outubro 29, 2009

CV ACIDENTAL

CV ACIDENTAL

Acidental no sentido de involuntário, imprevisível, ocasional, irregular, porventura ilógico, a espaços, atraente, divertido, fundamentalmente, pelo movimento e diversidade ...
Há de tudo um pouco, aquém ou além do razoável, sem ser, ainda por cima, um grande curriculum, porque não foi ascencional (nem direccionado à ascensão. Talvez por isso se ficou muito aquém do esforço e da canseira, em termos de resultados, com algumas excepções.
Pouco foi o que aconteceu à medida dos desejos, ainda menos o que foi planeado,
caso do curriculum académico:

1 - O curso do liceu, feito como aluna aplicada qb, primeiro no Colégio do Sardão, depois, por escolha própria e muito insistente, no Liceu Rainha Santa Isabel, do Porto. Média de 18, Prémio Nacional. Meios utilizados correctamente para atingir o objectivo!
2 - Idem, no curso de Direito da Universidade de Coimbra, concluido com 17 e média geral de 16. Prémio Beleza dos Santos de Direito Criminal.
3 - Diplôme Supérieur d'Études et de Recherche en Droit (Instituto Católico de Paris, Faculdade Livre de Direito e Ciências Económicas). 17 no curso de Sociologia do Direito, 15 em Filosofia de Direito, desaguisado e classificação "assim assim" em Sociologia das Instituições (salvo erro - nem do nome do padre que regia o curso, muito afamado, aliás, nem do curso, nem da nota me lembro muito bem - memória selectiva...). Estávamos no pós Maio de 68, Paris, como diria Hemingway, era uma festa!

Até certo ponto, também quis o que consegui no início da vida profissional:
enveredar por uma carreira jurídica, estável e não muito competitiva.
Assistente de um Centro de Estudos de Direito de Trabalho, que dava aso a bolsas de estudo e estágios no estrangeiro, a trabalho de investigação em gabinete, sem horário, a convívio com colegas inteligentes e interessantes, a par de "chefes" amigos, civilizados, bem dispostos e bem educados, primeiro o dr. Cortez Pinto, depois um génio e um fenómeno de sapiência e simpatia, o queridíssimo Dr António da Silva Leal.
O meu "paraíso juslaboral" da Praça de Londres, onde passei anos felizes - desde Janeiro de 1967 até pouco depois do 25 de Abril de 1974.
Por estranho que pareça, na política o único cargo que ambicionei e alcancei, no outono de 1991 (e do que tinha sido a minha carreira política de 2ª classe...) como as coisas se alcançam na política (dizendo "quero aquilo" a um amigo influente) foi o seguinte:
Representante de Portugal no forum de Direitos Humanos, que é a APCE, com sede em Estrasburgo e "sub-sede" em Paris - à qual parece que De Gaulle se referia como "aquele parlamento que dorme nas margens do Reno", pelo que se vê que não sou propriamente "Gaullista" .
Isto após um longo hiato, preenchido pelo exercício involuntário de diversos ofícios profissionais e políticos indesejados, quando não indesejáveis.
Fui eleita pelo Plenário da AR, mas em boa verdade "designada" pelo meu Grupo Parlamentar, pois não há memória de alguém ter sido vetado numa destas votações.
Não confundir a APCE, Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa com o Parlamento Europeu (PE) - erro muito comum.
Do PE nunca fiz parte - nem nunca pretendi fazer parte.
Os lugares de deputado europeu, dando ocasião a colher altos proveitos são, em Portugal, os mais disputados no interior dos partidos, mas a APCE, não dando rendimento algum, dá viagens e, por isso, também é demasiado apetecível.
Não foi fácil conseguir a "indigitação", para a qual contei com um decisiva intervenção de Ângelo Correia (a quem tinha dado conta dessa minha aspiração) junto do Duarte Lima, lider da bancada.
Ângelo é o único social-democrata a quem devo um agradecimento!...
Ajudou o facto de eu ter deixado, justamente então, na "rentrée" de 1991, o cargo de Vice-Presidente da AR, e de não saberem o que haviam de fazer comigo. Quanto mais tempo andasse por longe, melhor para eles - e para mim, também...
Fui membro da APCE entre 1992 e 2005, até deixar a AR.
Ponto final neste capítulo.


DEPOIS DAS EXCEPÇÕES, A REGRA.

Muitos casos, dos que compõem o curriculum genuinamente acidental, detalhados à medida que vêm à memória...

1 - Teria gostado de ter sido convidada para ficar na Faculdade de Direito, no final do curso, mas havia então uma reconhecida relutância em aceitar mulheres no corpo docente.
Os meus colegas-homens foram chamados a esse Olimpo 100% masculino, eu não.
Foi-me simpaticamente oferecida (pelo Prof Afonso Queiró) uma bolsa de estudos, que, mais tarde, devolvi por inteiro, ao desistir de apresentar o trabalho, para seguir outra vida. Quando me tornei assistente do Centro de Estudos, em Lisboa, desisti de vez de um hipotética carreira académica em Coimbra.
Mas uma espécie de carreira académica acidental e intermitente veio ao meu encontro, quando nada a fazia prever... E deixou boas memórias.

Um dia, telefonou-me um Sociólogo, doutorado em Espanha, que não conhecia de lado nenhum: o Prof Àlvaro de Sousa. E reciprocamente. O meu nome fora-lhe indicado pelo Carlos Branco, um colega de gabinete da Praça de Londres. O primeiro convidado para reger a cadeira de sociologia na Univ. Católica de Lisboa, Carlos Branco, um investigador nato, um sábio demasiado tímido para se expor numa sala de aula, declinou e indicou o amigo para o substituir e ao amigo, sem me prevenir, aconselhou a minha pessoa.
Álvaro de Sousa aceitou de bom grado o lugar e a sugestão de me recrutar como assistente. Fez-me, então, o tal espantoso telefonema.
Eu, não sendo sábia e sendo mais tímida e insegura do que aparentava, comecei por dizer "nâo", mas ele insistiu num encontro, e ao encontro eu disse "sim", evidentemente. A urgência devia ser grande! Era sábado, o Carlos Branco não estava na capital e o prof queria a reunião de imediato. Não tinhamos quem nos apresentasse. O desconhecido do outro lado da linha tinha uma voz tão bonita e parecia tão acessível que, de brincadeira, aventei a hipótese de ele levar um cravo na lapela, mas a sugestão não o entusiasmou. Por isso, sugeri que nos descrevessemos, tal como nos víamos. Ele "forte", muito moreno, cabelo escuro e encaracolado. Eu, 1,68 de altura, cabelo comprido, liso e claro, óculos, "tailleur" castanho.
Parecia o bastante. Local de encontro: Café Londres, às 3.00 da tarde.
Fui mais cedo, comprei "A Bola", pedi o meu cafézinho, instalei-me. Um ambiente muito do meu agrado.
A certa altura entrou um senhor que correspondia à descrição. Olhei para ele, olhou para mim e seguiu em frente para uma mesa no centro da sala. Esperei... Esperei, para além da hora, até que decidi chamar o empregado e disse-lhe: Não se importa de ir àquela mesa perguntar ao Senhor que ali está se se chama Álvaro de Sousa?
O homem era um "atado"... Arregalou os olhos, como se o pedido fosse ofensivo, ou pura gozação, e não se mostrava nada disposto a condescender. Porém, o senhor forte e moreno, que seguia discretamente a cena, apercebeu-se do que estava em questão, levantou-se e veio perguntar-me se era a Manuela Aguiar.
Razão de me não ter reconhecido: a cor do fato. Do ponto de vista feminino era castanho. Do ponto de vista masculino, sendo um "tweed" mesclado em tons de castanho e beige, não era castanho, não era mesmo castanho de modo algum...
Depois desse diferendo, não houve mais nenhum! Acabei a trabalhar como sua assistente - com os bons autores ainda frescos na memória de uma aprendiz de sociólogo no pós Maio 68 parisiense, o que para o efeito, na altura, fazia curriculum... - e garanto que não há á face da terra "patron" académico mais gentil, mais colaborante do que ele. Uma pessoa muito inteligente, muito descomplexado e muito sabedor.
Os estudantes adoravam-no, e eu também.
Tudo o que eu não gostava de fazer, tal como vigiar exames a horas demasiado matutinas, ele oferecia-se para fazer! Nunca vi nenhum número um tão simpático com a, ou o, número dois...
E não somente gostei do professor - gostei também, humanamente, na convivência quotidiana, dos alunos. Foi uma relação feliz que me deu o à vontade de falar para largas e exigentes audiências - que não pensava possível!
Esse estágio restituiu-me a confiança em mim que me levou, 2 anos depois, relutantemente embora, a reger um curso na Faculdade de Direito de Coimbra, e seis anos mais tarde, ao Governo da República.
Disso não duvido, porque haveria, de outro modo, barreiras psicológicas demasiado fortes a me impedir-me de ceder, como fui cedendo, por incapacidade de pronunciar a palavra "não".
Passo a passo se desenhava o caminho em que não queria realmente caminhar...



(continua...)

3 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...

Em rigor, eu não tinha à partida ideias muito firmes sobre as opções que se me abriam , logo que abriram, no liceu, com vista ao ingresso na universidade. E nelas pesaram, afinal, sobretudo, factores "acidentais" ou desligados das razões naturais da escolha.
Quero com isto dizer que, no liceu, feito o antigo 5º ano, não tinha a certeza de preferir letras ou ciências, e deixei ao acaso a decisão. Escolheria o ramo em que consegiisse melhores notas. Embora tivesse dispensado em ambos das provas orais, letras prevaleceu, com mais altas classificações...
Aí, começou nova dificuldade.
O curso preferido era Histórico-filosóficas, mas exigia aprender grego e eu recuso-me a lidar com alfabetos diferentes do meu.
Restava Direito ou Germânicas. A Mãe era pelo Direito, o Pai pelas Línguas - o curso que ele deveria ter feito em Coimbra.
Inscrevi-me num deles, e, depois, de semana a semana, dirigia-me à Secretaria do Liceu Rainha Santa Isabel - por insistência minha tinha deixado o colégio do Sardão - para mudar para o outro.
Quando lá chegava uma simpática funcionária ria-se e ia logo buscar os impressos, porque já sabia do que se tratava...
Iniciei o ano, o antigo 6º, em Germânicas e frequentei as aulas de inglês durante o primeiro mês, inteirinho. Até que , num teste, tirei uma nota "assim-assim".
Não foi bem esse facto que me desmoralizou. Foi o comentário da Professora: "para ti não está mal, ainda vais conseguir melhorar um bocadinho".
Deprimente, o seu ar de condescedência com a "mediania" para a qual fatalmente me atirava! Insuportável.
No Sardão, com a Madre Mary King era "barra" a inglês! E, sendo caracteristicamente uma Aguiar de 8 ou 80, só me sintia confortável com notas péssimas ou óptimas. Meias tintas, não.
Desanimadíssima, arrisquei mudar de alínea, ou seja, de curso, uma última vez.
Para a alínea de Direito, bastava trocar o inglês por história.
A professora de história era a Drª Adelaide Aleixo, que tinha uma fama aterradora no capítulo da exigência e de algumas "manias" e preconceitos, um deles, dizia-se, contra alunas que apareciam de para-quedas, a meio de um trimestre.
Arrisquei a tal confortável nota péssima, que as óptimas haveriam de compensar...
Em boa hora mudei, de vez! A Profª Adelaide Aleixo era uma velhinha linda e interessante, que me fascinava com a sua arte de explicar as matérias, que de qualquer modo me fascinavam, "de per si"...
Ela gostou daquela recém-chegada que tão obviamente seguia, descontraidamente, a sua lição.
Nunca desci do estatuto de aluna favorita e, no exame final, para alegria mútua, dela e minha, obtive, na disciplina, 20 valores.

Maria Manuela Aguiar disse...

Foi também por puro acaso que consegui o meu 1º emprego.
Terminado o curso de Direito - ainda que com "distinção" , muitos 16 e 17 em exames finais, 17 no 5º ano, média geral de 16 - ficava atrás de qualquer homem formado com a nota mínima de 10 valores. Eles podiam ingressar, de imediato, nas carreiras da magistratura judicial, então coisa fácil, ou na carreira diplomática. Saídas que me agradariam, mas estavam vedadas ao sexo feminino.
Aberto estava o que não me atraía: Registos e Notariado.
Sem emprego, já casada com um colega, então a fazer a tropa, restava-me ir completando os estágios de advocacia e notariado, e esperar.
De Coimbra, veio uma bolsa de estudo para pós-graduação, da parte do Prof. Queiró, e do Grémio dos Ourives, o Sr Ferreira Marques, encarregava-me de uns trabalhos ocasionais - cheguei a participar em reuniões em ministérios e departamentos da EFTA, a discutir regulamentação de contrastes, toques e coisas assim... E até fui tomada por economista especializada. Que ideia!...
O Pai frequentava, nessa data cursos universitários em Lisboa, naquele Instituto, onde pontificava o Prof. Sedas Nunes.
Secretário Geral do Instituto era o Dr. Carneiro Leão - um homem encantador e eficientíssimo.
Encontrámo-nos, uma tarde na entrada do edifício, estava eu, numa roda de colegas do Pai, a protestar contra a mentalidade e as leis de um país, onde uma licenciada em Direito, com as mais altas notas, não conseguia um emprego, que estava ali, à mão de semear, para os colegas homens.
Ele estava a chegar, ouviu a conversa, avançou para me ser apresentado, e a primeira coisa que disse foi: "Dentro de uma semana arranjo-lhe colocação condigna".
Eu agradecia, mas dizendo: "Para uma mulher vai ser complicado...
"Não vai", respondeu, repetindo a promessa.
E cumpriu. Dois ou três dias depois ofereceu-me, de bandeja, o convite para um lugar de auditor do Centro de Estudos do Mº das Corporações e Previdência Social.
E dizendo: "Não se precipite, porque o Prof. Bigotte Chorão está interessado em a levar para o Ministério da Educação (outra espécie de "centro de estudos"...).
Note-se: o Prof. Bigotte Chorão também não me conhecia!
Estava a olhar o curriculum, não a pessoa.
Esses centros de estudos, que , estupidamente, desapareceram no pós 25 de Abril, exigiam altas médias de curso, ainda que as "cunhas" pudessem funcionar - mas num círculo restrito de candidatos que preenchiam o requisito "notas"...
Claro que nem exitei! Aceitação imediata do lugar na Praça de Londres, tanto mais que estava a preparar uma tese em direito do trabalho!
Mas como se vê, tudo por acaso... Qual teria sido a minha vida se o Dr Carneiro Leão tivesse chegado minutos antes, ou depois?

Maria Manuela Aguiar disse...

Porquê esta fixação no Conselho de Europa?
Desde os primeiros contactos com a instituição, na vertente governamental, me pareceu um espaço por excelência de dabate de ideias e de defesa de causas. Assim era pela menos no domínio que me ocupava - o das migrações. Talvez não seja tanto assim em outros aspectos... mas todos nós somos muito marcados pelas experiências pessoais. A minha neste espaço foi auspiciosa!
Curiosamente, quando o CE ainda não me dizia nada de especial, preferi fazer-me substituir pelo colega do Trabalho, Luís Morales, na 1ª Conferência de Ministros responsáveis pelas migrações, em Estrasburgo, 1980, e cumprir compromissos numa comunidade longínqua.
Porém, na 2ª Conferência, em Roma, 1983, depois de vários contactos mantidos, directamente e através dos serviços, já a minha adesão sentimental e política era forte. Já "fazia parte" e tinha um quinhão de influência - e a prova é que fui eleita Vice-presidente da 2ª Conferência, a par da Ministra sueca Anita Gradin, nome "grado", na APCE. O presidente era, evidentemente, o nosso colega italiano.
No final, apresentei a candidatura de Portugal à realização da reunião seguinte. Aceite!
Por pura sorte era eu que estava na Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, em Maio de 1987, quando veio a efectivar-se a 3ª Conferência, a que presidi, no Porto. No salão Árabe do Palácio da Bolsa.
Lutei pelo Porto e consegui, apesar de ter sido Lisboa a cidade inicialmente proposta. Na altura, a escolha de uma cidade não capital de Estado (ou, pelo menos, uma localidade da sua região) era vista como quase heresia...
Pensei eu, quando regressei ao parlamento, vinda do Governo e de anos trabalho no e com o CE, que seria uma escolha "natural" para membro da APCE, tanto mais que era Vice-Presidente da AR...
Mas não! Os critérios de selecção privilegiavam tudo quanto tinham ou faziam os líderes da bancada e ignoravam, olimpicamente, o que recomendaria a vice-presidente...
Quando o líder máximo me começou a explicar as razões pelas quais a minhapropusitura fora chumbada, tive uma iluninação e perguntei-lhe:
"Vamos supôr que o Prof Cavaco Silva, com o seu conhecido curiculum nacional e internacional, vinha para a AR. Era ou não chumbado por esses tais critérios?"
Muito compenetrado e convicto, ele respondeu:
"Com certeza que era"!
Cavaco, com um curriculum de presidente do PSD, artífice da maioria parlamentar alcançada, primeiro ministro, ex-ministro das Finanças e outras coisas mais, também chumbaria neste teste!!!
A partir daí, esqueci a APCE, durante 4 anos.
Mas, quando deixei a vice-presidência, sendo outro o líder e outros os critérios, tentei de novo.
Não sei se mesmo com regras um pouco menos direccionadas a beneficiar os seus autores teria tido êxito.
À cautela, como disse, falei ao Ângelo...
Entrei à justa, como suplente, mas o estatuto de suplência não me impediu de me tornar proponente e relatora de recomendações múltiplas, membro efectivo de Comissões e, a breve prazo, de ascender a variadas presidências, daquelas que Portugal praticamente nunca tivera com as altas personalidades que me antecederam...
A propósito de APCE e de Parlamento Europeu:
Não sou a única pessoa a preferir a menos mediática APCE. Com mais conhecimento de causa, porque pertenceu a ambos os parlamentos, Rui Almeida Mendes era da mesma opinião. Um adepto da APCE.
Onde tinhamos mais liberdade para dizer rigorosamente o que queríamos, sem baias partidárias...