sabe, na Europa e no mundo, antecipando em mais de 10 anos iniciativas das Nações Unidas.
A ideia veio de interior do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), onde tinham assento jornalistas e dirigentes associativos eleitos entre os seus pares, sob a forma de recomendação ao governo, que o governo aceitou e implementou, de imediato. Na altura, as emigrantes eram completamente marginalizadas no associativismo da Diáspora e o "Conselho" refletia essa situação gritante de discriminação. Em 1981, era composto exclusivamente por homens! Após o segundo processo eleitoral, em 1983, apresentava apenas duas conselheiras, uma em Toronto e outra em Paris, ambas na secção de jornalismo. 
Deve-se a Maria Alice Ribeiro, diretora do mais antigo jornal de Toronto em língua portuguesa, a proposta da convocatória do 1º Encontro, que, à semelhança do CCP,  promoveu a audição de jornalistas e mulheres envolvidas no movimentos associativo - uma espécie de "Conselho" no feminino,
Foi um congresso memorável, excedeu as expetativas mais otimistas, e abriu caminho às políticas de género para a emigração, que contudo só viriam a ser desenvolvidas, sistematicamente, duas décadas depois.
Contudo, não conseguiriam, nos anos seguintes, lançar a organização internacional que era, afinal, a mais ambiciosa das suas propostas,

2 - Oito anos depois, perante a total ausência de políticas públicas e de iniciativas das comunidades, algumas das participantes e das organizadoras desse mítico "Encontro de Viana" decidiram instituir um ONG, a Associação Mulher Migrante, destinada a preencher o vazio, a colocar na ordem do dia as questões da emigração feminina, da reflexão sobre o papel das mulheres na Diáspora e expansão da lusofonia e da mobilização para a igualdade. Como começar? Com um grande congresso mundial, evidentemente. E onde? Em 
Espinho! (de onde éramos duas das guardiãs da memória do 1ª Encontro e fundadoras da AMM -  Graça Guedes e eu. Avançamos com a candidatura da nossa cidade, que foi aceite consensualmente. Aqui reunimos cerca de 300 participantes dos cinco continentes. O "Encontro Mundial" de Espinho, sob o lema "Diálogo de Gerações". foi , até hoje, o maior de todos e deu à AMM a credibilidade para se converter em parceira de sucessivos governos, no esforço de promover a mudança do "status quo", pela intervenção das mulheres nas  comunidades do estrangeiro, como agentes da sua expansão 


 - Na emigração portuguesa desde o século XIX o pendor associativo é muito forte e com ele, verdadeiramente, nascem as comunidades organizadas, que se continuam de geração em geração, preservando a língua. a cultura, os costumes. Ou seja, a "Diáspora", de que, neste sentido, se usa falar. À sua frente, nos órgãos sociais, na direção, encontrávamos sempre homens. As mulheres ficavam na sombra ou nos bastidores, destinadas na "casa coletiva" a um papel semelhante ao que desempenhavam na sua casa. Papel vital, mas publicamente invisível!
Vendo-se assim marginalizadas, algumas ousaram criar as suas próprias organizações. As pioneiras surgiram na Califórnia, em finais de oitocentos, dentro do movimento mutualista -  também ele. coisa absurda, exclusivo de beneficiários masculinos. As fraternais femininas cresceram enormemente, quer em número de aderentes (10.000 a 15.000, nas duas mais antigas e maiores, a União Portuguesa Protetora do Estado da Califórnia e a Sociedade Rainha Santa Isabel), quer em volume de negócios, milhões de dólares, sem todavia esquecerem preocupações sociais e culturais. Ambas sobrevivem, de algum modo,  no âmbito de fusões com outras grandes companhias seguradoras, que os novos tempos  impõem.
Ainda hoje são raras as coletividades  exclusivas de mulheres e quase todas se enquadram no campo mais tradicional da sua intervenção: a beneficência.É o caso paradigmático da Beneficência das Damas Portuguesas de Caracas, que, já neste século, conseguiram realizar o sonho de construir e pôr em funcionamento um gigantesco e esplêndido lar de idosos.
Um modelo mais recente, que combina a vocação social com a mobilização para a participação cívica e politica (o "empoderamento", tradução possível da expressiva palavra inglesa "empowerment"...) é aquela em que se enquadram, por exemplo, a "Liga da Mulher Portuguesa" da África do Sul e as "Associações da Mulher Migrante" da Argentina e da Venezuela. E também, numa corrente do "congressismo" feminino renascido, "A vez e a voz da Mulher", que agrega sobretudo investigadoras e académicas e teve a sua primeira reunião na Universidade de Toronto.
O mais jovem dos movimentos femininos foi iniciado na Venezuela, com as "Academias da Espetada", que pretendem ser uma resposta  às Academias do Bacalhau (naquele país. embora não em outros, ainda exclusivamente masculino), nos mesmos moldes - convívio lúdico, con objetivos de solidaried